 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 690/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é 
 recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alíneas b) e g), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC).
 
  
 
 2. Em 27 de Julho de 2006, foi proferida decisão sumária, pela qual se entendeu 
 não tomar conhecimento do objecto do recurso (artigo 78º-A da LTC), com os 
 seguintes fundamentos:
 
  
 
 «Convidado a prestar as indicações constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 75º-A da 
 LTC, o recorrente indicou, entre o mais, que recorria ao abrigo das alíneas b) e 
 g) do nº 1 do artigo 70º desta Lei.
 
 1. Tratando-se de recurso previsto na alínea b), o recorrente deve indicar, de 
 acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 daquele artigo da LTC, a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, a norma ou princípio 
 constitucional que considera violado, bem como a peça processual em que suscitou 
 a questão da inconstitucionalidade.
 Nos presentes autos, o recorrente continua a não indicar as normas cuja 
 inconstitucionalidade pretende seja apreciada. Este Tribunal tem decidido que, 
 
 “quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação 
 normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa 
 interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a 
 julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os 
 respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que 
 essa norma não pode ser aplicada com tal sentido” (Lopes do Rego, “O objecto 
 idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as 
 interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, 
 Jurisprudência Constitucional, nº 3, 2004, p. 8).
 Como relativamente aos artigos mencionados na resposta ao convite que lhe foi 
 dirigido – 40º e 71º do Código Penal e 410º, nº 2, e 412º do Código de Processo 
 Penal – não há qualquer identificação da interpretação feita pela decisão 
 recorrida, não pode dar-se como satisfeito um dos requisitos do nº 1 do artigo 
 
 75º-A da LTC, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78-A da 
 LTC). 
 
  
 
 2. Tratando-se de recurso previsto na alínea g), o recorrente deve indicar, de 
 acordo com o disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 75º-A da LTC, a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie e identificar a decisão do 
 Tribunal Constitucional (…) que, com anterioridade, julgou inconstitucional a 
 norma aplicada pela decisão recorrida.
 Ainda que se entenda que o recorrente questionou a constitucionalidade do artigo 
 
 412º do Código de Processo Penal, ao abrigo desta alínea g) do nº 1 do artigo 
 
 70º, indicando a decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, o 
 julgou inconstitucional, não pode dar-se como satisfeito o outro requisito 
 mencionado, pelas razões que já foram expostas – o recorrente não identificou a 
 norma aplicada pelo tribunal recorrido – o que justifica, também nesta parte, a 
 prolação da presente decisão (artigo 78º-A da LTC). O recorrente limita-se, até, 
 a referir o artigo 412º, quando se trata de disposição legal da qual se podem 
 extrair conteúdos normativos distintos».
 
  
 
 3. Desta decisão reclamou o recorrente, ao abrigo do consagrado no nº 3 do 
 artigo 78º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
 
  
 
 «1.º
 Considerou a Exma. Dra. Juiz Conselheira Relatora que não deveria conhecer do 
 objecto do recurso porquanto: 
 
 - “... Tratando-se de recurso previsto na alínea b), o recorrente deve indicar, 
 de acordo com o disposto no nºs 1 e 2 daquele artigo da LTC, a norma cuja 
 inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, a norma ou princípio 
 constitucional que considera violado, bem como a peça processual em que suscitou 
 a questão da inconstitucionalidade”. 
 
 2.°
 E continua dizendo a tal propósito, o mesmo é dizer a propósito da alínea b), do 
 n.º 1 do art. 70.º da LTC que “… o recorrente continua a não indicar as normas 
 cuja inconstitucionalidade pretende seja apreciada…”.
 
 3.º
 Refere, ainda, desta feita a propósito da alínea g) do artigo atrás referido que 
 o recorrente apenas deu cumprimento a um dos requisitos exigidos por tal 
 disposição normativa, não tendo contudo identificado a norma aplicada pelo 
 tribunal recorrido. 
 
 4.º
 O ora reclamante não se conforma com a decisão de não admissão do recurso pelas 
 razões que abaixo se explicitarão. 
 
 5.º
 Comecemos pelo que à alínea b) do art. 70.° respeita pois, desde logo, entende o 
 Recorrente que resulta claro da conjunção do que alegou em sede de recurso e das 
 indicações que fez no seu requerimento datado 07/08/2006 que: 
 
 6.°
 A norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada é a constante do 
 artigo 410.°, n.º 2 do C.P. Penal, porque permite que a interpretação feita pelo 
 Supremo Tribunal de Justiça, conclua que embora a violação do Princípio in dubio 
 pro reo possa ser objecto de revista, “in casu” este não foi violado, por tal 
 não resultar nem do texto da decisão recorrida, de per si ou conjugado com as 
 regras da experiência comum, não obstante constar expressamente do Acórdão o 
 seguinte: 
 
 7.º
 
 “... pelo menos a testemunha Maria da Assunção viu-o chegar a casa, só o viu de 
 costas e a dizer à mulher que se ia entregar à Guarda que tinha matado um 
 homem”. 
 
 8.°
 Quanto ao facto de esta ter visto ou não o arguido chegar a casa com sangue, “A 
 testemunha não o disse, nem depois de o Tribunal lhe ter feito sentir o dever 
 legal de dizer a verdade. Ficou o Tribunal sem saber se a testemunha viu e não 
 quis dizer ou se não viu, mas tinha sido previamente pressionada para o dizer. E 
 o mesmo, embora de modo menos exuberante, com o seu marido, a testemunha C..” 
 
 9.º
 Ao contrário do que diz o Tribunal Constitucional há identificação da 
 interpretação feita pela decisão recorrida do n.º 2 do art. 410 do C.P.P.. 
 
 10.º
 O arguido refere tal identificação nos artigos 5.° a 13.° das motivações e 
 conclusões I e II do recurso interposto para este Tribunal, bem como no 
 requerimento em que deu cumprimento às indicações constantes dos n°s 1 e 2 do 
 art. 75-A da LTC, nomeadamente nos artigos 2.° a 6.°. 
 
 11.º
 O recorrente menciona que se trata de uma interpretação redutora feita pela 
 decisão recorrida relativamente ao n.° 2 do art. 410 do C.P.P., pois não pode 
 este concordar com o facto de o Tribunal considerar tratar-se a questão do 
 princípio in dubio pro reo tão só de matéria de facto pois, o que arguido vem 
 defendendo, quer já no Tribunal da Relação do Porto, quer no S.T.J. é que a 
 aplicação deste princípio resulta, inequivocamente, de uma dúvida expressa na 
 fundamentação da decisão do Tribunal Colectivo, mas não valorada na decisão 
 final: foi ou não o arguido ferido antes da morte da vítima??? 
 
 12.°
 O arguido não põe em causa a matéria de facto, mas fala somente do que se extrai 
 do texto do Acórdão quando se diz na motivação que: “Quanto ao facto de esta ter 
 visto ou não o arguido chegar a casa cm sangue” “Ficou o Tribunal sem saber se a 
 testemunha viu e não quis dizer ou se não viu, mas tinha sido previamente 
 pressionada para o dizer. E o mesmo, embora de modo menos exuberante, com o seu 
 marido, a testemunha C..” 
 
 13.°
 Assim, resulta claro que a interpretação constitucionalmente correcta do n.°2 do 
 artigo 410.° do C.P.P, deveria ter levado à aplicação pelo menos das alíneas b) 
 e c), e não como aconteceu no Acórdão recorrido que fez uma interpretação 
 restritiva deste, pois apesar do referenciado no artigo anterior, a decisão foi 
 sem mais condenatória, o que demonstra uma contradição insanável entre a 
 fundamentação e a decisão e, ainda, um erro notório na apreciação da prova. 
 
 14.°
 
 É de grande gravidade o facto do arguido ser condenado por homicídio, simples 
 que seja, quando persistem dúvidas na motivação, descritas no artigo anterior 
 acerca de uma legitima defesa, ou um eventual excesso, e em contradição com essa 
 dúvida a decisão final ter considerado não provada a legitima defesa, fazendo 
 tábua rasa não só do acima estipulado, mas também do sangue que se encontrava na 
 viatura do arguido, resultante dos seus ferimentos, e do facto do arguido ter 
 recebido tratamento hospitalar. 
 
 15.°
 Será mais correcto na dúvida considerar não provada a legitima defesa? Será mais 
 correcto na dúvida considerar que o arguido se agrediu a si próprio, apesar dos 
 evidentes sinais de arrependimento, como o facto do arguido de imediato se ter 
 dirigido a casa abalado, dizendo à sua mulher que se iria entregar (vidé 
 motivação da decisão do Tribunal Colectivo)? 
 
 16.°
 Não nos pudemos esquecer que o princípio in dubio pro reo que decorre da 
 Constituição e está estreitamente ligado com o princípio da presunção da 
 inocência, assentando na ideia de que a impunidade de um culpado é mais 
 tolerável do que a condenação de um inocente, conforme afirma Cavaleiro de 
 Ferreira. 
 
 17.º
 Assim, decorre do in dubio pro reo que todos os factos relevantes para a decisão 
 
 (quer respeitantes ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova 
 recolhida, não possam ser subtraídos à dúvida razoável do tribunal, também não 
 possam considerar-se como provados (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 
 
 1, reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 213). 
 
 18.°
 Por isso, podia e devia o Supremo Tribunal aplicar o princípio in dubio pro reo 
 uma vez que da decisão recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em 
 relação a certos factos e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, 
 
 (assim se diz no próprio Acórdão daquele Tribunal referido no Acórdão 
 recorrido). 
 
 19.°
 Efectivamente, não se trata, nem nunca se tratou, como refere o Acórdão do 
 S.T.J., de o recorrente pretender que este Tribunal cuidasse de saber se o 
 Tribunal Colectivo deveria ter ficado em estado de dúvida pois, que no caso em 
 concreto como já supra se explanou, de facto este Tribunal ficou. 
 
 20.°
 E ficou a propósito da agressão ao arguido não obstante um passado incólume 
 deste, 70 anos de vida sem mácula e, ainda, como reconhece o Tribunal atrás 
 referido, ser até a respectiva versão relativa à sua posição e à da vitima 
 adequada ao teor do relatório de autópsia. na parte em que este se refere ao 
 trajecto da bala. 
 
 21.°
 E perante a igualdade de circunstâncias entre as versões a tal propósito do 
 arguido e das testemunhas (sobrinho e amigo da vitima), em face do que se vem 
 explanando é fácil descobrir por qual o tribunal optou. 
 
 22.°
 Até em igualdade o Tribunal Colectivo uma mais vez mais decidiu contra o Réu!!!!
 
 23.°
 No tocante à parte da decisão relativa ao art. 70.°, n.° 1, alínea g) da LTC, 
 entendeu a Ex.ma Sra. Dra. Juiz Conselheira Relatora ter o Recorrente se 
 limitado a referir o art. 412.° do C. P. Penal, no que há identificação da norma 
 aplicada pelo Tribunal recorrido diz respeito; 
 
 24.°
 Por isso e por se tratar de disposição legal da qual se podem extrair conteúdos 
 normativos distintos, acabou por decidir não ter o Recorrente cumprido um dos 
 requisitos exigidos e que foi não ter indicado a norma aplicada. 
 
 25.°
 Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, a técnica jurídica usada pelo 
 Recorrente foi igual à constante do ponto III da Decisão que agora se reclama 
 pois, do art.78.°-A da LTC aí referido também se pode extrair conteúdos 
 normativos diversos. 
 
 26.°
 No entanto, o Recorrente compreende tal facto dado ser consequência do exposto 
 no ponto II da Decisão em questão. 
 
 27.°
 De igual forma deveria ter procedido a M. Juiz Conselheira Relatora em face do 
 alegado pelo Recorrente nomeadamente no art. 8.° a 11.º do requerimento datado 
 de 07/08/2006, assim como já o havia efectuado em sede do requerimento de 
 Correcção / Aclaração do Acórdão. 
 
 28.°
 Até porque, como refere o aqui Reclamante indicou, como devia, decisão deste 
 Tribunal que, com anterioridade, julgou o art. 412.º do C. P. Penal 
 inconstitucional. 
 
 29.º
 E aquelas que indicou referiam-se, sem margem para dúvida, a decisões deste 
 Tribunal que vêm repetidamente afirmando, a propósito do art. 412, n.° 2, do C. 
 P. Penal, que a deficiência na formulação das conclusões, seja por prolixidade, 
 seja por omissão ou por outro motivo, não pode levar à rejeição liminar do 
 recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade de suprir as 
 deficiências. 
 
 30.°
 Daí ter este Tribunal ter declarado com força obrigatória geral a 
 inconstitucionalidade, por violação do art. 32, n.° 1 da CRP, da disposição 
 legal referida no artigo anterior da presente reclamação, quando interpretada no 
 sentido de ser possível a rejeição de um recurso, quando faltassem as conclusões 
 da motivação ou fossem estas em grande número ou, ainda, quando o Recorrente não 
 desse cumprimento aos respectivos ónus legais, sem prévio convite ao 
 aperfeiçoamento das mesmas. 
 
 31.°
 
 É certo que o recurso do ora Reclamante não foi rejeitado, mas afirmando o STJ 
 que as conclusões apresentadas pelo Recorrente são “numerosas e prolixas”, 
 deveria ter convidado o mesmo a suprir tais deficiências, no caso, 
 sintetizá-las, e não de “per si” fazê-lo, retirando de trinta e três (33) 
 conclusões por aquele apresentadas, apenas quatro(4). 
 
  
 
 32.°
 Há ainda que ter em conta em atenção que a não admissão do recurso afecta o 
 direito Constitucional definido artigo 32.° n.°1 da Lei Fundamental que consagra 
 o direito de defesa do arguido. 
 
 33.º
 Assim, no seu entender, a limitação deste direito ou dos meios de defesa, porque 
 constitucionalmente consagrado tem de ser inequívoca, rigorosa e não deixar 
 qualquer margem para dúvidas. 
 
 34.º
 Até porque o arguido, conforme jurisprudência uniforme no sentido da 
 exigibilidade de vários pressupostos de admissibilidade do recurso, deu 
 cumprimento a todos, destacando-se entre eles, a suscitação da questão da 
 constitucionalidade do recurso durante o processo, a aplicação da norma 
 impugnada como o critério da decisão recorrida e a prévia exaustão dos recursos 
 ordinários previstos no nosso ordenamento jurídico».
 
  
 
 4. Notificado da presente reclamação, o representante do Ministério Público 
 junto deste Tribunal respondeu nos termos seguintes:
 
  
 
 «1º
 A presente reclamação é manifestamente infundada, apenas podendo explicar-se 
 pela circunstância de o reclamante não ter na devida conta a natureza normativa 
 do objecto dos recursos de fiscalização concreta e os ónus que, em consequência, 
 a lei do processo coloca justificadamente a seu cargo. 
 
 2°
 Sendo evidente que a dificuldade por ele sentida em identificar a precisa 
 dimensão normativa cuja constitucionalidade pretendera questionar radica – como 
 decorre dos termos da reclamação ora apresentada – em pretender, afinal, 
 controverter a concreta decisão e não qualquer critério normativo aplicado no 
 acórdão condenatório».
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. A decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da 
 alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC assentou na não satisfação de um dos 
 requisitos do nº 1 do artigo 75º-A desta Lei, já que o recorrente não 
 identificou a interpretação que o tribunal recorrido fez dos artigos 40º e 71º 
 do Código Penal e 410º, nº 2, e 412º do Código de Processo Penal.
 Relativamente ao artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, o reclamante 
 sustenta que há identificação da interpretação feita pela decisão recorrida “nos 
 artigos 5º a 13º das motivações e conclusões do recurso interposto para este 
 Tribunal, bem como no requerimento em que deu cumprimento às indicações 
 constantes dos nºs 1 e 2 do art. 75-A da LTC, nomeadamente nos artigos 2º a 6º”.
 Confrontadas as peças processuais e, especificamente, as partes destacadas pelo 
 reclamante, é de reafirmar, porém, que o recorrente se limitou a referir a 
 interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez do nº 2 do artigo 410º do 
 Código de Processo Penal, sem identificar essa mesma interpretação, sendo certo 
 que, quando “se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação 
 de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa 
 interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar 
 inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários 
 delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) 
 normas não podem ser aplicadas com um tal sentido” (Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 106/99).
 A não identificação da interpretação cuja constitucionalidade é questionada 
 resulta, designadamente, das seguintes passagens: 
 
  
 
 “A interpretação redutora que o STJ faz da norma prevista no art. 410º, nº 2 do 
 C. P. Penal é inconstitucional por violação de tais princípios”;
 
 “Verifica-se ‘in casu’ a inconstitucionalidade do artigo 410º, nº 2, do CPP, na 
 interpretação que lhe é dada pelo Acórdão recorrido, por violação ao princípio 
 
 ‘in dubio pro reo’, princípio este em estreita ligação com o princípio da 
 presunção da inocência previsto no art. 32º, nº 2, da Constituição da República 
 Portuguesa”;
 
 “O Arguido pretende ver apreciada e declarada a inconstitucionalidade (…) do 
 art. 410º, nº 2, do C. P. Penal na interpretação que lhe foi dada por este 
 Tribunal recorrido, a qual viola e contende com o preceito constitucional 
 plasmado no art. 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, ‘princípio 
 da presunção da inocência’ com estreita ligação ao ‘princípio in dubio pro 
 reo’”.
 
  
 Com efeito, para além do acabado de transcrever, o recorrente explicita apenas 
 as razões da sua discordância quanto à decisão de não aplicação do princípio in 
 dubio pro reo:
 
  
 
 “7.º
 Se bem que o Acórdão do STJ aqui em causa admita que a violação de tal princípio 
 possa ser objecto de revista acaba por decidir que o mesmo não foi violado, 
 entendendo não ser bastante para tal o tribunal ficar em dúvida “in casu”, se 
 testemunhas vizinhas do arguido o viram chegar a casa com sangue antes deste se 
 entregar à G.N.R.
 
 8.°
 De facto, a questão que se levantava era a de saber se o arguido havia ou não 
 sido agredido pela vítima, no local da ocorrência dos factos, como sempre 
 afirmou, daí que a testemunha Maria Assunção ao afirmar tê-lo visto chegar a 
 casa e ouvir dizê-lo à mulher que se ia entregar à G.N.R., não podia, como não 
 pode ser indiferente ao Tribunal e este não relevar o facto de saber se uma 
 testemunha viu ou não em tal ocasião sangue no arguido.
 
 9.º
 Para uma decisão justa, tanto mais que o que está em causa é a aplicação de uma 
 pena privativa da liberdade, repete-se, não é, nem pode ser, indiferente o 
 Tribunal ficar sem saber se a mesma de facto viu e não quis dizer.
 
 10.º
 Pois, caso tal tivesse acontecido tal facto não podia como é óbvio, deixar de 
 relevar quanto à versão dos factos apresentada pelo arguido, que foi sempre a 
 mesma desde o início do processo”.
 
  
 
  Procedimento que é reiterado na presente reclamação, quando afirma que a norma 
 cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada é a constante do artigo 410º, 
 nº 2, do C. P. Penal, porque permite que a interpretação feita pelo Supremo 
 Tribunal de Justiça conclua que embora a violação do princípio in dubio pro reo 
 possa ser objecto de revista, “in casu” este não foi violado, explicitando 
 depois, por referência à prova produzida, as razões da sua discordância quanto à 
 não aplicação deste princípio. De resto, conclui mesmo que o Supremo Tribunal 
 podia e devia aplicar o princípio in dubio pro reo uma vez que da decisão 
 recorrida resulta que o Tribunal a quo ficou na dúvida em relação a certos 
 factos e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
 No caso concreto, “é, aliás, perceptível que (…) – embora sob a capa formal da 
 invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como aplicado 
 pela decisão recorrida –, o que realmente se pretende controverter é a concreta 
 e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias 
 do caso sub juditio, censurando (…) a adequação e correcção do juízo de 
 valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença” 
 
 (Lopes do Rego, “O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, nº 3, 2004, p. 8 e s.).
 Justifica-se, assim, nesta parte, confirmar a decisão reclamada.
 
  
 
 2. A decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da 
 alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC assentou também na não satisfação de um 
 dos requisitos do nº 1 do artigo 75º-A desta Lei, uma vez que o recorrente não 
 indicou a norma cuja inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie.
 Com efeito, ainda que, formalmente, se possa dar como verificado o requisito da 
 identificação da decisão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, 
 julgou inconstitucional a norma aplicada pela decisão recorrida (artigo 75º-A, 
 nº 3, da LTC), a passagem que, de seguida, se transcreve não permite identificar 
 a norma cuja constitucionalidade se questiona:
 
  
 
 “(…) continua o arguido a defender que os Acórdãos proferidos pelo Tribunal 
 Constitucional n.°s 43/99, 319/99, 419/99, 288/2000 e 337/2000, este último 
 publicado no DR de 21/6/2000 e que declarou, que o art. 412.° do C.P. Penal era 
 contrário à C.R. Portuguesa, não conferem ao STJ, “in casu”, o direito de “per 
 si” sintetizar as conclusões do Recorrente que definem como sendo “numerosas e 
 prolixas” na página n.° 1 do Acórdão recorrido”.
 
  
 Para além de as fórmulas decisórias dos acórdãos referidos se reportarem a 
 preceitos legais distintos, não é aceitável, enquanto indicação da norma cuja 
 inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, a referência genérica 
 ao artigo 412º do Código de Processo Penal. Como se escreveu no Acórdão do 
 Tribunal Constitucional nº 116/2002 (Diário da República, II Série, de 8 de Maio 
 de 2002), a “necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do 
 sentido ou interpretação normativos que o recorrente reputa inconstitucional 
 torna-se, aliás, particularmente evidente (…) quando o preceito ao qual se 
 imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, contém vários segmentos 
 normativos, ou se reveste de várias dimensões ou sentidos interpretativos, 
 susceptíveis de suscitar questões de constitucionalidade diversas, eventualmente 
 passíveis, também, de respostas distintas”.
 O recorrente não cumpriu, pois, o ónus que lhe é imposto pelo nº 1 do artigo 
 
 75º-A da LTC. Incumprimento que não representa simples inobservância do dever de 
 colaboração das partes com o Tribunal, mas constitui, antes, o não preenchimento 
 de um requisito formal essencial ao conhecimento do objecto do recurso (cf. o 
 Acórdão nº 200/97, não publicado, e, entre outros, o Acórdão nº 462/94, Diário 
 da República, II Série, de 21 de Novembro de 1994, o Acórdão nº 243/97, Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, vol. 36º, p. 609, e os Acórdãos nºs 137/99, 207/2000 
 e 382/2000, não publicados).
 Importa, pois, nesta parte, confirmar a decisão reclamada.
 
  
 III. Decisão
 Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, 
 confirmar a decisão sumária proferida.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte ) unidades de 
 conta.
 
  
 Lisboa, 26 de Setembro de 2006
 Maria João Antunes
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício