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Processo n.º 777/04
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
   (Cons. Mário Torres)
 
                                                                         
 
  
 Acordam na  2.ª secção do Tribunal  Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa 
 interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 
 
 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), do acórdão daquele Tribunal, de 
 
 11 de Maio de 2004, que recusou a aplicação, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, por violação do princípio da dignidade humana, da norma 
 do artigo 824.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código de Processo Civil, enquanto 
 permite “a penhora de qualquer percentagem no salário de executados quando tal 
 salário é inferior ao salário mínimo nacional ou quando, sendo superior, o 
 remanescente disponível para os mesmos, após a penhora, fique aquém do salário 
 mínimo nacional”. Pode ler-se nesse aresto:
 
 «(…)
 No presente recurso, a questão que fundamentalmente se coloca, face ao quadro 
 conclusivo da alegação do agravante, é a de saber se o despacho recorrido, ao 
 decidir que não pode proceder-se à penhora de 1/3, ou até mesmo de 1/6, do 
 salário auferido por qualquer dos executados, deve ser revogado, por pôr em 
 causa o despacho de fls. 51, que determinou a penhora de 1/3 de tais vencimentos 
 e constitui caso julgado.
 Com efeito, no entender do agravante, estas penhoras de 1/3 dos vencimentos dos 
 executados não constituem actos inconstitucionais, em virtude de, mesmo perante 
 as declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, terem de 
 ser ressalvados os casos julgados, por razões de segurança, equidade e interesse 
 público.
 Cremos, porém, que não lhe assiste razão.
 A penhora de direitos de crédito do executado (como são os salários), contra a 
 respectiva entidade devedora (empregador), está sujeita à forma de notificação 
 ao terceiro devedor, prevista no artigo 856.º, n.º 1, do CPC, assim como ao 
 regime previsto nos n.ºs 2 a 6 deste mesmo artigo 856.º, e nos artigos 858.º a 
 
 860.º do mesmo Código.
 Tal penhora de créditos só se considera efectuada no momento em que a entidade 
 devedora é notificada de que o crédito do executado fica à ordem do tribunal da 
 execução, sendo que, após esta notificação, não só o crédito fica à ordem do 
 tribunal, como o devedor do executado deixa de poder pagar a este.
 Pelo que, chegado o momento do vencimento da obrigação, o terceiro devedor só se 
 liberta pagando de modo que a quantia seja afectada aos fins da execução, nos 
 termos do artigo 860.º, n.º 1, do CPC.
 Assim, tratando-se, como se trata, no caso em apreço, de penhora de rendimentos 
 periódicos, é no momento em que cada uma dessas prestações periódicas se vence 
 que se tem de proceder ao apuramento da dedução a fazer‑lhes e que, se for caso 
 disso, se tem de respeitar os limites do artigo 824.º do CPC, destinados a 
 proporcionar a satisfação das necessidades dos executados.
 O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 177/2002, publicado no Diário da 
 República, I Série-A, de 2 de Julho de 2002, julgou inconstitucional, com 
 fundamento na violação do princípio da dignidade humana, a norma que resulta da 
 conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do CPC, 
 na parte em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas, pagas ao 
 executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para 
 satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou de pensão, cujo 
 valor não seja superior ao salário mínimo nacional.
 Por outro lado, de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 824.º do CPC, na 
 redacção do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e aqui aplicável, pode o 
 juiz excepcionalmente isentar de penhora os rendimentos a que alude o n.º 1 do 
 mesmo artigo, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do 
 executado e seu agregado familiar.
 Ora, em face da factualidade apurada nos autos (e supra descrita em III), 
 verificamos que o valor dos vencimentos mensais líquidos dos executados 
 corresponde, sensivelmente, ao do salário mínimo nacional.
 Por outro lado, também não nos podemos olvidar que faz parte do agregado 
 familiar dos executados uma filha menor destes, com a qual suportam as inerentes 
 despesas, ficando os seus salários, se divididos pelos três, muito abaixo do 
 salário mínimo nacional.
 Aliás, foram as reconhecidas dificuldades económicas do agregado familiar dos 
 executados, constituído por três pessoas, que levaram a que beneficiassem do 
 apoio judiciário que lhes foi concedido, gozando mesmo de presunção de 
 insuficiência económica, que não foi ilidida.
 Nesta circunstância, e de acordo com a argumentação desenvolvida no citado 
 acórdão do Tribunal Constitucional, entendemos que é inconstitucional, com 
 fundamento na violação do princípio da dignidade humana, a penhora de qualquer 
 percentagem no salário dos executados, por qualquer deles ser de considerar 
 inferior ao salário mínimo nacional (disposições conjugadas do artigo 1.º, da 
 alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da 
 Constituição).
 Assim sendo, não só não se pode proceder à penhora de qualquer percentagem do 
 salário auferido pelo executado, como também não se pode manter a penhora de 
 qualquer percentagem do salário auferido pela executada, sendo de autorizar o 
 levantamento dos depósitos correspondentes aos descontos efectuados nos 
 vencimentos desta, nos termos referidos no douto despacho recorrido.
 Contrariamente ao alegado pelo recorrente, não se pôs em causa, no despacho 
 recorrido, o despacho exarado a fls. 51, que apenas tinha determinado a penhora 
 de 1/3 dos vencimentos dos executados, pois, como já supra se disse, tratando-se 
 de uma penhora de rendimentos periódicos, o terceiro devedor só se liberta 
 quando é chegado o momento do vencimento da obrigação, pagando, então, de modo 
 que a quantia seja afectada aos fins da execução (artigo 860.º, n.º 1, do CPC).
 Mesmo perante o conceito de caso julgado – designando as situações que, de forma 
 definitiva e irretractável, foram fixadas por sentença judicial –, anotam os 
 Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira que a solução já será diferente se as 
 relações não estiverem ainda completamente exauridas.
 Não se vislumbra, no douto despacho recorrido, violação dos princípios da 
 igualdade, segurança jurídica, protecção da confiança e estabilidade da 
 instância, invocados pelo agravante, nem de qualquer dispositivo legal ou 
 constitucional.
 E improcedem, portanto, sem necessidade de mais considerações, todas as 
 conclusões da alegação do presente recurso.»
 Já no Tribunal Constitucional o representante do Ministério Público apresentou 
 alegações em que concluiu:
 
 «1 – Não é materialmente inconstitucional o regime constante do artigo 824.°, 
 n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à 
 emergente do Decreto-Lei n.º 38/2003) que se traduz em não considerar 
 estabelecida a impenhorabilidade, total e automática, dos rendimentos do 
 trabalho, auferidos pelo executado que não disponha de outros bens penhoráveis, 
 e que não excedam o montante do salário mínimo nacional.
 
 2 – O interesse na sobrevivência condigna do executado é, neste caso, 
 assegurado, em termos bastantes, pela possibilidade, outorgada ao juiz pelo n.º 
 
 3 de tal preceito legal, de realizar um juízo de ponderação casuístico e 
 prudencial, articulando os interesses do exequente e executado, de acordo com a 
 natureza do débito (que pode ser proveniente de uma obrigação alimentar ou 
 radicar na aquisição de bens ou serviços destinados precisamente a salvaguardar 
 a sobrevivência do executado, satisfazendo as suas necessidades básicas de 
 alimentação e habitação) e as necessidades do devedor e seu agregado familiar.
 
 3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – quanto a pensões ou 
 regalias sociais de valor não superior ao salário mínimo – vigorar (por 
 imposição da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional) um regime de 
 impenhorabilidade total e “automática”, já que tais rendimentos assentam ou 
 pressupõem uma situação de particular debilidade, incapacidade ou fragilidade 
 económica do executado, que se não verifica necessariamente quando estiverem em 
 causa rendimentos profissionais, mesmo que de montante reduzido.
 
 4 – Termos em que deverá proceder o presente recurso.»
 Os recorridos não apresentaram contra-alegações.
 Após inscrição do processo em tabela e mudança do relator por vencimento, cumpre 
 elaborar a decisão.
 II. Fundamentos
 
 2.O artigo 824.º do Código de Processo Civil (CPC), na redacção dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, dispunha:
 
 “1. Não podem ser penhorados:
 a) Dois terços dos vencimentos ou salários auferidos pelo executado;
 b) Dois terços das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de 
 outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda 
 vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante.
 
 2. A parte penhorável dos rendimentos referidos no número anterior é fixada pelo 
 juiz entre um terço e um sexto, segundo o seu prudente arbítrio, tendo em 
 atenção a natureza da dívida exequenda e as condições económicas do executado.
 
 3. Pode o juiz excepcionalmente isentar de penhora os rendimentos a que alude o 
 n.º 1, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do 
 executado e seu agregado familiar.”
 No presente processo, está em causa, nos termos do requerimento de recurso, a 
 apreciação da constitucionalidade deste artigo 824.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do 
 Código de Processo Civil, na medida em que permite “a penhora de qualquer 
 percentagem no salário de executados quando tal salário é inferior ao salário 
 mínimo nacional ou quando, sendo superior, o remanescente disponível para os 
 mesmos, após a penhora, fique aquém do salário mínimo nacional” – ou, por outras 
 palavras, enquanto não prevê uma impenhorabilidade, total e automática, dos 
 rendimentos do trabalho auferidos pelo executado na medida em que este não fique 
 com um montante igual ao do salário mínimo nacional.
 Recorde-se, ainda, que o artigo 824.º do Código de Processo Civil foi alterado, 
 entretanto, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março (reforma da acção 
 executiva), com incidência sobre o regime ora em apreço. Segundo tal nova 
 redacção (que é irrelevante para o presente recurso de constitucionalidade, por 
 não ter sido aplicada pelo tribunal recorrido, sendo apenas aplicável a  
 processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2005), passou a ser 
 impenhorável o montante equivalente a um salário mínimo nacional dos 
 rendimentos, quer sejam vencimentos, salários, prestações de natureza 
 semelhante, pensões de aposentação ou em geral prestações sociais (artigo 824.º, 
 n.ºs 1 e 2). Todavia, além de se manter a possibilidade de o juiz “[p]onderados 
 o montante e a natureza do crédito exequendo, bem como as necessidades do 
 executado e do seu agregado familiar”, excepcionalmente, reduzir, por período 
 que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo isentá-los de 
 penhora (“por período não superior a um ano”), previu-se, na mesma linha de uma 
 maior consideração das circunstâncias concretas do caso, que pode igualmente o 
 juiz, a requerimento do exequente e “ponderados o montante e a natureza do 
 crédito exequendo, bem como o estilo de vida e as necessidades do executado e do 
 seu agregado familiar”, reduzir o limite mínimo impenhorável, correspondente ao 
 salário mínimo nacional, “salvo no caso de pensão ou regalia social” (n.ºs 4 e 5 
 do artigo 824.º, na redacção dada pelo citado Decreto-Lei n.º 38/2003).
 
 É, porém, ainda a redacção anterior do artigo 824.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do 
 Código de Processo Civil, na interpretação referida, que compete apreciar no 
 presente caso.
 
 3.A questão da imposição constitucional de uma impenhorabilidade total, e em 
 abstracto, de rendimentos que não excedam, ou não deixem ao devedor, um montante 
 correspondente ao salário mínimo nacional foi objecto de várias decisões deste 
 Tribunal, e, mesmo de uma declaração de inconstitucionalidade com força 
 obrigatória geral.
 Assim, pelo Acórdão n.º 177/2002 (Diário da República [DR], I Série‑A, n.º 150, 
 de 2 de Julho de 2004, p. 5158), proferido na sequência de outras decisões (v. 
 logo o Acórdão n.º 318/99, in DR, II série, n.º 247, de 22 de Outubro de 1999) 
 foi declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da “norma 
 que resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 
 
 824.º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até 1/3 
 das prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens 
 penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia 
 social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo 
 nacional, por violação do princípio da dignidade humana, contido no princípio do 
 Estado de Direito, e que resulta das disposições conjugadas do artigo 1.º, da 
 alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3 do artigo 63.º da 
 Constituição”. 
 Por sua vez, o Acórdão n.º 62/2002 (in DR, II série, n.º 59, de 11 de Março de 
 
 2002) julgou inconstitucionais, por violação dos mesmos princípios 
 constitucionais, as normas dos artigos 821º, n.º 1, e 824º, n.º 1, alínea b), e 
 n.º 2, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são 
 penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido.
 Ambas estas decisões foram proferidas por maioria, com votos de vencido.
 
 4.No presente caso, está em causa, porém, não a norma da alínea b), relativa a 
 pensões e outras prestações periódicas de natureza similar, que esteve em foco 
 no Acórdão n.º 177/2002, do plenário deste Tribunal (ou a quantias recebidas a 
 título de rendimento mínimo garantido, como no citado Acórdão n.º 62/2002), mas 
 antes a norma da alínea a), relativa a vencimentos e salários, ambas do n.º 1 
 do citado artigo 824.º, conjugadas com o n.º 2, na redacção deste preceito 
 introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 180/96. Foi, na verdade, a penhora de uma parte 
 do salário dos recorridos que se discutiu na decisão recorrida.
 Também sobre a norma da referida alínea a) já existe, entretanto, jurisprudência 
 no Tribunal Constitucional. Na verdade, o Acórdão n.º 96/2004, da 3.ª Secção 
 deste Tribunal (Diário da República, II Série, n.º 78, de 1 de Abril de 2004, 
 pág. 5228), “julg[ou] inconstitucional, por violação do princípio da dignidade 
 humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das disposições 
 conjugadas dos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, alínea a), e 63.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma que resulta da conjugação do 
 disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo 
 Civil (na redacção emergente da reforma de 1995‑1996), na parte em que permite a 
 penhora de uma parcela do salário do executado que não é titular de outros bens 
 penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que 
 priva o executado da disponibilidade de rendimento mensal correspondente ao 
 salário mínimo nacional” (itálico aditado).
 Este Acórdão assentou o seu juízo de inconstitucionalidade na adesão à 
 fundamentação do referido Acórdão n.º 177/2002, considerada transponível para 
 os casos em que a penhora recai sobre salários, e não sobre pensões. Também esta 
 decisão foi proferida por maioria, tendo existido dois votos de vencido.
 
 5.Importa, justamente, começar por salientar que o tratamento diferenciado, para 
 efeitos de penhorabilidade e por razões de protecção do devedor, de prestações 
 como pensões, por um lado, e dos vencimentos e salários, por outro, não é 
 inédito entre nós, e antes correspondeu a solução frequente, que se reflectiu, 
 mesmo, em várias decisões sobre questões de constitucionalidade. A 
 impenhorabilidade de prestações devidas pelas instituições de segurança social, 
 em particular, foi, na verdade, por várias vezes objecto de análise pela nossa 
 jurisprudência constitucional. Como se recordou no citado Acórdão n.º 62/2002, 
 logo no
 
 «Acórdão da Comissão Constitucional n.º 479 [de 25 de Março de 1983, in Boletim 
 do Ministério da Justiça, n.º 327, Junho de 1983, pp. 424-426] decidiu‑se que as 
 normas contidas na Base XXVI da Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, e no 
 artigo 30.º do Decreto n.º 45266, de 23 de Setembro de 1963, que estabeleciam a 
 impenhorabilidade das prestações devidas aos beneficiários e seus familiares ou 
 sócios das instituições de previdência social não eram inconstitucionais, não 
 violando, designadamente, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da 
 Constituição. Salientou-se, então, que “a exclusão da penhorabilidade das 
 pensões pagas aos beneficiários do regime geral de previdência (...) não decorre 
 de um puro capricho ou do arbítrio do legislador, reflectindo antes a 
 preocupação de conferir uma garantia absoluta a percepção de um rendimento 
 mínimo de subsistência”.
 Tal solução de impenhorabilidade (e intransmissibilidade) das prestações devidas 
 pelas instituições de segurança social ficou, posteriormente, consagrada no 
 artigo 45º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto. 
 Esta norma veio, porém, a ser julgada inconstitucional, por violação do 
 preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, 
 da Constituição, “na medida em que isenta de penhora a parte das prestações 
 devidas pelas instituições de segurança social que excede o mínimo adequado e 
 necessário a uma sobrevivência condigna”, pelo Acórdão do Tribunal 
 Constitucional n.º 411/93 (Diário da República [DR], II série, de 19 de Janeiro 
 de 1994), na sequência, aliás, da fundamentação do Acórdão n.º 349/91 (Diário da 
 República, II série, de 2 de Dezembro de 1991).
 Reconheceu-se neste último aresto que
 
 “a conclusão de não inconstitucionalidade a que chegou a Comissão Constitucional 
 quanto às normas constantes da Base XXVI da Lei nº 2115 e do artigo 30.º do 
 Decreto n.º 45 266 é válida na sua ideia essencial para a norma do n.º 1 do 
 artigo 45.º da Lei n.º 28/84, desde que a pensão auferida pelo beneficiário da 
 segurança social, tendo em conta o seu montante, reportado a um determinado 
 momento histórico, cumpra efectivamente a função inilidível de garantia de uma 
 sobrevivência minimamente condigna  do pensionista.”
 Sendo este o caso dos autos (pois tendo em conta o montante da pensão e o 
 período histórico em que estava a ser paga, ela cumpria efectivamente a função 
 inilidível de garantia de uma sobrevivência minimamente digna do beneficiário), 
 a impenhorabilidade não surgia como algo materialmente infundado, irrazoável ou 
 arbitrário, nem desproporcionado, pelo que a norma em causa não foi julgada 
 inconstitucional. Na fundamentação, afirmou-se, porém, a inconstitucionalidade 
 do citado artigo 45.º, n.º 1, da Lei n.º 24/84, ao considerar abrangidas pelo 
 princípio da impenhorabilidade total prestações devidas por instituições de 
 segurança social de montante superior ao mínimo de sobrevivência condigna, quer 
 por encerrar um sacrifício excessivo e desproporcionado do direito do credor, 
 quer por atribuir aos pensionistas da segurança social um privilégio ou um 
 benefício materialmente injustificado, em comparação com os pensionistas de 
 outras instituições – designadamente da Caixa Geral de Aposentações.
 Já no referido Acórdão  n.º 411/93 a norma do artigo 45.º, n.º 1, da Lei n.º 
 
 28/84, de 14 de Agosto, foi julgada inconstitucional, por violação das 
 disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, da Lei 
 Fundamental, na medida em que isentava de penhora a parte das prestações devidas 
 pelas instituições de segurança social que excede o mínimo adequado e necessário 
 a uma sobrevivência condigna.
 Foi justamente para salvaguardar tais princípio constitucionais, que, invocando 
 as citadas decisões, o legislador veio, no Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de 
 Dezembro – além de atribuir ao juiz amplos poderes para, em concreto, determinar 
 a parte penhorável das quantias e pensões de índole social percebidas adequadas 
 
 à real situação económica do executado e seu agregado familiar, e para 
 determinar a isenção total de penhora quando o considere justificado – prever 
 
 (artigo 12.º) que “as disposições constantes de legislação especial que 
 estabeleçam a impenhorabilidade absoluta de quaisquer rendimentos, 
 independentemente do seu montante, em colisão com o disposto no artigo 824.º do 
 Código de Processo Civil”, não são invocáveis em processo civil.
 
 É, assim, por virtude de tal norma que a impenhorabilidade prevista no referido 
 artigo 45.º, n.º 1, da Lei n.º 24/84 não é invocável em processo civil. E, 
 conforme resulta dos citados Acórdãos n.ºs 349/91 e 411/93, o que é relevante, 
 no confronto com os artigos 13.º e 62.º da Constituição, para concluir pela 
 legitimidade constitucional da impenhorabilidade é a circunstância de a 
 prestação de segurança social em causa não exceder o mínimo adequado e 
 necessário a uma sobrevivência condigna.
 
 (…)»
 A própria previsão da possibilidade de o juiz isentar totalmente de penhora o 
 executado, tendo em conta “a natureza da dívida exequenda e as necessidades do 
 executado e seu agregado familiar”, começou por ser prevista, no artigo 824.º, 
 n.º 3, apenas para as prestações a que aludia a alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 824.º, com exclusão dos vencimentos e salários, tendo sido estendida a estes 
 
 últimos pelo Decreto‑Lei n.º 180/96. E esse mesmo tratamento diferenciado é o 
 que se encontra previsto hoje, no artigo 824.º, n.º 5, do Código de Processo 
 Civil, que apenas veda no caso de pensão ou regalia social a possibilidade de o 
 juiz, tendo em conta as circunstâncias concretas, reduzir o limite mínimo 
 impenhorável, correspondente ao salário mínimo nacional.
 Este tratamento distinto das pensões e outras regalias sociais, por um lado, e 
 dos vencimentos e salários – isto é, de retribuição do trabalho – , por outro, 
 fundamenta-se na sua diferente função e natureza. Nesta perspectiva, importa 
 salientar que não só a decisão proferida no citado Acórdão n.º 177/2002, que 
 declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da penhora até um 
 terço das prestações periódicas, pagas ao executado a título de regalia social 
 ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao “salário mínimo nacional”, 
 não inclui, como vimos, a dimensão normativa em causa no presente recurso, como 
 não impõe só por si uma solução para a apreciação da constitucionalidade desta 
 
 última, na medida em que um dos fundamentos para uma solução diversa seja, 
 justamente, a diferente natureza e função de uma prestação remuneratória ou 
 retributiva e das pensões ou regalias sociais.
 
 6.Importa justamente averiguar em que medida podem ser consideradas procedentes, 
 para a penhora de vencimentos e de salários, as considerações que este Tribunal 
 teceu no sentido de uma impenhorabilidade absoluta de montantes inferiores (ou 
 que privem o executado de um montante pelo menos igual) ao salário mínimo 
 nacional. Trata-se de averiguar se são procedentes os argumentos apresentados, a 
 tal respeito, no Acórdão n.º 177/2002, e, designadamente (pois que se pronunciou 
 especificamente sobre a penhora de salários) no Acórdão n.º 96/2004. Ambos os 
 arestos fundaram-se na violação do “princípio da dignidade humana, contido no 
 princípio do Estado de Direito”, e que se disse resultar das disposições 
 conjugadas do artigo 1.º, da alínea a) do n.º 2 do artigo 59.º e dos n.ºs 1 e 3 
 do artigo 63.º da Constituição (isto, apesar de no segundo caso não estar 
 propriamente em causa o direito a uma prestação de segurança social, mas antes a 
 penhora de uma parcela do salário).
 Para tanto, considerou-se, por um lado, que era insuficiente para satisfazer as 
 exigências constitucionais a possibilidade excepcional do juiz de, tendo em 
 conta as circunstâncias do caso concreto, e mais precisamente “a natureza da 
 dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado familiar”, 
 isentar de penhora o executado. E considerou-se, por outro lado, que o salário 
 mínimo nacional constituía um referente adequado – e dir-se-á mesmo, para 
 efeitos constitucionais, um referente mínimo necessário – para definir o limiar 
 abaixo do qual a possibilidade de privação de rendimentos por uma penhora 
 conduzia a violação do “princípio da dignidade humana, decorrente do princípio 
 do Estado de direito”.
 Importa analisar estes dois aspectos, sobre os quais também incidiram os votos 
 de vencido apostos aos Acórdãos n.ºs 177/2002 e 96/2004.
 
 7.Os dois aspectos referidos estão, naturalmente, em íntima ligação entre si. A 
 insuficiência de uma intervenção casuística do juiz, em cada caso concreto, no 
 sentido de isentar de penhora o executado – quando entendesse que, tendo em 
 conta as circunstâncias previstas no artigo 824.º, n.º 3, e, também (até por 
 imposição constitucional), quando considerasse que uma penhora mais ampla 
 afectaria a dignidade humana – foi sustentada com a qualificação do salário 
 mínimo como o limiar mínimo para uma existência condigna, logo desde o Acórdão 
 n.º 318/99. Assim, nas hipóteses em que o executado aufere uma pensão de 
 montante não superior ao salário mínimo nacional, “o encurtamento, através da 
 penhora, mesmo de uma parte dessas pensões – parte essa que em outras 
 circunstâncias seria perfeitamente razoável, como no caso de pensões de valor 
 bem acima do salário mínimo nacional –, constitui um sacrifício excessivo e 
 desproporcionado do direito do devedor e pensionista, na medida em que este vê o 
 seu nível de subsistência básico descer abaixo do mínimo considerado necessário 
 para uma existência com a dignidade humana que a Constituição garante.”
 E o Acórdão n.º 96/2004 disse-se:
 
 «A qualquer executado – e não apenas àquele que se encontra numa situação de 
 debilidade, incapacidade laboral ou desprotecção e que, por isso, recebe uma 
 regalia social – deve ser assegurado o mínimo necessário a uma subsistência 
 digna. Ora, esse mínimo necessário a uma subsistência digna não pode 
 manifestamente considerar-se assegurado nos casos em que, não tendo o executado 
 outros bens penhoráveis, se admite a penhora de uma parcela do seu salário e, 
 por essa razão, o executado fica privado da disponibilidade de um montante 
 equivalente ao salário mínimo nacional.
 Por isso, não se vê fundamento para, no caso da penhora de salário, se admitir 
 um juízo de ponderação casuística do juiz, nos termos do n.º 3 do artigo 824º do 
 Código de Processo Civil, sendo certo que o Tribunal Constitucional admitiu a 
 exclusão de tal juízo de ponderação no caso da penhora de pensão de aposentação. 
 Em ambos os casos – porque se trata sempre de assegurar o mínimo necessário a 
 uma subsistência digna – valem os motivos justificativos da exclusão da 
 ponderação do juiz, a que se aludiu no mencionado Acórdão n.º 177/02.»
 Por outro lado, salientou-se também a insuficiência dos elementos de ponderação 
 a considerar, nos termos legais, e disse-se que a solução de uma 
 impenhorabilidade total, e em abstracto, não era desnecessariamente rígida, como 
 se pode ler no Acórdão n.º 177/2002 (n.º 7): 
 
 «Em segundo lugar, é incontestável que o n.º 3 do artigo 824.º confere ao 
 tribunal o poder de, tomando em conta 'as necessidades do executado e seu 
 agregado familiar', isentar totalmente de penhora a pensão em causa. 
 Há, todavia, que não esquecer, desde logo, que estas necessidades não são o 
 
 único elemento a ponderar pelo tribunal, que tem que as considerar conjuntamente 
 com “a natureza da dívida exequenda”, factor que pode impedir que o tribunal 
 opte pela impenhorabilidade total.
 Para além disso, não é exacto que o julgamento de inconstitucionalidade venha 
 substituir, utilizando um critério “desnecessariamente rígido e inflexível”, uma 
 mais adequada forma de protecção do executado. Com efeito, e não esquecendo que 
 o preceito continua a valer para o caso de penhora de pensões de valor mais 
 elevado, a verdade é que o efeito do julgamento de inconstitucionalidade se 
 traduz, apenas, em excluir a ponderação do tribunal sobre a admissibilidade da 
 penhora nos casos em que o montante da pensão abrangida não é superior ao 
 salário mínimo, por se entender que, em tais casos, a penhora afecta sempre de 
 forma inaceitável a satisfação das “necessidades do executado e seu agregado 
 familiar”».
 Diversamente, nos votos de vencido apostos aos Acórdãos n.ºs 177/2002 e 96/2004 
 considerou-se suficiente a possibilidade de ponderação casuística do juiz, no 
 caso concreto.
 Parte da divergência em causa assenta, evidentemente, na diversa apreciação 
 sobre a natureza do limiar do salário mínimo – isto é, o problema de saber se, 
 quando o montante da pensão abrangida não é superior ao salário mínimo, ou 
 quando a penhora não deixa ao executado rendimentos superiores a este, ela 
 
 «afecta sempre de forma inaceitável a satisfação das “necessidades do executado 
 e seu agregado familiar”».
 Deixando para já este aspecto (a análise do sentido do limiar do salário mínimo, 
 em comparação com o chamado “mínimo de sobrevivência”, ou “mínimo de existência” 
 condigna) de remissa, notar-se-á que não é esta a única razão da divergência 
 
 (cf., aliás, o voto de vencido, com fundamento no artigo 824.º, n.º 3, aposto ao 
 Acórdão n.º 62/2002, isto é, mesmo a propósito da penhora do “rendimento mínimo 
 garantido”). Antes se pode dizer que um critério que permite uma ponderação no 
 caso concreto é, naturalmente, menos rígido e mais flexível do que um critério 
 abstracto, permitindo tomar em conta várias circunstâncias do caso. E isto, sem 
 que valha responder a tal rigidez e inflexibilidade com o facto de a 
 possibilidade do artigo 824.º, n.º 3, continuar a valer para rendimentos de 
 montante mais elevado (nunca esteve em causa a extensão a estes da 
 impenhorabilidade) ou de o seu único efeito ser “excluir a ponderação do 
 tribunal sobre a admissibilidade da penhora”, por quando esta privar o executado 
 de rendimentos superiores ao salário mínimo afectar sempre a dignidade humana. É 
 que a rigidez e inflexibilidade em causa estão, justamente, na exclusão dessa 
 ponderação – que, aliás, o legislador actualmente continua a admitir, para os 
 rendimentos de vencimentos e salários (no já citado artigo 824.º, n.º 5, na sua 
 redacção actual). 
 A verdade é que o Código de Processo Civil previa (e continuar a prever hoje)  
 que o juiz pode isentar totalmente de penhora prestações como as que estavam em 
 causa, tendo em conta a natureza da dívida exequenda e as necessidades do 
 executado e seu agregado familiar. E a previsão desta possibilidade tem de ser 
 considerada, na medida em que permita evitar a ofensa aos princípios 
 constitucionais invocados, na apreciação da constitucionalidade da norma em 
 apreço. É improcedente o argumento segundo o qual apenas há que tomar em 
 consideração, isolada do resto do sistema e das possibilidades de protecção da 
 dignidade humana conferidas (e impostas) ao juiz, a norma em apreço, em nome da 
 finalidade do recurso de constitucionalidade de eliminação de normas violadoras 
 da Constituição. Pois o problema está antes, e justamente em saber se, tendo em 
 conta a possibilidade de intervenção casuística do juiz, ponderando as 
 circunstâncias do caso concreto (a natureza da dívida do exequente e as 
 necessidade do executado) à luz das exigências constitucionais, incluindo a 
 dignidade humana – intervenção, essa, que não pode ser vista como mera ou vã 
 esperança, pois que corresponde a um verdadeiro poder-dever (e recorde-se o 
 artigo 204.º da Constituição) –, a norma em causa é uma norma inconstitucional.
 Ora, a remissão para o poder-dever de ponderação em concreto sobre a isenção de 
 penhora afigura‑se claramente de preferir ao estabelecimento de um limite rígido 
 e abstracto de impenhorabilidade, desde logo, por permitir tomar em conta 
 circunstâncias do caso concreto que podem não ser despiciendas.
 As dificuldades “na articulação de um controlo que deve ser apenas normativo com 
 uma valoração de circunstâncias fácticas e peculiares do caso concreto” foram, 
 aliás, salientadas pelo Ministério Público na alegação apresentada no presente 
 recurso. 
 Desde logo, o juízo de inconstitucionalidade da solução legal na medida em que 
 não prevê, em abstracto, uma impenhorabilidade total, que deixe intocados 
 rendimentos do trabalho iguais ao salário mínimo nacional, não foi levado tão 
 longe que não pressupusesse sempre uma consideração casuística da natureza do 
 débito. Assim, o Acórdão n.º 96/2004 (n.º 8) deixa em aberto a solução de 
 questões como a da penhora com vista à satisfação de créditos alimentares sobre 
 o executado, ou de créditos que são consequência directa da satisfação das 
 necessidades básicas de habitação e alimentação do executado. E num caso em 
 que estava justamente em causa a prestação de alimentos a filho menor, o Acórdão 
 n.º 306/2005 julgou inconstitucional, por violação do princípio da dignidade 
 humana, contido no princípio do Estado de Direito, com referência aos n.ºs 1 e 3 
 do artigo 63.º da Constituição, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da 
 Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto Lei n.º 314/78, de 27 de 
 Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de 
 prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez 
 do progenitor que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas 
 necessidades essenciais – e considerou que o referencial de isenção de 
 penhorabilidade não devia ser o critério do “salário mínimo nacional” mas o 
 critério do “rendimento social de inserção”
 E entre as ressalvas do juízo de inconstitucionalidade que obrigam a uma 
 ponderação casuística refere-se igualmente a da possível existência de outros 
 bens penhoráveis. No caso, não resulta, porém (pelo menos explicitamente) da 
 decisão recorrida, que o executado não seja titular de outros bens penhoráveis 
 suficientes para satisfazer a dívida exequenda (o que é diverso de saber, por 
 exemplo para efeitos de apoio judiciário, se a única fonte de rendimento dos 
 executados consiste nos respectivos salários).
 Seja como for – para além de (como nota o Ministério Público), na própria lógica 
 dos Acórdãos n.ºs 177/2002 e 96/2004, a solução no caso de esta última ressalva 
 
 (inexistência de bens penhoráveis) se não verificar dever ser a penhora desses 
 bens, e não a admissibilidade da privação do executado de rendimentos iguais ao 
 salário mínimo – tal condicionamento a ressalvas carecidas de apreciação 
 casuística apenas pode apontar no sentido de que a solução mais adequada será 
 aquela que permita a consideração, justamente, dos casos concretos – e não 
 apenas deste concreto caso presente (pelo que o facto de se estar perante um 
 recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, e de neste se poder 
 apurar que não se verificam circunstâncias concretas que obstassem à 
 impenhorabilidade não contradiz o argumento, o qual se situa no plano da 
 apreciação da adequação de uma resposta à questão de constitucionalidade que é 
 aparentemente geral, e rígida, mas que, a final, se vê obrigada a abrir algumas 
 ressalvas casuística).
 E como se disse numa das declarações de voto apostas ao Acórdão n.º 177/2002, à 
 
 «vantagem da ponderação, no caso concreto, do critério do n.º 3 do artigo 824º 
 do Código de Processo Civil acresce, aliás, que as situações de 
 impenhorabilidade (por exemplo, de dois terços dos vencimentos ou das prestações 
 em causa) devem já ser consideradas em geral absolutamente excepcionais, quer 
 por poderem originar um “'amolecimento ósseo” das obrigações civis, quer por 
 serem possíveis fontes de flagrante injustiça relativa (basta, para o concluir, 
 ter presente que, perante um critério abstracto de impenhorabilidade, uma 
 eventualmente idêntica situação financeira do credor não pode ser considerada), 
 e que ainda mais excepcionais terão de ser os casos em que a garantia da 
 dignidade humana, como valor no qual se funda a República Portuguesa, inscrito 
 logo no “pórtico” da Lei Fundamental, impõe a consagração de uma 
 impenhorabilidade».
 
 É certo que, como também salienta, o Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto em funções 
 neste Tribunal, “é inquestionável a prevalência do princípio da dignidade humana 
 sobre o direito do credor”, quando aquele imponha uma solução que conflitue com 
 este.
 Todavia, não se vê que a Constituição obste a que possam ser as instâncias a 
 realizar um juízo casuístico de ponderação e adequação das posições e 
 interesses de exequente e executado, devendo naturalmente fazê-lo em 
 conformidade com as exigências constitucionais, e, em particular, com o 
 princípio da dignidade da pessoa humana, em que se baseia a República Portuguesa 
 
 (artigo 1.º da Constituição). A Constituição não impõe, pois, um regime de 
 fixação, rigidamente e em abstracto, da impenhorabilidade de rendimentos 
 laborais do executado, na medida em que este fique privado do montante 
 correspondente ao salário mínimo nacional, permitindo antes que seja cometida ao 
 juiz a decisão sobre a penhorabilidade concreta, com uma de todas as 
 circunstâncias do caso, incluindo a situação económica global do executado e a 
 natureza, montante e origem da dívida exequenda.
 Como também se diz na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 177/2002 que se 
 citou, 
 
 «[s]ó não seria assim se pudesse entender-se que a penhora de qualquer parte de 
 prestações inferiores ao salário mínimo (como se diz no acórdão) “afecta sempre 
 de forma inaceitável a satisfação das ‘necessidades do executado e seu agregado 
 familiar’” – ou seja, que põe sempre em causa a garantia de um “mínimo de 
 existência”, não devendo, por isso, nunca ser ponderada no caso concreto com 
 quaisquer outros elementos.”
 Esta questão remete já para o segundo aspecto referido no final do ponto 
 anterior: o de saber se o que o salário mínimo nacional se impõe 
 constitucionalmente como referente para definir o limiar abaixo do qual a 
 possibilidade de privação de rendimentos por uma penhora viola o princípio da 
 dignidade da pessoa humana.
 
 8.Admite-se que existe um limiar de rendimentos abaixo do qual a penhora do 
 executado (que não disponha de outros bens, bem entendido) que os atinja 
 afectará sempre a dignidade humana do executado. É o que se poderá ainda 
 entender para as prestações – de que não cumpre agora tratar (cfr. o citado 
 Acórdão n.º 62/02) – recebidas a título de “rendimento mínimo garantido”, de 
 
 “rendimento social de inserção”, ou, mais claramente, para o chamado “mínimo de 
 existência” ou “mínimo de sobrevivência condigna”. Considerando, por exemplo, os 
 pressupostos e forma de fixação do “rendimento mínimo garantido” – 
 designadamente, a indexação ao montante legalmente fixado para a pensão social 
 do regime não contributivo e a variação da prestação segundo a composição do 
 agregado familiar dos titulares do direito à prestação –, pode dizer-se que só a 
 salvaguarda da totalidade dessas prestações poderá proteger o “mínimo de 
 existência” do devedor e seu agregado, cuja garantia decorre do valor da 
 dignidade humana.
 Importa, porém, distinguir estas prestações do salário mínimo – ou, actualmente, 
 
 “retribuição mínima mensal garantida” (artigo 266.º do Código do Trabalho), 
 actualizada para 2006 pelo Decreto‑Lei n.º 238/2005, de 30 de Dezembro. Com 
 efeito, a afirmação de uma impenhorabilidade total de prestações recebidas “a 
 título de regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao 
 salário mínimo”, em nome do princípio da dignidade humana só pode fundar-se numa 
 aproximação entre o critério do mínimo necessário para uma sobrevivência 
 condigna do devedor e seu agregado – esse sim, imposto pela dignidade humana – e 
 o salário mínimo. Estas prestações não devem, porém, ser confundidas – sendo 
 certo que, quando coincidirem no seu montante, já a aplicação do primeiro 
 conduzirá a afirmar a impenhorabilidade.
 O salário mínimo representa a remuneração mínima garantida pela prestação 
 laboral, imposta por um princípio de justiça comutativa e pela própria ideia de 
 dignidade do trabalho – ou da pessoa enquanto trabalhador –, e determinado 
 também por outras razões sociais e económicas.
 
 É, na verdade, o que resultava da sua forma de fixação nos termos do Decreto-Lei 
 n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro – fixação, essa, que podia ser mensal ou horária 
 
 (para trabalho a tempo parcial ou com pagamento à quinzena, semana ou dia) e 
 comportava diversas modulações (por exemplo, reduções nos serviços doméstico e 
 nas actividades de natureza artesanal, relacionadas com o trabalhador, relativas 
 
 à dimensão da entidade patronal e ao aumento de encargos para esta, e adaptações 
 
 às Regiões Autónomas).
 Mas é também o que resulta, actualmente, do Código do Trabalho – nos termos do 
 qual (artigo 266.º, n.º 2) na “definição dos valores da retribuição mínima 
 mensal garantida são ponderados, entre outros factores, as necessidades dos 
 trabalhadores, o aumento de custo de vida e a evolução da produtividade” – e da 
 Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou o Código do Trabalho. Nos 
 termos dos artigos 207.º e segs. desta última, incluem-se, por exemplo, na 
 
 “retribuição mínima mensal garantida” (RMMG) o valor de prestações em espécie, 
 calculado segundo os preços correntes na região, é objecto de reduções 
 relacionadas com o trabalhador (para praticantes, aprendizes e estagiários que 
 se encontrem numa situação caracterizável como de formação certificada, ou para 
 trabalhadores com capacidade de trabalho reduzida), e a sua actualização em 
 vista à sua “adequação aos critérios da política de rendimentos e preços”.
 E é, ainda, o que resulta da própria Constituição da República. Segundo o seu 
 artigo 55.º, n.º 2, alínea a), incumbe ao Estado assegurar as condições de 
 trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, 
 estabelecendo e actualizando o salário mínimo nacional, “tendo em conta, entre 
 outros factores”, não só as “necessidades dos trabalhadores” e “o aumento do 
 custo de vida”, como “o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as 
 exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o 
 desenvolvimento”. 
 Assim, por exemplo, no Decreto-Lei n.º 325/2001, de 17 de Dezembro, referiu-se 
 uma “especial atenção relativamente aos valores de actualização em causa, 
 nomeadamente recorrendo a critérios de racionalidade económica e social que, não 
 contrariando os níveis desejáveis de crescimento do emprego, permitam, em 
 simultâneo, uma elevação sustentada do poder de compra dos trabalhadores e da 
 competitividade das empresas nacionais” (itálicos aditados). No citado 
 Decreto‑Lei n.º 238/2005, de 30 de Dezembro (que por último actualizou os seus 
 valores), reconhece‑se, é certo que a RMMG “beneficia o conjunto de 
 trabalhadores que auferem retribuições mais baixas, visando a melhoria das suas 
 condições de vida e assegurando-lhes, nos termos constitucionais, o direito a 
 uma existência condigna”, mas logo se diz que se ponderou, na sua fixação, 
 factores como “a evolução da produtividade e a competitividade das empresas e da 
 economia, bem como a sustentabilidade das finanças públicas”.
 Esses critérios constitucionais e legais explícitos contrariam a qualificação do 
 salário mínimo como garantia indispensável de um “mínimo de subsistência”, 
 implicado pelo valor da dignidade humana, cumprindo notar, aliás, que o que está 
 aqui em causa não é a existência de outras referências possíveis para definir o 
 limiar em causa, mas a inadequação do salário mínimo para tanto. E diga-se que, 
 por outro lado, tal inadequação se não prende com a possibilidade, ou não, de 
 afirmar qualquer presunção, relativa ou absoluta, de debilidade económica ou 
 social do trabalhador que aufere apenas o salário mínimo – muito menos um juízo 
 comparativo sobre tal debilidade económica ou social em relação aos titulares de 
 pensões sociais.
 O salário mínimo é uma prestação retributiva do trabalho equivalente ao mínimo 
 que a ideia de dignidade e valor do trabalho (e não da pessoa humana) implicam – 
 ou, se se quiser, repete-se, da pessoa enquanto trabalhador –, e que outras 
 razões sociais e económicas condicionam, mas não é o critério adequado, e muito 
 menos constitucionalmente imposto, para uma abstracta impenhorabilidade total, 
 fundada na protecção da dignidade da pessoa humana. Tal função não poderia 
 explicar, aliás, as reduções do salário mínimo para certas situações laborais, 
 já referidas, ou as possibilidades de modulações (como a existência, até 1990, 
 de um salário mínimo agrícola e doméstico, ou a presença deste último, ao lado 
 do geral, até 2003). Sendo certo que é mesmo desejável que o montante do salário 
 mínimo se afaste, cada vez mais, do valor do “mínimo de sobrevivência condigna”, 
 este mínimo pode, porém, por outro lado, ser mesmo ser superior ao salário 
 mínimo – e muitas vezes sê‑lo-á sem dúvida (por exemplo, em agregados familiares 
 numerosos).
 Pode, pois, dizer-se que a RMMG não é o valor referencial adequado para a 
 imposição de uma impenhorabilidade em abstracto, em nome do princípio da 
 dignidade da pessoa humana. Antes, consoante as circunstâncias, pode ser 
 insuficiente, ou pode, pelo contrário, ser excessivo. De acordo com as 
 exigências constitucionais, e quando o valor dos rendimentos do executado for 
 superior ao “mínimo de existência”, é aceitável, pois, a possibilidade, que 
 estava prevista no artigo 824.º, de, sem uma impenhorabilidade absoluta do valor 
 correspondente ao salário mínimo, o juiz fixar o montante penhorável entre um 
 terço e um sexto, ou isentar mesmo totalmente de penhora, considerando a 
 natureza da dívida exequenda e as necessidades do executado e seu agregado 
 familiar (possibilidade, esta, de ponderação que, salvo para pensões ou regalias 
 sociais se encontra hoje também prevista). 
 
 9.As considerações que antecedem tornam desnecessária a apreciação da correcção 
 da transposição da fundamentação carreada ao Acórdão n.º 177/2002 (aceite no 
 Acórdão n.º 96/2004) para os rendimentos laborais do executado – vencimentos e 
 salários – como os que estão agora em questão.
 Apenas cumpre salientar que, como se disse, a diferenciação entre estes 
 rendimentos e outros, como os rendimentos provenientes de prestações sociais, 
 para efeitos de penhorabilidade, existiu entre nós, e hoje existe novamente. Tal 
 compreende-se, na óptica das considerações expendidas no ponto anterior, à luz 
 da diferente função e natureza das prestações em causa, e designadamente da sua 
 natureza retributiva, ligada ao valor da prestação laboral, ou não (e não 
 necessariamente – repete‑se – de qualquer “presunção de debilidade, incapacidade 
 laboral ou desprotecção do respectivo titular”).
 Pelo que, evidentemente, mesmo quem tenha aceite a exigência constitucional de 
 uma impenhorabilidade de rendimentos provenientes de prestações sociais como 
 pensões, na medida em que não deixem ao executado um montante igual ao do 
 salário mínimo nacional não é necessariamente levado a estender tal juízo de 
 inconstitucionalidade aos rendimentos laborais. E, acompanhando a diferença de 
 natureza destes rendimentos, será, mesmo, levado a adoptar uma conclusão 
 contrária.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a) Não julgar inconstitucional a norma que resulta da conjugação do disposto na 
 alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil (na 
 redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro), na interpretação 
 de que permite a penhora de qualquer percentagem no salário de executados quando 
 tal salário é inferior ao salário mínimo nacional ou quando, sendo superior, o 
 remanescente disponível para os mesmos, após a penhora, fique aquém do salário 
 mínimo nacional;
 b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão 
 recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
 
  
 
           Lisboa, 28 de Novembro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 
                  Mário José de Araújo Torres (Vencido, nos termos da declaração 
 de voto junta)
 
           Maria Fernanda Palma (vencida, no essencial, 
 pelas razões constantes da declaração de voto do 
 
   Excelentíssimo Senhor Conselheiro Mário Torres)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
                   Votei vencido por, pelas razões expendidas no projecto de 
 acórdão  que apresentei, entender que a decisão recorrida devia ser confirmada, 
 na parte impugnada, por reputar inconstitucional – como já o fizera, em situação 
 idêntica, o Acórdão n.º 96/2004 –, por violação do princípio da dignidade 
 humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das disposições 
 conjugadas dos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, alínea a), e 63.º, n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP), a norma que resulta da conjugação 
 do disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 824.º do Código de 
 Processo Civil (CPC), na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 180/96, de 25 de 
 Setembro, na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário do 
 executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para 
 satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que priva o executado da 
 disponibilidade de rendimento mensal correspondente à retribuição mínima 
 mensal garantida.
 
                       Nesse projecto de acórdão, após reproduzir a fundamentação 
 do Acórdão n.º 177/2002 (que a decisão judicial objecto do presente recurso 
 considerara – a meu ver, bem – aplicável ao caso dos presentes autos, apesar de 
 agora estar em causa a penhora de vencimentos), a argumentação do recorrente 
 Ministério Público já esgrimida no recurso onde foi proferido o Acórdão n.º 
 
 96/2004, a resposta que a essa argumentação foi dada nesse Acórdão e a 
 reiteração da tese do Ministério Público produzida nestes autos, consignei o 
 seguinte:
 
  
 
      “2.6. Expostos os argumentos e contra‑argumentos das duas teses em 
 presença, cumpre decidir.
 
      Mas, antes de mais, importa salientar que, apesar de estar obviamente em 
 causa uma questão de inconstitucionalidade normativa, não se pode olvidar que 
 esta surge em sede de fiscalização concreta, e não de fiscalização abstracta, de 
 constitucionalidade, pelo que, para o juízo a emitir, serão irrelevantes 
 considerações que seriam pertinentes para situações diversas da ora em causa. 
 No presente caso, a execução funda‑se num contrato de mútuo, celebrado em 28 de 
 Junho de 1994 (fls. 14 e 15), pelo qual o exequente emprestou aos executados a 
 quantia de 920 911$50, pelo prazo de três anos e um mês, a ser pago em 37 
 prestações mensais, sem indicação da finalidade do empréstimo, tendo os 
 executados pago apenas o total de 105 500$00. Por outro lado, tendo 
 inicialmente, por despacho judicial de 8 de Fevereiro de 2002 (fls. 16), sido 
 determinada a penhora de uma quota de que o executado marido seria titular e de 
 
 1/3 do vencimento líquido mensal de cada um dos executados, veio a constatar‑se 
 que a sociedade em causa cessara a actividade em 30 de Junho de 2001 (fls. 36 a 
 
 39) e, por despacho judicial de 19 de Fevereiro de 2003 (fls. 17 a 19), 
 confirmado pelo acórdão ora recorrido, foi revogada a determinação da penhora 
 dos vencimentos, com fundamento em inconstitucionalidade. Por último, resulta 
 abundantemente dos autos, designadamente da prova produzida no incidente de 
 apoio judiciário e da decisão judicial que o concedeu, que a única fonte de 
 rendimento dos executados consiste nos respectivos salários. Assim, pode 
 concluir‑se que, no presente caso, não está em causa uma execução por obrigação 
 de alimentos nem resulta dos autos que a execução se funde em dívida contraída 
 para assegurar as necessidades básicas de habitação e sustento dos executados 
 ou que estes tenham outras fontes de rendimentos. Neste contexto, surge como 
 improcedente o argumento – constante da alegação do Ministério Público – de que 
 não se justificaria a emissão de um juízo de inconstitucionalidade da norma 
 questionada, abstractamente considerada, por esse juízo pretensamente se 
 mostrar carecido de fundamento quando esteja em causa execução fundada em 
 obrigação de alimentos ou em dívida contraída para assegurar as necessidades 
 básicas de habitação e sustento dos executados ou quando os executados tenham 
 outras fontes de rendimentos para além do seu salário. [Incidindo num caso em 
 que estava justamente em causa a prestação de alimentos a filho menor, o Acórdão 
 n.º 306/2005 julgou inconstitucional, por violação do princípio da dignidade 
 humana, contido no princípio do Estado de Direito, com referência aos n.ºs 1 e 3 
 do artigo 63.º da Constituição, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 189.º da 
 Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto‑Lei n.º 314/78, de 27 de 
 Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, para satisfação de 
 prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão social de invalidez 
 do progenitor que prive este do rendimento necessário para satisfazer as suas 
 necessidades essenciais – considerando, porém, que, para essa específica 
 situação, o referencial de isenção de penhorabilidade não devia ser o critério 
 do «salário mínimo nacional» (válido para a generalidade dos casos), mas o 
 critério do «rendimento social de inserção»].
 
      Também não procede a tese da eventual inutilidade do conhecimento do 
 presente recurso por pretensamente resultar de considerações constantes do 
 acórdão recorrido que, mesmo que não considerasse inconstitucional a norma 
 desaplicada, a situação concreta justificaria a emissão de juízo prudencial 
 denegatório da penhora. Não foi esse, manifestamente, o caminho seguido pelo 
 acórdão recorrido, que explicitamente recusou, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, a aplicação da dimensão normativa em causa e, assim, não 
 enfrentou – nem tinha de enfrentar – que decisão tomaria na hipótese de não 
 considerar inconstitucionalmente vedada a possibilidade de determinação da 
 penhora do vencimento dos executados.
 
      Isto posto, entende‑se que o juízo de inconstitucionalidade constante do 
 acórdão recorrido merece ser confirmado, não se afigurando procedentes os dois 
 argumentos esgrimidos pelo recorrente, fundados, um, na diferente natureza dos 
 rendimentos (pensões e salários) e, o outro, na possibilidade de intervenção 
 casuística do juiz.
 
      Quanto ao primeiro argumento, cumpre, desde logo, salientar que do 
 confronto entre titulares de pensões e titulares de vencimentos não resulta 
 necessariamente uma maior debilidade social e económica dos primeiros, bastando 
 recordar os elevados montantes que podem assumir pensões de reforma ou de 
 aposentação. Como se sublinhou no Acórdão n.º 96/2004, o fundamento do juízo de 
 inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 177/2002 «não radicou em 
 qualquer presunção de debilidade, incapacidade laboral ou desprotecção do 
 respectivo titular», pois «radicou, tão‑somente, na consideração de que a 
 penhora deveria salvaguardar o ‘montante mínimo considerado necessário para uma 
 subsistência digna do respectivo beneficiário’, sendo adequado tomar como 
 referência de tal montante o salário mínimo nacional», prosseguindo:
 
  
 
      «A qualquer executado – e não apenas àquele que se encontra numa situação 
 de debilidade, incapacidade laboral ou desprotecção e que, por isso, recebe uma 
 regalia social – deve ser assegurado o mínimo necessário a uma subsistência 
 digna. Ora, esse mínimo necessário a uma subsistência digna não pode 
 manifestamente considerar‑se assegurado nos casos em que, não tendo o executado 
 outros bens penhoráveis, se admite a penhora de uma parcela do seu salário e, 
 por essa razão, o executado fica privado da disponibilidade de um montante 
 equivalente ao salário mínimo nacional.»
 
  
 
      Nesta perspectiva, importa salientar que mesmo quem discorde da 
 fundamentação do Acórdão n.º 177/2002 não pode ignorar que, na sequência da 
 declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade nele contida, 
 deixou de ser juridicamente admissível a penhora até um terço das prestações 
 periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis 
 suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia social ou 
 de pensão, cujo valor global não seja superior ao «salário mínimo nacional» 
 
 [actualmente designado «retribuição mínima mensal garantida» (artigo 266.º do 
 Código do Trabalho) e actualizada, por último, pelo Decreto‑Lei n.º 238/2005, de 
 
 30 de Dezembro)]. Perante esta constatação, surge como destituída de fundamento 
 razoável, e por isso violadora do princípio da igualdade, a admissibilidade de 
 penhora que coloque o executado na mesma situação de privação que o Acórdão n.º 
 
 177/2002 considerou intolerável, só porque aqui a fonte do rendimento é o 
 salário e ali era uma pensão.
 
      Quanto ao segundo argumento, há que salientar que o juízo de 
 inconstitucionalidade visa afastar a aplicação de normas jurídicas que se 
 mostrem desconformes com normas ou princípios constitucionais. Pretende‑se a 
 eliminação de normas violadoras da Constituição e esse objectivo não é 
 assegurado se se permite a persistência na ordem jurídica de normas 
 inconstitucionais com a mera esperança de que uma intervenção casuística de um 
 juiz mais sensível ou atento venha a evitar a produção do resultado tido por 
 constitucionalmente intolerável: a privação dos rendimentos estritamente 
 necessários a uma vida minimamente condigna do executado e do seu agregado 
 familiar. Como se salientou no Acórdão n.º 177/2002, «o efeito do julgamento de 
 inconstitucionalidade [traduz‑se], apenas, em excluir a ponderação do tribunal 
 sobre a admissibilidade da penhora nos casos em que o montante da pensão 
 abrangida não é superior ao salário mínimo, por se entender que, em tais casos, 
 a penhora afecta sempre de forma inaceitável a satisfação das ‘necessidades do 
 executado e seu agregado familiar’».
 
      Improcedendo, assim, as críticas endereçadas pelo recorrente ao Acórdão 
 n.º 96/2004, há que reiterar o juízo de inconstitucionalidade dele constante.”
 
  
 
                       Em conformidade com esse entendimento, votei no sentido de 
 que o Tribunal julgasse inconstitucional, por violação do princípio da dignidade 
 humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das 
 disposições conjugadas dos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, alínea a), e 63.º, n.ºs 1 e 
 
 3, da CRP, a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e 
 do n.º 2 do artigo 824.º do CPC (na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 180/96, 
 de 25 de Setembro), na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário 
 do executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para 
 satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que priva o executado da 
 disponibilidade de rendimento mensal correspondente à retribuição mínima 
 mensal garantida; assim se negando provimento ao recurso e confirmando a decisão 
 recorrida, na parte impugnada – tal como, em situação idêntica, o fizera o 
 Acórdão n.º 96/2004.
 
  
 
      Mário José de Araújo Torres