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Processo n.º 472/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            Por decisão sumária de fls. 215 e seguintes, negou-se provimento 
 ao recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes fundamentos:
 
  
 
 “[…]
 
 6. Da leitura do requerimento de interposição do presente recurso resulta que a 
 norma cuja conformidade constitucional o recorrente pretende que o Tribunal 
 Constitucional aprecie é a do artigo 1781º do Código Civil, numa determinada 
 interpretação (supra, 5.).
 A interpretação censurada pelo recorrente encontra-se mais claramente 
 identificada na peça processual em que a correspondente questão de 
 inconstitucionalidade foi suscitada: as alegações produzidas perante o tribunal 
 recorrido (supra, 3.). 
 Em suma, insurge-se o recorrente contra a interpretação segundo a qual «a mera 
 separação temporal [por mais de três anos] é por si pressuposto e fundamento de 
 divórcio», invocando a violação do artigo 36º da Constituição.
 
 É, portanto, esta a interpretação normativa que constitui o objecto do presente 
 recurso.
 
 7. Tal interpretação foi já apreciada pelo Tribunal Constitucional, que concluiu 
 no sentido da sua não inconstitucionalidade. 
 No Acórdão n.º 277/2006, de 2 de Maio (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional decidiu não julgar 
 inconstitucional a norma da alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil, na 
 redacção introduzida pela Lei n.º 47/98, de 10 de Agosto, que alterou o prazo de 
 duração da separação de facto necessário para constituir fundamento de divórcio 
 litigioso, dizendo, a esse propósito, o seguinte:
 
 «[…]
 
 4. No remanescente – isto é, quanto à questão de fundo da inconstitucionalidade 
 
 –, tem, porém, razão o recorrido: não há qualquer violação dos artigos 36º e 67º 
 da Constituição pela actual redacção da alínea a) do artigo 1781º do Código 
 Civil.
 Diz a recorrente, bem entendida, que a Lei n.º 47/98, ao encurtar de seis para 
 três anos consecutivos o prazo de duração da separação de facto que constitui 
 fundamento de divórcio litigioso, atenta contra a protecção constitucional à 
 família. Não se vê como.
 Em primeiro lugar, como se depreende do n.º 1 do artigo 36º da Lei Fundamental 
 
 (e notam Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa 
 Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 351, anotação III ao artigo 67º), ‘o conceito 
 de família não pressupõe o vínculo matrimonial’. No mesmo sentido, podem ver-se 
 Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 
 
 2005, pp. 394-395, anotação III ao artigo 36º, e o acórdão n.º 690/98 deste 
 Tribunal (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48º vol., pp. 579-596), onde se 
 escreveu, designadamente, o seguinte: ‘A distinção constitucional entre família, 
 por um lado, e matrimónio por outro, referida no artigo 37º, n.º 1, e ainda 
 entre aquela e os conceitos de paternidade e maternidade, operada nos artigos 
 
 67º e 68º, em nada dificulta, antes parece espelhar um entendimento e 
 reconhecimento da família como uma realidade mais ampla do que aquela que 
 resulta do casamento, que pode ser denominada de família conjugal’.
 Logo se vê, pois, que a invocação das normas de protecção constitucional da 
 família para opor à dissolução de um casamento não pode ser feita de modo 
 directo e automático. A protecção da unidade familiar, constitucionalmente 
 imposta ao legislador, não pode desconhecer, como se escreveu no referido 
 acórdão, que ‘cada vez mais, na sociedade actual, por largas camadas da 
 população, o casamento deixa de ser encarado como uma instituição acima dos 
 próprios cônjuges’.
 Em segundo lugar, como referem os mesmos autores (Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, ob. cit.), «a família é feita de pessoas e existe para realização 
 pessoal delas, não podendo a família ser considerada independentemente das 
 pessoas que as constituem, muito menos contra elas» (anotação IV ao mesmo artigo 
 
 67º).
 Dando conta da introdução de ‘causas de natureza objectiva, que pura e 
 simplesmente exprimem a ruptura da vida em comum’, escreveu-se no Acórdão n.º 
 
 105/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º vol., p. 365):
 
 «Ou seja: tratou-se de abandonar uma exclusiva ideia de ‘divórcio-sanção’ (como 
 usualmente se diz, e sem curar agora do rigor da qualificação: cfr. Pereira 
 Coelho, Curso de Direito de Família, I, Coimbra, 1965, p. 443), que fora 
 perfilhada pelo Código Civil, na sua versão originária de 1966, e de retomar 
 mais amplamente a ideia de ‘divórcio-remédio’, alargando-a mesmo a uma concepção 
 de ‘divórcio-consumação’ ou ‘divórcio-falência’ (cfr. Antunes Varela, Direito da 
 Família, Lisboa, 1987, p. 466) – ideia que justifica e propugna a dissolução 
 jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer 
 dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido 
 definitivamente, e sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum. 
 Desse modo, e como se sabe, voltou-se a uma visão das coisas que já fora 
 perfilhada pelo nosso direito, na vigência da Lei do Divórcio de 1910 (embora 
 sem ‘repristinar’ exactamente as respectivas soluções); e, por outro lado, 
 acompanhou o legislador português, nesse ponto, a tendência evolutiva mais 
 recente (não só no plano jurídico, mas, desde logo, no plano sociológico), no 
 sentido do que pode chamar-se um modelo ‘moderno’ de casamento (por 
 contraposição ao seu modelo ‘tradicional’), modelo esse que ‘desvaloriza o lado 
 institucional e faz do sentimento dos cônjuges, ou seja, da sua real ligação 
 afectiva, o verdadeiro fundamento do casamento’ o qual passa a ser 
 
 ‘tendencialmente’ (ou no limite), antes que uma ‘instituição’, ‘uma simples 
 associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua 
 felicidade e a sua realização pessoal’ [assim, e utilizando justamente os 
 qualificativos mencionados, Pereira Coelho, Casamento e família no direito 
 português, em ‘Temas de Direito da Família’ (Ciclo de Conferências na Ordem dos 
 Advogados – Porto), Coimbra, 1986, pp. 10 e 14].».
 Em terceiro lugar, ainda segundo os mesmos autores, a protecção da família é, em 
 primeiro lugar, ‘protecção da unidade da família’, ou seja, do ‘direito dos 
 membros do agregado familiar a viverem juntos’ (anotação V ao referido artigo) – 
 ou seja, precisamente o inverso do que está em causa nos presentes autos.
 Tendo o legislador de 1998 entendido que uma separação de facto por três anos 
 consecutivos era ela própria suficientemente reveladora da inviabilidade da 
 continuidade da relação matrimonial, nenhum dos parâmetros constitucionais da 
 tutela da família é decisivamente posto em causa por essa opção, qualquer que 
 tenha sido a anterior opção do legislador em tal matéria. Aliás, o confronto com 
 o direito anterior é, em termos de análise da conformidade constitucional das 
 normas infra-constitucionais, muito pouco elucidativo.
 Diz também a recorrente que tal alteração legislativa constitui factor de 
 desigualdade entre os cônjuges, invocando a estrutura social do País, mormente 
 
 ‘nas populações envelhecidas e que vivem fora dos centros urbanos’. Refere-se a 
 recorrente a implicações do divórcio que não estão acauteladas em termos de 
 segurança social: o marido é que trabalha (e desconta), a mulher fica em casa e 
 beneficia de protecção social enquanto cônjuge. Desfeito o vínculo matrimonial, 
 também isso se perde.
 O que este Tribunal tem para apreciar não são, porém, as normas que prevêem a 
 protecção social dos ex-cônjuges, anteriormente beneficiários da extensão da 
 protecção social conferida ao outro ex-cônjuge, mas apenas uma norma que fixa o 
 prazo de duração da separação de facto que constitui fundamento de divórcio 
 litigioso. Ora, para esta norma, a argumentação a que se fez referência é alheia 
 e desajustada, não tendo finalidades de segurança social de relevar 
 decisivamente, por imposição constitucional, para o regime dos fundamentos do 
 divórcio. Por outro lado, em termos de princípio de igualdade, é óbvio que uma 
 tal norma se aplica, sem qualquer desvio, entre populações envelhecidas e 
 jovens, dentro e fora dos centros urbanos, e em todos os estratos da estrutura 
 social. Por outro lado, o facto de um prazo idêntico se aplicar em todos estes 
 casos também não viola o princípio da igualdade: não há qualquer imposição de 
 diferenciação expressa na Constituição e as diferenças que possam existir entre 
 diversos tipos de casais, consoante o seu meio social, não impedem o legislador 
 de poder considerar que, quando a separação de facto se prolonga já por um 
 período de três anos, com o propósito de não restabelecer a vida em comum por 
 parte de um dos cônjuges, tal afastamento constitua fundamento de divórcio (sem 
 prejuízo da declaração da culpa de um ou ambos os cônjuges – cfr. o artigo 1782º 
 do Código Civil).
 Finalmente, diz a recorrente que tal lei – a Lei n.º 47/98, que operou a 
 alteração ao artigo 1781º do Código Civil – ‘ao prosseguir fins hedonistas, 
 viola o disposto nos art.ºs 36º e 67º da C.R.P.’. Mesmo que se pudesse dizer que 
 tal lei prossegue fins hedonistas – e a decisão recorrida entendeu que não –, 
 mesmo nesse caso, não se poderia dizer que, só por isso, violaria a 
 Constituição. Não se vê como pretender que a prossecução de fins hedonistas, 
 mesmo (ou até, numa certa perspectiva, sobretudo) por diplomas legais, seja 
 inconstitucional. Aliás, o que o artigo 36º, n.º 2, da Constituição estabelece é 
 que a lei regula os efeitos da dissolução do matrimónio, entendendo-se (com 
 Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., p. 141), que ‘[o] legislador dispõe, nos 
 termos do artigo 36º, n.º 2, de uma margem de liberdade não dispicienda na 
 regulamentação dos requisitos e dos efeitos do divórcio’.
 Não havendo, então, parâmetros constitucionais que essa opção do legislador 
 possa ferir – como já o mencionado Acórdão n.º 105/90 decidira, embora para a 
 anterior versão do artigo 1781º, alínea a), do Código Civil – não merece ela 
 censura. E o presente recurso tem de improceder.
 
 […].».
 Tendo a questão de inconstitucionalidade que agora se submete ao Tribunal 
 Constitucional sido já apreciada por este Tribunal, importa concluir que a 
 respectiva decisão é simples, sendo consequentemente possível proferir decisão 
 sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, 
 remetendo para os fundamentos do transcrito Acórdão n.º 277/2006. 
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 2.            Desta decisão sumária vem agora A. reclamar para a conferência, ao 
 abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, 
 nos seguintes termos (fls. 228 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 
 11. Salvo sempre o devido respeito, os Tribunais de 1ª Instância e Tribunal da 
 Relação, assentam as suas conclusões e fundamentam a sua decisão, na tese da A. 
 sustentada pelo facto que a A. e R, nunca mais reataram a vida em comum.
 
 12. O próprio aresto do Tribunal da Relação escreve «é claro que se poderá dizer 
 que a expressão ‘nunca mais tendo reatado a vida em comum’, tem algo de 
 conclusivo, porquanto se analisa numa diversidade de comportamentos, positivos 
 ou negativos, a que a mesma se reconduz; porém, trata-se de expressão 
 introduzida na linguagem corrente, compreensível para a generalidade das 
 pessoas, razão por que, sem deixar constituir conclusão de facto, entendemos 
 como admissível».
 
 13. Nem consta como assinala o douto acórdão que (...) da matéria de facto dada 
 como provada a intenção de pelo menos, um dos cônjuges de não reatar a comunhão 
 de vida entre eles.
 
 14. Porém, o «espírito do tempo» é de facto avesso à estabilidade das relações 
 familiares, e sem factos alegados, sem matéria provada, também o direito, que 
 deveria ser um pilar das relações sociais, que a «família» é uma das vivas 
 expressões, é condicionado por presunções que o próprio «acórdão» admite «parte 
 do facto conhecido para firmar um facto desconhecido»; «assente em meras 
 presunções, inspiradas nas máximas de experiência, nos juízes correntes de 
 probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição 
 humana».
 
 15. Vejamos, a título de exemplo, vivem numa morada diversa – facto conhecido – 
 estão separados de facto, desconhecendo se o ambiente e a vivência familiar 
 ainda resiste ou não, mas firmam o desconhecido, pela lógica da probabilidade e 
 mera opinião, não menos perigosa quando validade pela «comunis opinio»!
 
 16. E sem matéria alegada e provada, sempre se conclui, se a «apelada intentou a 
 presente acção tendo em vista ser declarada a dissolução do seu casamento com o 
 apelante; deste facto é possível concluir que não existe, da sua parte, a 
 intenção de proceder a esse reatamento, pelo que forçoso é afirmar-se a 
 verificação dos pressupostos de facto»,
 
 17. Ora, esta questão é central e merece uma reflexão:
 
 18. Já não é preciso alegar factos e prová-los?
 
 19. Na verdade, o recorrente afirmou quer em sede de alegação na contestação, 
 quer em audiência de julgamento que o «casal» vivia em casas separadas, mas que 
 havia reencontros, factos que nenhuma testemunha afastou mas que porventura, 
 admitamos, também o recorrente não logrou provar.
 
 20. Todavia, a questão, coloca-se na distribuição do ónus da prova, a alegação 
 da mera separação, o pressuposto temporal, não pode ser requisito suficiente 
 para decretar o divórcio.
 
 21. Esta foi aliás, a fundamentação expendida nas alegações de Recurso e que 
 reafirmamos,
 
 22. Ainda que separados aparentemente, factos que as testemunhas confirmaram à 
 saciedade, isso não será bastante e suficiente.
 
 23. Do nosso ponto de vista a separação e dissolução do casamento, obriga a que 
 de forma clara, inequívoca, se faça prova e depois se fundamente, factos que com 
 toda a certeza, revelem a inexistência de sinais, reencontros de um projecto 
 fundado em valores que a Lei portuguesa, protege no capítulo de «Direitos, 
 Liberdades e Garantias»,
 
 24. E a nosso ver, esta protecção é feita em dois planos.
 
 25. Primeiro, como direito de constituir família.
 
 26. Segundo, como destinatário, a protecção da «família» por parte do Estado, 
 como eixo estruturante da organização da sociedade
 
 27. Ora, apesar da lei ordinária, prever a dissolução do casamento, com 
 facilidades legislativas crescentes, quase equiparando-a à «modernização 
 administrativa», certo, é que quem aplica o direito está vinculado à noção de 
 protecção da «Família» que a CRP acolhe, e que, a lei ordinária, não tem 
 prevalência sobre a Lei Constitucional.
 
 28. Aliás, secundando o douto «acórdão» que embalado no perfume da época, 
 verdadeiro coveiro, da instituição familiar, vem dizer que se a apelada e 
 autora, pretendia o divórcio, com o fundamento no lapso de tempo, daí se pode 
 inferir, que não era sua intenção retomar a vida em comum, 
 
 29. Ou seja, «mutatis mutandis»,
 
 30. Como o R, ora apelante se opôs ao divórcio com esse fundamento, quererá 
 dizer, pela mesma ordem de razão e argumento, que se o mesmo contestou, 
 certamente porque existia uma intenção de reatar a vida em comum!
 
 31. As regras do «ónus da prova», impunham ao autor não apenas a mera separação 
 temporal, masque no período, não existiu comunhão de leito, de mesa e de vida, 
 que também não se logrou provar!
 
 32. E isso, o autor não conseguiu provar – nem sequer alegar – nem o Juiz 
 fundamentar, apesar do casamento e da família, serem destinatários de protecção 
 constitucional.
 
 33. O ónus da prova, tem pois que estar em harmonia, com as disposições do 
 capítulo da «Família» e o artigo 1781º do CC, tem que ser interpretado de forma 
 sistemática, sob pena de colidir com o texto constitucional.
 
 34. As decisões dos Tribunais Superiores confirmaram a dissolução do casamento 
 por lapso de tempo superior a três anos, partindo do «conhecido para o 
 desconhecido», para utilizar a fundamentação do mesmo.
 
 35. Neste sentido, violaram a nosso ver, o artigo 1781º do CC, uma vez que não 
 basta a mera separação temporal, por força da exigência hermenêutica que o texto 
 constitucional impõe ao intérprete e mormente ao aplicador do direito.
 
 36. Aliás, de acordo com o que escrevemos, a protecção da família, no texto 
 constitucional, não pode ser uma pura semântica e, tem que funcionar como 
 princípio orientador e prevalente da lei ordinária, uma vez que a família é um 
 núcleo essencial da vida em sociedade, que é um direito, mas simultaneamente um 
 destinatário da protecção do legislador e do Estado.
 
 37. A lei da família não há-de ser tão elástica, onde caibam novos fenómenos de 
 associação familiar, mas fique de fora a sua protecção!
 
 38. Parece-nos, salvo melhor opinião que há uma violação das regras do ónus da 
 prova, 
 
 39. Violando-se igualmente, as regras de interpretação do art. 9°, uma vez que 
 considerar que a mera separação é condição de divórcio, não tem em conta a 
 valoração sistemática e teleológica que a mesma instituição «Família» reclama.
 
 40. Que de acordo com a hierarquia das normas, há-de estar sempre sujeita à 
 prevalência da Lei Constitucional sobre a lei ordinária, sob pena de 
 inconstitucionalidade material.
 
 41. Admitindo a interpretação que a mera separação temporal é por si pressuposto 
 e fundamento de divórcio, transforma o artigo 1781º do CC, viola regras 
 dispositivas no capítulo da «Família» e viola, a nosso ver, o n.º 6 do artigo 
 
 112° do CRP, uma vez que interpreta, integra e modifica, leis cuja orientação 
 deve ser interpretada no sentido mais restritivo, com concretizações, entre 
 outras coisas, no ónus da prova.
 Conclusões:
 
 – Porem, questão idêntica e similar, cuja argumentação (isto sim, interessa) já 
 foi expendida no acórdão citado e que funcionou como uma espécie de «regra de 
 precedente» é que trata de referir que a dissolução do casamento por divórcio 
 está remetido para a Lei ordinária.
 
 – E que pese embora, o artigo 36/2 da Constituição remeter para a lei ordinária 
 e admitindo na esteira dos autores Jorge Miranda/Rui Medeiros na obra citada 
 referindo que o legislador dispõe «de uma margem de liberdade não despicienda na 
 regulamentação dos requisitos e efeitos do divórcio».
 
 – O Direito de celebrar casamento e de por via desta constituir família 
 
 (admitamos que na latitude de vário[s] tipos e sub-tipos de uniões familiares, a 
 do casamento tradicional é a mais coeva e sólida, configura um direito 
 potestativo de alterar/modificar a condição de com a aceitação (o velho sim, 
 aceito casar com A.), o que na ordem jurídica ainda me impede que assim, possa 
 também casar com b), representa um velho direito que perdura na Constituição e 
 que precede a própria lei, inscrito que está na ordem normativa.
 Mas o reclamante, não pretende nenhuma «saga» contra uma visão do casamento 
 blindado!
 Mas se há uma natureza potestativa na aceitação do casamento, não há um direito 
 potestativo no «distrate», para usar uma expressão civilista?
 E esse direito potestativo que altera/modifica a situação jurídica dos 
 contratantes não está subordinado à Constituição?
 Se na mera separação, o Julgador há-de fixar se existir a culpa dos cônjuges, 
 não tem que aferir se a mera separação foi acompanhada de ausência de sinais de 
 recomeço: comunhão de leito, de mesa, de vida?
 Ou bastará a mera alegação do lapso do tempo, para fundar o direito ao divórcio, 
 fazendo acrescer ao lado dos velhos jargões doutrinários classificativos do 
 divórcio: divórcio-sanção, divórcio remédio, divórcio consumação, 
 divórcio-falência, uma nova categoria do divórcio-apagão, ou uma espécie, para 
 usar uma expressão em voga, um divórcio-simplex.
 Um sistema legal que confere ao casamento um direito potestativo de alterar a 
 condição de cada um, como um exercício pleno de liberdade, deverá ser também 
 rigoroso na dissolução e a separação temporal, terá que ser sujeito ao crivo de 
 uma prova que exige que a mera separação há-de resultar de uma interrupção 
 absoluta do projecto de comunhão que representa o casamento e que obriga, de 
 acordo com as regras do ónus da prova, a que seja feita por quem alega esses 
 factos!
 E esta é a questão que submetemos à vossa apreciação.
 Finalmente, uma nota de debate cultural, a dissolução há-de ainda de se situar 
 no plano da protecção constitucional, ainda que arrumado para uma lei ordinária, 
 os princípios que a iluminam, serão os direitos do casamento e da família, como 
 direitos fundamentais de cidadãos livres, que a Constituição protege.
 Nestes termos e face à argumentação expendida, com as deficiências que V. Exª 
 suprirão, deverá a presente reclamação ser atendida e avaliada pela diversidade 
 de pressupostos que a Jurisprudência Constitucional, salvo melhor opinião, ainda 
 não apreciou.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
                  A recorrida não respondeu (fls. 238).
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
 3.            Não impugnando o reclamante a delimitação do objecto do recurso de 
 constitucionalidade a que se procedeu na decisão sumária reclamada (supra, 1.) – 
 da qual decorre que tal objecto é constituído pela interpretação segundo a qual 
 
 “a mera separação temporal [por mais de três anos] é por si pressuposto e 
 fundamento de divórcio” –, o apuramento da procedência da presente reclamação 
 exige unicamente a verificação da existência de algum argumento que possa pôr em 
 causa a fundamentação da conclusão de não inconstitucionalidade a que, naquela 
 decisão sumária, se havia chegado.
 
  
 
                  Ora, o que se verifica é que a argumentação do reclamante não 
 se prende com a questão da constitucionalidade da referida interpretação 
 normativa mas, antes, com aspectos respeitantes aos pressupostos de facto em que 
 assentou a decisão recorrida – e que o Tribunal Constitucional, aliás, por falta 
 de competência (esta resume-se, na verdade, à apreciação de questões de 
 constitucionalidade ou de ilegalidade de normas), não pode pura e simplesmente 
 apreciar – e com aspectos respeitantes a outras questões de constitucionalidade 
 ou de legalidade.
 
  
 
                  Com efeito, limita-se o reclamante a alegar, em síntese (supra, 
 
 2.):
 
  
 a)            Que o tribunal recorrido concluiu no sentido do não reatamento da 
 vida em comum pelos cônjuges, sem que tal conclusão assentasse em matéria de 
 facto alegada e provada;
 b)            Que o tribunal recorrido adoptou uma interpretação 
 inconstitucional (e ilegal) das regras de distribuição do ónus da prova;
 c)            Que o tribunal recorrido violou as regras de interpretação da lei;
 d)            Que o tribunal recorrido, ao adoptar uma interpretação ilegal do 
 artigo 1781º do Código Civil, violou o disposto no artigo 112º, n.º 6, da 
 Constituição.
 
  
 
                  Não tendo o recorrente tratado, na reclamação, da questão da 
 conformidade constitucional da interpretação normativa que constituía o objecto 
 do recurso, mas unicamente de questões a ela marginais – algumas delas não 
 cabendo na competência do Tribunal Constitucional, outras constituindo autónomas 
 questões de constitucionalidade –, conclui-se que nenhum motivo existe para 
 revogar a decisão sumária reclamada, pois que os seus fundamentos não foram 
 minimamente postos em causa.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 4.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a 
 presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 215 e seguintes, que 
 negou provimento ao recurso.
 
  
 
                  Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 
 
 (vinte) unidades de conta.
 
  
 
  
 Lisboa, 21 de Julho de 2006
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos