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Processo n.º 739/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
    1. A. interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão da Relação de Évora, de 11 de 
 Julho de 2006, que negou provimento a recurso da decisão que lhe aplicou a 
 medida de coacção de prisão preventiva, por estar indiciada a prática de um 
 crime de tráfico de estupefacientes agravado (artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, 
 alíneas c) e j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 2 de Janeiro), e da decisão que 
 lhe negou o acesso a alguns elementos de prova que reputa importantes para 
 impugnar a decisão que decretou essa medida de coacção.
 
  
 
    Esse acórdão confirmou duas decisões do juiz de instrução criminal que haviam 
 desatendido os seguintes pedidos formulados pelo arguido, ora recorrente: 
 
    - o pedido de libertação imediata, que o recorrente fundara em não ter sido 
 respeitado o prazo de 48 horas para interrogatório e aplicação das medidas de 
 coacção, nos termos dos artigos 141.º e 254.º do Código de Processo Penal; 
 
    - o pedido de que lhe fosse facultado o acesso aos elementos de prova de 
 prova que foram determinantes para aplicação da medida de coacção, a fim de 
 poder motivar o respectivo recurso perante a Relação.
 
  
 O recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 inconstitucionalidade das seguintes normas:
 
  
 
 - dos artigos 141.º e 254.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código de Processo 
 Penal, na interpretação de que é respeitado o prazo de 48 horas quando o arguido 
 detido é apresentado ao juiz de instrução que o ouve sobre a identidade e os 
 antecedentes criminais e valida a detenção dentro desse prazo, mas a comunicação 
 dos factos que motivaram detenção, bem como a decisão que aplica a medida de 
 coacção ocorre depois das 48 horas, por violação dos artigos 18.º, 27.º, 28.º, 
 n.º 1 e 32.º da Constituição.
 
 - dos artigos 86.º, n.ºs 1, 2 e 5, 89.º, n.º 2, 97.º, n.º 4 e 141.º, n.ºs. 1, 4 
 e 5, do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual, querendo o 
 arguido impugnar a decisão que lhe aplicou a medida de coacção de prisão 
 preventiva, não necessita de conhecer o conteúdo das intercepções telefónicas e 
 autos de vigilância, elementos de prova usados pela decisão judicial para 
 fundamentar a aplicação daquela medida, por violação dos artigos 18.º, n.º 1, 
 
 28.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, e 205.º da Constituição.”
 
  
 
  
 
    2. O recorrente apresentou alegações, nas quais sustenta e conclui o 
 seguinte:
 
  
 
 “1. O douto acórdão recorrido interpretou normas dos artigos 141.º n.º 1 e 254.º 
 n.º 1 al. a), ambos do C.P.P., como não violador da Constituição, a 
 circunstância de o arguido ter sido presente ao Juiz de Instrução no prazo de 48 
 horas, que o ouviu sobre antecedentes criminais e validou a sua detenção 
 ordenada pelo O.P.C. competente, mas, tendo o seu 1º interrogatório “strictu 
 sensu”e a comunicação dos factos que motivaram a sua detenção, bem como a 
 decisão que aplicou a medida de coacção, ocorrido bem depois das 48
 
 2. O arguido foi detido por mandado de detenção emitido fora de flagrante delito 
 pelo OPC competente, sem que dele conste um único facto concreto.
 
 3. Presente a MM JIC, não se iniciou o seu interrogatório, e não lhe foram 
 comunicados os motivos de facto e de direito que fundamentaram a sua detenção.
 
 4. Só bem depois do prazo de 48 horas ter terminado, é que se iniciou o seu 
 interrogatório e foi explicado ao arguido os motivos de facto e de direito que 
 fundamentaram a sua detenção.
 
 5. Tendo só após esse prazo, o arguido a efectiva oportunidade de responder a 
 perguntas da MM JIC.
 
 6. Por último, também só depois desse prazo ter terminado, é que foi o estatuto 
 coactivo do arguido ponderado e aplicada a prisão preventiva.
 
 7. Devem tais normas serem julgadas inconstitucionais quando interpretadas e 
 aplicadas no sentido de que se mostra cumprido o prazo de 48 horas e que alude o 
 artigo 28.º n.º 1 da CRP, sem que se tenha iniciado o 1º interrogatório “strictu 
 sensu”, sem que o detido conheça ao motivos da detenção e os factos que a 
 sustentam e, sem que seja interrogando dando-se-lhe a possibilidade de se 
 defender;
 
 8. E, ainda, quando interpretadas e aplicadas no sentido de que é possível a 
 apreciação judicial da aplicação da medida de coacção ao arguido, ainda que 
 entre a detenção e aquela medeie prazo superior ao de 48 horas, a que alude o 
 artigo 28.º n.º 1 da CRP.
 
 9. O douto acórdão recorrido interpretou as normas dos artigos 86.º n.º 1, n.º 2 
 e n.º 5, 89.º n.º 2, 97.º n.º 4 e 141.º n.º 1, n.º 4 e 5, todos do C.P.P., com a 
 interpretação com que foram aplicadas na decisão recorrida, ou seja, querendo o 
 arguido impugnar a decisão judicial que lhe aplicou a medida de coacção prisão 
 preventiva, não necessita de conhecer o conteúdo das intercepções telefónicas e 
 autos de vigilância, elementos de prova usados pela decisão judicial para 
 fundamentar a aplicação da prisão preventiva.
 
 10. Da mesma forma tinha já entendido o despacho da MM JIC aí recorrido, ao 
 considerar as peças cujo acesso o arguido agora pretende não respeitam a 
 diligências de prova a que pudesse assistir nem a declarações por ele prestadas 
 não se encontrando no leque daquelas cujo acesso lhe é permitido por via do 
 disposto no art. 89.º n.º 2 do Cod. Proc. Penal e que…não se entende verificada 
 a conveniência para o esclarecimento da verdade no acesso ao seu conteúdo dos 
 elementos agora referenciados pelo arguido, nos termos que vêm previstos no art. 
 
 86.º n.º 5 do Cod. P. Penal.
 
 11. Resta dizer que o arguido não teve conhecimento no decurso do seu 
 interrogatório, do conteúdo de qualquer auto de vigilância, intercepção 
 telefónica ou sua transcrição.
 
 12. Contudo, as mesmas serviram de fundamento para decretar a sua prisão 
 preventiva.
 
 13. Serviram também, para que no decurso do seu interrogatório, o arguido fosse 
 confrontando com a existência das escutas telefónicas e de vigilâncias, que 
 contra ele existiam.
 
 14. Contudo em nenhum, momento do interrogatório ou após este, o arguido teve 
 conhecimento do teor de uma intercepção telefónica ou vigilância.
 
 15. A interpretação com que foram aplicadas as normas do C.P.P. acima referidas, 
 no douto acórdão recorrido, é inconstitucional, por limitar de uma forma 
 desproporcional e intolerável os direitos defesa do arguido, e assim contende 
 com as normas constantes nos artigos 18.º n.º 1, 28.º n.º 1, 32.º, n.º 1, n.º 2, 
 n.º 3, n.º 5 e 205.º da CR.”
 
  
 
    O Ministério Público contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso e 
 concluindo nos termos seguintes:
 
  
 
 “1. O prazo de 48 horas previsto nos artigos 28.º, n.º 1 da Constituição e 
 
 141.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, funciona 
 como prazo máximo para apresentação ao juiz de instrução de arguido detido.
 
 2. Não é constitucionalmente exigível que no decurso do referido prazo, seja o 
 arguido interrogado e que haja tomada de posição judicial sobre a medida de 
 coacção imposta, maxime a prisão preventiva.
 
 3. Não se afigura também inconstitucional uma interpretação das normas dos 
 artigos 86.º, n.ºs 1, 2 e 5, 89.º, n.º 2, 97.º, n.º 4 e 141.º, n.ºs 1, 4 e 5 do 
 Código de Processo Penal, segundo a qual e de acordo com um ponderado equilíbrio 
 entre direitos da defesa do arguido e preservação do segredo da justiça na fase 
 inicial da investigação, não tenham que ser facultados todos os elementos de 
 prova para efeitos de recurso da decisão que aplicou a prisão preventiva.”
 
  
 
    Cumpre conhecer do objecto do recurso.
 
  
 
    3. Quanto ao prazo para validação judicial da detenção e aplicação de medidas 
 de coacção.
 
  
 
    3.1. Importa começar por pôr em destaque os factos em que se concretiza a 
 aplicação da norma a este propósito questionada, de modo a mais facilmente 
 identificar o problema de constitucionalidade que importa resolver:
 
  
 
    - O recorrente foi detido, conjuntamente com outros sete co-arguidos, pelas 9 
 horas do dia 28 de Fevereiro de 2006, em cumprimento de mandado de detenção 
 emitido por órgão de polícia criminal, nos termos dos artigos 255.º, n.º 1, 
 alínea a) e 256.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por tráfico de 
 estupefacientes, crime previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, 
 alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
 
    - Os oito detidos foram apresentados ao juiz de instrução criminal às 13 
 horas e 50 minutos, de 1 de Março de 2006, sendo proferido despacho a ordenar 
 interrogatório imediato;
 
    - Pelas 16 horas e 59 minutos, do dia 1 de Março de 2006, o juiz de instrução 
 interrogou o recorrente sobre a sua identidade e antecedentes criminais, 
 informou-o dos direitos e deveres que lhe são conferidos pelo artigo 61.º do 
 Código de Processo Penal e proferiu despacho do seguinte teor: “Valido a 
 detenção do arguido porque efectuada fora de flagrante delito nos termos dos 
 art.s 257.º, n.º 2 e 258.º do CPP, tendo o mesmo sido apresentado no prazo 
 legalmente previsto nos art.s 141.º, n.º 1 e 254.º, n.º 1, al. a) daquele 
 diploma legal”;
 
    - O juiz de instrução interrompeu os interrogatórios pelas 19 horas e 50 
 minutos do dia 1 de Março, designando para continuação da diligência o dia 2 de 
 Março de 2006, pelas 9 horas.
 
    - A diligência foi retomada no dia 2 de Março de 2006, sendo sucessivamente 
 interrogados os arguidos, com exposição dos motivos da detenção e dos factos que 
 lhes eram imputados, ocorrendo o interrogatório do ora recorrente, que foi o 
 
 último, às 12 horas e 35 minutos de 2 de Março de 2006;
 
    - No início deste interrogatório, o recorrente apresentou um requerimento 
 pedindo a sua libertação imediata, alegando não lhe terem sido comunicados, no 
 prazo de 48 horas, os motivos da detenção e os factos imputados;
 
    - O que foi indeferido, tendo o recorrente sido interrogado e tendo-lhe sido 
 aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.
 
  
 
    Esta sequência torna evidente que não está em causa uma interpretação da 
 norma que permita o atraso (ou a falta de cumprimento do prazo) na apresentação 
 do arguido ao juiz de instrução criminal, a qual teve lugar dentro das 48 horas 
 posteriores à sua detenção. Simplesmente, sendo oito os arguidos que haviam sido 
 detidos e apresentados simultaneamente, à ordem do mesmo processo, num primeiro 
 momento e ainda dentro dessas 48 horas, teve lugar um primeiro interrogatório 
 
 (uma primeira fase do interrogatório) limitado à verificação judicial da 
 regularidade formal da detenção e, depois, outro interrogatório (uma segunda 
 fase do interrogatório) com comunicação ao arguido dos factos imputados e dos 
 motivos da detenção e a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva. 
 Esta segunda fase do interrogatório ocorreu 51 horas e 35 minutos depois do 
 início da detenção, ou seja 3 horas e 35 minutos após o termo do referido 
 período. 
 
  
 
    3.2. A dimensão normativa questionada não se diferencia substancialmente 
 daquelas que o Tribunal Constitucional já foi chamado a apreciar relativamente 
 
 às normas do n.º 1 do artigo 141.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 254.º do 
 CPP, por referência ao prazo máximo de 48 horas estabelecido pelo artigo 28.º da 
 Constituição, designadamente, no acórdão n.º 565/2003 (Diário da República, II 
 Série, de 30 e Janeiro de 2004), cuja doutrina foi retomada no acórdão n.º 
 
 135/2005, Diário da República, II Série, 27 de Abril de 2005). 
 
    Disse-se naquele primeiro acórdão:   
 
              
 
 «Ao questionar a conformidade constitucional das normas do Código de Processo 
 Penal nela aplicadas, o Recorrente pretende acima de tudo sindicar uma 
 interpretação segundo a qual o prazo de 48 horas referido quer na lei de 
 processo, quer na própria Constituição, se conta até à simples apresentação do 
 detido no tribunal e a sua entrega à custódia judicial. Além disso, será também 
 inconstitucional uma interpretação dos questionados preceitos do Código de 
 Processo Penal que permita ao juiz, após este prazo, manter detido o arguido, 
 interrogá-lo nessa situação e determinar-lhe a medida de coacção de prisão 
 preventiva.
 
 2.5. A primeira destas questões deverá ser resolvida mediante a interpretação do 
 próprio preceito constitucional cujo parâmetro é aqui invocado. O citado n. 1 do 
 artigo 28.º da Constituição tem, actualmente, a seguinte redacção:
 A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a 
 apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de 
 coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e 
 comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.
 Esta redacção resultou de alteração introduzida no preceito pela quarta revisão 
 constitucional. Antes disso, o preceito proclamava o seguinte: 
 A prisão sem culpa formada será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito 
 horas, a decisão judicial de validação ou manutenção, devendo o juiz conhecer 
 das causas da detenção e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe 
 oportunidade de defesa.
 Tal redacção podia razoavelmente suscitar uma dúvida de interpretação sobre se a 
 decisão de validação, após o interrogatório, deveria ser proferida ainda dentro 
 do referido prazo de 48 horas. Reflecte essa hesitação o seguinte comentário de 
 Gomes CANOTILHO e Vital MOREIRA in CRP Anotada (3.ª ed., Coimbra, 1995).
 A prisão preventiva sem culpa formada, seja a efectuada em flagrante delito, 
 seja a ordenada em caso de fortes indícios de grave crime doloso, carece sempre 
 de validação ou de confirmação pelo juiz em curto prazo de tempo (parecendo que 
 esse prazo de 48 horas vale para a apresentação de detido ao juiz e também para 
 a decisão deste), de modo a limitar ao máximo a privação do direito à liberdade 
 por via administrativa (especialmente, policial). É ao juiz que compete decidir 
 da pertinência e necessidade da prisão, confirmando-a, substituindo-a por outra 
 medida ou fazendo libertar o detido.
 Certo, porém, é que actualmente o preceito tem uma redacção diferente. 
 A alteração deve-se, sem dúvida, à adequação a uma nova terminologia 
 constitucional, mas apresenta ainda uma alteração de natureza gramatical: 
 enquanto que anteriormente se dizia que a detenção deveria ser submetida no 
 prazo máximo de 48 horas “a decisão judicial de validação ou manutenção,...”, 
 actualmente diz-se que a detenção deverá ser, no mesmo prazo, sujeita “a 
 apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de 
 coacção adequada,...”.
 Ora deve aceitar-se que o que o legislador constitucional pretende, no aludido 
 preceito, é limitar a privação do direito à liberdade por via administrativa, 
 especialmente a policial, como reconhecem os citados Anotadores, ou seja, o que 
 o parâmetro constitucional impõe é um prazo máximo de prisão administrativa, que 
 não poderá exceder as 48 horas. 
 Tal entendimento sufraga-se ainda no disposto no artigo 5.,º §1, c), e §3, da 
 Convenção Europeia dos Direitos do Homem e na doutrina que sobre ele se 
 construiu. A alínea c) do §1 admite a privação de liberdade, sem condenação, “a 
 fim” de o detido “comparecer perante a autoridade judicial competente”; o §3 
 estabelece:
 Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea 
 c) do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro 
 magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a 
 ser julgada num prazo razoável ou posta em liberdade durante o processo. A 
 colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a 
 comparência do interessado em juízo.
 Em anotação, escreveu Ireneu Cabral Barreto (A CEDH anotada, 2.ª ed., Coimbra, 
 
 1999): “Pretende assim reduzir-se, tanto quanto possível, o risco de arbítrio e 
 assegurar a preeminência do direito, um dos princípios fundamentais de uma 
 sociedade democrática que implica um controlo judicial das ofensas ao direito 
 individual e à liberdade”. Mais à frente: “Em primeiro lugar, a pessoa presa 
 deve ser apresentada imediatamente (aussitôt na versão francesa, promptly na 
 versão inglesa) a um juiz”. “Os órgãos da Convenção, confrontados com as 
 divergências das legislações internas dos Estados membros sobre o prazo em que 
 uma pessoa presa deve ser apresentada a um magistrado, não conseguiram definir 
 um critério uniforme e preciso, limitando-se a afirmar que esta celeridade deve 
 ser apreciada in concreto segundo as circunstâncias da causa, embora se possa 
 admitir, no limite, alguns dias”. “A obrigação de apresentar uma pessoa a um 
 magistrado é incondicional e automática, sem que isso implique o direito de ser 
 ouvida num determinado prazo”.
 Equacionado nestes moldes o problema, certo é que a entrega do cidadão detido 
 aos serviços judiciais significa a cessação de uma situação legal de poder 
 administrativo sobre a pessoa privada de liberdade, mostrando-se, por isso, 
 cumprida a garantia que a norma constitucional pretende consagrar. 
 Outras razões de natureza prática, mas que se ligam com direitos processualmente 
 conferidos aos suspeitos da prática de crime, também apontam para este sentido 
 interpretativo. 
 Com efeito, se o prazo de 48 horas se reportasse ao momento em que é proferido 
 despacho de validação da prisão, após o interrogatório, teríamos que admitir que 
 a legalidade da prisão dependeria em boa medida não só da actuação policial e da 
 prontidão com que o detido havia sido entregue em tribunal, como ainda do 
 próprio arguido e das opções que ele entendesse tomar neste primeiro 
 interrogatório, designadamente quanto ao tempo gasto nas respostas e na 
 exposição da sua defesa. Isto é, a legalidade da prisão ficaria dependente de 
 acto do próprio interessado, o que seria incompreensível, atentos os riscos que 
 a solução acarretaria não só para a utilidade do interrogatório, como para os 
 direitos de natureza garantística que a lei confere aos próprios arguidos nesse 
 momento processual.
 Além disso, a finalidade da intervenção do juiz de instrução, neste primeiro 
 interrogatório, ultrapassa a apreciação da legalidade da detenção efectuada e a 
 consideração das respectivas “causas” no momento em que ela se efectivou, pois 
 reside, também, na aplicação de uma medida de coacção, caso em que a decisão tem 
 a ver com um juízo de prognose sobre a necessidade da prisão preventiva e, 
 logicamente, com a dinâmica da instrução. 
 Pode assim aceitar-se que o n.º 1 do artigo 28.º da Constituição visa impor um 
 prazo máximo de detenção administrativa, designadamente policial, e que, por 
 força desta norma, o detido deverá ser nesse prazo entregue à custódia de um 
 juiz; o que, em concreto, se cumpriu com a sua apresentação no Tribunal de 
 Oeiras e com o facto, comprovado, de o Juiz ter despachado no processo ainda 
 dentro do aludido prazo.
 Em suma, deve concluir-se que não viola a Constituição a interpretação 
 perfilhada na decisão recorrida dos artigos 141.º, n.º 1, e 254.º, alínea a), do 
 Código de Processo Penal.
 
 2.6. Outra questão reside em saber se não ofende a garantia constitucional de 
 liberdade individual prevista no n.º 1 do artigo 27.º da CRP a interpretação dos 
 aludidos preceitos que permite ao juiz validar a detenção do recorrente, após 
 interrogatório, 54 horas após a sua detenção e cerca de 6 horas após a sua 
 apresentação em tribunal.
 Este é, na verdade, um outro problema, pois nem os questionados preceitos do 
 Código de Processo Penal nem a Constituição referem expressamente um prazo certo 
 dentro do qual deverá ocorrer o interrogatório do detido e ser proferida decisão 
 sobre a aplicação de medida de coacção.
 Mas há uma clara indicação quanto a este prazo no disposto na alínea a) do n.º 2 
 do artigo 103.º do Código de Processo Penal: a diligência deverá ocorrer no mais 
 breve espaço de tempo. É também este o sentido que se deve recolher do já 
 aludido comando constitucional previsto nos artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n.º 1, 
 da CRP. 
 Compreende-se, por isso, que não seja concretizado um prazo determinado para o 
 juiz ouvir e julgar da validade da detenção, porque a duração dessa tarefa 
 dependerá do caso concreto. 
 Inúmeros factores podem, na verdade, condicionar a celeridade da actividade do 
 juiz, como, por exemplo, o tipo e a gravidade do crime praticado, a complexidade 
 do caso, o número de agentes envolvidos, o estado físico e psíquico do próprio 
 detido e as opções que elege quanto à exposição da sua defesa. 
 Importa, porém, ter em conta a jurisprudência deste Tribunal sobre o dever de 
 celeridade nos casos em que estão em causa direitos fundamentais. Designadamente 
 no acórdão 407/97, de 21 de Maio, frisou-se que “o critério interpretativo neste 
 campo não pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos 
 direitos fundamentais” e que “a intervenção do juiz é vista como uma garantia de 
 que essa compressão se situe nos apertados limites aceitáveis”, ponderando-se:
 
 ... no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal (a única 
 constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada com uma 
 exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao artigo 
 
 18.º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental 
 em causa se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse 
 constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente. [...]
 
  
 Também o TEDH tem aceitado, como já se viu, que a obrigação de apresentar uma 
 pessoa a um magistrado não implica o direito de ser ouvida num prazo 
 determinado, mas no que, caso a caso, mostre ser o mais breve.
 Ora, procurando usar o mesmo critério, cumpre assinalar que não ocorreram in 
 concreto hiatos no controlo, pelo Juiz, da situação do Recorrente. 
 Com efeito, apresentados os detidos, entre os quais se contava o Recorrente, no 
 Tribunal de Oeiras em 31 de Março de 2003, segunda-feira, logo o Juiz proferiu 
 despacho a designar as 13 horas e 30 minutos para os interrogatórios dos presos, 
 fazendo menção da hora a que despachou – 12 horas e 15 minutos – e referindo que 
 essa foi também a hora em que o processo lhe foi entregue. Os interrogatórios 
 iniciaram-se pelas 14 horas e 45 minutos; às 18 horas e 35 minutos do mesmo dia 
 deu-se início ao interrogatório do arguido. Findo o interrogatório, o Juiz 
 validou a prisão e determinou que o arguido ora recorrente aguardasse em prisão 
 preventiva a instrução do processo.
 Ora, quer a circunstância de o Juiz haver imediatamente lavrado despacho a 
 designar hora para o interrogatório, diligência que ocorreu logo de seguida, e o 
 controlo sempre manifestado pelo Juiz sobre a situação do arguido – o que 
 inequivocamente resulta da possibilidade conferida ao Advogado do arguido de 
 requerer a sua libertação quando foi ultrapassado o prazo dentro do qual, no seu 
 entendimento, deveria manter-se detido – determinam a convicção segura, no juízo 
 de proporcionalidade que aqui é determinante, que as normas dos artigos 141.º, 
 n.º 1, e 254.º, a), do Código de Processo Penal, tal como foram interpretadas e 
 aplicadas, não violam a Constituição, designadamente os artigos 27.º, n.º 1, 
 
 28.º, n.º 1, e 32.º.»
 Estas considerações merecem ser reiteradas no presente caso, em que igualmente 
 se depara, quer a apresentação dos detidos ao juiz de instrução dentro do prazo 
 de 48 horas, quer um lapso de tempo até à decisão final sobre as medidas de 
 coacção que correspondente ao decurso do interrogatório de todos os arguidos 
 co‑envolvidos. Se alguma diferença deve destacar-se entre a hipótese presente e 
 a apreciada no acórdão n.º 565/2003 é que a prática judiciária que ela revela – 
 dito de modo mais adequado ao objecto de controlo de constitucionalidade, a 
 dimensão normativa que lhe preside – fiscaliza mais precocemente a situação do 
 arguido, o que legitimaria que se invocasse o argumento de maioria de razão. 
 Efectivamente, na situação agora em apreço, houve verificação judicial da 
 regularidade formal da detenção do arguido, acompanhada de informação acerca dos 
 seus direitos, ainda dentro do período de 48 horas, e não a simples colocação do 
 arguido à disposição do juiz de instrução pela entidade policial. Ficou 
 prevenido o risco de permanência de uma situação de detenção que porventura 
 enfermasse de flagrante ilegalidade, v. gr., por ter sido decretada por entidade 
 incompetente, sem o formalismo legal, por facto que a lei não preveja ou cuja 
 duração se mostrasse excedida. Só o confronto do arguido com os factos que lhe 
 estiveram na base (nisto se diferencia a situação da apreciada no acórdão n.º 
 
 135/2005 em que também esse confronto ocorreu, quanto à aí recorrente, dentro 
 das 48 horas) e a aplicação da medida de coacção, isto é, a apreciação dos 
 pressupostos substanciais para a privação de liberdade, é que ocorreu cerca de 
 três horas e meia após esse prazo da apresentação ao juiz. Mas numa sequência de 
 actos processuais executados sem hiatos além dos que são razoavelmente 
 explicados pela necessidade de descanso dos intervenientes na diligência, 
 incluindo o dos arguidos.
 
  
 Reitera-se, assim, a ideia de que o prazo estrito do n.º 1 do artigo 28.º da 
 Constituição respeita à apresentação dos detidos ao juiz e não à decisão deste e 
 que o importante para que não exista violação das disposições constitucionais é 
 que a actuação do juiz de instrução, enquanto garante da posição do arguido 
 durante o inquérito, decorra sem demora, sem hiatos estranhos à matéria do 
 processo e que acarretem uma dilação desrazoável da decisão. Como o Tribunal 
 lembrou no acórdão n.º 135/2005, pode até admitir-se que, se o tempo de espera 
 pelo termo do interrogatório dos restantes arguidos for desrazoável, tal terá 
 consequências também no plano da constitucionalidade. Mas não pode dizer-se que 
 a circunstância de o interrogatório sobre os factos e sobre os motivos da 
 detenção e a inerente possibilidade de defesa, bem como a decisão de aplicação 
 das medidas de coacção, terem ocorrido mais de 48 horas a partir do início da 
 detenção, corresponda a uma interpretação das normas em causa que viole o 
 disposto nos artigos 27.º, n.º 1, e 28.º, n.º 1, 18.º e 32.º da Constituição da 
 República.
 
    Assim, nesta parte improcede o recurso.
 
  
 
    4. Quanto ao acesso, por parte do arguido, em processo em segredo de justiça, 
 ao conteúdo dos elementos de prova em que se fundou a decisão de  aplicação da 
 prisão preventiva que pretenda impugnar.
 
  
 
    4.1. O arguido requereu que lhe fosse dado acesso aos elementos de prova em 
 que concretamente se fundou a decisão de aplicação da medida de coacção de 
 prisão preventiva, para poder impugná-la. Elementos esses respeitantes às 
 intercepções telefónicas, nomeadamente as realizadas no dia e no decorrer das 
 operações de desembarque dos estupefacientes, as transcrições das escutas 
 telefónicas, as vigilâncias policiais e documentos apreendidos. O que foi 
 indeferido por despacho do juiz de instrução e veio a ser confirmado pelo 
 acórdão recorrido. 
 Depois de fazer referência a entendimentos jurisprudenciais e doutrinais 
 divergentes, ponderou-se no acórdão recorrido o seguinte:
 
  
 
 “ [ …]
 Tudo, por considerar que se está numa fase em que impera o segredo de justiça e, 
 por isso, há que limitar (ao máximo) o acesso aos autos e a entrega de 
 fotocópias (e mesmo a consulta dos autos, dizemos nós) ia facilitar uma maior 
 divulgação e publicidade que poderia prejudicar a investigação que está em 
 curso.
 Entendendo-se que esta limitação não cerceia as suas garantias de defesa bem 
 como não impede o “exercício correcto do recurso”.
 Porquanto, o arguido tomou conhecimento dos factos de que foi denunciado e das 
 circunstâncias que permitem concluir pela verificação dos requisitos legais, 
 designadamente do art.º 204.º e suas alíneas b) e c) do C.P.P.. Por outro lado, 
 prossegue o falado aresto, foi-lhe dado conhecimento, por consulta, quer das 
 suas declarações, quer do despacho subsequente a esse interrogatório  (cfr.: 
 ainda e no mesmo sentido, o ac. Rel. de Lisboa, de 6-11-2001, na C.J., ano XXVI, 
 Tomo V, págs. 128).
 Como vemos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 586/05, publicado no D.R., 
 II Série, de 4.01.2006, onde se não julgou inconstitucional a norma do art.º 
 
 89.º, n.º 2 em conjugação com o artºs. 69.º, n.º 1, als. f) e h) e 141.º n. 4 do 
 C.P.P. interpretado no sentido de que pode ser negado ao arguido preso 
 preventivamente – para o efeito de apresentar a sua defesa e apresentar o 
 recurso dessa prisão – o acesso a consultar os elementos de prova (ou súmula dos 
 mesmos) em que concretamente se funda a prisão preventiva, se do auto de 
 interrogatório consta uma súmula dos factos acerca dos quais o arguido foi 
 interrogado e se das questões concretas colocadas é possível concluir qual é a 
 interpretação do M.P. acerca de um comportamento do arguido tido como relevante 
 para o efeito da sua eventual incriminação, caso em que se considera satisfeito 
 o direito de defesa do arguido, não estando em causa a violação dos artºs. 28.º, 
 n.º 1 e 32.º, n.º 1, da C.R.P.
 
 (E se transpusermos este último aresto e seu entendimento para o caso vertente, 
 o bastante seria para indeferir o pretendido pelo aqui recorrente.
 Chama-se a atenção para o teor do interrogatório do arguido constante de fls. 
 
 1494 a 1495 dos autos, em conexão com o despacho judicial de fls. 1548 e 1549 
 dos autos e de onde decorre que o aqui recorrente teve conhecimento das questões 
 concretas existentes no caso, as entendeu, as explicou e, por tal, sabe bem das 
 razões que conduziram à sua prisão preventiva.
 Como é de referir que o aqui recorrente teve acesso a várias peças processuais e 
 que os autos bem o demonstram – cfr. fls. 1549 destes autos)
 Aderimos a este último entendimento por se nos afigurar ser o mais consentâneo 
 com os fins visados pelo processo penal – v.g. o da realização da justiça, da 
 descoberta da verdade material, de defesa dos direitos do arguido.
 Não se discute que o processo penal há-de ter por finalidade, entre outras, a de 
 protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos e muito especialmente o direito 
 
 à liberdade – cfr. art.º 27.º, n.º 1, da Const. Rep. Portuguesa.
 Mas também se não pode olvidar que o inquérito é uma fase processual em que para 
 a realização da justiça e a descoberta da verdade material importa assegurar uma 
 investigação da notícia do crime que não corra o risco de ser perturbada ou 
 mesmo irremediavelmente prejudicada, por factores exteriores à administração da 
 justiça penal, ao mesmo tempo que imporia tutelar de forma efectiva a presunção 
 de inocência do arguido, o que também é uma forma de lhe garantir o direito ao 
 bom nome e reputação (artº.s 26.º, n.º 1 da C.R.P. e 180.º do Cód. Penal), numa 
 fase processual onde vale, por excelência, o mandamento constitucional de que 
 todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença 
 condenatória (art.º 32.º, n.º 2 da C.R.P.). Como bem o salienta Maria João 
 Antunes, in “O segredo de Justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a 
 medida de coacção” – Liber Discipulorum” para Jorge de Figueiredo Dias – págs. 
 
 1244 – 1245.
 Daí, as restrições que o segredo de justiça vem implementar e de que são 
 paradigma o teor do art.º 89.º, n.º 2 do C.P.P. (cfr. art.º 20.º, n.º 3, da 
 C.R.P.).
 O que cabe descortinar é se o arguido a quem foi imposta a medida de coacção de 
 prisão preventiva necessita de ter acesso aos autos para consultar os elementos 
 de prova ou súmula dos mesmos em que concretamente se funda tal medida, v.g. 
 para efeitos de recurso.
 A respeito, discorre a citada autora, tal, é uma afirmação que devemos recusar, 
 na medida em que esse conhecimento ocorre obrigatoriamente por outras formas, 
 nomeadamente por força do disposto nos artºs. 97.º n.º 4, 141.º, n.º 4, 194.º, 
 n.ºs 2 e 3 e 254.º, n.º 2 do C.P.P.. Para além disso, importa considerar que a 
 ideia da igualdade de armas (…) “só pode ser entendida com um mínimo aceitável 
 de correcção quando lançada no contexto mais amplo da estrutura lógico‑material 
 global da acusação e da defesa e da sua dialéctica. Com a consequência de que 
 uma concreta conformação processual, só poderá ser recusada, como violadora 
 daquele princípio de igualdade, quando dever considerar-se infundamentada, 
 desrazoável ou arbitrária; como ainda quando possa refutar-se substancialmente 
 discriminatória à luz das finalidades do processo penal do programa 
 político‑criminalmente que àquele está assinalado ou dos referentes axiológicos 
 que o comandam.
 E prossegue, nesta avaliação positiva do regime legal do direito de defesa do 
 arguido, na fase de inquérito, estiveram sempre presentes as palavras de 
 Figueiredo Dias (…) “o processo penal português não é “ab initio” totalmente 
 contraditório, assim se opondo àquelas concepções que, em nome de uma estrutura 
 processual autenticamente acusatória, defendem a extensão total do contraditório 
 ao inquérito. Esta proposta, que pretende excluir de todo a existência de uma 
 fase inicial em que oficiosamente se investigue uma notícia do crime sem 
 participação contraditória do suspeito, se bem que aparentemente protectora, na 
 máxima medida, dos direitos fundamentais dos cidadãos, pode vir a prejudicar, 
 tanto o interesse público na repressão da criminalidade, como o interesse do 
 arguido no seu bom nome e reputação e em que a paz jurídica não seja posta em 
 causa senão em face de uma suspeita com um mínimo razoável de fundamento”.
 
 (cfr. ob. cit. págs. 1267-1268).
 Ora, tendo tido o arguido – e aqui recorrente – conhecimento dos factos 
 imputados – e como o seu interrogatório bem o demonstra –, ter tido acesso a 
 outras peças processuais – v.g. teor das suas declarações e a actos de buscas –, 
 de tudo decorre que pode com tais peças preparar a sua defesa, sem que com tal 
 possa dizer que lhe foram coarctados os seus mais directos direitos de defesa – 
 v.g. o do direito ao recurso (cfr. art.º 32.º, n.º 1 da C.R.P.).
 Daí que, bem andou o Mmo. Juiz ao indeferir o pretendido acesso do arguido às 
 intercepções telefónicas, transcrições das escutas e autos de vigilância e tudo 
 o demais e como bem decorre do despacho de fls. 1548 a 1549 dos autos.”
 
  
 
  
 
    4.2. O acórdão recorrido retirou o regime jurídico de acesso aos elementos de 
 prova constantes do processo, na fase de inquérito, por parte do arguido que 
 pretenda impugnar a decisão que lhe aplica a prisão preventiva, do n.º 2 do 
 artigo 89.º e do n.º 5 do artigo 86.º do Código de Processo Penal. Os demais 
 preceitos do Código de Processo Penal que neste capítulo o acórdão cita, entre 
 os quais se contam os relativos ao primeiro interrogatório judicial de arguido 
 detido (artigo 141.º) e à fundamentação das decisões judiciais em processo penal 
 
 (artigo 97.º), são mencionados de modo adjuvante, para justificar a suficiência 
 do regime, na sua globalidade, para defesa dos direitos fundamentais do arguido, 
 e não como sede legal do critério normativo de decisão que levou à recusa de 
 acesso aos elementos probatórios que o recorrente pretendia conhecer e 
 expressamente requereu em ordem a motivar o recurso da decisão do juiz de 
 instrução (escutas e autos de vigilância policial).
 
    Assim, o que importa apreciar é a constitucionalidade da norma extraída do 
 n,º 2 do artigo 89.º e do n.º 5 do artigo 86.º do CPP, na interpretação segundo 
 a qual o arguido que pretenda impugnar a decisão que lhe aplicou a medida de 
 coacção de prisão preventiva não tem direito de acesso ao conteúdo de elementos 
 de prova que tenham sido determinantes para a aplicação daquela medida.
 
    4.3. A questão de determinar, durante o inquérito, fase processual coberta 
 pelo segredo de justiça (artigo 86.º do Código de Processo Penal), qual a 
 amplitude, do direito de acesso aos autos por parte do arguido 
 constitucionalmente exigida, nomeadamente se o n.º 1 do artigo 32.º da 
 Constituição impõe que lhe seja facultado o conhecimento do conteúdo dos 
 elementos de prova em que concretamente se tenha fundamentado a decisão 
 aplicativa da medida de coacção da prisão preventiva que pretenda impugnar, foi 
 já objecto de apreciação por parte do Tribunal, designadamente, nos acórdãos n.º 
 
 121/97 (Diário da República, II Série, de 30 de Abril de 1997), n.º 416/2003 
 
 (Diário da República, II Série, de 6 de Abril de 2004) e n.º 586/2005 (Diário da 
 República, II Série, de 4 de Janeiro de 2006).
 
    Disse-se no acórdão n.º 416/2003:
 
 'A conjugação entre o direito de defesa do arguido e o segredo de justiça foi 
 objecto de tratamento por este Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 121/97 
 
 (Diário da República, II Série, n.º 100, de 30 de Abril de 1997, pág. 5148; 
 Boletim do Ministério da Justiça, n.º 464, pág. 146; e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 36.º vol., pág. 313), embora o recurso onde esse aresto foi 
 proferido respeitasse já à fase de interposição de recurso do despacho 
 determinativo da prisão preventiva (sobre o tema, cf. Maria da Assunção E. 
 Esteves, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao segredo de 
 justiça”, em O Processo Penal em Revisão – Comunicações, Universidade Autónoma 
 de Lisboa, Lisboa, 1998, págs. 123‑131, republicado em Estudos de Direito 
 Constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 145‑154).
 Após exposição da evolução do regime legal sobre segredo de justiça e de 
 relevantes elementos de direito comparado, esse Acórdão n.º 121/97 consigna:
 
 “10. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso Lamy/Reino da Bélgica 
 veio julgar, através de acórdão de 30 de Março de 1989, tirado por unanimidade, 
 que não era respeitada a igualdade de armas se o arguido ou o seu advogado, que 
 pretendesse impugnar a decisão que lhe impusera a prisão preventiva, não tivesse 
 acesso às peças processuais onde estavam os elementos que serviram para 
 fundamentar tal decisão, ao passo que o Ministério Público delas tinha 
 conhecimento e delas se servia para defender a manutenção da prisão preventiva. 
 Ao não ser respeitada a igualdade de armas entre a acusação e a defesa, daí 
 resultava, segundo a mesma decisão, que o processo penal não era verdadeiramente 
 contraditório, pelo que era violado o artigo 5.º, n.º 4, daquela Convenção 
 
 (acórdão integralmente publicado em Sub Judice – Justiça e Sociedade, Novos 
 Estilos, n.º 11, Novembro de 1994, págs. 201 a 208, e também parcialmente na 
 Revue Universelle des Droits de l' Homme, vol. 1, 1989, págs. 124 e seguintes).
 No caso Lamy, o arguido era um cidadão belga, gerente de uma sociedade de 
 responsabilidade limitada que se apresentara à falência, vindo aquele a ser 
 responsabilizado pela prática do crime de insolvência dolosa. Preso 
 preventivamente, impugnou o arguido por recurso a decisão de aplicação dessa 
 medida de coacção, sem ter tido acesso a todas as peças do processo. No recurso 
 de cassação suscitou a questão da falta de acesso ao processo, ao ter-se 
 apercebido de que o tribunal de segunda instância de Liège se baseara em 
 relatórios da polícia judiciária cujo conteúdo era desconhecido do recorrente e 
 do seu advogado para manter a decisão que decretara a prisão preventiva. Face à 
 improcedência do seu recurso no Tribunal de Cassação belga, o arguido recorreu 
 
 às instâncias europeias. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aceitou a sua 
 tese, considerando ter sido violado o n.º 4 do artigo 5.º da CEDH. Escreveu-se 
 nessa decisão:
 
 «O Tribunal, tal como a Comissão, verificou que, devido à interpretação que a 
 jurisprudência deu à lei, o advogado do requerente não pôde, durante os 
 primeiros trinta dias da prisão preventiva, conhecer nenhum dado dos autos e 
 especialmente dos relatórios elaborados pelo juiz de instrução e pela polícia 
 judiciária de Verniers. Sucedeu assim concretamente no momento da primeira 
 comparência perante a Secção que tinha de se pronunciar sobre a confirmação do 
 mandado de prisão (...). O advogado não tinha a possibilidade de se opor 
 eficazmente às declarações ou argumentos que o ministério público deduzira dos 
 referidos documentos.
 Era fundamental para o requerente ter esses documentos à sua disposição nesse 
 momento crucial do processo, em que o tribunal tinha de decidir se prolongava ou 
 dava por finda a prisão. Em especial, esta possibilidade teria permitido ao 
 advogado do senhor Lamy expor os seus pontos de vista sobre as declarações e a 
 atitude dos demais acusados (...). Na opinião do Tribunal, o exame dos 
 documentos referidos era, portanto, indispensável para discutir eficazmente a 
 legalidade do mandado de prisão.
 Há uma relação demasiado estreita entre a necessidade da prisão preventiva e a 
 posterior apreciação da culpabilidade para que se possa recusar a consulta dos 
 autos no primeiro caso quando a lei a exige no segundo.
 Ao passo que o procurador da Coroa conhecia os autos na sua totalidade, a 
 tramitação processual não dava ao requerente a possibilidade de impugnar 
 adequadamente os motivos invocados para justificar a prisão preventiva. Uma vez 
 que não garantia a igualdade de armas, o processo não era realmente 
 contraditório (veja-se, mutatis mutandis, a anteriormente citada sentença 
 Sánchez-Reisse, série A, n.º 107, pág. 19, ponto 51).
 Por conseguinte, foi violado o artigo 5.º, n.º 4.» (n.º 29)
 
 11. (...)
 
  
 
 12. Tendo presentes os dados doutrinais e de direito comparado carreados para 
 os autos, importa decidir a questão de constitucionalidade suscitada pelo 
 recorrente.
 Ora, tem‑se por seguro que o n.º 2 do artigo 89.º do CPP, conjugado com o n.º 1 
 do artigo 86.º do mesmo diploma, viola a Constituição quando impede, sempre e 
 em quaisquer circunstâncias, fora das situações excepcionais previstas na 
 primeira daquelas normas, o acesso do arguido ao auto na fase de inquérito, 
 nomeadamente quando este pretenda impugnar por recurso o eventual despacho de 
 manutenção da prisão preventiva.
 A norma do n.º 2 do artigo 89.º do CPP procede a uma avaliação abstracta e 
 rígida dos riscos de acesso do arguido ao auto, impedindo que o juiz possa 
 valorar in concreto os interesses conflituantes em presença, o do arguido em 
 conhecer os indícios que serviram de fundamento à decisão de manutenção de uma 
 medida de coacção tão gravosa para a sua liberdade, como é a prisão preventiva, 
 e os do Estado em assegurar as finalidades do processo penal, nomeadamente os 
 interesses relativos à garantia de que a investigação do crime se fará em 
 condições de eficácia, a preocupação de que o arguido não procurará subtrair‑se 
 
 à acção da Justiça ou cometer novos crimes, ou a pretensão de assegurar a 
 subsistência dos meios probatórios já reunidos, evitando a sua eventual 
 destruição.
 Deve notar‑se que, durante a fase de inquérito, em especial à medida que este 
 vai decorrendo, se vão inevitavelmente consolidando ou enfraquecendo os 
 indícios que motivaram a aplicação de uma medida de coacção ao arguido, por 
 força das actividades de investigação que se vão desenrolando. É por isso que a 
 lei processual penal permite ao juiz de instrução que revogue as medidas de 
 coacção por ele decretadas (artigo 212.º do CPP), e impõe mesmo, quando tenha 
 sido decretada a prisão preventiva, o reexame oficioso da subsistência dos 
 pressupostos da medida pelo juiz de instrução de três em três meses (artigo 
 
 213.º do CPP).
 Neste quadro legal, não é possível sustentar que os princípios do 
 contraditório e da igualdade de armas imponham ao legislador que consagre, em 
 todos os casos, um acesso irrestrito e ilimitado aos autos na fase de inquérito 
 pelo arguido, seja para recorrer do despacho que impôs a prisão preventiva, seja 
 para requerer a sua revogação ou substituição e, porventura, recorrer do 
 despacho que sobre tal requerimento vier a ser proferido (artigo 212.º do CPP). 
 De facto, as circunstâncias podem variar de caso para caso, no que toca ao tipo 
 de crime investigado e ao próprio grau de desenvolvimento das actividades de 
 recolha da prova.
 Mas o princípio do asseguramento de todas as garantias de defesa ao arguido 
 
 (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) não se compatibiliza com a solução do 
 artigo 89.º, n.º 1, do CPP na medida em que este impede que o juiz faça 
 naqueles casos uma apreciação em concreto da possibilidade de acesso do 
 mandatário do arguido aos autos. Na verdade, importa fazer notar que a 
 possibilidade de o arguido, sujeito a prisão preventiva, conseguir impugnar, 
 através de advogado, a legalidade da aplicação da medida de coacção se poderá 
 tornar eminentemente formal, se não puder ter acesso aos autos para saber quais 
 são os «fortes indícios da prática do crime», ou quaisquer outros elementos 
 relevantes para a determinação ou manutenção da prisão preventiva.
 
 É, também, seguro que o Ministério Público poderá motivar não só a resposta ao 
 recurso como também responder aos requerimentos destinados a fazer revogar a 
 prisão preventiva, dispondo de livre e incondicionado acesso aos autos.
 Não obstante caber ao Ministério Público a direcção do inquérito e não se poder 
 falar, em absoluto, numa igualdade de armas entre o Ministério Público e o 
 arguido, – pondo‑se, assim, ex natura rerum a questão da igualdade de armas em 
 processo penal em moldes diversos do que em processo civil (cf., por exemplo, 
 além do citado Acórdão n.º 497/96, os Acórdãos n.ºs 132/92, 611/94 e 223/95, 
 publicados no Diário da República, II Série, n.º 169, de 24 de Julho de 1992, 
 n.ºs 4, de 5 de Janeiro de 1995, e n.º 146, de 27 de Junho de 1995, 
 respectivamente) – sempre que o arguido reaja contra a prisão preventiva, o 
 Ministério Público pode actuar processualmente como opositor da tese sustentada 
 por aquele. Nesse caso, vedando a lei, sempre e em qualquer caso, o acesso aos 
 autos haverá violação dos princípios do contraditório e do acesso aos tribunais, 
 não se garantindo ao réu todas as garantias de defesa previstas e asseguradas 
 pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. Isto só não deverá ser assim se houver 
 razões ponderosas que impeçam, por força de uma avaliação concreta das 
 circunstâncias do caso, a autorização de acesso aos autos, dados os riscos 
 ligados a tal acesso, nomeadamente quanto a actividades probatórias ainda não 
 concluídas respeitantes aos factos ilícitos investigados, não se traduzindo, em 
 tal caso, a recusa de acesso – em despacho fundamentado – em restrição 
 excessiva, dados os diferentes interesses e valores em jogo.
 Quando a entidade recorrida sustenta, nas contra‑alegações apresentadas no 
 Tribunal Constitucional, que o objectivo confessado do arguido recorrente é «o 
 de poder sindicar a legalidade do despacho que lhe aplicou a medida de prisão 
 preventiva, e não propriamente contrariar a imputação que lhe é feita – e na 
 possibilidade de o fazer é que se concretiza o direito que invoca» (a fls. 85 
 dos autos), há‑de convir‑se que esse argumento não é decisivo para a resolução 
 do recurso sub judicio: será essencialmente na fase de instrução, se vier a 
 ocorrer, que o arguido poderá diligenciar no sentido de infirmar a acusação e 
 de evitar ser pronunciado; na fase do inquérito, não havendo ainda acusação, a 
 defesa do arguido há‑de ter também por objecto a medida de coacção que lhe foi 
 imposta, se entender que a mesma lhe foi ilegalmente aplicada. Não podem, por 
 isso, cindir‑se os dois momentos processuais e dizer‑se que as garantias de 
 defesa só têm de ser asseguradas na fase de instrução.
 A solução legal que resulta da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 86.º 
 e do n.º 2 do artigo 89.º do CPP é violadora do artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição, impedindo, de forma desproporcionada, que o juiz autorize o acesso 
 aos autos, quando de tal acesso não decorram riscos para as actividades de 
 recolha da prova, ou inconvenientes sérios para a conclusão do inquérito, 
 nomeadamente quando, como no caso dos autos, já passou um certo período de tempo 
 após o momento de detenção do arguido.
 Foi seguramente com base em idêntico juízo que, no caso Lamy, o Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem considerou violador do princípio da igualdade de 
 armas, na fase de recurso da decisão de manutenção da prisão preventiva, a 
 privação do arguido e do seu advogado de acesso a determinados relatórios 
 policiais referentes a actividades probatórias já concluídas, não tendo 
 detectado razões ponderosas que obstassem a tal acesso.”
 
  
 E o mesmo acórdão n.º 416/2003, depois de destacar os critérios gerais da 
 jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem posterior ao caso Lamy, 
 designadamente nos acórdãos de 13 de Fevereiro de 2001 nos casos Lietzow v. 
 Alemanha, Garcia Alva v. Alemanha e Schöps v. Alemanha (todos disponíveis em 
 
 www.echr.coe.int; cfr. a síntese apresentada por Henriques Gaspar, “Tribunal 
 Europeu dos Direitos do Homem (Direito penal e direito processual penal) 2001”, 
 Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, pág. 287 e segs.), 
 conclui nos seguintes termos:                   
 
 'Recordadas as orientações da jurisprudência deste Tribunal Constitucional e do 
 TEDH, e passando a apreciar o caso do presente recurso, constata‑se que basta 
 perfilhar a orientação traçada no Acórdão n.º 121/97 − sem necessidade de 
 acompanhar em toda a sua extensão a jurisprudência do TEDH − para concluir pela 
 inconstitucionalidade da interpretação seguida pelo acórdão recorrido. 
 Não se trata de afirmar o acesso irrestrito do arguido a todo o inquérito, mas 
 apenas aos específicos elementos probatórios que foram determinantes para a 
 imputação dos factos, para a ordem de detenção e para a proposta de aplicação 
 da medida de coacção de prisão preventiva. Ora, relativamente a estes 
 específicos elementos de prova é constitucionalmente intolerável, como se 
 decidiu no Acórdão n.º 121/97, que se considere sempre e em quaisquer 
 circunstâncias interdito esse acesso, com alegação de potencial prejuízo para a 
 investigação, protegida pelo segredo de justiça, sem que se proceda, em 
 concreto, a uma análise do conteúdo desses elementos de prova e à ponderação, 
 também em concreto, entre, por um lado, o prejuízo que a sua revelação possa 
 causar à investigação e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação possa 
 causar à defesa do arguido − ponderação a que, no caso, o acórdão recorrido não 
 procedeu'.
 
   4.4. Reitera-se este entendimento de princípio, pelo que importa passar à 
 análise da concreta dimensão normativa que no presente recurso está sujeita a 
 apreciação de conformidade com a Constituição.
 
    Em primeiro lugar, observa-se que o acórdão recorrido, secundando o despacho 
 do juiz de instrução, não perfilhou um entendimento absolutamente “abstracto e 
 rígido” do direito de acesso ao conteúdo dos autos por parte do arguido, que se 
 esgotasse na previsão taxativa do n.º 2 do artigo 89.º do CPP. Efectivamente, 
 fez também intervir, na definição do critério normativo ao abrigo do qual a 
 pretensão do recorrente foi apreciada, a previsão do n.º 5 do artigo 86.º, que 
 prevê a possibilidade de que seja “dado conhecimento a determinadas pessoas do 
 conteúdo de acto ou documento em segredo de justiça, se tal se afigurar 
 conveniente ao esclarecimento da verdade”.
 
    Fê-lo, porém, adoptando um entendimento que não dá ao bloco normativo em 
 causa um sentido capaz de satisfazer as exigências constitucionais acima 
 enunciadas e que decorrem do n.º 1 do artigo 32.º, em conjugação com o n.º 1 e 
 alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º e com o n.º 3 do artigo 18.º da Constituição. 
 Como resulta de todo o capítulo em que esta questão é versada, o acórdão 
 recorrido não interpretou o n.º 5 do artigo 86.º do CPP como comportando um 
 efeito ampliativo da previsão do n.º 2 do artigo 89.º, quando esteja em causa a 
 pretensão do arguido de acesso aos autos na fase de inquérito, que possa 
 considerar-se suficiente para tornar o regime compatível com a exigência 
 constitucional de que o processo “assegure todas as garantias de defesa 
 incluindo o recurso” perante uma decisão de aplicação da prisão preventiva. Na 
 verdade, o tribunal a quo revela nessa fundamentação que as normas em causa não 
 impunham que procedesse à ponderação, em concreto, entre, por um lado, o 
 prejuízo que a revelação dos elementos pretendidos possa causar à investigação 
 e, por outro lado, o prejuízo que a sua ocultação possa causar à defesa do 
 arguido, como efectivamente não procedeu. O entendimento de que a lei permite a 
 revelação ao arguido de outros elementos além dos previstos no n.º 5 do artigo 
 
 86.º, se isso for conveniente ao esclarecimento da verdade, não equivale a 
 adoptar um critério normativo de solução do conflito mediante a ponderação, em 
 concreto, entre a relevância do conhecimento desses elementos de prova para a 
 efectividade do direito ao recurso, perante uma medida desta natureza, e os 
 interesses que justificam o segredo de justiça, nomeadamente a eficácia da 
 investigação.
 
    É certo que, como salienta Maria João Antunes, no estudo citado pelo acórdão 
 recorrido (maxime pág. 1264), não pode transpor-se, sem mais, a jurisprudência 
 do TEDH quando invoca o princípio da igualdade de armas para se decidir pela 
 violação do artigo 5.º, § 4º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 
 naqueles casos em que foi negado ao recorrente o acesso global aos autos para 
 efeito de impugnar a sujeição a prisão preventiva. Apelar a este princípio ou, 
 pelo menos, a uma das suas facetas, significa a desconsideração de uma nota 
 fundamental: apesar de estruturado segundo o princípio da acusação, o processo 
 penal português não é um processo de partes, obedecendo as intervenções 
 processuais do Ministério Público a critérios de estrita objectividade (artigo 
 
 219.º da Constituição e 53.º do CPP), incluindo na fase de inquérito e na 
 sustentação, perante o juiz de instrução, de que ocorrem os pressupostos de 
 aplicação de medidas de coacção. Como escreve Maria João Antunes (loc. cit., 
 pág. 1267) «importa considerar que a ideia de igualdade de armas, tantas vezes 
 presente nesta discussão, ‘só pode ser entendida com um mínimo aceitável de 
 correcção quando lançada no contexto mais amplo da estrutura lógico material 
 global da acusação e da defesa e da sua dialética. Com a consequência de que uma 
 concreta conformação processual só pode ser recusada, como violadora daquele 
 princípio de igualdade, quando dever considerar-se infundamentada, desrazoável 
 ou arbitrária; como ainda quando possa reputar-se substancialmente 
 discriminatória à luz das finalidades do processo penal, do programa 
 político-criminal que àquele está assinalado ou dos referentes axiológicos que o 
 comandam’». 
 Todavia, o que está em causa não é assegurar a paridade entre os sujeitos 
 processuais ou a estrutura totalmente contraditória do processo na fase de 
 inquérito – a que a Constituição não obriga (artigo 32.º, n.º 5, da CRP) –, mas 
 a substancialidade do direito ao recurso relativamente a medidas que atingem 
 directamente o direito à liberdade do arguido presumido inocente, conferindo a 
 este os meios para uma intervenção constitutiva na decisão, de molde a reduzir 
 ao comunitariamente suportável o risco de privação injustificada da liberdade. 
 Ora, o simples conhecimento dos factos imputados e da existência, no processo, 
 de elementos probatórios que sustentam essa imputação e consequente juízo de 
 forte indiciação e os motivos para aplicação da medida de coacção, sem que o 
 arguido (ou ao seu mandatário, não sendo de excluir liminarmente que a lei 
 comportasse restrições à comunicação àquele, pelo menos em certo tipo de 
 processos, de elementos revelados ao seu advogado) possa analisar, no momento da 
 elaboração da motivação do recurso, o conteúdo desses mesmos meios de prova que 
 foram determinantes da convicção do juiz de instrução, não permite ao 
 interessado sustentar motivadamente a sua posição sobre o significado e o valor 
 probatório de tais elementos indiciários. A tarefa do arguido recorrente para 
 convencer o tribunal superior de que não ocorrem os pressupostos para a privação 
 cautelar da liberdade a que foi sujeito será sempre afectada por um deficit de 
 informação que diminui a efectividade da sua actuação processual na demonstração 
 do desacerto da decisão recorrida e, nessa medida, atinge as garantias de defesa 
 perante uma medida tão gravosa como é a prisão preventiva. O conhecimento, que 
 ao arguido advém pelas exigências de concretização a que está sujeito o 
 interrogatório e a fundamentação da decisão de aplicação da medida de coacção 
 
 (artigos 97.º, n.º 4, 141.º, n.º 4, 194.º, n.ºs 2 e 3 e 254.º, n.º 2, do CPP), 
 dos factos e da existência de indícios não substitui o conhecimento do conteúdo 
 dos elementos probatórios de onde tais conclusões foram extraídas, em ordem a 
 habilitá-lo a um recurso com exploração da máxima possibilidade de sucesso. Se 
 esses outros elementos, não compreendidos naqueles a que o arguido tem acesso 
 nos termos do n.º 2 do artigo 89.º, foram decisivos para a convicção do juiz de 
 instrução, só conhecendo o seu conteúdo o arguido recorrente pode motivar o 
 ataque a tal decisão mediante um discurso crítico racionalmente fundado que 
 ponha em causa a sua validade, o seu significado ou o seu poder convincente.
 
    Não se nega, como o acórdão recorrido salienta, que a solução tem de ser 
 orientada pela procura de concordância prática das finalidades conflituantes 
 apontadas ao processo penal, nomeadamente, a realização da justiça e a 
 descoberta da verdade material e a protecção dos direitos fundamentais dos 
 cidadãos, arguido incluído. Nem se ignora que o segredo de justiça na fase de 
 inquérito vai ordenado a servir uma pluralidade de interesses, que também se 
 apresentam frequentemente como conflituantes, como a honra e reputação do 
 arguido, a segurança e a protecção da vida privada de terceiros (ofendidos, 
 testemunhas, etc.) e a eficácia da investigação e, portanto, a descoberta da 
 verdade e a realização da justiça penal. É também inegável que na protecção do 
 segredo de justiça que a lei deve assegurar de modo adequado, por exigência do 
 n.º 3 do artigo 20.º da Constituição, se compreende a que vai dirigida às 
 necessidades da investigação e da sua eficiente condução. Esta é a principal 
 razão para vedar ao arguido o acesso aos autos na fase de inquérito Mas esta 
 extensão do segredo interno só se apresenta compatível com o princípio do 
 asseguramento de todas as garantias de defesa, na exigência de optimização do 
 princípio perante decisões privativas da liberdade, quando o arguido pretenda 
 impugnar a decisão aplicativa de medidas de coacção desta natureza, se a regra 
 for a que permita o acesso ao conteúdo (obviamente, de modo que não comprometa o 
 segredo da parte restante – cfr. artigo 89.º, n.º 2, parte final, do CPP) dos 
 elementos que essa mesma decisão apresenta como determinantes para a aplicação 
 da medida, tendo a recusa de ser justificada mediante a ponderação, em concreto, 
 entre o prejuízo que a sua revelação possa causar à investigação (ou a outros 
 interesses protegidos pelo segredo) e o prejuízo que a sua ocultação possa 
 causar à defesa do arguido. 
 
    É certo, como argumenta o Ministério Público, que os elementos a que o 
 arguido não tem acesso devem acompanhar o recurso e que a Relação pode, 
 inclusivamente, pedir outros constantes do processo que entenda serem úteis. 
 Porém, essa possibilidade de reexame e instrução oficiosa pode ser invocada para 
 justificar que não se considere como constitucionalmente imposto, sempre e em 
 quaisquer circunstâncias, o acesso do arguido a tais elementos e se admita a 
 ponderação de outros interesses. Mas não para a recusa, como regra, de elementos 
 que, segundo a fundamentação da decisão recorrida, foram determinantes para a 
 aplicação da prisão preventiva.
 
    5. Decisão
 
    Pelo exposto, concedendo parcial provimento ao recurso, decide-se:
 a) Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 141.º e 254.º, n.º 1, alínea 
 a), do Código de Processo Penal, na interpretação de que é respeitado o prazo de 
 
 48 horas quando o arguido detido é apresentado ao juiz de instrução, que o ouve 
 sobre a identidade e os antecedentes criminais e valida a detenção dentro desse 
 prazo, mas a comunicação dos factos que motivaram detenção, bem como a decisão 
 que aplica a medida de coacção ocorrem mais de 48 horas após o início da 
 detenção;
 b) Julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da 
 Constituição, a norma dos artigos 86.º, n.º 5 e 89.º, n.º 2, do Código de 
 Processo Penal, na interpretação segundo a qual, querendo o arguido impugnar a 
 decisão que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, lhe pode ser 
 recusado o acesso a elementos de prova que foram determinantes para fundamentar 
 a aplicação daquela medida, sem que haja apreciação, em concreto, da existência 
 de inconveniente grave na revelação do conteúdo desses elementos para os 
 interesses que justificam o segredo de justiça;
 c) Revogar o acórdão recorrido na parte a que respeita o precedente juízo de 
 inconstitucionalidade, determinando a sua reformulação em conformidade com este 
 juízo.
 d) Sem custas.
 Lisboa, 31 de Outubro de 2006
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Gil Galvão
 Bravo Serra [Vencido quanto à alínea b do ponto 5 – “Decisão” – do presente 
 aresto.
 Na verdade, propugnei pelo improvimento do recurso quanto ao ali decidido.
 E isso não só porque, em primeiro passo, se me levantam dúvidas sobre o acórdão 
 impugnado, substancialmente, só se ancorou numa perspectiva de “defesa” do 
 segredo de justiça e da descoberta da verdade  - com os valores que lhes estão 
 subjacentes -, como também porque, na sua essência, anuo, quer à corte de razões 
 que foram carreadas a tal acórdão, no específico ponto em causa, quer àquela que 
 foi aduzida na alegação produzida neste Tribunal pelo Ex.mo Representante do 
 Ministério Público]
 Artur Maurício