 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 711/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 
           Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro:
 
  
 
 “1. O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das 
 alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro 
 
 (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Maio de 2007, que o 
 condenou na pena de quatro anos de prisão como autor do crime previsto e punido 
 pelas disposições conjugadas dos artigos 172.º, n.º1, e 177.º, n.º 1, alínea a) 
 do Código Penal.
 Pretende ver declarado pelo Tribunal Constitucional que “as normas constantes 
 dos artºs. 40º e 71º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal são inconstitucionais, pois, 
 violam o princípio que se extrai dos arts. 2º, 27º, 29º, n.º 6 e 32º, da 
 Constituição da República Portuguesa, quando aplicadas e interpretadas no 
 sentido de que o Supremo Tribunal de Justiça pode, sem ofender os princípios da 
 proporcionalidade, da justiça, da adequação e da culpa, em recurso interposto 
 pelo Ministério Público de uma decisão que aplicou ao arguido, condenado em 1ª 
 Instância, numa pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de abuso 
 sexual, previsto nos arts. n.ºs 172/1 e 177/1a, do Código Penal suspensos na sua 
 execução por um período de 3 anos, […] agravar a sanção para quatro anos de 
 prisão, sem suspensão da pena, quando a moldura pena já tinha sofrido uma 
 agravação na sua moldura e o recorrente admitiu nas conclusões do recurso que a 
 pena a aplicar podia não ultrapassar os três anos de prisão”. 
 O recurso de constitucionalidade foi admitido no tribunal a quo, o que não obsta 
 a que imediatamente se decida o seu não conhecimento, nos termos dos artigos 
 
 76.º, n.º 3, e 78.º-A, n.º 1, da LTC.
 
 2. Para tanto, importa ter presentes as seguintes ocorrências processuais:
 a) O Ministério Público recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão 
 de 3 de Outubro de 2006, do Tribunal da Comarca de Anadia (proc. nº 707/05), 
 que, em síntese, condenou o arguido A. ‘pela prática do crime de abuso sexual da 
 sua enteada, dos arts. 172/1 e 177/1 a) ambos do CP, na pena de 2 anos de 
 prisão, suspensos na sua execução por um período de 3 anos, sob as condições de: 
 não contactar com a menor B., de trabalhar regularmente (ou de comprovar a 
 inscrição em Centro de Emprego) e de não beber álcool em excesso, tudo sob 
 vigilância e apoio do IRS, e à entrega, pelo arguido, ao IRS, de 500€, dentro do 
 prazo de 1 ano (tendo que fazer prova desse pagamento, nos autos, neste último 
 prazo)’.
 b)  Na respectiva motivação e conclusões o Ministério Público sustentou o 
 seguinte:
 
 “(…)
 
 5- Ao arguido deveria ser antes imposta uma pena de 5 anos de prisão por 
 adequada e justa obedecendo aos ditames dos artigos 40 e 71 do C. Penal.
 
 6- No caso de ao arguido ser imposta prisão até 3 anos, o que só por imperativo 
 de raciocínio se perspectiva, não deverá a mesma ser suspensa.
 
 (…).”
 c) O ora recorrente (então recorrido) não respondeu.
 d) Pelo acórdão recorrido o Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcial 
 provimento ao recurso, concluindo a análise a que procede nos seguintes termos:
 
  
 
 “(…)
 
 2.7. Tendo presentes estas considerações – pertinentes, face ao regime 
 estabelecido nos artºs. 40º e 71º, nºs. 1 e 2, do Código Penal – afigura-se que 
 a pena de quatro anos de prisão – nua moldura legal de um ano e quatro meses e 
 dez anos e oito meses de prisão – constitui o limite (inferior) imposto pelas 
 exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, sendo também adequada a 
 propiciar a reintegração do agente na sociedade. E tal pena não ultrapassa, 
 seguramente, a medida da culpa do arguido, já antes caracterizada.
 
 3. A condenação em pena superior a três anos e prisão afasta, desde logo, a 
 possibilidade de se ponderar a suspensão de execução da pena de prisão (n.º 1, 
 do art.º 50.º, do Código Penal).”
 
  
 
 3. O recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC. 
 O despropósito da invocação desta última alínea é de flagrante evidência, uma 
 vez que não foi alegado, nem se vislumbra, que lei de valor reforçado pode 
 considerar‑se violada [alínea c) do n.º 1 do artigo 70.º], não está em causa 
 norma constante de diploma regional [alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º], nem se 
 vê que conexão possam ter os referidos preceitos do Código Penal (ou a norma que 
 a recorrente lhes refere) com o estatuto de uma região autónoma. De todo o modo, 
 sempre valeria para o recurso ao abrigo desta alínea o que seguidamente vai 
 dizer-se a propósito da alínea b), porque o pressuposto da prévia suscitação da 
 questão perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida é comum às duas 
 hipóteses.
 
 4. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC só pode ser interposto pelo interessado que 
 haja suscitado a questão de constitucionalidade que quer submeter ao Tribunal 
 Constitucional de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu 
 a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (cfr. a 
 referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e o n.º 2 do artigo 72.º da LTC). 
 No caso, o recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade 
 perante o Supremo Tribunal de Justiça, tendo disposto de inquestionável 
 oportunidade processual para fazê-lo quando confrontado com a motivação do 
 recurso do Ministério Público, em que se pugnava pelo agravamento da pena de 
 prisão e, em qualquer caso, pela revogação da suspensão. Perante a claríssima 
 pretensão do Ministério Público na motivação do recurso, a que optou por não 
 responder, de aplicação das normas em causa com o sentido que veio a ser 
 acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça, é manifestamente descabida a alegação 
 do recorrente de que não dispôs de momento processualmente adequado para 
 suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão 
 recorrida. Aliás, o recorrente limita-se a produzir essa afirmação, sem ensaiar 
 qualquer justificação para o que diz, pelo que não se justificam maiores 
 desenvolvimentos.
 
 5. Sendo manifesto que o recurso não pode prosseguir, uma vez que o recorrente 
 não cumpriu o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, não interessa discutir se, como 
 definido no requerimento de interposição, o recurso tem objecto idóneo. Isto é, 
 fica prejudicado ou é inútil averiguar se a questão que agora se enuncia no 
 requerimento de interposição do recurso seria passível de apreciação pelo 
 Tribunal Constitucional, como questão de constitucionalidade normativa, ou se, 
 pelo contrário, se consubstancia num pedido de reapreciação da decisão, em si 
 mesma considerada, o que nunca constituiria objecto idóneo do recurso de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, no sistema que a Constituição 
 
 (artigo 280.º da CRP) e a Lei (artigo 70.º da LTC) estabelecem.
 
 6. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar 
 o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de 
 conta.”
 
  
 
                   2. O recorrente reclama desta decisão ao abrigo do n.º 3 do 
 artigo 78.º-A da LTC. 
 Em síntese, depois de se queixar de vicissitudes da nomeação e actuação do seu 
 defensor, da condução do processo e do julgamento, da injustiça da sua 
 condenação e das condições de intervenção do seu actual mandatário na elaboração 
 do recurso para o Tribunal Constitucional, sustenta que, atendendo à natureza 
 inesperada, anómala e excepcional da decisão tomada pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, não deve ser considerado exigível o cumprimento o ónus estabelecido 
 pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
 
  
 
                   O Ministério Público responde que “a longa e prolixa exposição 
 do reclamante em nada bala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à 
 evidente inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso 
 interposto”.
 
  
 
  
 
                   3. Como o recorrente reconhece, no sistema português de 
 fiscalização concreta de constitucionalidade, a competência atribuída ao 
 Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da constitucionalidade normativa, 
 ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas 
 jurídicas (conceito em que se abrangem as interpretações normativas 
 concretamente aplicadas ou a que seja recusada aplicação com fundamento em 
 inconstitucionalidade). Não lhe cabe apreciar questões que digam respeito à 
 directa violação dos direitos constitucionais do arguido por condutas, omissões 
 ou decisões judiciais ou de outros intervenientes no processo. Por outro lado, o 
 objecto do recurso de constitucionalidade fixa-se no requerimento de 
 interposição, podendo ser posteriormente restringido, mas não alargado. É o que 
 decorre da Constituição (artigo 280.º, n.º 1, da CRP) e da Lei do Tribunal 
 Constitucional (artigos 70.º e 75.º-A da LTC) e tem sido constantemente repetido 
 pela jurisprudência do Tribunal.
 
                   Deste modo, de tudo quanto o recorrente alega na reclamação só 
 uma questão emerge com hipotética pertinência, que é a de saber se, na situação 
 descrita e num entendimento funcionalmente adequado do ónus estabelecido pelo 
 n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não é exigível que o recorrente tenha suscitado 
 perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão que apresenta no requerimento de 
 interposição do recurso. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem entendido que 
 o referido ónus de colocar a questão de inconstitucionalidade perante o 
 tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, se considera 
 dispensável em situações especiais em que, por força de uma norma legal 
 específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão 
 recorrida, ou naquelas situações em que o recorrente não dispôs de 
 oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de 
 proferida essa decisão ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível 
 que suscitasse então a questão de constitucionalidade, por a interpretação 
 judicialmente acolhida ser inesperada, insólita ou anómala.
 Sucede que, como na decisão reclamada se refere, não só a aplicação do critério 
 normativo em causa era previsível por parte de um interessado agindo com normal 
 diligência e capacidade de previsão, como o arguido, ora recorrente, dispôs de 
 indiscutível oportunidade processual para arguir a inconstitucionalidade quando 
 foi posto perante a motivação do recurso do Ministério Público em que, de forma 
 clara e directa, se pugnava pelo agravamento da pena de prisão e, em qualquer 
 caso, pela não aplicação da  pena suspensa. Limitando-se o acórdão recorrido à 
 apreciação da razão de discordância do Ministério Público com a sentença de 1ª 
 instância e inserindo-se a questão da escolha e determinação da pena no thema 
 decidendum proposto pelo então recorrente, não se vê como pode considerar-se a 
 decisão como anómala, inesperada ou excepcional. O agravamento da pena e a não 
 aplicação da suspensão ao abrigo das normas em causa era a finalidade do 
 recurso, pelo que, objectivamente, a aplicação do critério normativo que 
 conduziu ao resultado contra o qual o reclamante se insurge corresponde ao 
 normal desenvolvimento da lide.  
 Por último, não procede o argumento de que a opção de não responder ao recurso 
 foi tomada pelo defensor nomeado, contra os interesses do arguido, porque as 
 vicissitudes da relação do recorrente com o seu defensor e o modo ou a 
 estratégia deste na condução da defesa constituem matéria que não cabe ao 
 Tribunal Constitucional apreciar. 
 
  
 
 4. Decisão
 
                   
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 17 de Setembro de 2007
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão