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Processo n.º 426/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 A.  recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Supremo 
 Tribunal Administrativo em 16 de Março de 2006 (fls. 329 e seguintes), nos 
 seguintes termos:
 
  
 A., recorrida particular nos autos à margem indicados, notificada do Acórdão 
 neles proferido, vem do mesmo interpor o competente recurso para o Tribunal 
 Constitucional relativamente às questões de inconstitucionalidade. 
 O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do art. 70° da Lei nº 28/82 
 e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende seja apreciada é a do art. 18°, 
 n° 1 al. d) da Portaria 908/87, de 13/5. 
 Os preceitos e princípios constitucionais que se entendem terem sido violados 
 com a vertente normativa com que aquele normativo foi interpretado e aplicado na 
 questão sub judice são os dos art°s 13°, 61°, n° 1 e 64°, n°s 1 e 2, al. b) e 3 
 al. a), b), d) e e) da CRP. 
 E tal inconstitucionalidade material foi oportunamente arguida quer na petição 
 inicial quer nas alegações de recurso para este S.T.A. 
 
  
 O recurso foi admitido no Tribunal recorrido. Mas, no Tribunal Constitucional, o 
 relator proferiu o seguinte despacho:
 
  
 Nos termos do artigo 75º-A n. 5 da Lei do Tribunal Constitucional, convido o 
 recorrente a, em 10 dias, indicar a norma que pretende impugnar, precisando o 
 sentido que, aplicado na decisão recorrida, é constitucionalmente desconforme.
 
  
 A este convite respondeu a recorrente da seguinte maneira:
 
  
 A., recorrente nos autos à margem indicados, notificada para “em 10 dias, 
 indicar a norma que pretende impugnar, precisando o sentido que, aplicado na 
 decisão recorrida, é constitucionalmente desconforme”, vem dizer o seguinte: 
 
 1º - Não desconhece desde logo a recorrente que constitui hoje facto público e 
 notório o de que a formulação deste convite/exigência normalmente antecede uma 
 fulminante decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso (e de 
 condenação do recorrente em custas elevadíssimas) sob o argumento de que o mesmo 
 recorrente não teria indicado com suficiente precisão qual a concreta vertente 
 normativa com que a decisão recorrida teria interpretado e aplicado a norma que 
 se reputa de inconstitucional. 
 
 2° - E também não pretende discutir, ao menos por ora, a mais do que duvidosa 
 constitucionalidade de decisões sumárias individuais (quando a Lei Fundamental 
 apenas prevê o funcionamento do Tribunal Constitucional em Secções e em 
 Plenário), e maxime de decisões sumárias surpresa (isto é, quando, como se vem 
 infelizmente tornando prática habitual neste Tribunal Constitucional, tal tipo 
 de decisão é proferida sem que seja dada ao recorrente a possibilidade de se 
 pronunciar acerca dos concretos fundamentos com que se trata de denegar a sua 
 pretensão). 
 
 3° - Mais. A recorrente também não pode deixar de afirmar que um despacho como o 
 ora notificado não pode servir para substituir a sede própria de apresentação 
 das razões da recorrente, que são as alegações de recurso e cuja apresentação é 
 impossibilitada precisamente através das decisões sumárias. Em qualquer caso, 
 
 4º - Sempre se dirá que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende seja 
 apreciada foi muito específica e claramente indicada (de novo) no requerimento 
 de interposição de recurso e é, tal como ali logo se referiu, “a do art. 18°, nº 
 
 1, al. d) da Portaria 908/87, de 13/5”, mal se compreendendo a exigência ora 
 formulada por V.ª Exa. Por outro lado, 
 
 5º - O sentido de tal norma que, aplicada na decisão recorrida, é 
 constitucionalmente desconforme, é o de que - tal como aliás mostraram 
 compreender e alcançar perfeitamente os Srs. Juízes Conselheiros do Supremo 
 Tribunal Administrativo que sobre tal matéria profusamente procuraram argumentar 
 e trataram de decidir - o de que aquela norma possa fundamentar a 
 impossibilitação do acesso e do exercício da actividade económica farmacêutica 
 num dado ponto geográfico do país, ainda por cima impossibilitando tal acesso 
 por simples transferência de uma dada farmácia já existente e a funcionar, para 
 uma freguesia em que, embora já esteja instalada uma outra farmácia, esta 
 
 última, tendo uma exploração económico-financeira muito bem sucedida, todavia 
 não consegue de todo satisfazer as necessidades da população, a qual, 
 designadamente através dos seus órgãos autárquicos, vinha reclamando 
 insistentemente a instalação de uma nova farmácia. 
 
 6° - E isto, porquanto, interpretada e aplicada como o foi de novo no Acórdão 
 recorrido ora sob recurso, tal norma representaria uma compressão, tão 
 desproporcionada quanto injustificada, do princípio constitucional da liberdade 
 de iniciativa económica e da própria igualdade entre os agentes económicos (art. 
 
 13° e 61°, nº 1 da CRP), privilegiando e diferenciando de modo totalmente 
 injustificado o(s) já instalado(s), numa autêntica e constitucionalmente 
 inadmissível versão actual da tristemente célebre “lei do condicionamento 
 industrial”, hoje totalmente em crise e flagrantemente contrária ao nosso 
 ordenamento jurídico-constitucional e, mesmo, também ao ordenamento jurídico 
 comunitário! 
 
 7° - Mas também por consubstanciar uma violentação dos preceitos e princípios do 
 art° 64°, n°s 1 e 2, al. b) e 3, al. a), b), d) e e) da Lei Fundamental, ou 
 seja, do direito à saúde, comprimindo-o, melhor denegando-o, de forma igualmente 
 injustificada, privando as populações dos cuidados de saúde e da adequada e 
 eficaz assistência medicamentosa e médica (que sem a primeira, naturalmente, se 
 não pode exercer), ainda por cima em obediência a meros (e nem por isso menos 
 poderosos) interesses corporativos instalados e cuja manutenção de protecção, em 
 pleno Século XXI, apenas por incompreensível e inconstitucionalmente inaceitável 
 inércia medieval se pode compreender. 
 
 8° - A repartição plena dos cuidados de saúde não é, pois, compatível com a 
 impossibilidade da transferência de uma farmácia como a da ora recorrente, sob o 
 argumento do desrespeito da al. d) do nº 1 do art. 18° da Portaria 908/87, de 
 
 13/5, pois que tal repartição plena e os princípios da igualdade e do livre 
 acesso à iniciativa económica - respeitados que sejam, como é óbvio, todos os 
 respectivos requisitos técnicos, impostos por imperativos de saúde pública - são 
 incompatíveis com os requisitos que do preceito em causa, invocado e aplicado 
 como o foi na decisão recorrida, resultam. 
 
 9º - É assim absolutamente óbvio o sentido que, aplicado na decisão recorrida, a 
 recorrente reputa de constitucionalmente desconforme, não sendo de todo viável 
 pretender invocar-se “não caber a este Tribunal Constitucional deitar-se a 
 adivinhar qual sentido seria esse” ou que “a generalidade dos destinatários da 
 norma em causa não compreenderia o sentido de uma eventual decisão que sobre tal 
 matéria o Tribunal Constitucional viesse a proferir”, 
 
 10º - E sendo certo que a recorrente também de todo não prescinde da sede 
 própria para, em cumprimento da lei, deduzir e explanar devida e 
 aprofundadamente as suas razões, ou seja, as suas alegações de recurso para este 
 Tribunal Constitucional.
 
  
 Na sequência do requerimento acabado de transcrever, foi proferida decisão 
 sumária de não conhecimento do recurso, na qual, depois de recordar 'que o 
 recurso em causa se destina a sindicar normas efectivamente aplicadas na decisão 
 recorrida', e que era 'manifesto' que o acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo não aplicara 'qualquer preceito da Portaria n.º 908/87', e ainda 
 que, apesar de a recorrente ter sido oportunamente notificada nos termos do n.º 
 
 5 do artigo 75º-A da LTC a definir a norma objecto do seu recurso 'assim 
 possibilitando à interessada a indicação de uma norma que, aplicada na decisão 
 recorrida como razão de decidir, se contivesse em determinado preceito legal ou 
 regulamentar devidamente identificado, por forma a permitir a análise do 
 Tribunal sobre a respectiva conformidade constitucional', se concluía:
 
  
 Apurando-se, do teor da resposta, que a recorrente insiste em definir como 
 objecto do recurso norma 'do artigo 18°  n.º 1  alínea d) da Portaria 908/87 de 
 
 13/5', e continuando a ser manifesto que o acórdão recorrido não fez aplicação 
 de qualquer norma da Portaria 908/87 de 28 de Novembro (e não de 13 de Maio), é 
 patente que o Tribunal não pode conhecer do presente recurso. 
 Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer 
 do recurso, por falta do mencionado requisito.
 
  
 Contra esta decisão reclama a recorrente, dizendo:
 
  
 A., recorrida particular nos autos à margem indicados, notificada da decisão 
 sumária neles proferida, dela vem apresentar a competente reclamação, o que faz 
 nos termos do n°3 do art° 78°-A da Lei 28/82, de 15/11, e com os fundamentos 
 seguintes: 
 
 1º
 Não desconhece também e desde logo a recorrente que constitui hoje igualmente 
 facto público e notório o da prática inutilidade de reclamações como aquela que 
 ora é apresentada, desde logo dada a simples circunstância estatística de ser 
 absolutamente ínfimo o número de casos em que aquelas — em cuja decisão aliás 
 intervém, por força do já citado n° 3 do art.° 78°-A, em claríssima violação do 
 art° 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem na vertente do direito a um 
 Tribunal independente e imparcial (violado quando o mesmo magistrado profere a 
 decisão “a quo” e participa na instância recursória “ad quem” — vide Acórdão de 
 
 23/5/91 do TEDH no “caso Oberschlick”, in Acórdão TEDH 204, p. 23, § 50-51) o 
 próprio autor da decisão reclamada !? — são julgadas procedentes. Em qualquer 
 caso, 
 
 2°
 Se dirá desde logo que o Exm° Conselheiro Relator proferiu uma autêntica 
 
 “decisão surpresa” porquanto nunca esclareceu com suficiente precisão perante a 
 recorrente qual era a sua concreta dúvida decidenda, 
 
 3º
 Sendo agora evidente que tal dúvida — se de dúvida se tratava ... — se referia 
 afinal ao número da Portaria a que respeita o desde o início interpretado e 
 aplicado pelas diversas instâncias, maxime o STA, art° 18°, n° 1, al. d), 
 
 4.º
 Como sendo também evidente que o requerimento de interposição de recurso para 
 este Tribunal Constitucional padecia de um evidentíssimo e facilmente percebível 
 lapso material de escrita (onde se escreveu Portaria 908/87, de 13/5, queria 
 escrever-se “Portaria 806/87, de 22/9”, na versão vigente à data dos factos, 
 como é óbvio), 
 
 5º
 E sendo ainda certo que — tal como está transcrito no ponto 1.2 do Acórdão do 
 STA — na al. b) da sentença do TAC do Porto se julgara “verificado o vício de 
 violação da Lei n° 18. 1. al. d) da Portaria 908/87, de 22/9, com a redacção 
 dada pela Portaria n° 325/97, de 13/5 e inverificadas as inconstitucionalidades 
 materiais acometidas pela recorrida particular” (sic, com sublinhado nosso). Ou 
 seja, 
 
 6°
 Esse lapso de escrita já ocorrera então na sentença do TAC e tal nunca impediu 
 que a questão decidenda da inconstitucionalidade — relativa à interpretação e 
 aplicação do art° 18°, n° 1, ai. d) da Portaria 806/87, de 22/9 (na redacção 
 dada pela Portaria n° 325/97, de 13/5) — fosse argumentada por recorrente, 
 Entidade Administrativa, recorrida particular e M°P° e decidida pelo próprio 
 STA! Ora, 
 
 7º
 Que o Acórdão recorrido fez aplicação do art° 18°, n° 1, al. d) da Portaria 
 
 806/87, de 22/9, tal resulta inquestionável de todo o Acórdão mas muito em 
 particular e “quanto à questão por ela (recorrida particular - nota nossa) 
 suscitada da inconstitucionalidade material da alínea d) do n° 1 do art° 18° da 
 Portaria 806/87, de 22/9” (sic), do ponto 2.2.4 do mesmo Acórdão recorrido! 
 
 8°
 E que a norma em causa no presente recurso para o Tribunal Constitucional era, e 
 
 é, essa resulta igualmente inquestionável de toda a arguição de 
 inconstitucionalidade que oportunamente dela a ora recorrente fez no TAC do 
 Porto e no recurso para o STA a fls. 281 ss (bem como das alegações do INFARMED 
 a fls. 304 ss, contra alegações da recorrente contenciosa a fls. 317 ss e do 
 parecer do M°P° junto daquele STA a fls. 327) e, por fim, do já indicado teor do 
 próprio Acórdão recorrido, 
 
 9º
 Resultando a expressão do “nº 908/87, de 13/5 para a Portaria” de mero e 
 evidente lapso de escrita no requerimento de interposição do recurso de 
 constitucionalidade para este Tribunal Constitucional e por simpatia com o 
 próprio texto do Acórdão recorrido. 
 
 10º
 Ora se aquilo sobre que o Exm° Sr. Conselheiro Relator dúvidas tinha era sobre 
 se a Portaria de que faz parte integrante o analisado até à exaustão é o art° 
 
 18°, n° 1, al. d) era a n.º 908/87 - como por lapso agora a recorrente escreveu 
 
 - e não a 806/87, então era essa a clarificação que deveria ter, em nome quer da 
 cooperação e da lealdade processuais quer do não predomínio das meras questões 
 formais sobre as questões de conteúdo, solicitado à recorrente, e não o fez! 
 
 11º
 
 É que, em bom rigor, só essa correcção formal - a que o Tribunal podia, e devia, 
 oficiosamente ter procedido - estaria em causa, já que é substancialmente 
 claríssimo, até pela argumentação aduzida, a que preceito a ora reclamante 
 estava, ainda e uma vez mais, a reportar-se. 
 
 12°
 Ou Exm°s Srs. Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional perante tudo quanto 
 resulta dos autos haverá a mínima dúvida razoável que aquilo que no recurso para 
 este Tribunal Constitucional estava - como sempre esteve desde a 1ª instância - 
 em causa era o regime legal da autorização de transferência de farmácias, e 
 muito em particular a norma que preceitua que “sem prejuízo do disposto no 
 presente diploma quanto à instalação e transferência de farmácias será ainda 
 autorizada a transferência por deliberação do Conselho de Administração do 
 Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, sempre que ocorram alterações 
 de índole geográfica, urbanística ou de qualquer outro tipo que tornem inviável 
 a sua exploração”?! 
 
 13°
 Repete-se, Srs. Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, face a tudo o 
 que resulta dos autos será legítimo e razoável pretender-se que não se sabia que 
 era a inconstitucionalidade deste preceito que a ora reclamante pretendeu arguir 
 e pretende ver por este Tribunal declarada ??!!
 
 14°
 E não se diga que, notificada para indicar a norma, a reclamante teria indicado 
 a al. d) do n° 1 do art° 18° da Portaria 908/87, de 13/5, o que, para alguns 
 hiper-formalistas, lhes permitiria concluir triunfantemente “sibi imputet” ! Com 
 efeito, 
 
 15º
 A ora reclamante não foi notificada para, perante as circunstâncias de ter 
 sempre —-e correctamente - arguido a inconstitucionalidade da norma da já citada 
 
 à exaustão al. d) do n° 1 do art° 18° da Portaria “806/87, de 22/9” e de ter 
 agora escrito Portaria “908/87, de 13/5”, vir esclarecer e corrigir formalmente 
 tal lapso, 
 
 16°
 Mas antes para “indicar a norma que pretende impugnar, precisando o sentido que, 
 aplicado na decisão recorrida, é constitucionalmente desconforme” e assim 
 interpretou 
 
 - como era mais do que razoável que interpretasse - que aquilo que o Sr. 
 Conselheiro Relator pretendia era, como vem aliás sendo prática mais do que 
 corrente, que a recorrente indicasse qual a concreta e específica vertente 
 normativa do preceito em que, da forma como fora interpretada e aplicada, a 
 mesma se revela desrespeitadora de algum princípio ou preceito constitucional. 
 
 17°
 E assim - embora entendesse que isso resultava claríssimo de todas as peças 
 processuais em que a questão fora abordada - o que essencialmente a preocupou 
 foi proceder uma vez mais a tal explicitação, 
 
 18°
 Deixando-se lastimavelmente arrastar pelo lapso material de escrita já constante 
 das citadas al. a) e b) do ponto 1.2. do Acórdão recorrido. 
 
 19°
 Acresce que o Exm° Sr. Conselheiro Relator invoca o conhecimento da lei para 
 indicar que a Portaria 908/87 data de 28/11, mas já oblitera esse conhecimento 
 para - sabendo-se como se sabe que o que está aqui em causa ainda e sempre é a 
 al. d) do nº 1 do art° 18°, respeitante à transferência de farmácias - se 
 esqueça de que aquela Portaria 908/87, cuja data soube corrigir, respeita ... ao 
 número de docentes da Universidade de Coimbra e não tem artigos, muito menos o 
 art° 18°! 
 
 20°
 
 É assim absolutamente patente não apenas que o Acórdão recorrido fez aplicação 
 do art° 18°, n° 1, al. d) da Portaria 806/87, de 22/9, como também que foi essa 
 a norma relativamente à qual e desde o início a ora reclamante arguiu a 
 inconstitucionalidade e que o erro da indicação do n° “908/87, de 13/5”, 
 resultante do arrastamento do próprio texto do Acórdão recorrido, é um evidente 
 lapso de escrita, do qual não é de todo legítimo que o Sr. Conselheiro Relator 
 possa aproveitar-se para eximir este Tribunal a conhecer do mérito. 
 
 21°
 Reproduzindo as sábias palavras do Preâmbulo do Dec. Lei n° 329-A/95, de 12/12, 
 todo o processo deve ser perspectivado “como um modelo de simplicidade e de 
 concisão apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a 
 verdade material pela aplicação do direito substantivo e não como um estereótipo 
 autista que a si próprio se contempla e impede que seja prosseguida a Justiça, 
 afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a Juízo” e, mais adiante, 
 
 “o direito de acesso aos Tribunais envolverá identicamente a eliminação de todos 
 os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que opere a 
 justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a 
 decisão de fundo sobre a mera decisão da forma”. 
 
 22°
 
 É afinal aquilo a que se espera que, em sede de decisão da presente reclamação, 
 a Conferência proceda, fazendo Justiça e impedindo que por um subterfúgio formal 
 
 (mero lapso de escrita) se obste à decisão de fundo da causa. 
 
  
 Termos em que, Deve a presente reclamação ser julgada procedente, revogando-se 
 integralmente a decisão sumária reclamada e ordenando-se a prossecução dos autos 
 para a produção de alegações, só assim se fazendo inteira e completa JUSTIÇA! 
 
  
 A recorrida B.  respondeu à reclamação da seguinte forma:
 
  
 
 1 - As partes não podem escolher livremente o momento das suas alegações. Os 
 princípios da boa-fé, da celeridade e da eventualidade fazem com que haja 
 momentos processuais adequados para a prática de certos actos processuais.
 
 2 - Por isso, as considerações trazidas agora pela recorrente sobre um alegado 
 erro de escrita - mesmo que fossem procedentes, o que claramente não é o caso - 
 deviam ter chegado a juízo após a recorrente ter sido advertida da ineptidão do 
 requerimento de recurso e convidada a suprir essa irregularidade.
 
 3 - Mas dizer nesse momento o que veio alegar agora nesta reclamação para a 
 conferência certamente não se enquadrava na maneira, manifestamente dilatória, 
 de a recorrente gerir este litígio. 
 
 4 - Por isso em vez de esclarecer o tribunal sobre a norma que pretendia 
 impugnar resolveu a recorrente apresentar dissertação sobre outros assuntos, 
 olvidando que ao não satisfazer o convite que lhe foi feito lhe ficava 
 precludido o direito de invocar um erro de escrita que a ter existido - o que 
 não se admite - estava farta de conhecer.
 Pelas razões expostas deve a reclamação ser indeferida
 
  
 
  
 Cumpre decidir.
 
  
 Não contesta a reclamante o fundamento da decisão reclamada; o que diz é que a 
 identificação, a que procedeu no requerimento de interposição do recurso, da 
 norma impugnada se deveu a 'mero e evidente lapso de escrita' que o Tribunal 
 Constitucional deveria ter 'oficiosamente' corrigido. 
 Não tem razão.
 Com efeito, as partes gozam de total liberdade na configuração das peças que 
 apresentam em juízo e na  estratégia que adoptam na lide; não é, aliás, 
 concebível outro sistema que não este, uma vez que também é imputada aos 
 interessados, designadamente aos recorrentes, a responsabilidade pelas 
 consequências processuais das peças que apresentam em juízo, suportando os 
 encargos resultantes da decisão da causa.
 Não cumpre, portanto, ao Tribunal Constitucional proceder à correcção 'oficiosa' 
 dos actos processuais praticados pelas partes, conforme tão surpreendentemente 
 se apresenta a defender a reclamante, pois, dentro dos limites que a lei 
 estabelece, apenas lhe compete convidar os interessados a especificar os 
 elementos que, sendo essenciais para o julgamento do recurso, se mostram 
 deficientemente expressos, como era o caso. 
 Foi exactamente isto que o Tribunal fez, ao sublinhar, no convite que dirigiu à 
 recorrente, a necessidade de melhor identificação da norma que ela pretenderia 
 ver apreciada. 
 Quis a recorrente, apesar do reparo, insistir numa identificação da norma que 
 agora apelida de 'evidente lapso' que o Tribunal Constitucional deveria ter 
 
 'oficiosamente' corrigido. Ora, se a reclamante pode aceitar ou rejeitar as 
 sugestões que o Tribunal lhe dirige, já não lhe é, contudo, admissível, perante 
 as consequências da actividade processual que livremente desencadeia, 
 designadamente a agora inevitável rejeição do seu recurso, que queira transferir 
 para o Tribunal a responsabilidade pelos seus próprios 'lapsos', em nome de um 
 princípio de 'cooperação e lealdade processuais' cuja oportuna observância, pela 
 própria, teria naturalmente evitado tal desfecho. 
 
  
 Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, mantendo a decisão de não 
 conhecimento do recurso.
 
  
 
  
 
  
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 Lisboa, 21 de Julho de 2006
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos