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Processo n.º 162/06
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
  
 
                   Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
                  1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do despacho de 19 de 
 Dezembro de 2005, proferido no Proc. 333/03.4 TALRS do Tribunal Judicial da 
 Comarca de Loures (2.º Juízo Criminal), que julgou improcedente a impugnação da 
 decisão do Instituto de Segurança Social (da autoria do Chefe de Sector do 
 Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, por delegação), que lhe 
 indeferiu o pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do 
 pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e 
 pagamento de honorários do patrono, com vista a constituição como assistente em 
 processo penal e interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
                  Por despacho do relator, o objecto do recurso ficou reduzido à 
 questão identificada no n.º III do respectivo requerimento de interposição, a 
 saber:
 
  
 
 “III)
 Para apreciação da inconstitucionalidade da norma contida no Artigo 17.º, n.º 2, 
 igualmente da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação que só em 
 situações excepcionais poderá existir novo pedido de apoio judiciário, 
 nomeadamente face à superveniência da insuficiência económica ou, no decurso do 
 processo, a ocorrência de um encargo excepcional”.
 
  
 
                  2. A recorrente alegou e conclui nos seguintes termos:
 
  
 
 “1.- Não assiste razão ao Tribunal a quo, salvo o devido respeito ao fixar 
 efeito devolutivo ao presente recurso em face das conclusões conjugadamente 
 extraídas dos art.° 78°, n°s 1 ou 3 da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e art.° 
 
 25.°, n°s 3 e 4, da Lei n.° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, uma vez que daqui 
 resulta a fixação de efeito suspensivo a este recurso; 
 
 2.- Como não assiste lhe razão ao interpretar, à luz dos preceitos 
 constitucionais contidos no n.° 1 do art.° 20.° da Constituição da República 
 Portuguesa, a norma do n.° 2 do art.° 17.° da Lei n.° 30- E/2000, de 29 de 
 Dezembro; 
 
 3.- De facto, aquela norma prevê, de forma clara, que o requerimento de 
 concessão de apoio judiciário seja efectuado “em qualquer estado da causa” sem 
 qualquer restrição; 
 
 4.- Esta oportunidade temporal não tem ali qualquer paralelo com a condição que 
 a Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, veio a estabelecer nesse particular 
 colocando-a “antes da primeira intervenção processual”, com as excepções 
 relativas a superveniente insuficiência económica e/ou encargo excepcional 
 decorrente do processo, invocadas na decisão recorrida; 
 
 5.- Ainda assim é de ver que o necessário recurso para o Tribunal Constitucional 
 
 é um encargo excepcional resultante da especial qualificação do advogado exigido 
 pelo art.° 83.°, n.°s 1 e 2, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro; 
 
 6.- Como o é também a substancial diferença do valor das custas resultantes da 
 eventual aplicação nos n.°s 2 a 4 do art.° 84.° da sobredita referida Lei, bem 
 mais gravosa que as custas nos tribunais judiciais, como resulta da simples 
 aritmética no confronto entre a tabela anexa ao Código das Custas Judiciais e os 
 art.°s 6.° a 8.° do Decreto-Lei n.° 303/98, de 7 de Outubro; 
 
 7.- Sem que se possa desatender, segundo as mais básicas e elementares regras da 
 experiência comum, o gravame resultante de uma persistente situação de 
 desemprego de longa duração vem constituir para o agregado familiar da 
 Recorrente, piorando cada mês que passa até à já previsível miséria; 
 
 8.- Tendo que se verificar, assim, que, mesmo que tais regras se aplicassem, sem 
 conceder, sempre a Recorrente estaria em cumprimento de tais parâmetros que, 
 repete-se, não fazem parte do texto legislativo errada e confusamente 
 interpretado; 
 
 9.- E sem que a letra e o espírito dessa norma deixe que o disposto no art.° 9° 
 n.° 2 do Código de Procedimento Administrativo, se lhe prevaleça; 
 
 10.- A interpretação assim dada pelo Tribunal a quo à norma aqui arguida de 
 inconstitucionalidade, o n.° 2 do art° 17.° da Lei n.° 30-E/2000, viola frontal 
 e capitalmente, o imperativo emergente do n.° 1 do artigo 20.° da Constituição 
 da República Portuguesa, cerceando à Recorrente o acesso ao direito e aos 
 tribunais, mormente para efeitos de recurso, sendo assim também posterga grave 
 do preceito fundamental do art.° 32.°, n.° 1 e 7. 
 
  
 
  
 
                  O Ministério Público contra-alegou no sentido de que são 
 questões diferentes aquela que se traduz em saber se funciona ou não um 
 princípio de preclusão, obrigando-se a parte a fazer valer certa pretensão até 
 um determinado momento processual, e a que consiste em definir se é possível ao 
 longo do processo uma sucessiva e indefinida reiteração ou renovação do mesmo 
 pedido, de modo a contornar a inicial rejeição da pretensão deduzida, tendo 
 concluído, nos termos seguintes:
 
  
 
 “1 – Não constitui critério normativo, violador de qualquer norma ou princípio 
 constitucional, o que se traduz em aplicar, no domínio do apoio judiciário, o 
 princípio da preclusão associado às figuras do “caso julgado” e do “caso 
 administrativo decidido”, apenas admitindo a renovação do pedido de apoio 
 judiciário, inicialmente rejeitado, quando a parte que renova o pedido demonstra 
 a ocorrência de circunstâncias supervenientes, com relevo decisivo e inovatório 
 na sua situação económica ou nos encargos que sobre ela recaem. 
 
 2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
 
  
 
  
 
                  3. A decisão recorrida tem a seguinte fundamentação:
 
  
 
 “ […]
 
 É a seguinte a factualidade a ter em conta no presente recurso:
 
 É a seguinte a factualidade a ter em conta no presente recurso:
 
 - Em 7 de Março de 2003 A. apresentou junto do Instituto de Segurança Social 
 requerimento de concessão de Apoio Judiciário (fls. 31 a 32)
 
 - O pedido foi indeferido por decisão de 14/04/2003 (fls. 75 a 77)
 
 - A Requerente impugnou a decisão, que o Tribunal manteve (fls. 100 a 102).
 
 - A Requerente pediu a aclaração da decisão judicial (fls. 124, 161 e 162).
 
 - A Requerente veio manifestar a sua intenção de recorrer para o Tribunal 
 Constitucional, e juntou cópia do requerimento de concessão de Apoio Judiciário 
 apresentado junto do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com o 
 objectivo de recurso para o Tribunal Constitucional e constituição como 
 Assistente em processo penal (fls. 128 a 130).
 
 - O requerimento deu entrada em 5 de Março de 2004 e não se mostra assinado;
 
 - O pedido foi indeferido por decisão de 22-4-2004 (fls. 242 a 245).
 
 - A Requerente impugnou tal decisão em 26 de Abril de 2004 (fls. 228 a 232).
 
 [ …]
 Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 17.º da Lei n.º 30-E/2000 de 20/12, 
 aplicável ao caso em apreço, o apoio judiciário pode ser requerido em qualquer 
 estado da causa, mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão 
 sobre o mérito da causa, é extensivo a todos os processos que sigam por apenso 
 
 àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, 
 quando concedido em qualquer apenso.
 Desde logo temos que a ora impugnante solicitou já a concessão de Apoio 
 Judiciário, o que foi indeferido.
 Precludida essa faculdade, entendemos que apenas em situações excepcionais 
 poderá existir novo pedido de apoio judiciário, nomeadamente face à 
 superveniência da insuficiência económica ou, no decurso do processo, a 
 ocorrência de um encargo excepcional. Tal posição impõe-se desde logo para 
 evitar que por mais de uma vez um interveniente possa requerer Apoio Judiciário 
 no mesmo processo apesar de o mesmo já lhe ter sido recusado, sem que os 
 fundamentos subjacentes se tenha alterado.
 Tal entendimento foi, aliás, consagrado na actual lei que rege o Apoio 
 Judiciário.
 
 “Para que estas duas situações de excepção funcionem é necessário que o 
 requerente de apoio judiciário alegue e apresente um mínimo de prova sobre a 
 referida superveniência da insuficiência económica ou do encargo excepcional 
 ocorrido no decurso da acção, como será o caso, por exemplo, da necessidade de 
 uma perícia assaz dispendiosa ou de uma transcrição da prova gravada determinada 
 pelo relator de algum tribunal da Relação”.
 Compulsados os autos, temos que no segundo pedido de apoio judiciário formulado, 
 a Requerente não invoca qualquer facto novo relativo à sua situação económica 
 que permita um juízo diverso do que motivou o indeferimento do seu pedido.
 
 “Se para o mesmo processo for formulado um segundo pedido de apoio judiciário na 
 mesma modalidade com base nos mesmos factos relativos à insuficiência económica 
 do requerente apresentados primeiramente, objecto de indeferimento, deve ser 
 liminarmente indeferido em razão do caso julgado ou decidido”.
 
  
 
  
 
                  4. O pedido de apoio judiciário de que emerge o presente 
 recurso foi formulado e obteve decisão administrativa de indeferimento ainda no 
 domínio de vigência do regime de acesso ao direito e aos tribunais estabelecido 
 pela Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que veio a ser substituído pelo 
 constante da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, actualmente vigente. A norma cuja 
 inconstitucionalidade se quer ver apreciada é a do n.º 2 do artigo 17.º daquele 
 primeiro diploma, na interpretação com que foi aplicada pela decisão judicial 
 recorrida para julgar improcedente o recurso da decisão administrativa de 
 indeferimento, norma essa que é do seguinte teor:
 
  
 
 “Artigo 17.º
 
 1 -  [….]
 
 2 – O apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa, mantém-se 
 para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre o mérito da causa, é 
 extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão 
 se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer 
 apenso. 
 
                                       3 - [….].”
 
  
 
                  Nesse regime, – diversamente do que actualmente sucede (artigo 
 
 18.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004) – a formulação do pedido de apoio judiciário 
 não estava sujeita a uma regra de oportunidade, de tal modo que a falta de 
 apresentação do requerimento até um determinado momento ou fase processual 
 implicasse a preclusão do direito de requerer apoio judiciário para aquele 
 processo ou só o permitisse com fundamento em factos supervenientes. 
 
  
 Mas não é a esta questão que respeita a norma em apreço. 
 São, evidentemente, questões diversas saber se o interessado tem o ónus de fazer 
 valer uma pretensão até um determinado momento ou fase processual e saber se, 
 tornado definitivo o indeferimento, lhe é possível, e em que circunstâncias 
 renovar essa pretensão. Podem ambas envolver um efeito preclusivo. Mas, na 
 primeira, por via de o direito não ter sido exercido no prazo, ou melhor, no 
 momento processual próprio; na segunda, por respeito ao caso julgado (se a 
 decisão anterior é judicial), ou ao caso decidido (sendo a decisão estabilizada 
 de natureza administrativa). Ora, foi a segunda destas questões que a sentença 
 recorrida decidiu, entendendo que a referida norma não permite que, indeferido 
 anterior pedido de apoio judiciário, o interessado renove a pretensão no domínio 
 do mesmo processo, salvo em situações excepcionais, designadamente, perante 
 insuficiência económica superveniente ou ocorrência, no decurso do processo, de 
 um encargo excepcional.
 
  
 
                  Ao Tribunal Constitucional compete, apenas, apreciar se este 
 critério normativo é (des)conforme a normas ou princípios constitucionais, 
 designadamente, aos invocados n.º 1 do artigo 20.º e aos n.ºs 1 e 7 do artigo 
 
 32.º da Constituição. Não lhe cabe, por ser matéria que já respeita à aplicação 
 do direito ordinário, saber se o regime instituído pela Lei n.º 30-E/2000 
 comportava essa regra de proibição de renovação do pedido, nem valorar, em 
 concreto, a alegada alteração das circunstâncias, designadamente, se a 
 interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – aliás, matéria não 
 especificamente ponderada na decisão recorrida – envolve, para o referido 
 efeito, um encargo excepcional, em qualquer das vertentes então susceptíveis de 
 serem cobertas pela concessão de apoio judiciário (artigo 15.º da Lei n.º 
 
 30-E/2000). 
 
  
 
  
 
                  5. Assim postas as coisas, a improcedência do recurso de 
 constitucionalidade apresenta-se como inquestionável, face a qualquer dos 
 parâmetros invocados pelo recorrente.
 
  
 
                  Começando pelo n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, que é 
 desses parâmetros aquele a cuja invocação poderia creditar-se um mínimo de 
 pertinência, nenhuma das vertentes em que se analisa a norma em causa pode ser 
 considerada como conduzindo a que a justiça seja “denegada por insuficiência de 
 meios económicos”, que é a dimensão da garantia constitucional de acesso ao 
 direito e aos tribunais que a recorrente diz vulnerada.  
 Efectivamente, o critério normativo adoptado desenvolve-se numa regra e numa 
 excepção. A regra é a da proibição de renovação, na pendência do mesmo processo, 
 do pedido de apoio judiciário cujo indeferimento se tenha consolidado na ordem 
 jurídica. A excepção, consiste em permitir a renovação do pedido se (e só se) 
 tiver ocorrido alteração das circunstâncias relevantes em qualquer dos braços de 
 ponderação: uma deterioração superveniente da situação económica do interessado 
 ou um encargo excepcional com o processo. 
 
                  Nesta interpretação a lei continua a assegurar ao interessado 
 que invoca a insuficiência de meios económicos a possibilidade de pedir apoio 
 judiciário para efectivação da garantia de acesso ao direito e aos tribunais. Se 
 deixar consolidar a decisão denegatória do apoio judiciário, seja porque não 
 impugnou a decisão administrativa, seja porque essa impugnação improcedeu, fica 
 definido que não se verificava ou que não foi feita valer, adequada e 
 oportunamente, a situação de insuficiência económica. O que obsta à concessão do 
 benefício é o caso resolvido ou o caso julgado no sentido de que não há uma 
 situação relevante de carência de meios, o que bem se compreende sob pena de uma 
 permanente indefinição das situações já decididas, indefinição contrária aos 
 princípios da segurança e certeza jurídicas e ao interesse da contraparte no 
 regular andamento da lide, que também merece ser ponderado. Sempre sem prejuízo 
 de o pedido de apoio judiciário poder ser renovado, com fundamento na 
 superveniência da insuficiência económica ou invocação de ocorrência, no decurso 
 do processo, de um encargo excepcional. 
 
  
 
                  Em conclusão, este regime traduz uma opção legislativa 
 perfeitamente razoável e não comporta ónus desproporcionados, pelo que a norma 
 do n.º 2 do artigo 17.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na 
 interpretação de que, uma vez indeferido, o pedido de apoio judiciário só pode 
 ser renovado se a situação de insuficiência económica for superveniente ou se, 
 em virtude do decurso do processo, ocorrer um encargo excepcional, não afecta a 
 garantia de que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios 
 económicos (n.º 1 do artigo 20.º da Constituição).
 
  
 
  
 
                  6. A recorrente indica, ainda que sem qualquer substanciação, 
 como também violadas pela norma em causa os n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º da 
 Constituição. É manifesta a impertinência da invocação de qualquer destas normas 
 constitucionais para a matéria em apreciação, porque não está em causa a 
 situação do arguido, nem a sujeição do pedido de apoio judiciário a um princípio 
 de concentração e preclusão contende com o direito de o ofendido intervir no 
 processo, nos termos da lei.
 
  
 
  
 
                  7. Decisão
 
  
 
                  Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar 
 a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) 
 unidades de conta.   
 
  
 Lisboa, 2 de Março de 2007
 Vítor Gomes
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício