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Processo n.º 304/08
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
  
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
  
 
  
 No presente processo o Magistrado do Ministério Público promoveu (fls. 57) que 
 se procedesse à destruição das sessões de gravação de conversações telefónicas 
 nºs 1 a 149 do alvo 1P878IE, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 6 do 
 artigo 188° do Código de Processo Penal, por ter passado a operar no respectivo 
 IMEI um cartão SIM a que corresponde um número de telemóvel utilizado pela 
 companheira de um dos suspeitos, não se enquadrando aquela em nenhuma das 
 alíneas do n. ° 4 do artigo 187° do mesmo Código.
 
  
 O Juiz de Instrução Criminal indeferiu o promovido (fls. 63) com a seguinte 
 fundamentação:
 
  
 
 “[…] 
 ainda que se entenda que não se mantêm os pressupostos de validade da escuta, é 
 nosso entendimento, não obstante o teor do n.° 6 do art. 188°, não dever ser 
 ordenada a destruição imediata dos suportes técnicos relativos a conversações 
 manifestamente estranhas ao objecto do processo, sem que o arguido deles tenha 
 conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância. 
 A defesa tem o direito constitucional de, findo o período de segredo interno, 
 conhecer a totalidade das escutas telefónicas realizadas no processo, só assim 
 assistindo ao arguido a possibilidade de contrariar a interpretação que o 
 Ministério Público e o juiz fizeram das conversações gravadas, só assim o 
 arguido podendo verdadeiramente contraditar a prova da acusação. 
 A destruição imediata de elementos de prova obtidos mediante intercepção de 
 telecomunicações, que o órgão de polícia criminal e o Ministério Público 
 conheceram e que são considerados irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o 
 arguido deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua 
 relevância, viola as garantias de defesa previstas no art. 32.°, n° 1, da 
 Constituição da República Portuguesa — a este propósito, cfr. Ac. TC n.° 
 
 660/2006, e. já antes, Ac. n.° 426/2005 e Ac. n° 4/2006.”
 
  
 Deste despacho recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a 
 fim de se proceder à apreciação da inconstitucionalidade do n.º 6 do artigo 
 
 188.º do Código de Processo Penal (cfr. fls. 2 a 5).
 
  
 Tendo sido admitido o recurso (fls. 7), o recorrente apresentou alegações com o 
 seguinte teor:
 
  
 
 “[…]
 
 1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.
 
 1.1. Foi interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, nos termos do 
 artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, face à não 
 aplicação por parte da decisão recorrida da norma do artigo 188º, nº 6 do Código 
 de Processo Penal, no segmento em que estabelece que o juiz determina a 
 destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos 
 ao processo, por as respectivas conversas não se reportarem a pessoas a que 
 alude o nº 4 do artigo anterior.
 
 1.2. Entendeu a decisão recorrida que a destruição imediata dos suportes 
 técnicos, conforme tinha sido requerido pelo Ministério Público, com apoio legal 
 na norma recusada, violava as garantias de defesa previstas no artigo 32º, nº 1 
 da Constituição.
 Referiu expressamente que “A defesa tem o direito constitucional de, findo o 
 período de segredo interno, conhecer a totalidade das escutas telefónicas 
 realizadas no processo, só assim assistindo ao arguido a possibilidade de 
 contrariar a interpretação que o Ministério Público e o juiz fizeram das 
 conversações gravadas, só assim o arguido podendo verdadeiramente contrariar a 
 prova da acusação”.
 Ora, não está em causa, no caso em apreço, nenhuma interpretação de qualquer 
 autoridade judiciária relativa à relevância para a prova do conteúdo das 
 conversações, mas sim o facto das conversações gravadas dizerem respeito a 
 pessoas que não podem legalmente ser objecto de escuta.
 A questão é prévia e situa-se a montante da que foi tida como fundamento da 
 recusa de aplicação da norma do nº 6 do artigo 188º do Código de Processo Penal.
 Por outro lado, a jurisprudência do Tribunal Constitucional citada, 
 designadamente o Acórdão nº 600/2006, tem que ser tida por desactualizada, face 
 
 à recente posição do Plenário do Tribunal Constitucional sobre a matéria, 
 consubstanciada no Acórdão nº 70/2008, de 31 de Janeiro, que decidiu “não julgar 
 inconstitucional a norma do artigo 188º, nº 3 do Código de Processo Penal, na 
 redacção anterior à Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no 
 sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através das 
 escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido 
 dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a 
 sua defesa”.
 A recusa de aplicação da norma em apreço não encontra fundamento no artigo 32º, 
 nº 1 da Constituição ou em qualquer outra das suas normas ou princípios delas 
 extraído.
 Face, até, ao que dispõe o nº 4 do artigo 34º da Lei Fundamental, segundo o qual 
 a ingerência nas telecomunicações e demais meios de comunicação só é 
 excepcionalmente tolerada em matéria de processo criminal e nos estritos casos 
 previstos na Lei, não é a destruição dos suportes técnicos que pode ser objecto 
 de censura constitucional, mas sim, eventualmente, uma interpretação normativa 
 que sustente o contrário, sempre que sejam escutadas pessoas que legalmente o 
 não possam ser.
 
 2. Conclusão
 Nesta conformidade e face ao exposto, conclui-se:
 
 1. Não é inconstitucional a norma do artigo 188º, nº 6, do Código de Processo 
 Penal, enquanto estabelece que o juiz determina a destruição imediata dos 
 suportes técnicos e relatório manifestamente estranhos ao processo, que disserem 
 respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas no nº 4 do 
 artigo anterior.
 
 2. Termos em que não deverá ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado na decisão recorrida.”
 
  
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
  
 A decisão recorrida afastou a aplicação do disposto no n.º 6 do art. 188.º do 
 Código de Processo Penal, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por 
 entender que esta norma ao permitir que o juiz determine a destruição imediata 
 dos suportes técnicos relativos a conversações manifestamente estranhas ao 
 objecto do processo, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se 
 possa pronunciar sobre a sua relevância, viola as garantias de defesa previstas 
 no artigo 32.°, n.º1, da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 O n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, na redacção resultante da 
 Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o qual dispõe sobre as formalidades das 
 operações de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas, 
 estabelece o seguinte:
 
  
 
  
 
 “[…]
 
 6 – Sem prejuízo do disposto no n.º 7 do artigo anterior, o juiz determina a 
 destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos 
 ao processo:
 a) Que disserem respeito a conversações em que não intervenham pessoas referidas 
 no n.º 4 do artigo anterior;
 b) Que abranjam matérias cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou 
 de Estado; ou
 c) Cuja divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias;
 
 […]”
 
  
 Por sua vez, o n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código determina que a intercepção 
 e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, previstas nos números 
 anteriores do mesmo artigo, só podem ser autorizadas, independentemente da 
 titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
 
  
 
 “[…] 
 a) Suspeito ou arguido;
 b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões 
 para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de 
 suspeito ou arguido; ou
 c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
 
 […]”
 
  
 Apesar da decisão recorrida recusar a aplicação do n.º 6 do artigo 188.º do 
 Código de Processo Penal por permitir que o juiz determine a destruição imediata 
 dos suportes técnicos relativos a conversações manifestamente estranhas ao 
 objecto do processo, sem que o arguido deles tenha conhecimento e sem que se 
 possa pronunciar sobre a sua relevância, no caso em apreço estava especialmente 
 em causa a destruição dos suportes técnicos manifestamente estranhos ao 
 processo, por dizerem respeito a conversações em que não têm intervenção as 
 pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal (o 
 suspeito ou arguido, a pessoa que sirva de intermediário e a vítima do crime).
 
  
 Assim, atenta a natureza instrumental do recurso constitucional, apenas se deve 
 fiscalizar, como bem refere o recorrente nas suas alegações, a 
 constitucionalidade da norma do artigo 188º, nº 6, do Código de Processo Penal, 
 no segmento em que estabelece que o juiz determina a destruição imediata dos 
 suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, por as 
 respectivas conversas não se reportarem a pessoas a que alude o nº 4 do artigo 
 anterior, ou seja da alínea a) do n.º 6 do artigo 188.º do Código de Processo 
 Penal.
 
  
 A questão que se coloca é, pois, a de saber se é inconstitucional, por violação 
 das garantias de defesa do arguido, asseguradas pelo artigo 32.º, n.º 1, da 
 Constituição, a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a), do Código de Processo 
 Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando 
 interpretada no sentido de que o juiz de instrução determina a destruição 
 imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao 
 processo, que digam respeito a conversações em que não intervenham pessoas 
 referidas no n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código, sem que antes o arguido 
 deles tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre a sua relevância.
 
  
 O Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 660/06, de 28 de Novembro - em 
 que o juiz recorrido agora se baseou -, cujo entendimento foi depois confirmado 
 pelos acórdãos n.ºs 450/07 e 451/07, de 18 de Setembro (todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), pronunciou-se no sentido da 
 inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, da 
 norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (na redacção 
 resultante da Lei n.º 59/98, de 5 de Agosto, e do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 
 
 125 de Dezembro) na interpretação segundo a qual permite a destruição de 
 elementos de prova obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o órgão 
 de polícia criminal e o Ministério Público conheceram e que são considerados 
 irrelevantes pelo juiz de instrução, sem que o arguido deles tenha conhecimento 
 e sem que se possa pronunciar sobre a sua relevância.
 
  
 A norma que estava em apreciação, nesses arestos, era, pois, a do artigo 188º, 
 n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, sendo essa disposição do seguinte teor:
 
  
 
 […]
 
 3 – Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes 
 para a prova, ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo; caso 
 contrário, ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações 
 ligados ao dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado 
 conhecimento.
 
 […]
 
  
 Interessa, por outro lado, ter em linha de conta que em todos os casos 
 analisados nessa jurisprudência, estavam em causa intercepções de comunicações 
 telefónicas do arguido, cujo registo o juiz de instrução, por aplicação do 
 referido dispositivo legal, então vigente, havia mandado destruir por considerar 
 não ter relevância para a prova.
 
  
 Para concluir no sentido da inconstitucionalidade da mencionada disposição, o 
 acórdão n.º 660/06 ponderou que a destruição, apenas por decisão do juiz de 
 instrução, sem conhecimento pelo arguido, dos elementos de prova obtidos por 
 intermédio da intercepção de telecomunicações, constitui, só por si, uma 
 compressão inaceitável e desnecessária das garantias de defesa e que é 
 particularmente notória na comparação da sua posição com a da acusação. Isso 
 porque o arguido, que sofreu uma intervenção restritiva nos seus direitos 
 fundamentais ao ser objecto de escutas telefónicas, acaba por ver eliminados os 
 registos dessas comunicações, sem poder tomar conhecimento do seu conteúdo e 
 sobre eles se pronunciar, enquanto que a acusação (rectius, o órgão de polícia 
 criminal e o Ministério Público) tem acesso ao conteúdo integral e completo das 
 comunicações e pode (deve mesmo) seleccionar e indicar as partes que considera 
 relevantes (artigo 188.º, n.º 1, parte final), tendo uma intervenção substancial 
 anterior à apreciação do juiz e podendo influenciar a sua decisão sobre a 
 relevância dos elementos coligidos.
 
  
 O acórdão entende, por outro lado, que não é possível contrapor, como 
 justificação para a destruição dos registos tidos como irrelevantes, a ideia de 
 que essa operação visa a própria protecção de direitos fundamentais de terceiros 
 ou do próprio arguido, por se tratar de dados que, resultando da intercepção de 
 comunicações, representam em si uma devassa da intimidade da vida privada. Neste 
 plano de consideração, o tribunal chama a atenção para a circunstância de a 
 destruição dos registos, com fundamento no disposto no artigo 188º, n.º 3, do 
 Código de Processo Penal, ter por base exclusivamente a apreciação da relevância 
 das conversações para efeito de prova, por parte do juiz, e não a ilegalidade 
 das escutas ou a protecção dos direitos de terceiros ou do arguido. E, assim, a 
 invocação da protecção de terceiros contra intromissão na vida privada só 
 poderia colocar-se no plano abstracto, da presunção de que todas e quaisquer 
 escutas podem pôr em causa esses direitos de terceiros. 
 
  
 A estas razões acrescenta o acórdão n.º 450/07 (e, na sua esteira, o acórdão n.º 
 
 451/07) outras que se julga apontarem também no sentido da inconstitucionalidade 
 da solução legislativa contida no citado artigo 188º, n.º 3. Por um lado, a 
 consideração de que o exercício do direito de o arguido examinar o auto de 
 transcrição para se inteirar da conformidade  entre o que havia sido transcrito 
 e o que havia sido gravado as transcrições  [a que se refere o nº 5 desse 
 artigo] tem como pressuposto necessário que o arguido possa ter acesso à 
 integralidade das gravações que foram efectuadas. Por outro lado, a ideia de que 
 o direito à palavra, como refracção do direito à reserva de intimidade da vida 
 privada, pressupõe a existência de uma liberdade de comunicação espontânea, que 
 pode gerar inferências de sentido que reduzem a compreensibilidade do que foi 
 dito, quando interceptadas por decisão unilateral e externa de terceiros.
 
  
 Posteriormente, o Tribunal Constitucional, em Plenário,  através do Acórdão n.º 
 
 70/2008, de 31 de Janeiro (disponível no mesmo endereço electrónico), inflectiu 
 esta orientação, decidindo «não julgar inconstitucional a norma do artigo 188º, 
 n.° 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 
 
 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode 
 destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado 
 não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa 
 pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa».
 
  
 Com especial relevância para a presente decisão, pode ler-se na fundamentação 
 deste acórdão: 
 
  
 
 “[…]
 
 … é de considerar que não existe uma qualquer violação do princípio do 
 contraditório, no âmbito do processo de inquérito, pelo facto de o juiz de 
 instrução, no exercício do poder processual que lhe confere a citada norma do 
 artigo 188º, n.º 3, do CPP, vir a ordenar a eliminação dos conteúdos das 
 comunicações interceptadas ou de uma parte deles sem prévia audição do arguido.
 Face à própria natureza essencialmente investigatória do processo de inquérito – 
 como há pouco se deixou explanado -, o arguido não tem de se pronunciar sobre a 
 relevância dos registos das escutas telefónicas, como não tem de tomar posição 
 sobre o modo e o lugar da intercepção ou o circunstancialismo temporal em que 
 ela deve ocorrer, aspectos que naturalmente relevam de critérios de oportunidade 
 que só ao Ministério Público, sob pena de frustrarem os objectivos da 
 investigação, cabe definir. E o arguido não tem de se pronunciar sobre essa 
 matéria como não tem de o fazer relativamente a qualquer outro resultado 
 probatório que tenha sido obtido através de um outro meio de prova. As escutas 
 telefónicas, nesse plano, distinguem-se de qualquer outro método de recolha de 
 elementos de indiciação da prática de crime apenas pelo seu carácter restritivo, 
 quer no que concerne ao âmbito de admissibilidade, quer ao respectivo formalismo 
 procedimental, e que é justificado pela apontada circunstância de representar 
 objectivamente uma forma de violação da intimidade da vida privada.
 
 […]
 Em especial, a destruição de elementos recolhidos por irrelevância probatória 
 não colide com o princípio do contraditório, que, tal como está 
 constitucionalmente consagrado, apenas se torna aplicável nas fases subsequentes 
 do processo penal, com excepção apenas de actos instrutórios que, praticados no 
 
 âmbito do inquérito, possam pôr em causa directamente direitos do arguido, e 
 cuja amplitude se circunscreve, como ficou dito, aos actos relativos à aplicação 
 de medidas de coacção e às inquirições que devam ser feitas no inquérito para 
 serem tomadas em conta no julgamento.
 
 […]
 Resta agora acrescentar que a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, na sequência da 
 Proposta de Lei n.º 140/X, apresentada já na actual legislatura, pretendendo 
 alterar substancialmente o regime do artigo 188º do CPP, preconiza a preservação 
 dos suportes técnicos que tenham resultado da intercepção de comunicações, 
 permitindo, a partir do encerramento do inquérito, que o assistente e o arguido 
 possam examinar os registos para requerer a abertura da instrução ou apresentar 
 a contestação, e o tribunal possa proceder à audição das gravações para 
 determinar a correcção das transcrições já efectuadas ou a junção aos autos de 
 novas transcrições, sempre que o entender necessário à descoberta da verdade e à 
 boa decisão da causa (n.ºs 8 e 10). Cominando, por sua vez, a destruição 
 imediata dos registos ou relatórios apenas nos casos em que, sendo  
 manifestamente estranhos ao processo, disserem respeito a conversações em que 
 não intervenham pessoas directamente interessadas (o suspeito ou arguido, a 
 pessoa que sirva de intermediário  e a vítima do crime), que abranjam matérias 
 cobertas pelo segredo profissional, de funcionário ou de Estado ou cuja 
 divulgação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias (n.º 6).
 Há, portanto, novos elementos que apontam no sentido de uma tendencial 
 manutenção, para efeitos processuais, dos registos efectuados através de 
 intercepção e gravação de comunicações.  
 Importa em todo o caso notar que a verificação da conveniência de preservar os 
 registos das conversações telefónicas que digam directamente respeito ao 
 intervenientes, para efeito de assegurar o direito de exame  e de contradição 
 por parte do arguido ou outros interessados e permitir o controlo das 
 transcrições que tiverem sido efectuadas para uma boa decisão da causa, 
 constitui uma medida de política legislativa que não implica necessariamente o 
 reconhecimento da existência de um direito ao contraditório no âmbito do 
 processo de inquérito.
 Na verdade, uma coisa é considerar que há vantagem, em termos processuais, na 
 conservação dos registos (desde que salvaguardado o carácter sigiloso dos 
 conteúdos); outra coisa é dizer que a destruição desses registos, na fase do 
 inquérito, sem prévia audição do arguido, afronta a garantia do princípio do 
 contraditório.
 Nem a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nem o direito 
 comparado, nem a recente alteração legislativa relativa ao actual artigo 188º do 
 CPP, apontam no sentido de assegurar ao arguido o direito de contraditório 
 relativamente às diligências de investigação realizadas no âmbito do inquérito e 
 que envolvam a intercepção e gravação de comunicações telefónicas. O que se 
 reconhece é o interesse em manter intactas e completas as gravações para efeito 
 de ulterior controlo quer pelo tribunal quer pela defesa.
 
 […]
 Já vimos que as garantias de defesa, reconhecidas no texto constitucional, não 
 vão além, na parte que agora mais interessa considerar, da previsão de um 
 processo criminal com estrutura acusatória em que apenas a audiência de 
 julgamento e certos  actos instrutórios especialmente previstos na lei é que 
 estão subordinados ao princípio do contraditório.
 O princípio acusatório e o reconhecimento do direito de contraditoriedade tem, 
 pois – como já foi amplamente exposto -, um sentido inteiramente diverso, que é 
 o de assegurar ao arguido a possibilidade de, nas fases ulteriores do processo, 
 contrabater as razões e as provas que tenham sido contra ele coligidas e tomar 
 também iniciativas instrutórias e de realização de prova que considerar 
 pertinentes.
 No entanto, como é bem de ver, esse direito de contraditório existe em relação 
 
 às provas em que se funda a acusação, as mesmas  que serão ponderadas pelo juiz 
 de instrução, para efeito de emitir o despacho de pronúncia, e levadas a 
 julgamento, para efeito a condenação do réu.   
 
 É só em relação a essas provas – e não a quaisquer outras que os investigadores 
 tenham considerado irrelevantes ou tenham abandonado  por considerarem (bem ou 
 mal) imprestáveis para os fins de indiciação da prática de ilícito -, que o 
 arguido poderá responder, alegando as razões que fragilizam os resultados 
 probatórios ou indicando outras provas que possam pôr em dúvida ou infirmar 
 esses resultados.
 
 É o exercício desse direito, nas fases processuais subsequentes à investigação, 
 que permite justamente equilibrar a posição jurídica da defesa em relação à 
 acusação e dar cumprimento ao princípio da igualdade das armas. E é esse – e 
 apenas esse – o sentido do princípio do acusatório que decorre do disposto no 
 artigo 32º, n.º 5, da Constituição.
 
 É essa também a essência do processo equitativo ou do due process of law, que 
 justamente envolve como um dos seus aspectos fundamentais (para além da 
 independência e imparcialidade do juiz e a lealdade do procedimento) a 
 consideração do arguido como sujeito processual a quem devem ser asseguradas as 
 possibilidades de contrariar a acusação.   
 Todavia, o arguido não tem o direito nem interesse processual a contraditar as 
 provas produzidas no inquérito que foram consideradas irrelevantes (e que não 
 servem de fundamento à acusação), como não tem direito nem interesse processual 
 em conhecer todos os expedientes ou diligências de que os órgãos de polícia 
 criminal se serviram, segundo as estratégias de investigação que consideraram em 
 cada momento adequadas ao caso e que podem, entretanto, ter sido abandonadas.
 
 […]
 Como se impõe concluir, ainda que possa considerar-se aconselhável de jure 
 condendo assegurar a integralidade das conversações telefónicas interceptadas, 
 por razões de política legislativa que considerem prevalecentes as vantagens daí 
 advenientes para a justiça do caso concreto (como veio a entender-se com a 
 publicação da Lei n.º 48/2007), tais considerações não justificam um juízo de 
 inconstitucionalidade relativo à norma do artigo 188º, n.º 3, do CPP (na versão 
 anterior a essa Lei), que, por tudo o que foi dito, não representa uma violação 
 das garantias de defesa do arguido.
 Ou seja, tendo em conta o sentido jurídico-constitucional do princípio 
 acusatório e a possibilidade de colisão entre o interesse processual em manter 
 intactas as provas coligidas através de intercepção e gravação de comunicações e 
 o correspondente risco de devassa da reserva de intimidade da vida privada, cabe 
 na liberdade de conformação legislativa adoptar um critério mais ou menos 
 restritivo no que se refere ao momento em que, no decurso do processo penal, 
 deverá efectuar-se a destruição dos elementos de prova considerados  
 irrelevantes.
 
 […]”
 
  
 Retomando o caso dos autos, a primeira observação que cabe efectuar é que a 
 anterior orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional, a que o despacho 
 recorrido se arrimou, não é sequer transponível para a presente situação, 
 porquanto o que está agora em causa não é uma interpretação normativa do artigo 
 
 188º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 
 
 48/2007, de 29 de Agosto, nem tão pouco a possibilidade de destruição de escutas 
 telefónicas efectuadas ao arguido, mas antes a disposição do artigo 188º, nº 6, 
 alínea a), desse diploma, na sua actual redacção, no ponto em que permite a 
 destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos 
 ao processo, que disserem respeito a conversações em que não tenham intervindo 
 qualquer das pessoas a que alude o nº 4 do artigo anterior, e, portanto, em que 
 não tenham intervindo o suspeito ou arguido, pessoa que sirva de intermediário, 
 ou a vítima do crime.
 
  
 E, por isso mesmo, as considerações em que se fundou aquela jurisprudência não 
 relevam para justificar um juízo de inconstitucionalidade relativamente a uma 
 outra norma inteiramente distinta e cuja aplicação ao caso concreto não pode pôr 
 em causa o princípio do contraditório por se reportar a elementos instrutórios 
 que não respeitam à situação do arguido nem interessam para a análise do 
 processo.
 
  
 Mas mesmo que assim não fosse, em aplicação da mais recente orientação do 
 Tribunal Constitucional nesta matéria (firmada no citado Acórdão n.º 70/2008), 
 não é de entender como inconstitucional a norma do artigo 188º, n° 3, do Código 
 de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 
 quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o 
 material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não 
 relevante, sem o prévio conhecimento do arguido ou sem que este possa sobre ele 
 pronunciar-se.
 
  
 E este princípio é aplicável por maioria de razão, quando as comunicações 
 telefónicas interceptadas não dizem sequer respeito ao arguido ou qualquer 
 intermediário ou interveniente processual, mas a pessoas inteiramente estranhas 
 ao processo e cujas conversações (embora tenham sido objecto de gravação) não 
 têm qualquer relevância  para a investigação.
 
  
 A aplicação da doutrina do acórdão n.º 70/2008 conduz-nos necessariamente à 
 conclusão de que a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo 
 Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não viola as 
 garantias de defesa do arguido.
 
  
 Acresce que, a  destruição de suportes técnicos e relatórios manifestamente 
 estranhos ao processo, ao abrigo do disposto no artigo 188º, n.º 6, alínea a) do 
 Código de Processo Penal, tem por base a protecção do direito ao sigilo das 
 telecomunicações (n.º 4 do artigo 34.º da Constituição) e da reserva de 
 intimidade da vida privada (n.º 1 do artigo 26.º da Constituição) de terceiros, 
 em relação aos quais a lei de processo criminal não autoriza a intercepção e a 
 gravação de conversações. 
 
  
 Assim, defender a destruição destes suportes técnicos e relatórios apenas depois 
 do arguido deles ter conhecimento e de poder  pronunciar-se sobre a sua 
 relevância, comportaria uma desnecessária e inaceitável compressão daqueles 
 direitos constitucionalmente consagrados. 
 
  
 
  
 III. Decisão
 
 
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: 
 
  
 a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do 
 Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de 
 Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução determina a 
 destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos 
 ao processo, que digam respeito a conversações em que não intervenham pessoas 
 referidas no n.º 4 do artigo 187.º do mesmo Código, sem que antes o arguido 
 deles tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre a sua relevância;
 b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação 
 da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de não 
 inconstitucionalidade.
 
  
 Sem custas.
 
 
 Lisboa, 29 de Maio de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão