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Processo: 459/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins                                     
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional 
 
 
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. Nos presentes autos em que são recorrentes A., SA e outros e recorrido B., os 
 primeiros vêm interpor recurso para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal 
 de Justiça, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, invocando a inconstitucionalidade da norma que resulta da 
 conjugação dos artigos 484.º e 483.º, n.º 1, do Código Civil e 14.º, als. a), c) 
 e h) do Estatuto dos Jornalistas [e não da Lei de Imprensa, como erradamente 
 referem os recorrentes], interpretados no sentido de que, estando em causa o 
 direito à informação, basta a verificação de culpa inconsciente ou abaixo da 
 mediania do jornalista, como pressuposto do dever de indemnizar por ofensa ao 
 bom nome de pessoa colectiva, bem como a inconstitucionalidade da norma do 
 artigo 494.º do Código Civil, interpretada no sentido de que, estando em causa o 
 direito à informação, o montante indemnizatório por danos não patrimoniais por 
 ofensa ao bom nome de pessoa colectiva possa ser superior ao montante 
 habitualmente arbitrado judicialmente ao valor da vida humana, por violação da 
 liberdade de expressão e informação e da liberdade de imprensa constantes dos 
 artigos 37º, nºs 1 e 2, e 38.º, nºs 1 e 2, da CRP, e ainda, no segundo caso do 
 princípio da proporcionalidade constante dos artigos 2.º e 18.º, da CRP. 
 
  
 
 2. A Relatora ordenou a notificação dos recorrentes para produzirem alegações 
 junto deste Tribunal, nos termos do artigo 79º, nºs 1 e 2, da LTC, relativamente 
 
 à questão de inconstitucionalidade dos artigos 484.º e 483.º, n.º 1, do C.C. e 
 
 14.º, alíneas a), c) e h), do Estatuto dos Jornalistas [e não da Lei de 
 Imprensa, como erradamente referem os recorrentes], tendo proferido Decisão 
 Sumária de não conhecimento do objecto do recurso, quanto à questão relativa ao 
 artigo 494º, do C.C., por considerar que os recorrentes não individualizaram 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou de interpretação 
 normativa aplicada pelo tribunal “a quo”, antes pretendendo pôr em crise a 
 própria decisão judicial recorrida, em termos absolutos, e por comparação com 
 outras proferidas pelo mesmo ou por outro tribunal, a qual transitou em julgado, 
 uma vez que não foi reclamada.
 
  
 
 3. Os recorrentes produziram alegações, das quais constam as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
 «I - Vem o presente recurso interposto do acórdão do S.T.J. que condenou os ora 
 recorrentes no pagamento da quantia de € 75.000,00 ao B. por danos causados ao 
 seu bom nome e reputação com a publicação de notícias respeitantes à existência 
 de uma dívida fiscal do referido clube.
 
  
 II — Entendem os recorrentes estar ferida de inconstitucionalidade, por violação 
 dos art°s 37º e 38° da C.R.P., a norma aplicada e que resulta da conjugação dos 
 art°s 484° e 483° n. °1 do C.C. e 14° da Lei de Imprensa, interpretados no 
 sentido de que, estando em causa o direito à informação, basta a verificação de 
 culpa inconsciente ou abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do 
 dever de indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, por violação dos 
 art°s 37° e 38° da C.R.P. 
 
  
 III — O S.T.J. considerou que a “diligência devida” que não foi usada e que 
 configura a “culpa inconsciente” determinante da condenação, resulta de “os 
 factos provados não admit(ir)em, em termos de razoabilidade, a conclusão de que 
 os recorridos imprimiram ao processo de difusão da notícia a escrupulosa 
 observância das legis artis próprias da actividade jornalística”. 
 
  
 IV — Ora, dada a centralidade da liberdade de expressão e de informação em 
 matérias de relevo público numa sociedade democrática como a nossa, a culpa 
 inconsciente como fundamento para serem responsabilizados civilmente os 
 jornalistas por eventuais danos causados põe em causa de forma estrutural a 
 liberdade de expressão, de informação e de imprensa consagradas nos art°s 37° e 
 
 38° da C.R.P. e no art° 10° da C.E.D.H. 
 
  
 V — Tal ofensa aos preceitos constitucionais em causa, resulta reforçada pelo 
 facto de estar em causa, não a honra de pessoa singular mas o direito ao bom 
 nome e reputação de pessoa colectiva.
 
  
 VI — O entendimento de que o preenchimento da responsabilidade civil decorrente 
 dos art°s 483° e 484° do C.C., se basta com a culpa inconsciente do agente, no 
 caso em que este esteja em causa o direito à informação e o crédito e bom nome 
 de pessoa colectiva, viola o disposto no art° 37º nº 1 e 38° nos 1 e 2) da 
 C.R.P. por pôr em causa os núcleos essenciais de tais liberdades violando, deste 
 modo, também o princípio da salvaguarda do núcleo essencial consagrado no art° 
 
 18° n° 3 da C.R.P.
 
  
 VII — Termos em que deverá ser decretada a inconstitucionalidade da norma 
 resultante interpretação em causa.»
 
  
 
  
 
 4. O recorrido apresentou as seguintes conclusões nas contra-alegações: 
 
  
 
  
 
 «1 - O presente recurso não pode ser apreciado por uma questão processual, visto 
 que nas contra-alegações para o STJ a questão de inconstitucionalidade suscitada 
 foi a verdade e o interesse público em informar enquanto causas de exclusão da 
 ilicitude, enquanto no requerimento de interposição de recurso e nas alegações 
 para a presente instância foi a inadmissibilidade da culpa inconsciente e da 
 culpa abaixo da mediana, enquanto pressupostos da responsabilidade subjectiva 
 por ofensa ao bom nome; 
 
  
 
 2 - Nos termos do disposto no art. 76°, nº 2 da LCT, o presente recurso é 
 inadmissível porque a questão da inconstitucionalidade (culpa inconsciente e 
 abaixo da mediana) não foi suscitada durante o processo (arts. 280º, nº 1, al. 
 b) da CRP e art. 70°, nº 1, al. b) da LCT), não foi indicada a peça processual 
 
 (art. 75°-A, nº 2 da LCT) e o recurso é manifestamente infundado; 
 
  
 
 3 - O argumento da surpresa ou da imprevisibilidade da decisão recorrida para 
 justificar o facto da questão da inconstitucionalidade não ter sido suscitada no 
 Tribunal a quo, não deve colher, uma vez que a interpretação feita pelo STJ é 
 suportada pela própria lei - o art. 484° do C.C. é uma especificidade da 
 responsabilidade subjectiva que se basta com a culpa inconsciente; 
 
  
 
 4 - À cautela, sempre se dirá que, o STJ considerou que a culpa inconsciente é 
 um juízo de censura e de reprovação pela falta de previsibilidade, pela falta de 
 consciência da ocorrência do evento danoso, quando, com a diligência devida, e 
 atentas as normas reguladoras da actividade jornalística, tal ocorrência era 
 expectável; A culpa inconsciente é ainda um estado psicológico que se traduz no 
 relaxamento do esforço da vontade para actuar licitamente, o que é reprovável; 
 
  
 
 5 - Entendeu-se também que a diligência devida remete para o critério do art. 
 
 487°, nº 2 do C.C. do bom pai de família, do homem médio, do jornalista tipo 
 naquelas circunstâncias concretas; era, assim exigível que, atentas as regras 
 dos arts. 14°, al. a), c) e h) do Estatuto dos Jornalistas e 3° da Lei de 
 Imprensa, um jornalista médio previsse o dano. 
 
  
 
 6 - O STJ usou dois critérios distintos para apuramento dos pressupostos da 
 responsabilidade subjectiva por ofensa ao bom nome: o da culpa inconsciente, 
 enquanto nexo de imputação do acto ilícito ao agente e o da culpa abaixo da 
 mediana, enquanto critério para a fixação da indemnização, nos termos do 
 disposto no art. 494º do C.C., o qual prevê que haja uma aplicação ao caso 
 concreto de circunstâncias atenuantes para a graduação da indemnização - veja-se 
 parecer anexo.
 
  
 
 7 - Os dois critérios não são confundíveis e, em última instância, o critério da 
 culpa abaixo da mediana só revela para efeitos do disposto no art. 494° do C.C; 
 ora, a apreciação do quantum indemnizatório - verdadeiro motivo que move os 
 recorrentes no presente recurso - não pode ser ora conhecida por extemporânea.
 
  
 
 8 - Em suma, o STJ socorreu-se dos conceitos e dos critérios supra referidos 
 para fundamentar a sua decisão, a qual não padece de qualquer 
 inconstitucionalidade por violação do disposto nos arts. 37° e 38° da C.R.P., 
 uma vez que a interpretação feita foi sustentada tanto pelo disposto nos arts. 
 
 483°, 484°, 487°, nº 2, 494° e 496°, nº 3 do C.C., como nos arts. 14°, al. a), 
 c) e h) do Estatuto dos Jornalistas e 3° da Lei de Imprensa e ainda nos arts. 
 
 18° e 26° da CRP.
 
  
 Nestes termos e nos demais de direito, não deverá ser dado provimento ao 
 presente recurso.» 
 
  
 
 5. Tendo o recorrido invocado a excepção de não conhecimento do objecto deste 
 recurso, foram os recorrentes notificados, ao abrigo dos artigos 702º, nº 2, e 
 
 704º, nº 2, CPC, aplicáveis ex vi artigo 69º da LTC, para responder às 
 contra-alegações nessa parte, o que fizeram nos seguintes termos: 
 
  
 
 «1. Não tem o recorrido razão no que alega não só quanto à imprevisibilidade do 
 teor da decisão do STJ como quanto à dicotomia que estabelece entre ilicitude e 
 culpa para afastar a ilicitude dos presentes autos.
 
  
 
 2. No que concerne ao primeiro aspecto, dir-se-á tão somente que ao recorrente 
 não é exigível que preveja todas as hipóteses de solução possíveis e quanto a 
 todas elas invoque as eventuais inconstitucionalidades.
 
  
 
 3. Na verdade, o recorrente que vencera na 1ª instância e no Tribunal da 
 Relação, no seu recurso para o Supremo configurou uma hipótese de decisão 
 desfavorável, com o grau de generalidade possível, que, no seu entender, 
 configuraria um entendimento inconstitucional das normas em causa, salientando a 
 questão da licitude/ilicitude.
 
  
 
 4. O STJ veio a decidir no sentido altamente improvável que se admitira mas, em 
 vez de focar o aspecto da ilicitude, por considerar irrelevante a veracidade ou 
 não da notícia e não considerar ser de interesse público a sua divulgação, 
 baseou-se na culpa do jornalista resultante de uma pretensa falta de diligência, 
 construída a partir de uma factualidade que a não consagrava.
 
  
 
 5. Face ao teor da decisão, entendeu então o recorrente dever o recurso de 
 inconstitucionalidade, sem prejuízo de estar em causa o direito à informação, 
 isto é, tratar-se de uma notícia, no essencial, verdadeira ou em que o 
 jornalista estava convicto da sua veracidade e respeitante a questão de 
 interesse público, incidir fundamentalmente sobre a questão da culpa por ser 
 sobre este aspecto que o acórdão do STJ baseou a sua decisão.
 
  
 
 6. Vale isto por dizer que não só o recurso, nos termos em que foi interposto, 
 deve ser aceite por a decisão do STJ ter sido efectivamente inesperada e 
 imprevisível, como não deve ser analisado só na perspectiva da culpa mas também 
 da ilicitude já que o recorrente ao referir especificamente estar em causa o 
 direito à informação, nele incluiu a veracidade da notícia e o seu interesse 
 público.» 
 
  
 Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
  
 A)    Delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade
 
  
 
 6. Antes de mais, importa esclarecer que o objecto do recurso para este 
 Tribunal, tal como o fixaram os recorrentes, é a inconstitucionalidade da norma 
 que resulta da conjugação dos artigos 484.º e 483.º, n.º1, do Código Civil e 
 
 14.º, als. a), c) e h) do Estatuto dos Jornalistas [e não da Lei de Imprensa, 
 como erradamente referem os recorrentes], interpretados no sentido de que, 
 estando em causa o direito à informação, basta a verificação de culpa 
 inconsciente ou abaixo da mediania do jornalista, como pressuposto do dever de 
 indemnizar por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva. Segundo os recorrentes 
 esta interpretação violaria a liberdade de expressão e de informação e a 
 liberdade de imprensa (artigos 37º, 1º e 2.º e 38.º 1.º e 2.º CRP). 
 
  
 
 É esta – e só esta – a questão de constitucionalidade que pode ser apreciada 
 neste recurso, dado que, em sede de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, os poderes de cognição deste Tribunal se encontram 
 limitados à apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações 
 normativas, com exclusão das decisões judiciais (ver, a mero título de exemplo, 
 Acórdãos n.º 702/96, de 22 de Maio de 1996, n.º 336/97, de 23 de Abril de 1997, 
 n.º 361/98, de 13 de Maio de 1997, e, mais recentemente, Acórdãos n.º 52/08, de 
 
 23 de Janeiro de 2008, n.º 103/98, de 19 de Fevereiro de 2008, n.º 110/08, de 20 
 de Fevereiro de 2008, todos disponíveis in http://www.tribconstitucional.pt), 
 pelo que não se pode – nem se quer – agora pôr em crise os juízos subsuntivos 
 dos factos às normas realizados pelo tribunal recorrido. 
 
  
 Com efeito, a nossa Constituição não consagrou um sistema de recurso de amparo 
 ou de queixa constitucional mas sim um sistema de fiscalização normativa da 
 constitucionalidade, pelo que este Tribunal não pode conhecer da eventual 
 inconstitucionalidade de decisões judiciais em si mesmas consideradas, com 
 fundamento na violação de direitos fundamentais constitucionalmente tutelados.
 
  
 Assim, é ponto assente que a decisão recorrida deu por preenchidos todos os 
 pressupostos da responsabilidade civil no caso em análise – o que, repita-se, 
 não é aqui questionado.
 
  
 Relembre-se que para o tribunal recorrido, a emissão jornalística da notícia em 
 causa estava envolvida de ilicitude; a acção dos recorridos não preenchia 
 qualquer causa de justificação; os recorridos jornalistas agiram de modo 
 censurável do ponto de vista ético-jurídico; o recorrente tem direito a exigir 
 dos recorridos compensação por danos não patrimoniais; não deve fixar-se a 
 compensação no montante peticionado pelo recorrente (€ 498. 797,90), mas sim em 
 
 € 75 000.
 
  
 Para melhor compreensão do que está em causa neste recurso, importa reproduzir 
 textualmente algumas passagens da fundamentação da decisão recorrida, com o 
 intuito de averiguar qual o exacto sentido da dimensão normativa dos preceitos, 
 cuja constitucionalidade se alega nestes autos. 
 
  
 Assim, na parte relativa à fundamentação, o Acórdão do STJ começa por dizer o 
 seguinte:
 
  
 
 «A questão essencial decidenda é a de saber se o recorrente tem ou não [direito] 
 a exigir dos recorridos a indemnização no montante de € 498. 797,90 por danos 
 não patrimoniais. 
 Sem prejuízo de a solução de uma dispensar a de outra ou de outras, a resposta à 
 referida questão nuclear pressupõe a análise das seguintes sub-questões.
 
 - a liberdade de expressão e de informação no quadro da Declaração Universal dos 
 Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da Constituição 
 da República Portuguesa; 
 
 - a liberdade de expressão e de informação na Lei de imprensa e no Estatuto dos 
 Jornalistas; 
 
 - os pressupostos da responsabilidade civil em aproximação ao caso em 
 apreciação; 
 
 - a emissão jornalística da notícia em causa está ou não envolvida de ilicitude? 
 
 
 
 - a acção dos recorridos preenche ou não alguma causa de justificação? 
 
 - agiram ou não os recorridos jornalistas de modo censurável do ponto de vista 
 
 ético-jurídico?
 
 - tem ou não o recorrente direito a exigir dos recorridos compensação por danos 
 não patrimoniais? 
 
 - deve ou não fixar-se a mencionada compensação no montante peticionado pelo 
 recorrente? 
 
 - síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da 
 lei.»
 
  
 Após ter procedido à análise do conteúdo da liberdade de expressão e de 
 informação na CRP, na DUDH, na CEDH, na Lei da Imprensa e no Estatuto dos 
 Jornalistas, o Acórdão do STJ vai tratar dos pressupostos da responsabilidade 
 civil «em aproximação ao caso concreto».
 
  
 No que diz respeito à ilicitude, conclui que: 
 
  
 
 «Especialmente prevista no artigo 484° do Código Civil está a ilicitude lato 
 sensu decorrente da ofensa do crédito ou do bom nome, segundo o qual, quem 
 afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de 
 qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. 
 Estamos, assim, perante uma previsão de ilicitude da divulgação de factos que, 
 pela sua natureza, sejam susceptíveis de ofender o crédito ou o bom-nome das 
 referidas pessoas, físicas ou meramente jurídicas. 
 A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações 
 necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, salvo os vedados por 
 lei e os inseparáveis das pessoas singulares, como é o caso dos direitos e 
 obrigações de natureza familiar (artigo 160°, nº 1, do Código Civil). 
 Assim, não estão excluídos da capacidade de gozo das pessoas colectivas alguns 
 direitos de personalidade, como é o caso do direito à liberdade, ao bom nome e à 
 honra na sua vertente da consideração social (artigos 26°, nº 1, da 
 Constituição, 70°, nº 1 e 72°, nº 1, do Código Civil). 
 Isso significa que o bom nome das pessoas colectivas, no quadro da actividade 
 que desenvolvem, ou seja, na vertente da imagem, de honestidade na acção, de 
 credibilidade e de prestígio social, está legalmente protegido. 
 Há ofensa do crédito no caso de o facto divulgado ter a virtualidade de diminuir 
 a confiança quanto ao cumprimento pelo visado das suas obrigações, e do bom nome 
 se o mencionado facto tiver a virtualidade de abalar o prestígio de que a pessoa 
 goza ou o conceito positivo em que é tida no meio social em que se integra. 
 O referido prestígio coincide com a consideração social, ou seja, o merecimento 
 que as pessoas, físicas ou meramente jurídicas, têm no meio social, isto é, a 
 respectiva reputação social. 
 
 É irrelevante que o facto divulgado seja ou não seja verídico para que se 
 verifique a ilicitude a que se reporta este normativo, desde que, dada a sua 
 estrutura e o circunstancialismo envolvente, seja susceptível de afectar o 
 crédito ou a reputação do visado.»
 
  
 Em seguida, a mencionada decisão judicial vai averiguar se se verifica alguma 
 causa de justificação de ilicitude:
 
  
 
 «Conforme resulta das normas jurídicas constitucionais acima mencionadas, no 
 plano dos direitos fundamentais, surge-nos, por um lado, o direito ao crédito e 
 ao bom nome e reputação das pessoas, e por outro, no quadro da liberdade de 
 imprensa, o direito de informar por parte dos jornalistas. 
 
 (…)
 
 É patente que grande parte dos órgãos da comunicação social, incluindo a 
 imprensa escrita, intervêm no plano social com meios de divulgação assaz 
 eficazes, por isso susceptíveis de afectar grave e negativamente os referidos 
 direitos de personalidade. 
 Nesse espaço de liberdade e instrumento de poder surge necessariamente o 
 conflito entre a liberdade de expressão e de informação que lhe é inerente e os 
 direitos das pessoas postos em causa pelo seu exercício, designadamente o 
 direito pessoal à integridade moral, incluindo o bom nome ou reputação. 
 
 É um conflito permanente entre o direito de liberdade de imprensa e o direito de 
 personalidade, que são de igual hierarquia constitucional, mas em que o primeiro 
 não é absoluto em termos de implicar a virtualidade de se sobrepor ao último, 
 além do mais por ser estruturalmente inerente às pessoas, que são a medida de 
 todas as coisas. 
 E a lei, como não podia deixar de ser, porque tudo está ao serviço do Homem, 
 estabelece limites ao direito de expressar o pensamento e de informar, 
 designadamente através do instituto da responsabilidade civil, para salvaguarda 
 dos direitos objecto de lesão no âmbito da actividade da comunicação social. 
 
 (…) 
 Assim, não se pode invocar o direito de ser informado e de informar o público 
 quando esteja em causa uma actividade que em concreto é intolerável por violar o 
 conteúdo essencial de outro direito fundamental ou valor da comunidade garantido 
 pela Constituição. 
 Daqui decorre a hierarquização dos referidos direitos, certo que o de liberdade 
 de imprensa e de informação e de expressão do pensamento tem como limite 
 imediato o direito fundamental de personalidade, ou seja, este, em regra, não 
 pode ser afectado por aquele. 
 Por isso, tem a jurisprudência considerado por um lado, que a liberdade de 
 expressão e de informação, porque tem de coexistir com outros direitos 
 fundamentais de igual dignidade constitucional, não pode deixar de sofrer os 
 limites exigidos pelas necessidades de convivência social ordenada (Acórdão nº 
 
 74/84, de 10 de Julho de 1984, do Tribunal Constitucional, Diário da República, 
 II Série, de 11 de Setembro de 1984). 
 E, por outro, que a liberdade de imprensa e de informação e de expressão do 
 pensamento têm como limite imediato, entre outros, o direito fundamental, 
 consagrado constitucionalmente, ao bom-nome e reputação e à reserva da vida 
 privada (Acórdão do STJ, de 26 de Setembro de 2000, CJ, Ano VIII, Tomo 3, pág. 
 
 42). 
 Não se trata, como é natural, de pôr em causa a relevância do direito de 
 informar por parte dos meios de comunicação social e do interesse público que 
 nessa actividade eles desenvolvem, mas de o hierarquizar, de harmonia com os 
 princípios que decorrem da lei, face ao direito de personalidade, em 
 consentaneidade com o que se prescreve no artigo 335° do Código Civil. 
 No caso vertente ocorre um conflito concreto entre o direito de personalidade na 
 vertente de crédito e bom nome de uma pessoa colectiva de utilidade pública e o 
 de liberdade de informação através dos meios de comunicação social de massas, 
 que não pode deixar de ser resolvido em termos de prevalência do primeiro em 
 relação ao último. 
 A violação do disposto no artigo 484° do Código Civil não depende da veracidade 
 ou não do facto divulgado, pelo que a ilicitude do facto não é afastada pelo 
 cumprimento ou não das exigências da verdade. 
 De qualquer modo, na sua estrutura objectiva e pelo sentido que os leitores 
 deles podiam razoavelmente extrair, os factos noticiados não correspondiam à 
 situação envolvida pela relação jurídica tributária encabeçada pelo recorrente e 
 pela Administração Fiscal. 
 O que passou para a opinião pública foi, conforme se considerou nas instâncias, 
 a ideia de que o recorrente não cumpria as suas obrigações fiscais, que retinha 
 indevidamente impostos e contribuições para a segurança social, o seu 
 incumprimento a participar pela Administração Fiscal, e terem os seus dirigentes 
 cometido o crime de abuso de confiança fiscal a que corresponde pesada pena de 
 prisão. 
 Verifica-se, assim, que o conteúdo do noticiado não se resume à mera informação 
 de factos de pretérito, certo que ele assume uma vertente jornalística de 
 opinião. 
 
 (…) 
 A dificuldade de obter informações sobre esta matéria, naturalmente em virtude 
 do sigilo fiscal absoluto de então, envolvente da matéria, não pode justificar o 
 apuramento da verdade, porque exigia por parte dos jornalistas, maior diligência 
 prévia à divulgação de factos pelos meios de comunicação social. 
 Acresce que o presidente do conselho directivo do recorrente, na véspera da 
 publicação, afirmou a um dos recorridos não estar em situação de incumprimento 
 de obrigações fiscais, e não resulta dos factos provados que os recorridos algo 
 tenham feito para evitar a publicação ou, pelo menos, para modificar o seu 
 conteúdo em termos de evitar o dano. 
 Assim, ao invés do que foi entendido nas instâncias, a acção dos recorridos não 
 ocorreu ao abrigo da causa de justificação consubstanciada no exercício de um 
 direito ou no cumprimento de um dever. 
 Perante uma situação fluida sobre o efectivo incumprimento pelo recorrente de 
 alguma obrigação tributária no confronto do Estado, não havia em concreto 
 interesse público na divulgação do que foi divulgado, nem, por isso, comedimento 
 ou excesso a valorar. 
 Em consequência, os recorridos, A. SA através dos restantes, violaram 
 ilicitamente, não só do ponto de vista formal como também no plano material, o 
 disposto no artigo 484° do Código Civil, que abrange o interesse civilmente 
 protegido do direito de personalidade do recorrente, nas vertentes do crédito e 
 do bom nome.»
 
  
 Em relação à culpa como pressuposto da responsabilidade civil, depois de 
 distinguir a culpa lato sensu da culpa stricto sensu (entendida, pela decisão 
 recorrida, enquanto “mera culpa” ou “negligência”), tanto consciente como 
 inconsciente, e de indicar que, no nosso ordenamento jurídico, a culpa é 
 apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de 
 família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487°, nº 2, do Código 
 Civil), prossegue o Acórdão com a aplicação destes critérios ao caso concreto, 
 nele podendo ler-se:
 
  
 
 «No quadro do caso em apreciação, em que a actividade da comunicação social se 
 desenvolve no âmbito da actividade jornalística, a pessoa padrão a que a lei se 
 reporta é aquela que actua no exercício daquela relevante actividade. 
 Assim, a diligência relevante para a determinação da culpa é a de uma pessoa 
 normal, mais concretamente de um jornalista diligente e conhecedor das regras da 
 sua profissão, designadamente as constantes da lei geral e especial e no 
 respectivo código deontológico, em face do circunstancialismo do caso concreto, 
 bem como a estrutura da sensibilidade normal das pessoas que envolvem o meio 
 social de referência. 
 Conforme já resulta do exposto, a propósito da Lei de Imprensa, constituem dever 
 fundamental dos jornalistas o exercício da sua actividade com respeito pela 
 
 ética profissional, a informação rigorosa e isenta, a abstenção de acusações sem 
 provas, o respeito pela presunção de inocência e o engendrar de situações não 
 reais sob abuso da boa fé (artigo 14°, alíneas a), c) e h)). 
 Ademais, no plano deontológico, naturalmente de harmonia com a especificidade da 
 actividade jornalística, quem a exerce tem o dever de relatar os factos com 
 rigor e exactidão, interpretá-los com honestidade intelectual, comprová-los, 
 ouvindo oportunamente as partes directamente interessadas, abstrair do 
 sensacionalismo e de acusação sem provas e salvaguardar a presunção de inocência 
 até ao trânsito em julgado da sentença, não humilhar as pessoas nem perturbar a 
 sua dor. 
 O noticiado em causa, com a sua chamada à primeira página do jornal, envolveu a 
 divulgação dos factos com o sentido de que o recorrente não cumpria as suas 
 obrigações tributárias, que ele retinha indevidamente o montante relativo às 
 contribuições para a segurança social e que os seus dirigentes estavam sob a 
 alçada da lei penal. 
 Os recorridos jornalistas, dado o seu profissionalismo e as regras deontológicas 
 a que estão sujeitos no exercício da sua actividade jornalística, não obstante 
 as diligências de investigação que fizeram a partir das fontes a que acederam, 
 que não eram absolutamente determinantes, e depois do desmentido do presidente 
 do conselho directivo do recorrente, podiam e deviam prever ou representar que, 
 por via da publicação em causa, ofendessem ilicitamente o direito de 
 personalidade daquele nas suas vertentes de crédito em geral e de bom-nome em 
 especial. 
 Os factos provados não admitem, em termos de razoabilidade, a conclusão de que 
 os recorridos imprimiram ao processo de difusão da notícia a escrupulosa 
 observância das legis artis próprias da actividade jornalística. 
 Em consequência, importa concluir que os recorridos jornalistas agiram na 
 emissão da notícia em causa com culpa stricto sensu, isto é, de modo censurável 
 do ponto de vista ético-jurídico. 
 Ocorre, por isso, o segundo pressuposto da responsabilidade civil a que se 
 reporta o artigo 483°, nº 1, do Código Civil, ou seja, a culpa, ao menos na 
 modalidade de inconsciente. (com sublinhado nosso)
 
  
 
             
 Por fim, na parte relativa à sub-questão de saber qual o montante de compensação 
 por danos não patrimoniais que deve fixar-se ao recorrente no confronto com os 
 recorridos, o Acórdão começa por resumir as conclusões a que antes tinha chegado 
 nos seguintes termos:
 
  
 
 «Verificada a publicação ilícita e culposa da notícia em causa e o dano não 
 patrimonial dela decorrente para o recorrente em termos de causalidade adequada, 
 certo é estarem verificados os pressupostos da obrigação de indemnizar no quadro 
 da responsabilidade civil extracontratual (artigos 483°, nº 1, 484°, 496°, nº 1 
 e 562° do Código Civil). 
 Estamos, pois, perante factos voluntários controláveis pela vontade dos seus 
 agentes, ilícitos, censuráveis do ponto de vista ético-jurídico, determinantes 
 de prejuízo moral compensável, em quadro de causal e adequada conexão ente este 
 prejuízo e aqueles factos.»
 
  
 
  
 E continua com os critérios de fixação do montante da indemnização:
 
  
 
 «O recorrente formulou na acção o pedido indemnizatório no montante equivalente 
 a quatrocentos e noventa e oito mil e setecentos e noventa e sete euros e 
 noventa cêntimos. 
 Mas o montante pecuniário da compensação a atribuir-lhe deve fixar-se 
 equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se 
 reporta o artigo 494° do Código Civil (artigo 496°, n.º 3, 1ª parte, do Código 
 Civil). 
 Assim, no caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa, como ocorre no 
 caso vertente, poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante 
 inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de 
 culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais 
 circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494° do Código Civil). 
 Deste modo, as circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496°, nº 3, 
 manda atender, na envolvência do princípio da equidade, são o grau de 
 culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais 
 circunstâncias do caso. 
 O recorrido é uma pessoa colectiva de utilidade pública, que concorre aos jogos 
 da primeira liga de futebol, pelo que afecta a essa actividade considerável 
 património ou rendimento. 
 A. SA é a proprietária de um jornal de considerável acreditação junto do público 
 e de considerada tiragem, pelo que não pode deixar de afectar à sua actividade 
 empresarial significativo património e ou rendimento. 
 Os recorridos C., D., E. e F. são jornalistas ao serviço daquela sociedade, o 
 primeiro com a função de director, mas a sua situação económica e financeira não 
 decorre dos factos provados. 
 Os factos não revelam consequências negativas de cariz patrimonial advenientes 
 para o recorrente da acção de publicação jornalística em causa, mas sabe-se que 
 o desmentido da notícia ocorreu em termos de proximidade temporal por meios de 
 comunicação social de similar eficácia informativa. 
 Por isso, o grau de ilicitude dos factos que afectaram a esfera jurídica do 
 recorrente, queda-se abaixo da mediania. 
 A culpa dos jornalistas recorridos, por seu turno, atento o circunstancialismo 
 em que a acção ocorreu, designadamente em razão da convicção que derivaram das 
 informações obtidas previamente à publicação, também se revela em grau abaixo da 
 mediania. 
 Assim, tendo em conta a natureza do facto ilícito e culposo perpetrado pelos 
 jornalistas recorridos, o efeito por ele provocado na esfera jurídica do 
 recorrente, bem como o restante circunstancialismo que ocorreu, incluindo a 
 desvalorização da moeda entre o tempo dos factos e a actualidade, em quadro de 
 juízos de equidade ou de justiça do caso concreto, julga-se adequado quantificar 
 a referida compensação pelo dano não patrimonial devida pelos recorridos no 
 recorrente no montante de € 75 000.»
 
  
 
  
 
             7. Para uma boa decisão da causa, importa começar por esclarecer 
 qual o sentido a atribuir às expressões “culpa inconsciente” e “a culpa abaixo 
 da mediana” usadas no Acórdão recorrido, dado que não se trata de expressões 
 sinónimas, como parecem pretender fazer crer os recorrentes. 
 
  
 Ora, esse sentido só se pode procurar no próprio Acórdão. Assim, da sua leitura 
 resulta que a culpa inconsciente é utilizada na parte da sentença dedicada à 
 qualificação da modalidade de culpa que está em causa como pressuposto da 
 responsabilidade civil, relevando, sem dúvida, para efeitos de interpretação e 
 aplicação dos artigos 483º, nº 1, e 484º do C.C.; já em relação à culpa abaixo 
 da mediania é mais duvidoso que  assim seja, dado que esta expressão apenas 
 consta da parte do acórdão relativa à fixação do montante da indemnização por 
 danos não patrimoniais, ao aplicar os artigos 494º e 496º do Código Civil, ou 
 seja, no momento de graduar a culpa e de apreciar a sua gravidade, com o intuito 
 de justificar a redução da indemnização a 1/7 do montante pedido. 
 
  
 Como os artigos 494º e 496º do Código Civil não constituem objecto do presente 
 recurso, para os que entendem que o dever de indemnizar não se fundamenta na 
 culpa abaixo da mediania do jornalista, mas apenas na culpa, ao menos na 
 modalidade de inconsciente, encontram-se fora dos poderes de cognição deste 
 Tribunal quaisquer considerações relativas à gravidade da culpa.
 
  
 Aliás, a decisão recorrida nem sequer afasta liminarmente a verificação da 
 negligência (ou “mera culpa”) consciente, na medida em que afirma ter dado por 
 demonstrada a “culpa stricto sensu” (entendida pelo tribunal “ad quem”, ao longo 
 da decisão recorrida, enquanto “mera culpa” ou “negligência”). 
 
  
 Daqui decorre que a decisão recorrida considera ter ficado evidenciada a 
 ocorrência de uma conduta negligente, em qualquer das suas modalidades 
 
 (“consciente” ou “inconsciente”). Contudo, com vista ao reforço da sua 
 fundamentação, acrescenta que, “ao menos”, verificar-se-ia uma negligência 
 inconsciente. Significa isto que a decisão recorrida considerou que os factos 
 revelaram a prática de uma conduta negligente, pelo menos na modalidade de 
 
 “negligência inconsciente”, mas sem que tal exclua a verificação de “negligência 
 consciente”. 
 
  
 Mas mesmo para quem entenda que, apesar de a referência à culpa abaixo da 
 mediana se encontrar sistematicamente na decisão recorrida na parte relativa à 
 determinação da indemnização, releva para efeitos de qualificação da modalidade 
 ou do grau de culpa, não se afigura possível retirar da decisão recorrida 
 qualquer equiparação da culpa abaixo da mediania, por exemplo, à culpa leve ou 
 levíssima. Na falta de enunciação, expressa ou implícita, de tal equiparação, 
 tal só seria possível procedendo o Tribunal Constitucional a uma autónoma 
 valoração dos factos, o que lhe está totalmente vedado.   
 
  
 Assim, não podendo este Tribunal reapreciar a subsunção dos factos às normas e, 
 muito menos, a prova produzida nos autos recorridos, na interpretação dos 
 artigos 483º e 484º do Código Civil, ora em discussão, tem de se partir do 
 princípio que existiu culpa por parte dos jornalistas, ao menos na modalidade de 
 inconsciente. 
 
  
 
 8. Assim sendo, do ponto de vista jurídico-constitucional, a questão que se 
 coloca é, portanto, a de saber se, estando em causa a liberdade de expressão, de 
 informação e, mais concretamente, a liberdade de imprensa, é possível 
 interpretar os artigos 483.º, n.º 1, e 484.º, do Código Civil e 14.º, als. a), 
 c) e h) do Estatuto dos Jornalistas, no sentido de admitir a fixação de uma 
 indemnização por ofensa ao bom nome de pessoa colectiva, quando apenas se 
 verifique culpa inconsciente.
 
  
 Vejamos então o que dizem estes preceitos: 
 
  
 O artigo 483º, n.º 1, do C.C. determina: 
 
  
 
 «1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem 
 ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica 
 obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»
 
  
 O artigo 484º do C.C. dispõe:
 
  
 
 «Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome 
 de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.»
 
  
 O artigo 14º, do Estatuto dos Jornalistas, aprovado pela Lei nº 1/99, de 13 de 
 Janeiro (na versão aplicável ao caso dos autos recorridos, anterior à 
 actualmente em vigor, decorrente da Lei n.º 64/2007, de 06 de Novembro de 2007), 
 assumia a seguinte redacção: 
 
  
 
 «Independente do disposto no respectivo código deontológico, constituem deveres 
 dos jornalistas:
 a)      Exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando 
 com rigor e isenção;
 b)      ...
 c)      Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de 
 inocência;
 d)      ...
 e)      ...
 f)       ...
 g)      Não falsificar ou encenar situações com intuitos de abusar da boa fé do 
 público;»
 
  
 A decisão da questão de constitucionalidade supra referida impõe que se aprecie 
 qual a tutela que a Constituição confere aos seguintes aspectos: 
 
  
 
 -          O direito ao bom nome (B);
 
 -          A titularidade do direito ao bom nome por parte das pessoas 
 colectivas que são “figuras públicas” (C); 
 
 -          As liberdades de expressão, de informação e de imprensa (E);
 
 -          A colisão dos direitos ao bom nome e da liberdade de informação (F). 
 
  
 Só após este excurso estaremos em condições de resolver o eventual conflito 
 entre o direito ao bom nome da pessoa colectiva e as liberdades de expressão, de 
 informação e de imprensa no caso concreto em apreço (F).
 
  
 
  
 B)    A protecção constitucional do direito ao bom nome 
 
  
 
 9. O direito ao bom nome e à reputação está consagrado no artigo 26º, nº 1, da 
 CRP, e “consiste no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade 
 ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito 
 a defender-se dessa ofensa e a obter a consequente reparação” (GOMES CANOTILHO / 
 VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4ª ed. 
 revista, Coimbra, 2007, p. 466). 
 
  
 Este Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre o direito ao bom nome 
 em várias ocasiões (ver Acórdãos n.º 319/95, de 20 de Junho de 1995, publicado 
 na II Série do DR, n.º 253, de 2/11/95; n.º 480/98, de 1 de Julho de 1998, 
 publicado na II Série do DR, n.º 275, de 25/11/99; n.º 249/00, de 12 de Abril de 
 
 2000, publicado na II Série do DR, n.º 256, de 6/11/2000 e, mais recentemente, 
 no Acórdão n.º 407/07, de 11 de Julho de 2007, publicado na II Série do DR, n.º 
 
 166, de 29/08/2007).
 
  
 
  
 Este direito goza de um alcance jurídico muito amplo, constituindo um limite 
 para outros direitos, nomeadamente para a liberdade de expressão, a liberdade de 
 informação e a liberdade de imprensa. É por essa razão que “ [a] relevância 
 constitucional da tutela do bom nome e da reputação legitima a criminalização de 
 comportamentos como a injúria, a difamação, a calúnia e o abuso de liberdade de 
 imprensa ou a admissibilidade, no âmbito da responsabilidade civil, da 
 compensação dos danos não patrimoniais advenientes de actuações ilícitas por 
 ofensa ao bom nome e à reputação das pessoas” (JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, 
 Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 289). 
 
  
 A tutela do bom nome é, pois, conseguida através de normas do Direito Penal (ver 
 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito 
 Penal da Imprensa Português, in Revista de Legislação e Jurisprudência, nº 
 
 3697-9, p.100 e segs; 133 e segs; e 170 e segs; MANUEL DA COSTA ANDRADE, 
 Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal – uma perspectiva 
 jurídico-criminal, Coimbra, 1996, passim) e do Direito Civil (ver, por exemplo, 
 R. CAPELO DE SOUSA, Conflitos entre a liberdade de imprensa e a vida privada, in 
 Ab uno ad omnes, 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 1123 e segs; 
 PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Direitos de Personalidade, Coimbra, 2006, p. 72 e 
 segs).
 
  
 A própria Lei da Imprensa (Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro, conforme alterada pela 
 Lei nº 18/2003, de 11 de Junho) remete para as normas gerais de responsabilidade 
 civil (artigo 29.º, nº 1) e de responsabilidade penal (artigo 30º) a solução das 
 questões que envolvam actos voluntários, ilícitos e culposos praticados por 
 intermédio da imprensa.
 
  
 
             Se, no caso concreto em apreço, as normas de Direito Penal apenas 
 nos interessam para sublinhar o desvalor que os sistemas jurídico-constitucional 
 e legal imprimem à conduta de quem atente contra o direito ao bom nome e à 
 reputação de outrem, chegando mesmo a qualificá-la como crime, já as normas de 
 Direito Civil foram aplicadas ao caso, pelo que necessitam de uma maior atenção. 
 
 
 
  
 A protecção do bom nome e da reputação é realizada pelas normas de Direito 
 Civil, através da tutela geral de personalidade que protege os indivíduos contra 
 qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade moral (artigo 
 
 483º, nº 1, do Código Civil), concretizada na norma relativa à ofensa do crédito 
 ou do bom nome (artigo 484º do Código Civil): “A verificação destes 
 pressupostos, juntamente com os relativos à culpa e ao nexo de causalidade, 
 desencadeia a activação dos mecanismos de responsabilidade civil do agressor do 
 direito, podendo haver lugar à indemnização por danos patrimoniais ou não 
 patrimoniais, conforme os casos” (neste sentido, JÓNATAS E. M. MACHADO, 
 Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema 
 social, Coimbra, 2002, p. 765).
 
  
 Foi este o caminho que a decisão a quo percorreu, ao considerar violado o 
 direito ao bom nome do recorrido e verificados os pressupostos da 
 responsabilidade civil, devendo haver lugar a indemnização por danos não 
 patrimoniais por parte do agressor do direito ao bom nome.
 
  
 
  
 C)     A titularidade do direito ao bom nome por parte de pessoas colectivas
 
  
 
 10. Inserindo-se o direito ao bom nome no artigo 26º CRP, o qual abarca nove 
 direitos diferentes – os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da 
 personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à 
 imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à 
 protecção legal contra quaisquer discriminações – todos eles ligados à esfera 
 nuclear das pessoas e da sua vida e que tem por epígrafe “outros direitos 
 pessoais”, coloca-se a questão de saber se se trata de um direito exclusivo das 
 pessoas singulares (a maior parte da doutrina entende-o como uma decorrência da 
 ideia de dignidade da pessoa humana) ou se uma pessoa colectiva pode ser dele 
 titular.  
 
  
 In casu, esta questão assume uma particular relevância, dado que o recorrido, 
 cujo bom nome foi, segundo a sentença recorrida, afectado, é uma pessoa 
 colectiva – o B..
 
  
 Ora, determinando o artigo 12º, nº 2, da CRP que “as pessoas colectivas gozam 
 dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”, a 
 nossa Constituição “reconhece expressamente capacidade de gozo de direitos às 
 pessoas colectivas, superando assim uma concepção de direitos fundamentais 
 exclusivamente centrada sobre os indivíduos” (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, 
 Constituição..., cit., p. 329).  
 
  
 As pessoas colectivas não podem, todavia, ser titulares de todos os direitos e 
 deveres fundamentais, mas somente daqueles que sejam compatíveis com a sua 
 natureza. O que significa que é caso a caso que se deve apurar se determinado 
 direito pode ser exercido por pessoas colectivas, sendo que alguns direitos se 
 encontram, à partida, excluídos, como é o caso do direito à vida, do direito à 
 integridade pessoal ou do direito a constituir família, porque apenas são 
 concebíveis em conexão com as pessoas físicas, com os indivíduos (neste sentido, 
 ver Acórdão nº 539/97, de 24 de Setembro de 1997, disponível em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt).
 
  
 Não é esse, todavia, o caso do direito ao bom nome. As pessoas colectivas, tal 
 como as singulares, têm direito a um nome, e naturalmente que têm todo o 
 interesse em que o seu nome não seja devassado, que a ele não sejam associados 
 factos ilícitos, ilegais, injuriosos, difamatórios ou quaisquer outros que 
 ponham de algum modo em causa a sua posição no seio da sociedade. Daqui decorre 
 que o direito ao bom nome não é exclusivo das pessoas singulares, podendo também 
 ser dele titulares as pessoas colectivas.
 
  
 O Tribunal Constitucional já teve ocasião de apreciar se uma determinada norma 
 afectava ou não o bom nome de uma sociedade. 
 
  
 
 «9.  Subsiste porém a interrogação fundamental que atinge o cerne da alegação da 
 recorrente, a de saber se implicará uma afectação do direito ao bom nome e à 
 reputação (e, nessa medida, de direitos, liberdades e garantias) a publicação da 
 sentença que proíbe a inserção no contrato de uma determinada cláusula.
 
             Ora, o Processo Civil é enformado por um princípio geral de 
 publicidade (cf. artigo 167º do Código de Processo Civil), cuja justificação 
 
 última é, nomeadamente, estabelecer a segurança nas relações entre os sujeitos 
 privados. Neste caso, determina‑se a publicação da decisão judicial que inibe a 
 recorrente do uso de cláusulas legalmente proibidas, com a finalidade de 
 promover a segurança que o mero carácter público do processo não asseguraria 
 plenamente. 
 Não existe facto algum atentatório do bom nome e da reputação da recorrente, 
 pois a inserção nos contratos de cláusulas proibidas é um facto, comprovadamente 
 
 (em processo judicial) imputável à própria recorrente. Por outro lado, porque se 
 trata de cláusulas contratuais gerais, destinadas a um círculo de sujeitos 
 indefinido e abrangente, a decisão só será plenamente eficaz se também tiver a 
 possibilidade de ser levada ao conhecimento dos interessados, não se tratando de 
 uma sanção em sentido próprio, mas tão somente de um meio de prevenir os 
 contratantes dos seus direitos, que decorre da publicidade do Processo Civil.
 
  
 
 10.  Em suma, trata-se, apenas, de uma norma que regula a publicidade da decisão 
 judicial num determinado sector do Direito Civil, visando a própria eficácia da 
 sentença, nas situações em que certas particularidades do caso o reclamem (cf. 
 António Menezes Cordeiro, ob.cit., pp. 385 e 386, referindo tratar‑se da 
 regulamentação de aspectos atinentes à parte da decisão da sentença).
 
             A norma em questão não só não afecta ilegitimamente o bom nome da 
 sociedade ou a sua reputação, como não tem carácter sancionatório sendo apenas 
 uma concretização da publicidade do Processo Civil, não regulando em si mesma a 
 restrição de direitos, liberdades e garantias.» (Acórdão nº 249/00, já citado, 
 com sublinhado nosso).
 
  
 
             Em suma, o direito ao bom nome de uma pessoa colectiva (como é o 
 caso do B., recorrido nos autos) merece tutela constitucional. 
 
  
 
             11. Sucede que não se trata de uma pessoa colectiva qualquer, mas 
 antes de um clube desportivo com uma projecção social e mediática, que permite 
 interrogarmo-nos se não estaremos perante uma “figura pública”. Apesar de esta 
 expressão ser, normalmente, usada para as pessoas singulares, como sejam os 
 titulares de cargos políticos, os artistas, os membros das famílias reais, a 
 verdade é que uma pessoa colectiva também pode ser dotada de uma notoriedade que 
 impõe a sua inclusão na categoria das “figuras públicas”, para efeitos da tutela 
 do seu bom nome e da sua reputação, sob pena de se conferir maior protecção às 
 pessoas colectivas que às pessoas singulares. 
 
  
 Admitindo que o recorrido é uma “figura pública”, importa perguntar se, por essa 
 razão, o direito ao bom nome e à reputação sofre ab initio limitações, 
 restrições ou se se encontra mesmo excluído.
 
  
 Pronunciando-se sobre a questão da tutela do direito à honra de figuras públicas 
 
 (no caso um titular de um cargo político, ou seja, uma pessoa singular) disse 
 este Tribunal, no Acórdão nº 113/97, de 5 de Fevereiro de 1997 (publicado na II 
 Série do DR, nº 88, de 25/4/1997):
 
  
 
 «Não se olvida que, como porventura se deixou já aflorado, nas situações em que 
 estão em causa figuras públicas e candidatos ou titulares de cargos políticos, é 
 possível que, mesmo antes de um raciocínio que conduza à tentativa de 
 harmonização dos direitos 'em conflito' (respeitados que sejam o princípio da 
 proporcionalidade e a não diminuição do conteúdo e alcance essenciais do direito 
 que possa vir a prevalecer), se tenha de concluir que um desses direitos - in 
 casu o denominado direito à honra - tenha uma esfera de protecção algo diminuída 
 
 à partida. E, assim, aquilo que, não estando em causa essas situações, levaria a 
 que, na optimização equilibrada dos dois direitos, se considerasse dever 
 determinada palavra, expressão, imagem ou juízo sofrerem uma censura 
 jurídico-penal, já não sucederia de modo exactamente igual naqueloutras 
 situações como a descrita.
 
  
 
             Para estas últimas, o juízo de censura haveria de balizar-se em 
 malhas «mais apertadas», só devendo efectivar-se nos casos em que, na realidade, 
 não o sendo, estivesse já, com um tal posicionamento, a afastar-se o conteúdo 
 essencial do direito ao bom nome e reputação.»
 
  
 Simplesmente, no vertente caso, terá este Tribunal de aceitar o juízo 
 valorativo-fáctico levado a cabo pelo acórdão recorrido que, 
 inquestionavelmente, concluiu que as expressões utilizadas pelo recorrente 
 traduziram um insulto pessoal, excedendo o direito de informar e de formar a 
 opinião pública, o debate político ou a opinião sobre as ideias do assistente, 
 ora recorrido, vindo a lesar a sua imagem pessoal, denegrindo-a, e a constituir 
 uma ofensa à sua integridade moral.» 
 
  
 
             Assim, as figuras públicas continuam a beneficiar do direito à 
 tutela do bom nome e da reputação, embora de uma forma mais atenuada do que os 
 cidadãos anónimos, pelo que, em caso de conflito com outros direitos, elas podem 
 ter mais dificuldade em obter uma optimização equilibrada dos direitos em 
 confronto. Só assim não será quando a diminuição da tutela do direito ao bom 
 nome e à reputação implique o desrespeito do conteúdo essencial do direito. 
 
  
 Chegados a este ponto, importa passar à protecção constitucional da liberdade de 
 expressão, de informação e de imprensa.
 
  
 
  
 D)    A protecção constitucional da liberdade de expressão, de informação e de 
 imprensa
 
  
 
 12. A CRP ocupa-se da liberdade de expressão e de informação, em geral, no 
 artigo 37º e da liberdade de imprensa, em particular, no artigo 38º.
 
  
 O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre estas três liberdades, em 
 várias ocasiões (ver, por exemplo, Acórdãos nº 113/97, cit., nº 178/99, de 22 de 
 Março de 1999, publicado na II Série do DR nº 157 de 8/71999; nº 201/04, de 24 
 de Março de 2004, nº 407/07, cit.). 
 
  
 No Acórdão nº 113/97, supra citado, o Tribunal Constitucional disse: 
 
  
 
 «1. As expressões «liberdade de imprensa» e «liberdade de expressão» têm, como 
 sabido é, longínquas raízes históricas (cfr., sobre o tema, Leite Pinto, 
 Liberdade de imprensa e vida privada, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 54, 
 Abril de 1994, 27 e segs.), surpreendendo-se na Constituição dos Estados Unidos 
 da América o primeiro texto legal a referir-se claramente a essas «liberdades» 
 
 [cfr. 1º Aditamento na Declaração de Direitos e Garantias (Bill of Rights) para 
 revisão da Constituição dos E.U.A., propostos pelo Congresso e Ratificados, nos 
 termos do artº 5º daquela Constituição, pelos diversos Estados], sendo que, 
 ainda no ano de 1789, é formalmente consagrada na Declaração dos Direitos do 
 Homem e do Cidadão, emergente da Revolução francesa (e que ainda hoje constitui 
 a base dogmática da Constituição francesa), a 'livre comunicação dos pensamentos 
 e das opiniões', conquanto aqui, desde logo, se previsse a responsabilização do 
 cidadão pelos abusos da liberdade de falar, escrever e imprimir livremente.
 
  
 
                         Sabido é, também, que aquela Declaração constitui, no 
 que concerne às liberdades de que curamos, a matriz ordenadora de diversos 
 sistemas jurídicos, designadamente europeus (cfr., verbi gratia, o artº 5º da 
 GG, o artº 21º da Constituição italiana, o artº 20º da Constituição Espanhola, e 
 os artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa) e, bem assim, de 
 documentos de direito internacional referentes aos denominados «direitos da 
 pessoa humana» (cfr. a Declaração Universal dos Direitos do Homem - artº 19º -, 
 a Convenção Europeia dos Direitos do Homem - artº 10º - e o Pacto Internacional 
 sobre os Direitos Civis e Políticos - artº 19º).
 
  
 
                         Porém, os textos que deram corpo à consagração formal 
 daquelas «liberdades», não deixam, porventura na esteira da Declaração dos 
 Direitos do Homem e do Cidadão, de prever, se bem que em termos diferenciados, 
 reservas às mesmas, o que o mesmo é dizer, não deixam de as consignar sob 
 reserva de limites legalmente previstos e tendentes à repressão dos seus abusos, 
 não se podendo passar em claro que nos dois primeiros textos a que já se fez 
 alusão se perspectivam diferentes formas de encarar o binómio liberdade de 
 expressão e de imprensa e os sancionamento dos respectivos abusos. Na verdade, 
 não acarreta dificuldades de maior uma visualização segundo a qual na Declaração 
 dos Direitos do Homem e do Cidadão apresenta maior nitidez a consagração de 
 limites pré-determinados - os limites legalmente estatuídos destinados à 
 repressão dos abusos - à consignação da liberdade em causa, enquanto que no 1º 
 Aditamento à Constituição dos E.U.A. o enfoque de maior grandeza é efectuado na 
 liberdade em si, cuja existência - essa pré-determinada - vai impedir o próprio 
 Congresso de legislar no sentido de a restringir.
 
  
 
                         De onde, e para além de outras considerações que sempre 
 poderiam ser aduzidas, não serem de estranhar ocorrências tais como as da 
 existência de cláusulas de limitação decorrentes das leis gerais, das normas 
 legais de protecção à juventude e das normas legais de protecção do direito à 
 honra a que se refere o nº 2 do artº 5º da GG, as referências aos bons costumes 
 mencionados no artº 21º da Constituição Italiana, ao respeito dos demais 
 direitos reconhecidos no título onde se insere o artº 20º da Constituição 
 espanhola, designadamente o direito à honra, à intimidade, à imagem e à 
 protecção da juventude e da infância, e à previsão da existência de infracções 
 ao exercício dos direitos de liberdade de expressão e de informação no nº 3 do 
 artigo 37º da nossa Lei Fundamental.
 
  
 
                         De igual modo, no nº 2 do artº 10º da C.E.D.H. se prevê 
 que, justamente porque o exercício do direito à liberdade de expressão 'implica 
 deveres e responsabilidades', ele pode ser submetido a 'sanções, previstas pela 
 lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a 
 segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa 
 da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde e da moral, a protecção da 
 honra ou dos direitos de outrem', dispondo-se na alínea a) do nº 3 do artº 19º 
 do P.I.D.C.P. que o direito à liberdade de expressão (cujo conteúdo se poderá 
 extrair do seu nº 1) pode ser submetido a certas restrições (que, de todo o 
 modo, devem ser expressamente fixadas na lei) desde que se tornem necessárias 
 
 'ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem'.
 
  
 
  
 
                         2. Na vigente Constituição proclama-se (artigo 37º, nº 
 
 1), sob a epígrafe «Liberdade de expressão e de informação» o direito, que a 
 todos é conferido, 'de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela 
 palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, 
 de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações'.
 
  
 
                         Trata-se, no dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 225), e na vertente do 
 
 «direito de expressão», de um direito que, enquanto direito negativo ou de 
 defesa perante o poder público, implica 'o direito de não ser impedido de 
 exprimir-se', inculcando ainda, na sua dimensão positiva, um direito 'de acesso 
 aos meios de expressão' (cfr. afloramentos desta dimensão, segundo os citados 
 autores, no nº 4 do artigo 37º e nos artigos 40º e 41º, nº 4); na vertente de 
 
 «direito de informação», o direito de informar 'consiste, desde logo, na 
 liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem 
 impedimentos', direito que, no seu actuar positivo, implicará o 'direito a meios 
 para informar' (cfr., também sobre o ponto, Leite Pinto, ob. cit., 54).
 
  
 
                         Se do nº 2 do artigo 37º se retira inequivocamente que a 
 Constituição não permite que o exercício dos direitos de livre expressão e 
 divulgação do seu pensamento pela palavra, pela imagem, ou por qualquer outro 
 meio, seja, porque forma for, impedido ou limitado por qualquer tipo de censura, 
 não se deverá, simplistamente, seguir um raciocínio que porventura aponte 
 
 (ponderando que no seu nº 1 também se faz alusão a que tais direitos se hão-de 
 efectivar sem impedimentos ou discriminações) para que não possa haver limites a 
 tal exercício.
 
  
 
                         Na verdade, facilmente se infere do que vem disposto no 
 nº 3 daquele artigo que se admite que tais direitos não podem ser perspectivados 
 como direitos cujo respectivo exercício não apresente limites, pois que, se 
 assim fosse, não seria possível a previsão de infracções cometidas em tal 
 exercício, infracções essas que até, segundo o comando constante daquela 
 disposição, estão submetidas aos princípios gerais de direito criminal.
 
  
 
                         O que se não poderá, no caso de o falado exercício não 
 exceder os limites pressupostos pela própria Lei Fundamental, é colocar 
 obstáculos a ele (G. Canotilho e V. Moreira, ob., cit., 226).
 
  
 
  
 
                         2.1. Não se deverá, no presente aresto, ainda que 
 perfunctoriamente, deixar de fazer referência a que, como tem sido reconhecido, 
 atendendo às diversas vertentes do «direito de informação», possível é 
 descortinar, distinguindo, a «liberdade de expressão» - 'direito matricial em 
 relação quer à liberdade de informação, quer à liberdade de imprensa, na medida 
 em que todo o regime constitucional do  primeiro se projecta nos outros dois', 
 nas palavras de Leite Pinto (idem, 54) - e o «direito de informação», tendo este 
 
 último por objecto o bem jurídico 'informação' (cfr., sobre esta diferenciação, 
 Artur Rodrigues da Costa in A liberdade de imprensa e as limitações decorrentes 
 da sua função, na Revista do Ministério Público, ano 10, 37, 15 e segs., o qual 
 distingue o 'direito de crónica', afim do 'direito de informação', do 'direito 
 de opinião e de crítica', como expressões desdobradas da 'liberdade de 
 expressão').
 
  
 
                         A liberdade de imprensa, por seu turno expressamente 
 consagrada no Diploma Básico, tem sido, de há muito, considerada como uma forma 
 privilegiada, quer da liberdade de expressão, quer do direito de informação, 
 este, por entre o mais, na dimensão de garantia constitucional de livremente 
 formar a opinião pública (G. Canotilho e V. Moreira - ob. cit., 230, chamam-lhe 
 um 'modo de ser qualificado' daqueles direito e liberdade; cfr., ainda, sobre a 
 questão de saber se a liberdade de imprensa não haverá, a mais do que ser 
 incluída nos direitos ou liberdades, nos direitos-limite ou nos direitos de 
 defesa, de ser tratada como um garantia institucional, Solobal Echevarria, 
 Aspectos constitucionales de la libertad de expresión y el derecho a la 
 información, na Revista Española de derecho Constitucional, ano 8, 23, 1988; 
 cfr., também, Charles Debbasch em Il Conseil Constitutionnel - la legge 23 
 ottobre 1984 e la libertà di stampa, tradução de Michela Manetti na 
 Documentazione e Cronaca Straniera, em Giurispridenza Constituzionali, Ano XXX, 
 
 1811).
 
  
 
 [...]
 
             (...) então poder-se-á, sem que a tal respeito se haja de admitir 
 uma crítica inultrapassável, aceitar que o exercício da liberdade de imprensa - 
 indo para além de um mero relato, porventura baseado 'numa crença fundada na 
 verdade', (para se usar a expressão de Figueiredo Dias, in Direito de Informação 
 e Tutela da Honra e Direito de Informação no Direito Penal da Imprensa 
 Português, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115º, números 3697, 3698 
 e 3699) -, venha  a «tocar» ou «colidir» com outros direitos, mesmo os 
 constitucionalmente consagrados e, de entre estes e para o que agora releva, o 
 direito à honra de outrem a que a Lei Fundamental (artigo 26º, nº 1) designa de 
 
 «direito ao bom nome e reputação». 
 
  
 Assim, a liberdade de expressão implica o direito de expressar o pensamento, ou 
 seja, ideias, opiniões, pontos de vista, juízos de valor, críticas, tomadas de 
 posição sobre quaisquer assuntos, quaisquer que sejam as finalidades e os 
 critérios de valoração, não pressupondo “sequer um dever de verdade perante os 
 factos embora isso possa vir a ser relevante nos juízos de valoração em caso de 
 conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos” (GOMES 
 CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 572). Quer dizer, a 
 divulgação de notícias falsas atentatórias do bom nome, da reputação, da honra 
 ou da vida privada de outrem será levada em linha de conta no momento do juízo 
 de ponderação em caso de colisão com outros direitos.
 
  
 A liberdade de informação compreende o direito de informar, de se informar e de 
 ser informado, consistindo o primeiro no direito de transmitir ou comunicar 
 informações a outrem, sem impedimentos, o segundo no direito de recolha de 
 informação e de procura de fontes de informação e o terceiro no direito de ser 
 mantido adequada e verdadeiramente informado pelos meios de comunicação social e 
 pelos poderes públicos. Por último, há mesmo quem se refira a uma quarta 
 dimensão da liberdade de informação que se traduz numa concepção negativa, ou 
 seja, num direito de recusa a expressar opinião, informar ou ser informado por 
 qualquer indivíduo (assim, ver MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Liberdade de Imprensa e 
 Inviolabilidade Pessoal – Uma perspectiva jurídico-criminal”, cit., p. 45).
 
  
 Já a liberdade de imprensa “é um complexo ou constelação de direitos e 
 liberdades: direito a criar órgãos de comunicação, direitos dos jornalistas 
 dentro daqueles e direitos dos próprios órgãos de comunicação social, etc.” 
 
 (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição..., cit., p. 580). 
 
  
 
 “A liberdade de imprensa começou por ser, tal como as demais liberdades, uma 
 liberdade-resistência contra os poderes públicos. (...) Hoje a liberdade de 
 imprensa sem deixar de ser um direito de defesa perante os poderes públicos, 
 passou também a garantia constitucional da livre formação da opinião pública num 
 Estado constitucional democrático”. (GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, 
 Constituição..., cit., p. 581).
 
  
 As liberdades de informação e de imprensa, tal como quaisquer outros direitos, 
 liberdades e garantias não constituem direitos ilimitados nem absolutos. É a 
 própria Constituição que o admite desde logo no artigo 37º, nº 3, assim como a 
 lei (ver a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalistas). 
 
  
 
 13. Aliás, a previsão de “regimes restritivos” da liberdade de imprensa, com 
 vista à protecção de outros direitos fundamentais, não é inédita nos principais 
 ordenamentos jurídicos europeus.
 
  
 No caso francês, a “Loi n.º 1881-07-28, Bulletin de Lois n.º 637, p. 125 (Loi de 
 Presse)” prevê expressamente um capítulo relativo aos delitos cometidos contra 
 pessoas, por intermédio da imprensa, para além da eventual responsabilidade 
 criminal que advenha da prática de tais factos. Por força do artigo 29º da “Loi 
 de Presse”, “toda a alegação ou imputação de um facto que comporte ofensa à 
 honra ou à consideração da pessoa ou da organização à qual o facto é imputado 
 constitui uma difamação. A publicação directa ou por via de reprodução dessa 
 alegação ou dessa imputação é punível mesmo se ela é feita de forma dubitativa 
 ou se ela vise uma pessoa ou uma organização não expressamente nomeadas, mas 
 cuja identificação se torna possível a partir dos termos dos discursos, ameaças, 
 escritos, impressos ou afixados alvo de incriminação. Toda a expressão 
 ultrajante, termos de desrespeito ou invectivas que não consubstanciem a 
 imputação de qualquer facto constitui uma injúria”. Em situações idênticas à dos 
 presentes autos, em que está em causa a ofensa ao bom nome e à consideração de 
 uma pessoa colectiva e dos respectivos representantes, o § 1º do artigo 32º da 
 
 “Loi de Presse” (conforme modificada pela “Loi n.º 2004-1486, du 30 décembre 
 
 2004”) permitiria a aplicação de uma sanção civil pecuniária até 12.000,00 
 euros.
 
  
 Nota-se ainda que, no caso francês, a veracidade dos factos divulgados por órgão 
 de imprensa pode ser comprovada, afastando a ilicitude do acto praticado, nos 
 termos do artigo 35º da “Loi de Presse”, salvo quando estejam em causa: i) a 
 intimidade privada dos visados; ii) factos ocorridos há mais de 10 anos; iii) 
 factos relativos a infracções amnistiadas ou prescritas ou cuja condenação haja 
 sido substituída por reabilitação ou revisão.
 
  
 Na Alemanha, por força do § 2º do artigo 5º da “Grundgesetz”, a liberdade de 
 imprensa pode ser alvo de restrições, previstas na lei geral, desde que tal vise 
 a salvaguarda dos direitos dos menores e do direito à inviolabilidade da honra.
 
  
 Para além da punição pela prática de crime de difamação e da responsabilidade 
 civil pela prática de acto ilícito – cujos regimes são bastante semelhantes aos 
 congéneres regimes portugueses, o regime alemão instituiu um Conselho de 
 Imprensa (“Deutscher Pressrat”) que detém competências reguladoras, 
 designadamente, de apreciação de queixas apresentadas por indivíduos e pessoas 
 colectivas visadas. O referido Conselho de Imprensa adoptou um Código de 
 Imprensa (“PressKodex”) que, entre outras directrizes de orientação para 
 jornalistas, determina que:
 
 -         Todas as pessoas que prosseguem actividades jornalísticas devem 
 perseguir a verdade dos factos, preservando a reputação e a fiabilidade da 
 imprensa (artigo 1º);
 
 -         A investigação diligente é um instrumento fundamental e indispensável 
 do jornalismo, devendo essa diligência ser adaptada às circunstâncias concretas 
 de cada caso. Neste sentido, mais se determina que as informações não 
 confirmadas, os rumores e as presunções devem ser reconhecíveis pelos 
 destinatários das notícias como tal (artigo 2º);
 
 -         A imprensa deve respeitar os direitos de personalidade, incluindo a 
 reserva da intimidade privada (artigo 8º);
 
 -         A ética da actividade jornalística não se compadece com ofensas à 
 honra e consideração de terceiros (artigo 9º).
 
  
 
 14. Acrescente-se ainda que o Direito Internacional dos Direitos Humanos também 
 não protege a liberdade de imprensa de modo ilimitado e absoluto. Tanto a 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem como o Pacto Internacional dos Direitos 
 Civis e Políticos – instrumentos internacionais aos quais o Estado Português 
 está vinculado, por força do artigo 8º, nº 2, da CRP – admitem restrições, 
 limites, condicionamentos à liberdade de expressão, na qual se inclui a 
 liberdade de imprensa.   
 
  
 Assim, o artigo 10º, nº 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê que 
 
 “o exercício desta liberdade [liberdade de expressão, na qual se inclui a 
 liberdade de imprensa], porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser 
 submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas 
 pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, 
 para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a 
 defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a 
 protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de 
 informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do 
 poder judicial” e o artigo 19º, nº 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis 
 e Políticos dispõe que “o exercício das liberdades [liberdade de expressão, na 
 qual se inclui a liberdade de imprensa] (...) comporta deveres e 
 responsabilidades especiais. Pode, em consequência, ser submetido a certas 
 restrições, que devem, todavia, ser expressamente fixadas na lei e que são 
 necessárias:
 a) ao respeito dos direitos ou da reputação de outrem;
 b) à salvaguarda da segurança nacional, da ordem pública, da saúde e da 
 moralidade públicas.”
 
  
 Em suma, a possibilidade de a liberdade de imprensa poder vir a conflituar com 
 outros direitos, designadamente, com o direito à honra, ao bom nome, à 
 reputação, à intimidade da vida privada, é enfrentada pelo Direito 
 Constitucional de muitos Estados, bem como pelas várias legislações ordinárias 
 nacionais, e ainda pelo Direito Internacional.
 
  
 
  
 E)     A colisão dos direitos ao bom nome e da liberdade de informação
 
  
 
 15. Recapitulando, a nossa Constituição protege, simultaneamente, o direito ao 
 bom nome de pessoas colectivas, ainda que se trate das chamadas “figuras 
 públicas”, e as liberdades de expressão, de informação e de imprensa. Não se 
 trata, porém, de dois direitos que consigam conviver sempre de modo pacífico. 
 Pelo contrário, em determinadas situações concretas da vida entram em colisão, 
 pelo que há que apurar qual a solução que o Direito Constitucional tem para este 
 problema. 
 
  
 Vejamos como tem o Tribunal Constitucional decidido a questão do conflito de 
 direitos próximos dos que estão em causa neste recurso. No Acórdão nº 113/97, já 
 amplamente citado, o Tribunal disse:
 
  
 
 «3. (...)
 
  
 
                         Tem sido objecto de aprofundadas reflexões doutrinais a 
 questão de saber como resolver situações em que, prima facie, se desenha um 
 conflito (independentemente de se saber neste mesmo momento se se trata ou não 
 de um conflito real ou aparente) entre vários direitos constitucionais ou entre 
 direitos e outros bens constitucionais (para maiores desenvolvimentos, cfr. José 
 Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 
 
 1976, 220 e segs., e G. Canotilho, Direito Constitucional, 6ª edição, 641 e 
 segs.), o que, obviamente, nos colocará em sede do denominado «direito 
 constitucional de conflitos».
 
  
 
                         Aceitando, como se aceita, que a liberdade de imprensa 
 pode, constitucionalmente, admitir limites (vide, a propósito, o que acima se 
 deixou explanado e ainda o Acórdão nº 175 da Comissão Constitucional publicado 
 no Boletim do Ministério da Justiça, nº 294, 157 e segs.), o mesmo sucedendo em 
 relação ao direito ao bom nome e reputação, haver-se-á de iniciar o tratamento 
 do ponto partindo, desde já, de uma concepção segundo a qual os limites à 
 liberdade de imprensa são limites estabelecidos por lei mediante autorização 
 constitucional (cfr. Leite Pinto, ob. cit.) e, desta arte, pondo de remissa uma 
 outra concepção que assente numa hierarquização de direitos (os ora em 
 conflito).
 
  
 
                         E isto sem que se deixe de anotar, de um lado, que, para 
 os tribunais da «ordem judiciária comum», haveriam de relevar as circunstâncias 
 do caso [em que avulta a situação de alguém - o assistente - que era tido (com 
 maior ou menor veracidade, não interessa agora) como candidato partidário a um 
 lugar de natureza política]; de outro, que se não deixa de sublinhar que se não 
 ignoram posições que possam perfilhar o entendimento de que aqui se desenharia 
 uma situação possivelmente tradutora de um mero conflito aparente (cfr. G. 
 Canotilho, Direito Constitucional de Conflitos e Protecção de Direitos 
 Fundamentais, 39 e segs. e exemplos aí dados); outras, que enfrentariam a 
 questão de saber se os apelidados «limites imanentes» dos direitos fundamentais 
 têm génese originária ou primitiva neles mesmos ou se só no próprio 
 estabelecimento e consentimento constitucional (directamente ou por remissão 
 constitucional para a lei ordinária); e, por fim, outras que defendem a 
 inexistência de limites à liberdade de imprensa (cfr. Anthea Jeffrey, Free 
 Speech and Press: An Absolute Right?, Humans Rights Quarterly, 8º vol., 1986, 
 
 225 e segs.) e dos que defendem o princípio de que nenhum direito é absoluto nem 
 ilimitado, não constituindo a liberdade de expressão excepção a esse princípio 
 
 (cfr. Ruiz Vadillo, Los derechos fundamentales a la libertad de expresión, a 
 informar e ser informado y su incidencia en el campo juridico-penal, Revista de 
 la Facultad de derecho de la Universidad Complutense, 11, 1986, 602 e segs.).
 
  
 
                         3.1. Ora, dentro deste posicionamento que, de alguma 
 forma, se afasta do recorrente - ao menos com relação à posição assumida aquando 
 do recurso decidido pelo acórdão impugnado -, não se irá sem dizer que alguma 
 doutrina (Leite Pinto, ob. cit.) perfilha o entendimento de que, na hipótese de 
 conflito entre os dois direitos, após se não encontrar uma optimização 
 equilibrada e equalizante entre ambos, o que pressupõe a concreta ponderação de 
 interesses em jogo, e após se concluir pela impossibilidade de uma concordância 
 prática - critério que implica necessariamente o respeito pelo princípio da 
 proporcionalidade em termos de se não dever diminuir a extensão e alcance do 
 conteúdo daquele direito que eventualmente, nessa ponderação, venha a ser 
 prevalecido -, é possível, em determinadas situações, concluir-se que a esfera 
 de protecção de um desses direitos esteja, à partida, diminuída, como será o 
 caso do direito à honra de figuras públicas, designadamente os titulares de 
 cargos políticos, direito cuja amplitude deve ser tida por menos extensa em 
 confronto com os demais cidadãos.
 
  
 
                         Figueiredo Dias (ob. cit.) assume que, gerando-se 
 conflito entre o direito à honra e o direito de informação, tendo em conta o nº 
 
 3 do artigo 37º do Diploma Básico, que, afinal, é uma constituição centralmente 
 preocupada com a defesa da dignidade humana e que invoca o direito penal (na 
 actual versão) para esses casos, se é obrigado à imposição de limites àquele 
 segundo direito, razão pela qual se poderá desenhar o cometimento de crimes de 
 injúria ou de difamação; mas, para que, pela força da tutela jurídico-penal, não 
 fique prejudicada de modo irremediável o cerne do liberdade de expressão e de 
 informação e da própria liberdade de imprensa, cujos núcleos essenciais se devem 
 salvaguardar, mister será encetar determinadas vias; não poderão elas, todavia, 
 residir num aumento de exigência de 'no que toca à afirmação do elemento 
 subjectivo' (v.g., exigir nos crimes contra a honra cometidos através da 
 imprensa o dolo específico) nem numa outra regulamentação da prova da verdade 
 dos factos narrados na imprensa.
 
  
 
                         Perante estes parâmetros, o citado Autor aponta para que 
 o caminho de resolução desta questão há-de encontrar-se no próprio exercício do 
 direito fundamental de informação, ou seja, o 'exercício do direito 
 jurídico-constitucional de informação há-de valer como aquele exercício de um 
 direito que o Código Penal considera que justifica o facto' [cfr. artº 31º, nº 
 
 2, alínea b) do dito Código]; por isso, deverá exigir-se que a imputação, 
 consubstanciando a ofensa à honra, se revele como meio adequado e razoável e o 
 menor danoso possível relativamente ao bom nome e consideração do ofendido, à 
 função pública da imprensa (formar democrática e pluralistamente a opinião 
 pública em matéria social, política, económica e social); que se prove 'o animus 
 ou a intenção (ao menos imamente) de cumprir' aquela função pública ou, no 
 mínimo, 'que não esteja excluído ter sido um tal cumprimento o motivo da sua 
 actuação'; e que essa imputação corresponda à verdade (ou que o agente razoável 
 e fundadamente assim tenha acreditado, o que implica o cumprimento do dever de 
 esclarecimento), com o que se desenhará um 'elemento subjectivo da causa 
 justificativa, que deverá considerar-se inexistente, pelo menos, sempre que se 
 verifique ter presidido à conduta uma intenção de difamar ou de injuriar - a 
 tanto se reduzindo o conteúdo útil que hoje poderá ainda atribuir-se à velha...e 
 ultrapassada forma  do «dolo específico» nos crimes contra a honra'; por fim, no 
 que tange à denominada «prova da verdade», conclui o Autor cuja posição se tem 
 vindo a expor que a «verdade» é 'apenas um elemento, a par de outros, 
 determinante da forma do exercício do direito de informação'.
 
  
 
                         Rodrigues da Costa (ob. cit.), de certa forma com 
 influência de Figueiredo Dias (o que parece ser confessado - cfr. nota a págs. 
 
 14), no balanceamento que se posta no conflito entre a liberdade de imprensa e o 
 direito à honra, assevera que se a imprensa não deve, na sua missão informativa 
 e formativa, ter os direitos ilimitados que muitas vezes reclama, também a 
 repressão da tutela da honra se não deve estender de molde a poder ficar 
 aniquilada a mencionada liberdade. E, em consequência, aceitando situarem-se no 
 mesmo plano aqueles direitos, defende que o direito à honra e consideração só 
 possa ser sacrificado se, ofendido que seja pelo exercício da liberdade de 
 imprensa, o acto ofensivo tiver sido justificado, isto é, se tiver decorrido de 
 uma causa justificativa fundada no quadro da função social e cultural assinalada 
 
 à imprensa, respeitados que sejam os limites da necessidade, adequação e da 
 proporcionalidade. Não é, para o Autor, desta arte, aceitável que, mesmo em 
 matéria de crítica política, a pretexto de se discutir uma personalidade, se a 
 denigra desnecessariamente (cfr. também, em sentido de certo jeito idêntico, 
 Ricardo Martin Morales, El derecho fundamental al honor en la activida politica, 
 Granada, 1994, pontos 6 a 11, e Michele Polvani, La diffamaziona a mezzo stampa, 
 Pádua. 19954, na parte referente a conteúdos e limites dos direitos de crónica e 
 de crítica).
 
  
 
                         Também este Tribunal no seu Acórdão nº 81/84 (publicado 
 na 2ª Série do Diário da República de 31 de Janeiro de 1985 e no volume 4º dos 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 225 e segs.), embora então estivesse em 
 causa o binómio liberdade de expressão-direito à honra e não o binómio liberdade 
 de imprensa-direito à honra teve ocasião de discretar:
 
 '.................................................. 
 
            9 - A liberdade de expressão - como, de resto, os demais direitos 
 fundamentais - não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a protecção 
 constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos 
 pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de 
 protecção pára, ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro 
 direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios 
 fundamentais da ordem constitucional (v. neste sentido: J.C. Vieira de Andrade, 
 Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 
 
 213 e segs.) Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que 
 conviver com os direitos de outros titulares, há-de ele sofrer as limitações 
 impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou 
 conflito com outros direitos - designadamente  com aqueles que se acham também 
 directamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à 
 integridade moral (artigo 25.º, n.º 1) e o direito ao bom nome e reputação e à 
 reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1)] -, haverá 
 que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também 
 formas de realização.
 
            Dizer isto é reconhecer que, sendo proibida toda a forma de censura 
 
 (artigo 37.º, n.º 2), é, no entanto, lícito reprimir os abusos da liberdade de 
 expressão..........................................
 
 ................................................... 
 
            10 - O artigo 37.º aponta - segundo cremos - no sentido de que se não 
 devem permitir limitações à liberdade de expressão para além das que forem 
 necessárias à convivência com outros direitos, nem impor sanções que não sejam 
 requeridas pela necessidade de proteger os bens jurídicos que, em geral, se 
 acham a coberto da tutela penal. Mas, não impede que o legislador organize a 
 tutela desses bens jurídicos lançando mão de sanções de outra natureza (civis, 
 disciplinares ...).
 
 ................................................... “
 
  
 
                         Note-se que, com a transcrição que se deixa efectuada, 
 se não significa que no presente acórdão se esteja a tomar posição, como acima 
 se deixou sublinhado, sobre a questão de saber se os «limites imanentes» são 
 algo de geneticamente ligado aos direitos fundamentais em si mesmo considerados 
 
 (o que, eventualmente, poderia conduzir às ungeschriebene 
 Grunderechtsbegrengzuhngen), se tais «limites» hão-de, necessariamente, ter 
 fundamento na Constituição ou na lei ordinária para que ela remeta ou se, por 
 fim, os direitos fundamentais não terão de ser perspectivados como direitos de 
 
 «expansão ilimitada» ao menos, no que à liberdade de expressão concerne, vista 
 esta como um 'fundamento funcional' da ordem democrática, se não há-de ela, como 
 refere Alexy (Theorie des Grundrechte, 1985, 493), considerar como algo de 
 excludente de alguns conteúdos que, do ponto de vista jurídico, haveriam de 
 tornar-se, de modo fundamental, impossíveis (cfr., de todo modo, sobre a 
 
 «liberdade de expressão» e a admissão de limites aos mesmos, os Acórdãos deste 
 tribunal números 74/84, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º vol., 49 e 
 segs, maxime, 57, e no Diário da República, 1ª Série, de 11 de Setembro de 1984, 
 
 99/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., 499 e segs e Diário da 
 República, 1ª Série, de 21 de Janeiro de 1989 e 636/95, no Diário da República, 
 
 2ª Série, de 27 de Dezembro de 1995).
 
  
 
  
 
                         3.2. Tem-se, desta arte, por adquirida a possibilidade 
 de admissão de limites à «liberdade de expressão» e, obviamente, à sua forma de 
 veiculação 'qualificada' - que é a «liberdade de imprensa» -, sendo que as 
 razões que a tanto conduzem são, mutatis mutandis, transponíveis se o enfoque 
 for projectado para o «direito de participação na vida política» exercitado 
 através daquelas «liberdades».
 
  
 
  
 Assim, a solução dos conflitos de direitos não pode ser resolvida através de uma 
 preferência abstracta, com o mero recurso à ideia de uma ordem hierárquica de 
 valores constitucionais. Desde logo porque é difícil estabelecer, em abstracto, 
 uma ordem hierárquica dos valores constitucionalmente protegidos. Essa 
 hierarquização só pode fazer-se, na maior parte das hipóteses, quando se 
 consideram as circunstâncias concretas dos casos. Se a Constituição protege 
 diversos valores ou bens não é lícito sacrificar um deles em detrimento dos 
 outros, antes se impõe uma ponderação concreta dos bens que pode conduzir a 
 resultados variáveis em função das circunstâncias, ou seja, há que resolver os 
 conflitos de direitos através de um princípio de harmonização ou concordância 
 prática. 
 
  
 A aplicação do princípio da concordância prática não pode implicar a afectação 
 do conteúdo essencial de nenhum dos direitos em presença e também não impõe a 
 realização óptima de cada um dos direitos em jogo.
 
  
 Como escreve JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE: 
 
  
 
 “O princípio da concordância prática executa-se, portanto, através de um 
 critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito.
 Por um lado, exige-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais 
 seja adequado e necessário à salvaguarda dos outros. Se o não for, não chega 
 sequer a existir um verdadeiro conflito. 
 Por outro lado, e aqui estamos perante a ideia da proporcionalidade em sentido 
 estrito, impõe-se que a escolha entre as diversas maneiras de resolver a questão 
 no caso (a “preferência concreta”) se faça em termos de comprimir o menos 
 possível cada um dos valores em causa segundo o seu peso na situação – segundo a 
 intensidade e a extensão com que a sua compressão no caso afecta a protecção que 
 lhes é constitucionalmente concedida (in Os Direitos Fundamentais na 
 Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., Coimbra, 2004, p. 326).      
 
  
 
  
 F)     O caso concreto em apreço 
 
  
 
 16. Recorde-se que a interpretação dos artigos 483º, nº 1, e 484º do Cód. Civ., 
 cuja inconstitucionalidade vem questionada neste recurso, não se prende com a 
 ilicitude como pressuposto da responsabilidade, mas antes com a modalidade de 
 culpa em causa, o que significa que tudo quanto se disse na decisão recorrida a 
 propósito da ilicitude e das suas causas de justificação, bem como da graduação 
 da gravidade da culpa se tem de dar aqui por adquirido. 
 
  
 Ora, a verdade é que o Acórdão recorrido procedeu à ponderação dos direitos em 
 conflito quando tratou da ilicitude como pressuposto da responsabilidade civil e 
 das suas causas de justificação, tendo dado prevalência ao direito ao bom nome e 
 
 à reputação da pessoa colectiva de utilidade pública em detrimento da liberdade 
 de informação, o que do ponto de vista constitucional poderia ser discutível. 
 Porém, não é esta a dimensão interpretativa das normas que vem questionada in 
 casu, mas uma outra relacionada com a modalidade da culpa como pressuposto da 
 responsabilidade. 
 
  
 Recapitulando, em relação à culpa como pressuposto da responsabilidade civil, o 
 Acórdão recorrido, após ter distinguido a culpa lato sensu da culpa stricto 
 sensu (“mera culpa” ou “negligência”), tanto consciente como inconsciente, e de 
 ter indicado que, no nosso ordenamento jurídico, a culpa é apreciada, na falta 
 de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das 
 circunstâncias de cada caso (artigo 487°, nº 2, do Código Civil), aplicou estes 
 critérios ao caso concreto, tendo concluído que “(…) ocorre, por isso, o segundo 
 pressuposto da responsabilidade civil a que se reporta o artigo 483°, nº 1, do 
 Código Civil, ou seja, a culpa, ao menos na modalidade de inconsciente.” O que 
 parece admitir implicitamente que a culpa consciente não está totalmente 
 afastada.  
 
  
 
             
 
 17. Encontrando-se fora dos poderes de cognição deste Tribunal a apreciação dos 
 juízos subsuntivos dos factos às normas, não podemos deixar de partir do 
 princípio que, tal como decidiu o tribunal a quo, os factos provados revelam 
 culpa por parte dos recorrentes, pelo menos, na modalidade de culpa 
 inconsciente. 
 
  
 A questão de constitucionalidade que se coloca é, portanto, a de saber se, 
 estando em causa o direito de informar, a expressão “mera culpa”, constante do 
 artigo 483º, nº 1, C.C., pode ser lida como negligência inconsciente, no sentido 
 de fundamentar o dever de indemnizar para quem afirmar ou difundir um facto 
 capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou 
 colectiva (artigo 484º C. C.), no caso a difusão de (uma) notícia (s) por parte 
 dos recorrentes. 
 
  
 Para a doutrina juscivilista é pacífico que o artigo 483º do Cód. Civ., ao fazer 
 referência ao “dolo e mera culpa”, admite duas formas de culpa: o dolo e a 
 negligência, a qual pode ser consciente ou inconsciente. Na negligência 
 consciente, o agente, violando o dever de diligência a que estava obrigado, 
 representa a verificação do facto como consequência possível da conduta, mas 
 actua sem se conformar com a sua verificação, enquanto, na negligência 
 inconsciente, o agente não chega sequer a representar a verificação do facto, ou 
 seja, a lesão do direito de terceiro (neste sentido, ver PESSOA JORGE, “Lições 
 de Direito das Obrigações”, 1975-76, Lisboa, p. 562; RIBEIRO FARIA, “Direito das 
 Obrigações”, 1990, Coimbra, p. 461; ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, 
 Volume I, 7ª edição, Coimbra, 1991, pp. 565 e 566; LUIS M. T. MENEZES LEITÃO, 
 Direito das Obrigações, Vol. I, 6ª ed., Coimbra, 2007, p. 315).
 
  
 Conforme refere ANTUNES VARELA (in o.c., p. 566), a actuação negligente, ainda 
 que inconsciente, é sempre juridicamente reprovável ou censurável, ainda que em 
 grau menor que a actuação dolosa:
 
  
 
 “A mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime assim uma ligação da 
 pessoa com o facto menos incisiva do que o dolo, mas ainda assim reprovável ou 
 censurável. O grau de reprovação ou de censura será tanto maior quanto mais 
 ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte ou 
 intenso o dever de o ter feito. Perigo eminente exige atenção redobrada, como 
 dizem alguns autores.”
 
  
 Mas será que a leitura juscivilista do preceito é compatível com as normas 
 constitucionais quando está em causa o direito de informar? 
 
  
 Como atrás se disse, no caso em apreço, verifica-se um conflito entre o direito 
 ao bom nome e a reputação de uma pessoa colectiva e o direito de informar por 
 parte de jornalistas. Esse conflito de direitos deve ser resolvido através de um 
 critério de ponderação que assenta no princípio da concordância prática, o qual 
 pressupõe a proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito. Ou seja, o 
 sacrifício de cada um dos direitos tem de ser adequado e necessário à 
 salvaguarda do outro. 
 
  
 E nem se diga que o facto de se tratar de uma pessoa colectiva que também é uma 
 
 “figura pública” implica uma redução tão drástica do seu direito ao bom nome que 
 no balanceamento entre esse direito e o direito à informação só este ultimo deve 
 ser tido em conta. A verdade é que não se pode reduzir o dever de indemnização 
 de tal modo que o conteúdo essencial do direito ao bom nome e à reputação saia 
 irremediavelmente afectado.
 
  
 A questão que se coloca é a de saber se, em face da interpretação normativa que 
 está em causa neste recurso, e tendo em conta os artigos 37º, n.º 1, e 38º, nº 
 
 1, da CRP, a violação do direito ao bom nome através da imprensa depende de o 
 agente não ter previsto, por imprevidência ou descuido, a possibilidade de o 
 facto ilícito vir a ocorrer. Ora, o direito ao bom nome, como limite à liberdade 
 de imprensa, deve operar independentemente da modalidade da culpa em que possa 
 ter incorrido o agente, ou seja, quer o agente não tenha adoptado as precauções 
 necessárias para evitar o resultado danoso (culpa consciente) quer não tenha 
 sequer previsto a possibilidade de o facto ilícito ocorrer (culpa inconsciente).
 
  
 Admitir o contrário, seria aceitar um tão elevado grau de compressão do direito 
 ao bom nome que não se nos afigura conforme à Constituição, a qual, perante um 
 conflito de direitos, ao invés de pretender hierarquizá-los, antes procura 
 comprimir o menos possível cada um dos direitos em causa, tendo em conta a 
 intensidade e a extensão com que a sua compressão no caso afecta a protecção que 
 lhes é constitucionalmente concedida.
 
  
 Ainda que as “figuras públicas” vejam a esfera de protecção do seu direito ao 
 bom nome algo diminuída à partida, isso não pode implicar um total apagamento 
 desse direito mesmo que seja no confronto com as liberdades de expressão, de 
 informação e de imprensa, as quais numa sociedade democrática desempenham um 
 papel muitíssimo importante. Dito de outro modo, nem as liberdades de expressão, 
 de informação e de imprensa podem justificar uma leitura tão redutora do direito 
 ao bom nome e à reputação.
 
  
 E não adianta invocar a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem 
 em matéria de conflito destes dois direitos, isto é, em matéria crítica 
 admissível por parte da comunicação social quando está em causa a protecção da 
 privacidade, do bom nome, da reputação e da honra de “figuras públicas” (ver 
 casos Observer e Guardian v. The United Kingdom, proc. nº 13585/88, de 
 
 26/11/1991; caso Castells v. Spain, Proc. nº 11798/85, de 23/04/1992; caso 
 Prager e Oberschlick v. Áustria, Proc. nº 15974/90, de 26/04/1995; caso Lopes 
 Gomes da Silva v. Portugal, Proc. nº 37698/97, de 28/09/2000; caso Özgür 
 Radyo-Ses Radyo Televizyon Yayin Yapim Ve Tanitim A.S. v. Turquie, Proc. nº 
 
 64178/00, 64179/00, 64181/00, 64183/00, 64184/00, de 30/03/2006; caso Kobenter e 
 Standard Verlags GMBH v. Áustria, Proc. nº 60899/00, de 02/11/2006; caso Colaço 
 Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. v. Portugal, Proc. nº 
 
 11182/03 e 11319/03, de 26/04/2007, todos disponíveis em 
 http://www.echr.coe.int/echr) para sustentar uma contradição entre esta 
 jurisprudência e a do Tribunal Constitucional. É certo que a jurisprudência do 
 TEDH admite amplas restrições àqueles direitos quando está em causa a liberdade 
 de expressão e de imprensa, desde que: (i) justificadas numa necessidade social 
 imperiosa e (ii) sejam proporcionais aos fins prosseguidos.
 
  
 A verdade é que essa contradição não existe, dado que o âmbito da jurisdição 
 destes dois tribunais é totalmente distinto, sendo que os poderes de cognição do 
 Tribunal Constitucional se restringem à questão de inconstitucionalidade 
 suscitada – e só a ela –, não podendo apreciar oficiosamente qualquer outra 
 questão nem os juízos subsuntivos dos factos às normas.
 
  
 Assim, a título exemplificativo, diga-se que, este Tribunal, tendo em conta a 
 questão de inconstitucionalidade colocada in casu, não pode apreciar se a 
 notícia tinha ou não interesse público ou se o montante concreto da indemnização 
 fixado pelo tribunal a quo é um sacrifício demasiado oneroso para os recorrentes 
 
 – esses juízos pertencem ao tribunal recorrido. 
 
  
 Voltando ao caso concreto, se o conteúdo essencial do direito ao bom nome não 
 pode ser afectado, o mesmo vale para o conteúdo essencial das liberdades de 
 expressão, de informação e de imprensa, pelo que há que averiguar se estas ficam 
 irremediavelmente comprometidas pelo facto de a mera culpa, na modalidade de 
 negligência inconsciente, ser admitida como pressuposto de responsabilidade 
 civil extracontratual, no caso de ter havido ofensa ao direito ao bom nome de 
 uma pessoa colectiva.  
 
  
 Sempre se poderia argumentar que a responsabilização civil dos jornalistas, a 
 título de negligência (e, necessariamente, a sua responsabilização pecuniária), 
 por notícias publicadas ao abrigo do seu direito de investigação jornalística, 
 restringiria o conteúdo essencial da liberdade de informação e de imprensa, pois 
 aqueles abster-se-iam de publicar notícias e de investigar, salvo quando 
 estivessem absolutamente certos da veracidade dos factos, ou pelo menos, 
 restringiria essas liberdades de modo desproporcionado. No fundo, o regime da 
 responsabilidade civil, a título de mera negligência (e, no nosso caso, na forma 
 inconsciente) poderia vir a funcionar como mecanismo de auto-censura, em 
 prejuízo da democracia.
 
  
 Porém, assim não é. No caso em apreço, ficou provado que os jornalistas não 
 cumpriram todas as regras de cuidados que se lhes impunha, quer no plano 
 deontológico, quer no plano legal (por exemplo, não aceitaram o desmentido do 
 Presidente do B., bastaram-se com a recusa de informações pelo Fisco – estes 
 factos encontram-se provados no processo, pelo que o Tribunal Constitucional não 
 pode afastar-se dessa prova). 
 
  
 Como tal, embora a interpretação normativa sub judice restrinja o direito a 
 informar, ela não afecta o seu conteúdo essencial e não o faz de modo 
 desproporcionado, visto que os jornalistas mantêm o direito a informar, desde 
 que cumpram as regras impostas pelas “lege artis” e pela lei, ao longo da 
 investigação jornalística.
 
  
 Admitir o contrário seria negar os deveres deontológicos dos jornalistas, os 
 quais implicam zelo, diligência e cuidado no exercício da profissão, bem como a 
 não afectação dos direitos de terceiros, como é o caso do direito à presunção de 
 inocência, do direito à imagem, do direito à reserva da vida privada, da 
 intimidade e da privacidade (ver artigo 14º do Estatuto do Jornalista na 
 redacção actualmente em vigor).
 
  
 Em suma, não procede a inconstitucionalidade da norma que constitui objecto 
 deste recurso.
 
  
 DECISÃO
 
  
 Pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.
 
  
 Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos 
 termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro. 
 Lisboa, 29 de Maio de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Vítor Gomes
 Maria Lúcia Amaral (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
 Gil Galvão
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Votei vencida pelas seguintes razões:
 
  
 
 1.  A liberdade de expressão e de informação, consagrada no artigo 37º da CRP, é 
 seguramente e antes do mais um direito de defesa contra intervenções abusivas do 
 Estado, como o são todos os demais direitos, liberdades e garantias pessoais. 
 Contudo – e por causa do particular bem jurídico que por ela é protegido – é 
 também muito mais do que isso, detendo uma dimensão objectiva e institucional 
 que não pode deixar de ser considerada, sempre que se determina o âmbito de 
 protecção da norma constitucional que consagra este tipo de liberdade. Com 
 efeito, o bem ou valor jurídico que, aqui, é constitucionalmente protegido não é 
 outro senão o da formação de uma opinião pública robusta, sem a qual se não 
 concebe o correcto funcionamento da democracia. Por isso, o exercício, sem 
 obstáculos, desta liberdade não configura apenas um bem para quem a certo 
 momento a exerce; a sua prática continuada é algo que, objectivamente, detém 
 valor para a própria comunidade política. Que assim é demonstra-o, aliás, o 
 texto da Constituição, que não deixou de prever – a seguir à norma que consagra 
 a liberdade – um conjunto de garantias institucionais e de formas de organização 
 e de procedimentos (artigos 38º, 39º e 40º) que revelam bem o peso da dimensão 
 objectiva básica que detém, para o sistema constitucional, este direito 
 fundamental. Vê-lo como algo distinto e separado (e separado de forma cerce) de 
 um outro conjunto de direitos fundamentais que estariam – eles e só eles – 
 próximos da dignidade das pessoas (como valor constitucionalmente protegido) é 
 algo que me não parece compreensível. Por certo que a Constituição entende que o 
 exercício da liberdade de expressão também concorre para a perfeição do 
 princípio da dignidade, não sendo em relação a ele um aliud. A isso conduz a 
 função primacial que esta liberdade objectivamente detém, enquanto pressuposto 
 do próprio conceito constitucional de democracia. 
 
  
 
 2.  No bem jurídico ‘formação da opinião pública’ vai seguramente inserto um 
 outro bem, também ele constitucionalmente protegido, e que é o da busca da 
 verdade. Tal é particularmente evidente no caso do direito de informar, que 
 integra, juntamente com o direito de exprimir e divulgar livremente o 
 pensamento, o âmbito da protecção constitucional. A diferença entre o exercício 
 do ‘direito de expressar o pensamento’ e o exercício do ‘direito de informar’ 
 corresponde à diferença que vai entre a divulgação da opinião e a divulgação da 
 notícia. Seguramente que a segunda, que se reporta a factos e não a juízos de 
 valor, deve ser verdadeira. Contudo, a questão é a de saber qual o standard de 
 comprovação da verdade que razoavelmente se requer, tendo em conta a dimensão 
 objectiva do direito (liberdade de expressão) e o consequente ‘tipo’ alargado do 
 seu âmbito de protecção constitucional. É para mim claro que tal standard terá 
 que pressupor a boa fé e a diligência razoável de quem informa. Exigir para além 
 disso – como se as notícias só pudessem ser transmitidas após uma verificação e 
 comprovação exaustiva da sua veracidade – parece-me que é exigir mais  do que é 
 permitido pelo âmbito de protecção da norma constitucional, justamente pelo 
 efeito inibitório, que daí decorrerá, para o exercício do direito de informar. 
 
  
 
 3.  Tudo quanto se disse foi, até agora, apenas dito em tese. É impossível 
 atribuir à liberdade de expressão (e, especificamente, ao direito de informar), 
 o estatuto – apriorístico e invariável – de liberdade ‘preferente’ face a outros 
 direitos e liberdades. Nada na Constituição o legitima. Como se afirma no 
 Acórdão, os problemas de colisão de direitos fundamentais resolvem-se tendo em 
 conta o peso que cada um deles tem no caso concreto. 
 Neste caso, ao direito de informar opôs-se o direito ao bom nome de uma pessoa 
 colectiva com notoriedade pública, ou com lugar de relevo no espaço público. A 
 decisão recorrida resolveu o problema de colisão dando preferência, não à 
 liberdade de expressão, mas ao direito ao bom nome. Fê-lo com um duplo 
 fundamento: (i) pela especial proximidade existente entre tal direito e o 
 
 ‘valor’ constitucional da dignidade das pessoas; (ii) por uma especial 
 interpretação do âmbito de protecção constitucional do direito de informar, que 
 se bastou com a existência de culpa do jornalista [culpa, evidentemente, em 
 relação ao não cumprimento do dever de buscar a verdade], ao menos na modalidade 
 de culpa inconsciente, como pressuposto da existência de responsabilidade civil 
 e do dever de indemnizar. Foi a este modo de resolver o problema [de colisão de 
 direitos] que o Tribunal acabou por dar razão, ao decidir – como decidiu – negar 
 provimento ao recurso, mantendo a sentença de que se recorrera. Não pude 
 concordar com tal decisão. Primeiro, porque entendi que o princípio da dignidade 
 não podia, in casu, ser invocado como razão da preferência do direito ao bom 
 nome. Como se viu, a liberdade de expressão não é um aliud face a tal princípio: 
 entender que este último vale só para os direitos de personalidade [ou para a 
 sua interpretação] e não para as liberdades comunicativas [ou para a 
 determinação do seu âmbito de protecção] é, a meu ver, adoptar uma visão 
 disjuntiva entre o estatuto da pessoa e o estatuto das suas liberdades 
 comunicativas que não tem, no texto constitucional, qualquer arrimo. Por certo 
 que as liberdades comunicativas têm a consagração constitucional que têm também 
 por causa da dignidade das pessoas. Depois, divergi da decisão porque entendi 
 que a exigência da ‘culpa’ (‘ao menos inconsciente’) do jornalista como 
 pressuposto bastante de um dever de indemnizar conduzia a um standard de 
 exigência da verificação da veracidade das notícias que ficava para além do 
 permitido pelo âmbito de protecção da norma contida no artigo 37º da CRP. 
 Independentemente da questão de saber quais as fronteiras que, em 
 casos como este, se devem estabelecer entre os recursos de constitucionalidade 
 e as queixas constitucionais, não previstas entre nós – questão que não 
 abordarei aqui –, uma coisa me parece certa. O Tribunal, ao aceitar conhecer 
 deste recurso, aceitou também que detinha competência para reexaminar a solução 
 que a sentença judicial dera à questão da colisão de direitos. Nem de outro modo 
 poderia ser, visto que a «norma» aplicada no caso concreto por tal sentença – 
 com a «interpretação» do caso – só o foi (aplicada e interpretada) por se ter 
 antes chegado a um certo resultado, quanto à questão prévia de saber como é que 
 se resolveria o conflito existente entre o direito de informar e o direito ao 
 bom nome. Aceitar conhecer deste recurso – ou seja, aceitar conhecer da 
 constitucionalidade da «concreta dimensão» da norma que no caso fora aplicada – 
 implicava, por isso, aceitar também a competência do Tribunal para reexaminar o 
 modo como, nele, se resolvera a questão da colisão de direitos. A meu ver, 
 deveria ter sido outro o resultado do reexame.
 
    Maria Lúcia Amaral