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Processo nº 526/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
  
 
  
 Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Massa Falida de “A., Lda.”, melhor identificada nos autos, veio reclamar 
 para o Tribunal Constitucional do despacho, de 31 de Janeiro de 2007, que não 
 lhe admitiu o recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de 
 Dezembro de 2006, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g) da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei Tribunal Constitucional), com o seguinte teor:
 
  
 Conhecedor da tendência do T.C. no que versa ao prazo do recurso, quando este 
 versa sobre matéria de facto, com base em gravação áudio, sem dúvida que a 
 tiveram em consideração.
 Só que a recorrente não sustentou tal entendimento com base em 
 inconstitucionalidade, quer no requerimento de interposição do recurso, quer na 
 
 “reclamação”.
 Assim, incumprido se verifica o requisito de admissibilidade vertido no art. 
 
 75.º-A – n.º 2 e art. 70.º, n.º 1 – g), da Lei 28/82, de 15-11, pelo que não 
 admito o recurso de fls. 97 a 99, com entrada (fax) em 27-12-06.
 
  
 A reclamação vem sustentada nos fundamentos seguintes:
 
  
 
 1.  A Recorrente foi notificada da decisão do Venerando Tribunal da Relação do 
 Porto de 2 de Fevereiro de 2007, que decidiu pelo indeferimento do Recurso para 
 o Tribunal Constitucional, com base em “Só que o Recorrente não sustentou tal 
 entendimento de inconstitucionalidade, quer no requerimento de interposição de 
 Recurso, quer na Reclamação. Assim, incumprido se verifica o requerimento da 
 admissibilidade vertido no art. 75°‑A n° 2 e art. 70º nº 1 g) da lei 28/82, de 
 
 14-11, pelo que não admito recurso.”. 
 
 2.  É verdade que a Recorrente não se pronunciou acerca da inconstitucionalidade 
 em questão tanto no recurso como na reclamação pelo facto de a interpretação da 
 norma em apreço só foi declarada inconstitucional em data posterior, já na 
 pendência da reclamação. 
 
 3.  A Recorrente interpôs recurso da sentença em 15 de Maio de 2006, tendo em 29 
 de Maio de 2006 sido convidada pelo Tribunal para se pronunciar sobre a 
 extemporaneidade do recurso, ao qual a Recorrente respondeu em 5 de Junho de 
 
 2006. 
 
 4.  Contudo o Tribunal de 1ª instância decidiu pelo indeferimento do recurso, 
 tendo a Recorrente reclamado de tal decisão em 29 Junho de 2006 para o 
 Presidente do Tribunal da Relação do Porto. 
 
 5.  Em Novembro de 2006, i.e., já na pendência da Reclamação, a Recorrente tomou 
 conhecimento das decisões em que o Tribunal Constitucional declarou 
 inconstitucional a interpretação do artigo 411° n° 1 do CPP, dando razão ao 
 entendimento que a Recorrente preconizava e da qual divergiu o Tribunal de 1ª 
 Instância, 
 
 6.  tendo estas decisões do TC sido publicadas no Diário da Republica de 6 de 
 Novembro de 2006: Acórdão 545/2006 de 27/09/2006 (Proc. 414/06, 2ª Secção, 
 Relator: Conselheiro Mário Torres) e Acórdão 546/2006 de 27/09/2006 (Proc. 
 
 356/2006, 2ª, Relator: Conselheira Maria Fernanda Palma). 
 
 7.  Após ter tido conhecimento de tais decisões, a Recorrente, em 20 de Novembro 
 de 2006, veio juntar ao apenso de Reclamação, requerimento com os acórdãos do 
 Tribunal Constitucional que sustentavam a argumentação defendida na reclamação, 
 de modo a enfatizar a razão que lhe atendia na defesa da tese que propugnava, 
 porquanto a situação em apreço nos acórdãos era justamente aquele em apreço na 
 Reclamação. 
 
 8.  Assim, se as decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional foram 
 publicadas posteriormente à Recorrente ter intentado o Recurso e a Reclamação, 
 era normal que não invocasse tais decisões na sua defesa, 
 
 9.  só o tendo feito em 20 de Novembro de 2006, após ter tido conhecimento da 
 publicação de tais decisões, com força obrigatória geral. 
 
 10.  Contudo, após a Recorrente ter alegado, na pendência da reclamação, a 
 doutrina dos acórdãos emanados pelo Tribunal Constitucional que declaravam a 
 inconstitucionalidade da interpretação do artigo 411° n° 1 do CPP conforme havia 
 interpretado o Tribunal de 1ª instância, 
 
 11.  o Tribunal da Relação decidiu pelo indeferimento da Reclamação, com base em 
 
 “Prejudicada fica a possibilidade de protelar o prazo pela via de multa do 
 artigo 145° nº 5, do CPC, bem como a sua dispensa – nunca também pelo PR. Como o 
 não é o que agora se vem invocar, ainda que perante o Juiz Reclamado, a nível 
 das decisões do TC. (...) RESUMINDO: Considerando: o recurso é da matéria de 
 facto constante de prova gravada; o Recorrente requereu cópia no 12° dia após a 
 publicação da sentença; o Tribunal deu conhecimento, por telefone, da 
 disponibilização da confiança das cassetes no 3° dia imediato ao pedido, assim é 
 extemporâneo (mesmo com multa) o recurso apresentado no 25° dia.”. 
 
 12.  Não tendo a Recorrente concordado com a decisão, decidiu interpor recurso 
 para o Tribunal Constitucional, pois estavam os Tribunais de 1ª instância e 
 Tribunal da Relação do Porto a tentar consolidar na ordem jurídica uma 
 interpretação que o TC já havia considerado inconstitucional. 
 
 13.  Por isso, a Recorrente interpôs recurso para o TC ao abrigo da alínea g) do 
 n.° 1 do artigo 700 da Lei n.° 28/82 de 15/11: “Cabe recurso para o Tribunal 
 Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:” (...) “g) Que apliquem 
 norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal 
 Constitucional;”. 
 
 14.  É de salientar que o Tribunal da Relação do Porto indeferiu o recurso por 
 considerar que não se encontrava preenchido o requisito de admissibilidade 
 previsto no artigo 75°-A n°2 da Lei 28/82, que prevê que “Sendo o recurso 
 interposto ao abrigo das alíneas b) ef) do n°1 do artigo 70°, do requerimento 
 deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que 
 se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a 
 questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.”. 
 
 15.  Não se percebe a aplicação do artigo 75°‑A n° 2 como justificação para não 
 admissibilidade do recurso porque este normativo só é aplicável quando se 
 interpõe recurso para o Tribunal Constitucional com base nas alíneas b) e f) do 
 n.° 1 do artigo 70°, 
 
 16.  e, no caso em questão, a Recorrente interpôs recurso com base na alínea g) 
 do n°1 do artigo 70° da Lei 28/82, 
 
 17.  não estando assim sujeito aos requisitos de admissibilidade previstos no 
 artigo 75°‑A no 2 que se referem às alíneas b) e f) do n° 1 do artigo 70 ° da 
 Lei 28/82.
 
  
 Sobre a reclamação pronunciou-se o Ministério Público no sentido da sua 
 improcedência, porquanto, em conclusão, “a decisão recorrida não aplicou nenhuma 
 das dimensões normativas já julgadas inconstitucionais, nos acórdãos indicados, 
 o que naturalmente inviabiliza o recurso interposto com base na referida alínea 
 g), cujos pressupostos se não verificam – o que dita a improcedência da presente 
 reclamação.”
 
  
 Vistos os autos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 2.  Massa Falida de “A., Lda.” vem reclamar perante o Tribunal Constitucional do 
 despacho do Tribunal da Relação do Porto que lhe não admitiu o recurso de 
 constitucionalidade. A reclamante alega antes do mais que não tem razão o 
 despacho reclamado, quando entende não ter sido suscitada, durante o processo, a 
 questão de inconstitucionalidade. Com efeito, e quanto a este ponto, diz a 
 reclamante que tal “[É] verdade … pelo facto de a interpretação da norma em 
 apreço só [ter sido] declarada inconstitucional em data posterior, já na 
 pendência da reclamação” (fls. 2 dos autos).
 
  
 O Tribunal Constitucional tem dito, em jurisprudência constante, que as 
 reclamações que lhe são dirigidas nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 
 
 28/82 (Lei do Tribunal Constitucional) se destinam, não à reapreciação dos 
 fundamentos dos despachos dos tribunais a quo que indefiram os recursos de 
 constitucionalidade, mas à verificação do preenchimento dos pressupostos do 
 recurso que se pretenda interpor. Como se afirmou no Acórdão nº 178/95 “este 
 Tribunal nas reclamações, tendo nos autos elementos para isso, deve decidir se 
 sim ou não se verificam os (…) pressupostos do recurso. Exige-o o facto de a 
 decisão que ele vier a proferir, quando revogue o despacho reclamado, que é um 
 despacho de indeferimento, fazer caso julgado quanto à admissibilidade do 
 recurso, como prescreve o artigo 77º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional” 
 
 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., pp. 1109‑1199 [1115]). Por outro 
 lado, nos Acórdãos nºs 490/98, 24/99 e 571/99 (todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) disse‑se que “[a]s reclamações sobre não admissão 
 dos recursos intentados para o Tribunal Constitucional” se destinam mais a 
 
 “verificar a eventual preterição da devida reapreciação, pelo Tribunal 
 Constitucional, de uma questão de constitucionalidade” do que a apreciar a 
 fundamentação do despacho de indeferimento do recurso.
 Irrelevante se torna, por isso, averiguar se tem ou não razão, nos seus 
 fundamentos, o despacho reclamado. As atenções do Tribunal devem centrar‑se no 
 próprio recurso de constitucionalidade que a reclamante pretendeu interpor e que 
 o despacho reclamado não admitiu, de forma a que se decida se, in casu, foram ou 
 não preenchidos os pressupostos exigidos para a sua interposição.
 
  
 
  
 
 3.  Ora é bem evidente que o não foram.
 A reclamante interpôs o recurso ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da 
 Lei do Tribunal Constitucional, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal de 
 decisões dos tribunais que apliquem norma por ele próprio já julgada 
 inconstitucional.
 Pressuposto essencial de interposição deste tipo de recurso é o de identidade do 
 conteúdo das duas normas em questão. A norma que o tribunal a quo aplicou, e de 
 cuja aplicação se recorre, deve ser a mesma norma que o Tribunal Constitucional 
 já julgou, em processo de fiscalização abstracta ou concreta, inconstitucional.
 Alega a reclamante que a norma que o Tribunal da Relação aplicou foi aquela 
 mesma que os Acórdãos nºs 545/2006 e 546/2006 julgaram inconstitucional. 
 Contudo, no primeiro, decidiu‑se “[J]ulgar inconstitucional, por violação do 
 artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante 
 do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de 
 o prazo para a interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de 
 facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre 
 a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da 
 disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas 
 pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do 
 direito de recurso”; e no segundo julgou‑se inconstitucional “a norma do artigo 
 
 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da 
 Constituição, interpretado no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse 
 preceito não acrescer o período de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às 
 gravações da audiência, desde que se pretenda impugnar a matéria de facto e 
 desde que o arguido actue com a diligência devida”.
 Como bem salienta o Magistrado do Ministério Público em funções no Tribunal 
 Constitucional, o juízo de inconstitucionalidade que aqui foi feito aparece 
 
 “condicionado por uma específica situação”: que o arguido actue com a diligência 
 devida (Acórdão nº 546/2006), ou que requeira tempestivamente a disponibilização 
 das cópias dos suportes magnéticos (Acórdão nº 545/2006).
 Tal específica situação não condicionou, porém, a norma que o Tribunal da 
 Relação do Porto aplicou, e de cuja aplicação se quis recorrer. Bem pelo 
 contrário: o que, no caso, disse o tribunal a quo – e que constituiu a ratio 
 decidendi da “norma” que aplicou – foi que o arguido recorrente, por um lado, 
 não tinha agido com a diligência devida, pois que não tinha tempestivamente 
 requerido a disponibilização dos suportes magnéticos; e, por outro, que se devia 
 considerar insindicável a questão de saber se havia ou não “justo impedimento” – 
 nos termos do artigo 146º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 
 
 4º do Código de Processo Penal –, pelo facto de quanto a esta questão não ter o 
 arguido interposto recurso do despacho de indeferimento (fls. 32 dos autos).
 Demonstrada fica, portanto, a inexistência da identidade do conteúdo da norma 
 que o tribunal a quo aplicou e daquela outra que o Tribunal Constitucional 
 julgou inconstitucional, pelo que se não considera perfeito, in casu, o 
 pressuposto para a interposição do recurso de constitucionalidade previsto na 
 alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos decide‑se indeferir a reclamação, confirmando‑se o 
 despacho reclamado.
 
  
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se em  20  u.c. a taxa de justiça.
 Lisboa, 19 de Junho de 2007
 Maria Lúcia Amaral
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão