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Processo n.º 627/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 18 de 
 Julho de 2006, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade por ela interposto e condená-la em custas, com sete unidades 
 de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
 
 «1. Por acórdão tirado em conferência em 4 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal 
 Administrativo julgou findo o recurso por oposição de julgados interposto por A. 
 do acórdão da 1.ª Secção daquele Supremo Tribunal, de 7 de Julho de 2004, que 
 manteve a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, datada de 12 
 de Outubro de 2002, que negara provimento ao recurso contencioso interposto por 
 ela da deliberação de 22 de Outubro de 1998, da Comissão de Inscrição da 
 Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, de recusa da sua inscrição como 
 técnica oficial de contas. Pode ler-se nesse aresto de 7 de Julho de 2004:
 
 […]
 Em primeiro lugar, impõe-se o conhecimento da arguida nulidade da sentença, por 
 omissão de pronúncia, por não ter conhecido quer da nulidade do Regulamento da 
 Comissão de Instalação da ATOC, de 3/6/98, quer dos restantes vícios imputados 
 
 às disposições desse mesmo Regulamento. 
 A nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.° do CPC só ocorre 
 quando o tribunal não conhece de questões de que devia tomar conhecimento, sendo 
 que tal não acontece quando a decisão dessas questões esteja prejudicada pela 
 solução dada a outras – artigo 660.°, n.º 2, do mesmo diploma. 
 No caso em apreço, a decisão baseou-se no facto de a recorrente não ter logrado 
 provar que possuía três anos de actividade como responsável directa de 
 contabilidade organizada, exigidos pelo artigo 1.° da Lei n.º 27/98, para a sua 
 inscrição como técnica oficial de contas, tendo-se entendido na própria sentença 
 que esta conclusão prejudicou o conhecimento dos vícios imputados ao 
 Regulamento. 
 Foi efectivamente este o caminho seguido pela decisão recorrida, pois aí se 
 começou por afirmar: “... impõe-se passar de imediato à apreciação do objecto do 
 presente recurso consistente nos vícios imputados à deliberação recorrida e, só 
 se for caso disso, aferir da eventual ilegalidade da norma regulamentar aplicada 
 ao caso sub judice”, tendo‑se, depois de se conhecer do vício de violação da Lei 
 n.º 27/98, concluído que “independentemente das eventuais ilegalidades do 
 Regulamento da ATOC”, a recorrente não logrou provar ... os três anos de 
 actividade como responsável directa de contabilidade organizada requeridos pelo 
 art.º 1.º da Lei n.º 27/98 para a sua inscrição como técnica oficial de contas”. 
 
 
 Desta forma, improcede a alegada nulidade de sentença. 
 Passemos agora ao erro de julgamento que a recorrente imputa à sentença 
 recorrida. 
 Em seu entender, esta lavra num manifesto erro de interpretação e aplicação do 
 disposto nos artigos 1.º e 2.° da Lei n.º 27/98. 
 A Lei n.º 27/98, de 3/6, veio permitir excepcionalmente a inscrição na ATOC, 
 como técnicos oficiais de contas, de profissionais contabilistas que não 
 preenchiam os requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 265/95, de 17/10, 
 valorizando a sua experiência profissional obtida pelo exercício, durante não 
 menos de três anos, de responsabilidade directa por contabilidade organizada. 
 Para se requerer a inscrição como técnicos oficiais de contas, esta lei veio 
 exigir que desde 1 de Janeiro de 1989 até à data da publicação do DL n.º 265/95, 
 de 17/10, tenham sido, durante três anos, seguidos ou interpolados, responsáveis 
 directos por contabilidade organizada. 
 Acontece, porém, que a Comissão da ATOC veio elaborar um Regulamento em que se 
 impôs que a prova da qualidade de responsável directo por contabilidade 
 organizada se faça mediante entrega de cópias autenticadas ou certidões de 
 declarações Mod. 22 do IRC e/ou anexo das declarações Modelo 2 do IRS, relativo 
 a três exercícios, seguidos ou interpolados, compreendidos entre 1989 e 1994, 
 inclusive e cuja apresentação não seja posterior a 17 de Outubro de 1995. 
 Chegados a este ponto, importa discriminar as várias orientações que a 
 jurisprudência tem adoptado, no que concerne à relevância jurídica do referido 
 Regulamento. 
 Essencialmente, são três as orientações a registar: 
 
 - a tese segundo a qual a questão verdadeiramente importante não é a relativa 
 aos meios por que se poderia provar o exercício daquela contabilidade, mas se se 
 tinha exercido, no período mínimo exigido pela lei, a profissão de técnico de 
 contas. 
 Segundo tal orientação, havia a necessidade de os requerentes provarem que, no 
 período decorrido entre 1/1/89 e 17/10/95 e durante três anos seguidos ou 
 interpolados, foram responsáveis directos por contabilidade organizada, o que 
 decorreria da interpretação dada pelo Regulamento à Lei (cfr. Acórdãos n.ºs 
 
 308/02, de 6/11/2002, 47670, de 4/12/2001, e 47669, de 9/10/2001). 
 
 - Um outro entendimento exige que a prova da qualificação se faça através dos 
 elementos fixados no Regulamento de execução da Lei n.º 27/98, editado pela 
 Comissão Instaladora da ATOC, contendo normas procedimentais e elencando os 
 documentos com os quais o pedido de inscrição devia ser instruído, “tornando, 
 assim, mais segura e uniforme a concretização da prova a fazer pelos 
 interessados quanto ao tempo de exercício de funções de contabilistas e a sua 
 responsabilidade directa por contabilidade por eles organizada”. 
 Neste caso, atribui-se ao Regulamento a natureza de verdadeiro regulamento de 
 execução, “norma jurídica de carácter geral e execução permanente dimanada de 
 uma autoridade administrativa sobre matéria própria da sua competência, dotado, 
 pois, de inerente força vinculativa” e que não se substitui à lei habilitante, 
 antes a regulamenta (vide, entre outros, os Acórdãos n.ºs 613/03, 748/02 e 
 
 47812, respectivamente de 15/05/2003, de 13/11/2002 e de 24/04/2002.) 
 
 - Por último, mas não menos importante, há uma terceira via nas orientações 
 assumidas por este Tribunal em que se considera não ser compatível com o 
 objectivo da lei (reparação de situações de injustiça) as restrições relativas 
 aos meios de prova que, a existirem, viriam a inviabilizar inúmeras situações de 
 pessoas que se encontrassem em condições de demonstrarem a sua existência para 
 efeitos de inscrição, como técnicos oficiais de contas, ao abrigo daquela lei. 
 
 É que efectivamente, ao contrário da lei que não discrimina quais os meios de 
 prova necessários para a inscrição na ATOC, o Regulamento veio impor a 
 apresentação de cópias autenticadas de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo 
 C às declarações modelo 2 do IRS relativas a três exercícios, seguidos ou 
 interpolados, compreendidos entre 1989 e 1994, inclusive, cuja data de 
 apresentação não seja posterior a 17/10/95. 
 Recentemente, o Pleno deste STA pronunciou-se sobre a questão das restrições dos 
 meios de prova no Regulamento em causa, no Acórdão de 18 de Maio último, 
 proferido no Proc. n.º 48397. 
 Escreveu-se nesse aresto: 
 
 “Nos casos concretos em que surgiram os Acórdãos divergentes, a Comissão 
 Instaladora da ATOC moveu-se no contexto já mencionado e emitiu antes da 
 abertura do prazo dos requerimentos dos interessados na inscrição como TOC uma 
 norma que limita a prova do exercício da actividade que é pressuposto da 
 inscrição aos documentos que enuncia na alínea d) do artigo 1.º da sua 
 deliberação de 3 de Junho de 1998. 
 Portanto, aquele comando que foi levado ao conhecimento dos interessados, 
 coarctava-lhes o direito de requererem outra prova que não fosse aquela que era 
 taxativamente vazada na norma proveniente do órgão competente. 
 Esta condicionante tinha reflexos necessários, em termos dos comportamentos 
 normais e exigíveis dos diversos candidatos à inscrição, desde logo na forma 
 como puderam desempenhar-se do ónus de provar o facto constitutivo do direito à 
 inscrição e depois em momento final, também, necessariamente, na decisão que foi 
 tomada de excluir os recorrentes. 
 De modo que por um lado a restrição probatória pôs em risco também um valor 
 fundamental do procedimento que é o de a decisão se conformar tanto quanto 
 possível com a verdade dos factos que interessam à composição dos interesses em 
 causa, violando o princípio da verdade material. Neste sentido os Ac. deste STA 
 de 15.12.94, Proc. 32949 e de 18.12.2003, Proc. 185/03, e Rui Machete, in 
 Estudos de Direito Público e Ciência Política, pág. 379. 
 E por outro lado, ao agir assim o órgão em causa além de se não conformar com a 
 norma mencionada do n.º 1 do artigo 87.º também viola a regra inserta no n.º 2 
 do artigo 88.º do CPA, restringindo sem fundamento, de modo genérico, 
 apriorístico e proibido a possibilidade de os particulares usarem os meios de 
 prova ao seu alcance e de requererem a produção dos que tivessem por adequados, 
 normas estas que eram aplicáveis conjuntamente com o regime substantivo 
 constante do artigo 1.º da Lei n.º 27/98, a qual sem prever restrições ou meios 
 específicos de prova dos pressupostos que enuncia, confere o direito de 
 inscrição às pessoas que, durante três anos seguidos ou interpolados, foram 
 responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do POC de 
 entidades que possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada durante o 
 período visado, isto é, entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995. 
 Efectivamente as normas em causa apresentam como fundamento a necessidade de 
 disposições que permitam a aplicação da Lei n.º 27/98, de 3/6, por exemplo 
 quanto a documentos que devem instruir os pedidos.
 E, nos artigos 1.º e 2.º dispõe-se que o pedido de inscrição deve ser 
 acompanhado de cópias autenticadas das declarações de IRC ou IRS entregues nos 
 serviços de finanças até 17 de Outubro de 1995 e dos quais conste a assinatura 
 do candidato, relativas a três exercícios, entre 1989 e 1994.
 
 É evidente que os interessados perante estas normas não podiam requerer outra 
 prova do exercício da actividade no período em causa senão pelas ditas 
 declarações de IRC e IRS.
 Daí que possamos dizer que pela forma como estão redigidas as normas emanada da 
 Comissão Instaladora em 3 de Junho de 1998, denominadas “Regulamento”, e 
 relativas à inscrição a título excepcional permitido pela Lei n.º 2/79, pelo 
 momento em que foi emitida (isto é, antes da abertura do período de inscrição), 
 pela forma como foi imposta aos interessados (como condicionamento da instrução 
 do requerimento) e tal como foi aplicada (excluindo outro meio de prova) 
 torna-se evidente que não se tratou de sugerir uma forma mais adequada de prova, 
 mas sim de elevar os documentos exigidos a único meio de prova, afastando a 
 possibilidade de os interessados requererem e de a Comissão admitir qualquer 
 outra, pelo que foram ofendidos os artigos 87.º, n.º 1, e 88.º, n.º 2, do CPA e 
 o Acórdão recorrido que julgou ilegal o acto de recusa da inscrição decidiu 
 correctamente, pelo que deve manter-se”.
 Acontece, porém, que, no caso dos autos, não ocorreu qualquer restrição dos 
 meios de prova. 
 Na verdade, como bem se decidiu na sentença recorrida, a recorrente não logrou 
 demonstrar o pressuposto vinculado de inscrição na ATOC estabelecido pelo art.º 
 
 1.° da Lei n.º 27/98. 
 
 É certo que o acto contenciosamente impugnado se baseia no citado Regulamento 
 para afirmar que a declaração relativa ao exercício de 1994 foi entregue fora do 
 prazo (17/10/95). Porém, mesmo que se considere relevante a apresentação feita 
 após aquela data, o certo é que a declaração relativa ao exercício de 1994 não 
 prova que a recorrente tivesse sido responsável directa por contabilidade 
 organizada no ano de 1994, ou no período relevante para efeitos da Lei n.º 27/98 
 do ano de 1995, ou seja, de 1-01 a 17-10. 
 Com efeito, como se refere na sentença recorrida: “Embora a actividade inerente 
 
 à responsabilidade directa por contabilidade organizada relativa aos exercícios 
 de 1992 e 1993 devesse ter sido desenvolvida ao longo desses anos, mesmo que a 
 apresentação da declaração não tivesse sido feita respectivamente em 1993 e 
 
 1994, mas tardiamente em 1994 e 1995, não tem que ter sido exactamente assim. 
 Com efeito, no mundo dos factos é possível que a actividade subjacente àquelas 
 declarações tivesse sido desenvolvida, não no período fiscal a que essas 
 declarações se referem mas, atendendo à data da sua apresentação às Finanças, ou 
 seja, para o que nos interessa, nos anos imediatamente seguintes aos respectivos 
 anos fiscais (em 1993 e em 1994). Esta mesma razão vale para a actividade 
 subjacente à declaração relativa ao exercício de 1994, apresentada em 1996, que 
 poderá ter sido desenvolvida não naquele ano mas apenas em 1995. Portanto, esta 
 
 última declaração não prova irrefutavelmente que a recorrente tivesse sido 
 responsável directa por contabilidade organizada no ano de 1994, ou no período 
 relevante para efeitos da Lei n.º 27/98 do ano de 1995, ou seja, de 1-01 a 
 
 17-10”.
 Tem sido também este o entendimento do STA no caso de não se demonstrar o 
 exercício da actividade até 17/10/95, isto é a data da publicação do Decreto-Lei 
 n.º 265/95. 
 Aliás sobre tal matéria, debruçaram-se os Acórdãos n.ºs 863/03, de 7/10/2003, 
 
 47831, de 20/01/2003, e 47612, de 26/03/2003, entre outros, transcrevendo-se 
 deste último, o seguinte trecho: “O acto impugnado não aceitou a prova 
 apresentada pelo recorrente relativamente à responsabilidade directa por 
 contabilidade organizada, no período referenciado no art.º 1.° da Lei n.º 27/98. 
 E isto fundamentalmente, porque essa prova se baseava na apresentação de 
 declarações modelo 22 do IRC relativas a data posterior a 17 de Outubro de 1995. 
 Ou seja, muito embora as declarações se refiram a anos anteriores a essa data, a 
 verdade é que só foram apresentadas posteriormente, em 14 de Outubro de 1997 (v. 
 fls. 34-36 dos autos), não estando minimamente demonstrado que a actividade 
 contabilística referida em tais declarações se reportem a período anterior 
 
 àquela data, antes inculcando a ideia que se trata de declarações elaboradas 
 posteriormente. 
 Ora, quando o art.º 1.º da Lei n.º 27/98 exige prova de que os profissionais de 
 contabilidade “tenham sido, durante 3 anos seguidos ou interpolados, 
 responsáveis directos por contabilidade organizada”, refere-se obviamente à 
 actividade passada e não a actividade posterior a 17/10/95. Tratando-se, como se 
 disse, de um regime de excepção, foi intenção do legislador evitar que através 
 de expedientes pouco claros, um indivíduo sem habilitações e sem experiência 
 profissional, pudesse obter a sua inscrição como técnico oficial de contas. 
 Assim, no caso em apreço, a sentença recorrida concluiu, e bem, que o acto 
 contenciosamente impugnado estava em consonância com o preceituado no citado 
 art.º 1.º Lei n.º 27/98, ao recusar a inscrição do recorrente com base na prova 
 apresentada. 
 Nesta perspectiva, são irrelevantes os vícios assacados pelo recorrente ao 
 regulamento da Comissão Instaladora da ATOC, na medida em que, ainda que tais 
 vícios procedessem, o certo é que o recorrente não fez prova de que sendo 
 profissional de contabilidade, entre 1 de Janeiro de 1989 e até 17/10/95, tinha 
 durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de 
 sociedade, exercido aquele tipo de actividade, não satisfazendo, assim, o 
 desiderato constante do citado normativo. 
 Apurado, pois, que o recorrente não poderia ser inscrito como técnico oficial de 
 contas ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98, por não preencher um dos 
 pressupostos vinculados para que tal pudesse ocorrer, é de todo despiciendo 
 apurar se as normas do Regulamento que interpretou a aplicação daquela lei, 
 sofrem, ou não das inconstitucionalidades ou ilegalidades, que o recorrente lhe 
 imputa, uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o 
 seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o 
 pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar. 
 Efectivamente, estando em causa a impugnação de um acto administrativo e o 
 apuramento da verificação ou não dos pressupostos vinculados aí fixados, não há 
 que ter em conta, uma vez verificada a inexistência do pressuposto, se foram 
 violados os princípios da incompetência absoluta, a usurpação de poder, da boa 
 fé, da igualdade e da restrição dos meios de prova. De facto, uma vez que, 
 sempre e de todo o modo a Administração, perante a inexistência do pressuposto 
 vinculado teria de indeferir a pretensão formulada ao abrigo do referido art.º 
 
 1.º da Lei n.º 27/98, por não preenchimento do pressuposto do exercício efectivo 
 daquele tipo de actividade durante o período mínimo de 3 anos, não se coloca a 
 necessidade de apreciar, perante aquele indeferimento, se o mesmo poderia ser 
 ultrapassado face à existência de princípios gerais da actividade administrativa 
 que teriam sido violados pelo Regulamento, os quais só teriam que ser ponderados 
 se estivesse em causa um poder discricionário da Administração perante norma que 
 o permitisse – cfr. ac. deste STA, de 4/12/01, rec. 47670.” 
 Assim sendo, resta concluir que, no caso dos autos, independentemente das 
 eventuais ilegalidades do Regulamento da ATOC, de 3-6-98, a recorrente não 
 provou, de forma segura, possuir os três anos de actividade como responsável 
 directa de contabilidade organizada requeridos pelo artigo 1.º da Lei n.º 27/98 
 para a sua inscrição como técnica oficial de contas. 
 E não tendo a recorrente feito essa prova, não poderia ser inscrita como técnica 
 oficial de contas, ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98. 
 Pelo que a sentença recorrida não merece a censura que lhe vem dirigida, 
 improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente.»
 
 2. Inconformada, a arguida dirigiu-se ao Tribunal Constitucional com o presente 
 recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), dizendo no seu requerimento de 
 recurso:
 
 «A., recorrente nos autos de recurso à margem identificados, em que é recorrida 
 a COMISSÃO DE INSCRIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, não 
 podendo conformar-se com o douto Acórdão deste S.T.A., de fls., de 07-07-2004, 
 vem, nos termos dos art.ºs 70.°, 75.° e 75.°-A da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.ºs 143/85, de 26/11, 
 
 85/89, de 7/09, 88/95, de 1/09, e 13-A/98, de 26/02, interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, só o fazendo agora, por haver esgotado os recursos 
 ordinários, o presente recurso é tempestivo (n.ºs 5 e 6 do art.º 70.° da Lei n.º 
 
 28/82, de 15/11). 
 O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.° da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, porquanto o Acórdão recorrido fez aplicação de normas 
 
 – o Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d) do n.º 1 do art.º 
 
 1.° e art.º 3.°, cuja inconstitucionalidade e ilegalidade tinha sido suscitada 
 nos autos, por violação do disposto nos art.ºs 13.°, 18.°, 112.°, n.º 8, e art.º 
 
 165.°, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, bem como 
 violação do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, norma que aplicada com o 
 mesmo sentido e alcance do Regulamento foi inconstitucionalizada pelo Acórdão 
 recorrido, já que considerou não observado, pela recorrente, o exigido pelo 
 art.º 1.° da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, porquanto aceitou a limitação dos 
 meios de prova, inconstitucionalmente impostos por aquele Regulamento».
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não 
 vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, e, entendendo-se que não se pode conhecer do recurso, lavra‑se a 
 presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do 
 mesmo diploma.
 
 4. Com efeito, para se poder tomar conhecimento de um recurso de 
 constitucionalidade como o presente, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, 
 alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, não só que tenham 
 sido esgotados os recursos ordinários e que a questão de constitucionalidade 
 tenha sido suscitada durante o processo, como também que a norma, ou 
 interpretação normativa, impugnada tenha sido aplicada, como ratio decidendi, 
 pela decisão recorrida: isto é, que tal norma ou interpretação normativa tenha 
 constituído fundamento decisivo para o tribunal recorrido. Este último requisito 
 não é, aliás, mais do que expressão da necessária utilidade da intervenção do 
 Tribunal Constitucional, em via de recurso, pois, se a norma impugnada não foi 
 ratio decidendi – mas antes é apenas mencionada num obiter dictum –, ou se 
 existe outro fundamento, só por si bastante para se chegar a decisão idêntica à 
 recorrida, a decisão do Tribunal Constitucional sobre a sua constitucionalidade, 
 qualquer que ela fosse, sempre seria insusceptível de alterar o sentido da 
 decisão do tribunal recorrido. Nestas condições, o Tribunal Constitucional não 
 pode tomar conhecimento do recurso.
 Acresce que, no nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental da 
 constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o modo 
 como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer 
 controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as 
 normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de 
 constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela 
 Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da 
 constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação 
 enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada na decisão 
 recorrida.
 Ora, a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 constitucionalidade “do Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d) 
 do n.º 1 do art.º 1.° e art.º 3.°”, por entender que tais normas violam o 
 
 “disposto nos art.ºs 13.°, 18.°, 112.°, n.º 8, e art.º 165.°, n.º 1, alínea b), 
 da Constituição da República Portuguesa, bem como violação do art.º 1.º da Lei 
 n.º 27/98, de 3 de Junho”.
 Contudo, lendo o acórdão recorrido – o acórdão do Supremo Tribunal 
 Administrativo de 7 de Julho de 2004 –, verifica-se claramente que não foi essa 
 norma aí aplicada, nem expressa, nem implicitamente, e muito menos constituiu a 
 ratio decidendi da decisão. Com efeito, o que esteve em causa foi a impugnação 
 de um acto administrativo e o apuramento da verificação dos pressupostos 
 exigidos à recorrente. No acórdão recorrido apenas se faz a análise da 
 suficiência da prova apresentada pela recorrente para se poderem dar como 
 preenchidos os pressupostos constantes do artigo 1.º da Lei n.º 27/98, da 
 verificação dos quais está dependente a admissão da sua inscrição como técnica 
 oficial de contas na Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, concluindo pela 
 sua insuficiência.  Pode ler-se nesse aresto que:
 
 «(...)
 Assim sendo, resta concluir que, no caso dos autos, independentemente das 
 eventuais ilegalidades do Regulamento da ATOC, de 3-6-98, a recorrente não 
 provou, de forma segura, possuir os três anos de actividade como responsável 
 directa de contabilidade organizada requeridos pelo artigo 1.º da Lei n.º 27/98 
 para a sua inscrição como técnica oficial de contas. 
 E não tendo a recorrente feito essa prova, não poderia ser inscrita como técnica 
 oficial de contas, ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98. 
 Pelo que a sentença recorrida não merece a censura que lhe vêm dirigida, 
 improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente.»
 
 [sublinhado aditado]
 Como se conclui pela simples leitura desta passagem da fundamentação da decisão 
 recorrida, a referência aí feita ao Regulamento da Associação de Técnicos 
 Oficiais de Contas, de 3 de Janeiro de 1998, não constituiu ratio decidendi. 
 Aliás, a decisão recorrida não chega sequer a debruçar-se sobre tal questão. 
 Lê-se na referida decisão, na parte em que transcreve o acórdão n.º 47612, de 26 
 de Março de 2003:
 
 “[…] 
 Assim, no caso em apreço, a sentença recorrida concluiu, e bem, que o acto 
 contenciosamente impugnado estava em consonância com o preceituado no citado 
 art.º 1.º da Lei n.º 27/98, ao recusar a inscrição do recorrente com base na 
 prova apresentada. 
 Nesta perspectiva, são irrelevantes os vícios assacados pelo recorrente ao 
 regulamento da Comissão Instaladora da ATOC, na medida em que, ainda que tais 
 vícios procedessem, o certo é que o recorrente não fez prova de que sendo 
 profissional de contabilidade, entre 1 de Janeiro de 1989 e até 17/10/95, tinha 
 durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de 
 sociedade, exercido aquele tipo de actividade, não satisfazendo, assim, o 
 desiderato constante do citado normativo. 
 Apurado, pois, que o recorrente não poderia ser inscrito como técnico oficial de 
 contas ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98, por não preencher um dos 
 pressupostos vinculados para que tal pudesse ocorrer, é de todo despiciendo 
 apurar se as normas do Regulamento que interpretou a aplicação daquela lei, 
 sofrem, ou não, das inconstitucionalidades ou ilegalidades, que o recorrente lhe 
 imputa, uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o 
 seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o 
 pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar. 
 Efectivamente, estando em causa a impugnação de um acto administrativo e o 
 apuramento da verificação ou não dos pressupostos vinculados aí fixados, não há 
 que ter em conta, uma vez verificada a inexistência do pressuposto, se foram 
 violados os princípios da incompetência absoluta, a usurpação de poder, da boa 
 fé, da igualdade e da restrição dos meios de prova. De facto, uma vez que, 
 sempre e de todo o modo, a Administração, perante a inexistência do pressuposto 
 vinculado teria de indeferir a pretensão formulada ao abrigo do referido art.º 
 
 1.º da Lei n.º 27/98, por não preenchimento do pressuposto do exercício efectivo 
 daquele tipo de actividade durante o período mínimo de 3 anos, não se coloca a 
 necessidade de apreciar, perante aquele indeferimento, se o mesmo poderia ser 
 ultrapassado face à existência de princípios gerais da actividade administrativa 
 que teriam sido violados pelo Regulamento, os quais só teriam que ser ponderados 
 se estivesse em causa um poder discricionário da Administração perante norma que 
 o permitisse – cfr. ac. deste STA, de 4/12/01, rec. 47670.”
 Conclui-se, pois, que, independentemente do juízo que agora se viesse a formular 
 sobre a constitucionalidade das normas indicadas pela recorrente – as do 
 
 “Regulamento aprovado pela ATOC, em especial a alínea d) do n.º 1 do art.º 1.° e 
 art.º 3.°” –, a decisão recorrida sempre seria a mesma. E forçoso é, também, 
 concluir que, não tendo a norma impugnada no presente recurso de 
 constitucionalidade sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida, 
 não pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso de 
 constitucionalidade.»
 
 2.Diz-se na reclamação apresentada:
 
 «1. De recurso em recurso e de Tribunal em Tribunal avoluma-se o risco de 
 denegação de justiça e de verdadeira recusa, em termos efectivos, do acesso ao 
 Direito e aos Tribunais que a Constituição é suposto assegurar. 
 
 2. Basta ver os termos que foram introduzidos na Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, 
 para perceber que o legislador quis, efectivamente, ultrapassar as resistências 
 corporativas, injustas e ilegais, da ATOC e da sua Comissão de Inscrição, ora 
 recorrida, que cerceavam (e continuam a cercear) o acesso à profissão de técnico 
 de contas a vários profissionais de contabilidade que reuniam os necessários 
 requisitos para tanto. 
 
 3. Publicada a Lei n.º 27/98 e estabelecidas até, face à previsível resistência 
 da recorrida e dos demais órgãos da ATOC, mecanismos de deferimento tácito de 
 pedidos de inscrição na ATOC, logo esta se apressou a aprovar o Regulamento que 
 foi junto como Doc. 5 com a petição de recurso. 
 
 4. Tal regulamento envolve um chorrilho de ilegalidades e de 
 inconstitucionalidades, que foram, oportuna e formalmente, suscitadas nos autos. 
 
 
 
 5. Aliás, levantou-se, oportunamente, a questão da inconstitucionalidade daquele 
 regulamento resultar da violação do disposto nos art.ºs 13.º, 18.º, 112.º, n.º 
 
 8, 115.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
 6. Em primeiro lugar regista-se, desde logo, a inconstitucionalidade que decorre 
 da circunstância dos órgãos da ATOC não terem competência para aprovar o 
 regulamento em causa, atento o princípio da primariedade ou da precedência da 
 lei, segundo o qual todos os regulamentos carecem de habilitação legal, 
 exigência que vem expressamente consagrada no n.º 8, do art.º 112.º da C.R.P. 
 
 7. Efectivamente, o Regulamento da ATOC veio, de motu proprio, executar a Lei 
 n.º 27/98, de 3 de Junho, sem para tal estar habilitado, quer pela própria Lei, 
 quer pelo Estatuto da Associação. 
 
 8. Na verdade, transcrevendo as doutas palavras do Prof. Vital Moreira[1]: 
 
 “Todo o poder regulamentar, incluindo o das administrações autónomas 
 corporativas, é um poder normativo derivado, conferido pela Constituição ou pela 
 lei, e não pode invadir a reserva de lei nem infringir a lei (prevalência da 
 lei). E um poder que carece de atribuição do legislador ou directamente da 
 Constituição, visto que não existe poder regulamentar inerente, sem lei. Como 
 frisa A. R. Queiró (1976:432), «a competência regulamentar autónoma carece de 
 atribuição expressa pelo legislador»”. 
 
 9. Aliás, como ensina aquele Professor[2]: 
 
 “O que distingue a administração legal da administração corporativa é o facto de 
 a primeira ter constitucionalmente reconhecido o seu poder regulamentar, não 
 podendo por isso este ser-lhe retirado pelo legislador, que pode delimitá-lo mas 
 não suprimi-lo, enquanto que tal não sucede com a segunda, pelo que este só 
 existe se reconhecido pelo legislador”. 
 
 10. Acresce que, de harmonia com o princípio da especificidade (art.º 267.º, n.º 
 
 3, da Constituição da República Portuguesa), o qual constitui «no dizer de 
 Eggert (...) a magna charta dos filiados obrigatórios das corporações públicas», 
 as associações públicas “... só podem ter as atribuições públicas que lhe sejam 
 directamente confiadas pelo legislador ou pelo Estado-Administração mediante 
 credencial legislativa ...”.[3]
 
 11. Tal princípio, comum a todas as pessoas colectivas públicas, significa, no 
 caso em apreço, que a ATOC só tem as atribuições definidas na lei ou nos 
 respectivos Estatutos e só pode exercer os poderes que lhe foram conferidos a 
 fim de desempenhar as referidas atribuições. 
 
 12. Por outro lado, a Lei n.º 27/98, ao contrário do que, ilegalmente, diga-se, 
 aconteceu com o Despacho n.º 8470/97, do Ministro das Finanças, que abriu o 
 concurso extraordinário para inscrição como técnico de contas (ponto 13), não 
 atribuiu à ATOC competência para regulamentar as condições da sua aplicação. 
 
 13. Não atribuiu, nem podia atribuir, uma vez que se trata de matéria relativa a 
 direitos, liberdades e garantias e de direitos de natureza análoga, a saber, o 
 direito de escolha e exercício de uma profissão, o direito à segurança no 
 emprego e o direito de iniciativa privada (art.ºs 47.º, 53.° e 61.° da 
 Constituição da República Portuguesa), direitos fundamentais sujeitos ao regime 
 qualificado do art.º 18.° da Constituição da República Portuguesa, 
 designadamente ao regime de reserva da lei material e formal. 
 
 14. A este respeito transcrevem-se, por elucidativas, as palavras do Prof. Vital 
 Moreira[4]: 
 
 “… a regulação corporativa tem de respeitar a reserva de lei constitucionalmente 
 estabelecida para a regulação dos direitos, liberdades e garantias, em especial 
 para o estabelecimento de restrições. Como se mostrou na altura própria, a 
 auto-regulação corporativa não afasta a reserva de lei, lá onde ela exista. 
 Desse modo carecem de fixação legislativa – estando precludida a regulamentação 
 corporativa – todos os aspectos que, por poderem configurar restrições à 
 liberdade de escolha de profissão (ou do seu exercício, quando afectem a 
 liberdade de escolha), pertencem à reserva de lei (Constituição da República 
 Portuguesa, art.º 18.º-3). Entre eles contam-se, além dos requisitos de 
 inscrição e de acesso às especialidades profissionais eventualmente existentes 
 
 (por exemplo, os colégios de especialidades na Ordem dos Médicos), as 
 incompatibilidades, os deveres deontológicos e outros que possam configurar 
 restrições àquele direito (v.g. proibição de publicidade profissional e fixação 
 corporativa de honorários), os pressupostos das penas de suspensão e de expulsão 
 
 (porquanto se traduzem em interdições de exercício profissional). O regulamento 
 corporacional não pode fazer mais do que organizar ou procedimentalizar as 
 restrições estabelecidas por lei. E dado que a lei não pode delegar no 
 regulamento a disciplina de matérias que entram na reserva de lei, está excluída 
 a possibilidade de o estatuto da associação pública ou outra lei habilitar esta 
 a fazê-lo. Como afirma J. Miranda (1988: 160), «as restrições têm de ser legais, 
 não podem ser instituídas por via regulamentária ou por acto administrativo». 
 
 15. Também Afonso Queiró[5] afirma peremptoriamente que no que concerne a 
 matérias reservadas à competência legislativa da Assembleia da República, a 
 interdição de regulamentação não pode ser superada pela própria lei, mediante 
 uma autorização de intervenção regulamentar, escrevendo “... a disciplina 
 integral destas matérias (...) cabe em princípio à lei, excepcionalmente ao 
 decreto-lei e nunca ao regulamento”. 
 
 16. Aliás, como realça o Prof. Vital Moreira[6]:
 
 “No caso da administração autónoma não territorial a reserva de lei é, 
 juntamente com a tutela, um dos instrumentos de garantia do interesse geral 
 contra o perigo de uma regulamentação corporativista. (...) Como nota 
 pertinentemente Schuppert «quanto maior for a esfera da reserva de lei, maior é 
 o controlo sobre as corporações públicas profissionais». 
 
 17. Na obra “Auto-Regulação Profissional e Administração Pública”, aquele Mestre 
 refere expressamente a situação que nos ocupa, quando afirma “... lá onde esteja 
 constitucionalmente estabelecida uma reserva de lei – como sucede normalmente em 
 matéria de restrições aos direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de 
 profissão – fica então o regulamento reduzido a um papel executivo da lei”. (Ora 
 basta ver o conteúdo do Regulamento para ver quanto excedeu substantivamente 
 esta natureza). 
 
 18. A dado passo, quando versa sobre as funções regulatórias das ordens 
 profissionais, mormente a regulamentação do acesso declara a natureza 
 
 “estritamente vinculada” da verificação dos seus pressupostos e requisitos, 
 esclarecendo que “...a garantia do direito fundamental à escolha da profissão 
 implica: primeiro, que os requisitos de acesso estejam definidos na lei, 
 segundo, que eles sejam objectivos, de modo a que a apreciação desses requisitos 
 seja vinculada, excluindo qualquer discricionariedade (o que afasta a utilização 
 de conceitos indeterminados de difícil densificação)”.[7]
 
 19. A doutrina do Prof. Jorge Miranda é também clara, quando afirma que havendo 
 dever de inscrição como condição do exercício profissional, assiste a todos os 
 que preencham os requisitos legais um direito a essa inscrição, sem que a 
 associação tenha a possibilidade de a recusar, nem podendo haver 
 discricionariedade na possibilidade de recusa. (in “As Associações Públicas no 
 Direito Português”, RFDUL, XXVII, pág. 87 e segs.) 
 
 20. Do exposto resulta que a ATOC não dispõe, nem por via dos Estatutos, nem por 
 via da Lei n.º 27/98, de competência regulamentar, e, assim, de competência para 
 regulamentar a matéria tratada na Lei n.º 27/98, muito menos a Comissão 
 Instaladora da ATOC, às quais as Portarias do Ministério das Finanças n.º 36/96, 
 de 9/5 (D.R., II série, n.º 108, de 9/5) e n.º 61/96, de 1/7 (D.R., II série, 
 n.º 150, de 1/7/96) reconheceram tão-somente competência para a prática dos 
 
 «actos necessários para assegurar a respectiva gestão corrente» (n.º 3 da 
 Portaria n.º 36/96, de 9/5). 
 
 21. A Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, estabelece no seu art.º 10.º o seguinte: 
 
 “No prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei, os profissionais de 
 contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do 
 Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos 
 seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, 
 responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial 
 de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem 
 possuir contabilidade organizada podem requerer a sua inscrição como técnicos 
 oficiais de contas na Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC)”. 
 
 ·            A primeira dúvida que se levanta é a de saber, uma vez que 
 estávamos em Outubro de 1995, quando foi publicado o Dec-Lei n.º 265/95, ou 
 seja, praticamente a findar o ano fiscal, se, nos três anos a que a lei se 
 refere se incluía, ou não, o ano fiscal de 1995; 
 
 ·            Sobre isso havia o precedente do ponto 1, alínea e), do Despacho do 
 Ministro das Finanças n.º 8470/97, de 16/09 (V. doc. 2 junto com a petição) que, 
 com uma redacção em todo idêntica, a Comissão de Inscrição da ATOC interpretou e 
 fixou jurisprudência como incluindo o ano fiscal de 1995; 
 
 ·            Por isso se invocou o princípio da autovinculação, corolário do 
 princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º da Constituição da República 
 Portuguesa), da boa fé e da tutela da confiança (art.º 6.º-A, do C.P.A. – V. 
 ponto 19 das conclusões de fls., de 2002-01-22); 
 
 ·            Apesar de a lei falar em três anos à data da publicação do Dec-Lei 
 n.º 295/95, ou seja, Outubro daquele ano e estando em causa um direito 
 fundamental – direito de acesso a uma profissão, e contrariando a posição 
 antecedente da Comissão de Inscrição e da ATOC, o Regulamento dito de execução 
 da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, junto como doc. 5 com a petição, veio, no n.º 1 
 do seu art.º 2.º, restringir ao período de 1989 a 1994 inclusive, excluindo, 
 arbitrária (e ilegalmente), o ano de 1995 que, relativamente a normativo com 
 idêntica redacção, aceitara como incluído. 
 
 ·            Por outro lado, e apesar do Preâmbulo do Dec-Lei n.º 265/95 
 reconhecer que deixava de ser exigível a assinatura, pelos responsáveis pela 
 contabilidade, do Modelo 22. 
 
 ·            Na verdade, escreve-se, no Preâmbulo daquele diploma:
 
 “Com a aprovação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas 
 e o das Pessoas Singulares, que começaram a vigorar em 1989, foi revogado o 
 referido Código da Contribuição Industrial, deixando de ser obrigatória a sua 
 assinatura nas declarações fiscais, desaparecendo, no plano institucional, a 
 figura do técnico de contas”. 
 
 ·            Não obstante assim ser, o Regulamento, cuja ilegalidade e 
 inconstitucionalidade foi arguida, como se reconheceu na decisão sumária ora em 
 causa, veio, como se pode ver nos seus art.ºs 1.º e 2.º, n.ºs 1 e 2, exigir, 
 para prova dos requisitos do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, que as declarações Mod. 
 
 22 tivessem sido assinadas pelos interessados responsáveis pela contabilidade (o 
 que a lei não exigia, como se viu). 
 
 22. Ora, como se pode ver do doc. 1 junto com a petição, o acto impugnado, 
 invocando o Regulamento em causa, recusou a inscrição da recorrente na ATOC, por 
 falta de tais documentos e recusou considerar, ilegalmente, e contra a sua 
 prática anterior (autovinculação) e em obediência ao ilegal e inconstitucional 
 Regulamento, os documentos apresentados pela recorrente. 
 
 23. É, pois, manifesto, que o acto impugnado nos autos, bem como o Acórdão 
 recorrido, aplicaram e fundamentaram-se no citado Regulamento, cuja 
 inconstitucionalidade e ilegalidade foram suscitadas nos autos. 
 
 24. É uma falácia, do Acórdão recorrido, concluir que a recorrente não fez prova 
 do exercício, durante três anos, seguidos ou interpolados, da actividade 
 contabilística entre 1 de Janeiro de 1989 e 17/10/95, e que, tanto basta, para 
 que não se ponha a questão dos vícios do Regulamento, designadamente a sua 
 inconstitucionalidade, por essa apreciação estar prejudicada. (Veja-se o Acórdão 
 de 7 de Fevereiro de 2006, Proc. n.º 0419/04, do Pleno da Secção, do S.T.A., in 
 Antologia de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Central 
 Administrativo, Ano IX – N.º 2, Janeiro-Março 2006, p. 3 e segs., e em 
 
 www.dgsi.pt/jsta).
 
 25. Só que, inadmissivelmente, esqueceu-se que aquela prova não foi feita, 
 porquanto o Regulamento aprovado e aplicado pela entidade recorrida e, 
 consequentemente, também pelo Acórdão sob recurso, limita tal prova à 
 apresentação de um Modelo 22 assinado pelo responsável pela contabilidade, 
 quando a lei não o exigia, como se demonstrou. 
 
 26. Não cerceasse o Regulamento os meios de prova e a recorrente teria feito, 
 por outros meios – a prova dos requisitos do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, sem 
 necessidade de recorrer ao ano de 1995 porque o Modelo 22 era o exigido pelo 
 Regulamento e estava por si assinado, sendo que a interpretação em causa 
 inconstitucionaliza o próprio art.º 1.° da Lei n.º 27/98. 
 
 27. Efectivamente, a recorrente só não viu admitida a sua inscrição como Técnico 
 Oficial de Contas na ATOC porque não dispunha dos documentos que, restritiva e 
 ilegalmente, o Regulamento exigia, ou seja, modelos 22 assinados pela 
 recorrente, exactamente quando a lei o deixara de exigir. (anteriormente a 
 Outubro de 1995) 
 
 28. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do STA, de 16 de Abril de 2002, 
 proferido no Proc. 48.397: 
 
 «Não tendo a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas competência legislativa 
 própria na matéria nem lhe tendo sido atribuída legalmente competência 
 regulamentar, o «regulamento» emitido pela Comissão Instaladora da ATOC 
 pretendendo regulamentar aquela Lei n.º 27/98, não tem nenhuma relevância 
 jurídica no plano da apreciação da legalidade do acto impugnado. 
 Ora, nos termos do art.º l.º do citado diploma legal, os profissionais de 
 contabilidade que pretendam a sua inscrição como técnicos oficiais de contas 
 apenas têm que demonstrar, “por qualquer meio de prova em direito admissível”, 
 que foram, durante três anos seguidos ou interpolados, contados dentro do 
 período de 1 de Janeiro de 1989 até 17 de Outubro de 1995, individualmente ou 
 sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada, 
 nos termos do Plano Oficial de contabilidade, de entidades que naquele período 
 possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada. 
 A lei não estabelece como obrigatório qualquer meio de prova para a verificação 
 dos requisitos nela estabelecidos, não excluindo o uso de qualquer deles pelo 
 que todos são utilizáveis. 
 Uma vez que, como se diz no relatório preambular do DL n.º 265/95, de 17 de 
 Outubro, que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, deixou de ser 
 obrigatória, a partir de 1989, a assinatura por técnicos de contas das 
 declarações fiscais, tendo desaparecido no plano institucional aquela figura do 
 técnico de contas, mas continuando as entidades a isso obrigadas a ter a sua 
 contabilidade organizada, é evidente que o profissional de contabilidade que 
 tinha a seu cargo ou tomava conta da organização da contabilidade dessas 
 entidades só perante elas passou a ser responsável pela organização da 
 respectiva contabilidade. 
 Isto é, com a entrada em vigor dos Códigos do Imposto sobre Rendimento das 
 Pessoas Colectivas e das Pessoas Singulares, em 1989, o profissional de 
 contabilidade que organizava as contas (a contabilidade) deixou de ter obrigação 
 de assinar as declarações fiscais das entidades para as quais prestava tal 
 serviço de contabilidade, deixando também de ser obrigado por tais declarações 
 perante a Administração Fiscal. 
 Não há, portanto, qualquer documento que, no período indicado no art.º 1.º da 
 Lei n.º 27/98, prove a responsabilidade directa ou indirecta dos profissionais 
 de contabilidade perante a Administração Fiscal, pela organização da 
 contabilidade de quaisquer entidades, porque essa responsabilidade não existia. 
 Responsável pela declaração era apenas o contribuinte. 
 
 É claro que a assinatura do profissional de contabilidade, voluntariamente 
 aposta nas declarações fiscais mod. 22 e anexo C ao mod. 2, pode ser um meio de 
 prova atendível e relevante para demonstrar que o subscritor ou a sociedade de 
 que fazia parte tinham organizado a contabilidade que estava na base de tais 
 declarações, mas não é seguramente o único. 
 De outro modo não poderia ser provada a responsabilidade directa do requerente 
 pela organização da contabilidade de qualquer entidade no período de tempo entre 
 
 1 de Janeiro e 17 de Outubro de 1995. 
 Ora se a lei estabelece como requisito da inscrição na ATOC o facto de o 
 requerente ter sido responsável directo pela contabilidade organizada também 
 durante aquele período, isso implica que ele possa demonstrar que teve essa 
 qualidade durante esse lapso de tempo e que o possa fazer, nos mesmos termos que 
 relativamente a qualquer outro período legalmente relevante, por qualquer meio 
 de prova, não podendo ser excluída a apreciação de qualquer dos documentos de 
 prova apresentados pelo requerente que se reportam ao período legalmente 
 relevante”. 
 
 29. O acto impugnado nos autos que está contido em oficio de fls. (doc. 1 junto 
 com a p.i. a fls. 24 e 25) remetido à recorrente em 31 de Julho de 1998 e que se 
 transcreve: 
 
 “Porque aqueles requisitos não podem comprovar-se por nenhum dos documentos 
 previstos no referido artigo 11.º do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, 
 esta Associação, para cumprir com o mandato que a Lei lhe conferiu, emitiu o 
 Regulamento de que se junta cópia. 
 De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa pela 
 contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser 
 feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas 
 de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às declarações modelo 2 do IRS, 
 assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro destinado pelas mesmas ao 
 responsável pela escrita. 
 Verifica-se que a documentação apresentada por V. Exa. não está conforme com o 
 exigido pelos referidos Estatuto e Regulamento ...” (sic) 
 
 30. Claro fica, pois, que o acto impugnado nos autos aplicou o Regulamento em 
 causa e por isso restringiu ilegalmente os meios de prova dos requisitos do 
 art.º 1.° da Lei n.º 27/98 (doc. 5 junto com a p.i.). 
 
 31. Há uma questão que se nos afigura óbvia sobre a efectiva aplicação do 
 Regulamento em causa, por parte do Acórdão recorrido. 
 
 32. É que o acto impugnado nos autos, como já se demonstrou, aplicou o 
 Regulamento, pelo que o Acórdão recorrido, ao considerar que o acto está 
 conforme à lei e não enferma de vício, não pode deixar de aplicar também o 
 Regulamento, sendo uma falácia dizer que a recorrente não fez prova dos 
 requisitos do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, quando o Regulamento restringiu, 
 ilegalmente, os meios de prova. 
 
 33. Aliás, o que é preciso é, efectivamente, não pactuar com a habilidade do 
 Acórdão recorrido (e de outros) de, uma vez que vem suscitada a 
 inconstitucionalidade do Regulamento, contornaram essa questão falando-se na Lei 
 n.º 27/98, o que é uma fraude. 
 
 34. É esta habilidade que conduziu ao não conhecimento do recurso por oposição 
 de acórdãos, como já aconteceu em casos similiares, merecendo, porém, no Acórdão 
 de 13-10-2004, do Pleno da Secção do S.T.A., (Proc. n.º 47.612/01), o seguinte 
 voto de vencido: 
 
 “Entendo que a oposição existe porque o Acórdão recorrido diz expressamente que 
 a sentença recorrida decidiu bem quando reconduziu toda a apreciação aos 
 requisitos da Lei n.º 27/98, o que tem como consequência necessária ter decidido 
 também que o regulamento não interessava para apreciar a situação, quando o 
 Acórdão fundamento considerou e decidiu ser essencial na mesma situação de facto 
 enfrentar a questão de legalidade das normas regulamentares sobre a prova. 
 E, mais evidente é a contradição quando se tem de esclarecer que as normas 
 regulamentares (ou apenas infra-procedimentais, não importa agora distinguir) 
 impedem “a priori” que se faça prova diferente daquela que prevê pelo que é 
 falacioso dizer que o Acórdão recorrido decidiu “em virtude de o recorrente não 
 possuir os requisitos legais, quando ele se queixa é de não lhe ter sido 
 permitido fazer prova sobre aqueles requisitos”. 
 
 35. Ora, foi o Regulamento em causa, que o acto administrativo impugnado nos 
 autos aplicou, como se pode ver pelo ofício junto à petição como doc. 1, onde se 
 refere expressamente: 
 
 “De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa pela 
 contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de ser 
 feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias autenticadas 
 de declarações modelo 22 do IRC e /ou o anexo C às declarações modelo 2 do IRS, 
 assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro destinado pelas mesmas aí 
 responsável pela escrita”. 
 
 36. Isto é do mais bloqueador do acesso à profissão, já que, ao tempo, além do 
 mais, as declarações fiscais em causa não tinham de ser assinadas pelos 
 profissionais de contabilidade, como se decidiu, e bem, no Acórdão do S.T.A., de 
 
 16.04.2002, proferido no Proc. n.º 48.397, da 2:ª Subsecção, da 1.ª Secção.[8]
 
 37. Ora, o Acórdão sob recurso, ao confirmar a sentença da 1.ª Instância, é 
 
 óbvio que, pelo menos implicitamente, aplicou o Regulamento cuja ilegalidade e 
 inconstitucionalidade foi suscitada nos autos. 
 
 38. O que o Acórdão decidiu efectivamente é que a recorrente não podia ser 
 admitida na ATOC porque não apresentara os documentos que o Regulamento em causa 
 ilegal e inconstitucionalmente exige, de nada valendo ao Acórdão em causa dizer 
 que aplica tão-só a Lei n.º 27/98, pois tal lei admitia (e admite) todo e 
 qualquer meio de prova, o que foi vedado à recorrente, porque se aceitou as 
 restrições do Regulamento, o que o Acórdão recorrido, espantosamente, achou bem. 
 
 
 
 39. Assim sendo, como é, e com o devido respeito, constitui um artifício 
 falacioso falar tão-só na Lei, quando se aplicou, de facto, o Regulamento, já 
 que se a lei dissesse o que diz o Regulamento, para além dos demais vícios 
 deste, também era inconstitucional. 
 
 40. O que está em causa é a promessa da ATOC, quando foi publicada a Lei n.º 
 
 27/98, de que tudo faria para que esta jamais fosse cumprida ou executada. E foi 
 com esse propósito que elaborou e aprovou o Regulamento cuja 
 inconstitucionalidade foi suscitada. 
 
 41. E tanto assim que em comunicado junto aos autos como Doc. 11, a ATOC, 
 referindo-se à Lei n.º 27/98, afirmava o seguinte: 
 
 “A Associação dos Técnicos Oficiais de Contas a quem compete representar os 
 interesses profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas, e superintender em 
 todos os aspectos relacionados com a profissão irá promover todas as iniciativas 
 que estejam ao seu alcance a fim de evitar a concretização deste atentado à 
 dignidade das funções”. 
 
 42. É com esta obstrução à aplicação e execução daquela Lei, cirurgicamente 
 traçada e até agora obtida pelo Regulamento, cuja inconstitucionalidade foi 
 oportunamente suscitada, que o Tribunal Constitucional não pode pactuar, 
 cumprindo lembrar o Acórdão do S.T.A., de 18-05-2004, (Proc. n.º 48.397) que foi 
 proferido no âmbito da uniformização da Jurisprudência, por ter prevalecido a 
 doutrina correcta. 
 
 43. Igualmente este Tribunal Constitucional no seu notável Acórdão de 6 de Julho 
 de 2005, (Autos de Recurso n.º 119/04, 1.ª Secção), também entendeu conhecer, em 
 situação totalmente similar à dos autos, da inconstitucionalidade das 
 disposições do Regulamento em causa.
 Demonstrado fica, pois, à saciedade, que o Acórdão recorrido aplicou um 
 Regulamento, ilegal e inconstitucional, e normas do mesmo Regulamento, cuja 
 ilegalidade e inconstitucionalidade foi suscitada, a devido tempo, e tanto basta 
 para que devam ser conhecidas as ilegalidades e inconstitucionalidades em causa, 
 devendo recair Acórdão da Conferência, admitindo-se o recurso e ordenando-se o 
 seu prosseguimento, sendo que a interpretação dada ao art.º 1.º da Lei n.º 27/98 
 pelo Acórdão recorrido inconstitucionalizou aquela disposição.»
 
 3.Por parte da entidade recorrida não foi apresentada resposta à reclamação.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.A presente reclamação é improcedente, já que a argumentação aduzida pela 
 recorrente não abala os fundamentos da decisão reclamada. 
 Com efeito, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao 
 abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pretendendo a recorrente ver apreciada a constitucionalidade das 
 normas “do Regulamento aprovado pela Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, 
 em especial a alínea d) do n.º 1 do art.º 1.º e art.º 3.º”, por entender que 
 tais normas violam o “disposto nos art.ºs 13.°, 18.°, 112.°, n.º 8, e art.º 
 
 165.°, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, bem como 
 violação do art.º 1.º da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho”. Como foi já dito na 
 decisão sumária reclamada, para se poder conhecer de tal recurso torna-se 
 necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários, que a 
 inconstitucionalidade das normas impugnadas tenha sido suscitada durante o 
 processo e que estas normas tenham sido aplicadas como ratio decidendi pelo 
 tribunal recorrido.
 Ora, este último requisito não se verifica, no presente caso, quanto às normas 
 impugnadas – as normas da alínea d) do n.º 1 do art.º 1.º e do art.º 3.º do 
 Regulamento da Associação de Técnicos Oficiais de Contas de 3 de Janeiro de 1998 
 
 –, como se afirmou na decisão reclamada e se reitera.
 Consultando a decisão de que se pretendeu recorrer, que é o acórdão do Supremo 
 Tribunal Administrativo proferido em 7 de Julho de 2004, verifica-se, como se 
 disse já na decisão reclamada, que as normas impugnadas não foram aí aplicadas, 
 nem expressa nem implicitamente, e muito menos como rationes decidendi da 
 decisão. Nessa decisão apenas estava em causa a impugnação de um acto 
 administrativo e o apuramento da verificação dos pressupostos exigidos à 
 reclamante para a admissão da sua inscrição como técnica oficial de contas na 
 respectiva Associação. E, para tal, o acórdão recorrido limitou-se a analisar a 
 suficiência da prova apresentada para o preenchimento dos requisitos constantes 
 do artigo 1.º da Lei n.º 27/98, da verificação dos quais está dependente a 
 admissão da inscrição da recorrente, concluindo pela insuficiência da prova 
 apresentada pela reclamante. Isso mesmo resulta das passagens da decisão 
 recorrida já transcritas na decisão sumária reclamada, nas quais se lê:
 
 «(...)
 Assim sendo, resta concluir que, no caso dos autos, independentemente das 
 eventuais ilegalidades do Regulamento da ATOC, de 3-6-98, a recorrente não 
 provou, de forma segura, possuir os três anos de actividade como responsável 
 directa de contabilidade organizada requeridos pelo artigo 1.º da Lei n.º 27/98 
 para a sua inscrição como técnica oficial de contas. 
 E não tendo a recorrente feito essa prova, não poderia ser inscrita como técnica 
 oficial de contas, ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98. 
 Pelo que a sentença recorrida não merece a censura que lhe vem dirigida, 
 improcedendo todas as conclusões da alegação da recorrente».
 
 [sublinhado aditado]
 E ainda:
 
 «[…] 
 Aliás, sobre tal matéria debruçaram-se os Acórdão n.ºs 863/2003, de 7/10/2003, 
 
 47831, de 20/01/2003, e 47612, de 26/03/2003, entre outros, transcrevendo-se 
 deste último, o seguinte trecho: “o acto impugnado não aceitou a prova 
 apresentada pelo recorrente relativamente à responsabilidade directa por 
 contabilidade organizada, no período referenciado no art.º 1.º da Lei n.º 27/98, 
 e isto fundamentalmente, porque essa prova se baseava na apresentação de 
 declarações modelo 22 do IRC relativas a data posterior a 17 de Outubro de 1995. 
 Ou seja, muito embora as declarações se refiram a anos anteriores a essa data, a 
 verdade é que só foram apresentadas posteriormente, em 14 de Outubro de 1997 (v. 
 fls. 34-36 dos autos), não estando minimamente demonstrado que a actividade 
 contabilística referida em tais declarações se reporte a período anterior àquela 
 data, antes inculcando a ideia que se trata de declarações elaboradas 
 posteriormente.
 Ora, quando o art.º 1.º da Lei n.º 27/98 exige prova de que os profissionais de 
 contabilidade ‘tenham sido, durante 3 anos seguidos ou interpolados, 
 responsáveis directos por contabilidade organizada’, refere‑se obviamente à 
 actividade passada e não a actividade posterior a 17/10/95. Tratando-se, como se 
 disse, de um regime de excepção, foi intenção do legislador evitar que através 
 de expedientes pouco claros, um indivíduo sem habilitações e sem experiência 
 profissional, pudesse obter a sua inscrição como técnico oficial de contas.
 Assim, no caso em apreço, a sentença recorrida concluiu, e bem, que o acto 
 contenciosamente impugnado estava em consonância com o preceituado no citado 
 art.º 1.º Lei n.º 27/98, ao recusar a inscrição do recorrente com base na prova 
 apresentada. 
 Nesta perspectiva, são irrelevantes os vícios assacados pelo recorrente ao 
 regulamento da Comissão Instaladora da ATOC, na medida em que, ainda que tais 
 vícios procedessem, o certo é que o recorrente não fez prova de que sendo 
 profissional de contabilidade, entre 1 de Janeiro de 1989 e até 17/10/95, tinha 
 durante 3 anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de 
 sociedade, exercido aquele tipo de actividade, não satisfazendo, assim, o 
 desiderato constante do citado normativo. 
 Apurado, pois, que o recorrente não poderia ser inscrito como técnico oficial de 
 contas ao abrigo do art.º 1.º da citada Lei n.º 27/98, por não preencher um dos 
 pressupostos vinculados para que tal pudesse ocorrer, é de todo despiciendo 
 apurar se as normas do Regulamento que interpretou a aplicação daquela lei, 
 sofrem, ou não das inconstitucionalidades ou ilegalidades, que o recorrente lhe 
 imputa, uma vez que, independentemente das normas fixadas naquele Regulamento, o 
 seu pedido de inscrição teria sempre que ser indeferido por não cumprir o 
 pressuposto fixado na lei que o regulamento pretendeu interpretar. 
 Efectivamente, estando em causa a impugnação de um acto administrativo e o 
 apuramento da verificação ou não dos pressupostos vinculados aí fixados, não há 
 que ter em conta, uma vez verificada a inexistência do pressuposto, se foram 
 violados os princípios da incompetência absoluta, a usurpação de poder, da boa 
 fé, da igualdade e da restrição dos meios de prova. De facto, uma vez que, 
 sempre e de todo o modo a Administração, perante a inexistência do pressuposto 
 vinculado teria de indeferir a pretensão formulada ao abrigo do referido art.º 
 
 1.º da Lei n.º 27/98, por não preenchimento do pressuposto do exercício efectivo 
 daquele tipo de actividade durante o período mínimo de 3 anos, não se coloca a 
 necessidade de apreciar, perante aquele indeferimento, se o mesmo poderia ser 
 ultrapassado face à existência de princípios gerais da actividade administrativa 
 que teriam sido violados pelo Regulamento, os quais só teriam que ser ponderados 
 se estivesse em causa um poder discricionário da Administração perante norma que 
 o permitisse – cfr. ac. deste STA, de 4/12/01, rec. 47670».
 
 [sublinhados aditados]
 No Acórdão recorrido afirma-se, aliás, que, no caso, “não ocorreu qualquer 
 restrição dos meios de prova”, por aplicação do Regulamento da Associação dos 
 Técnicos Oficiais de Contas em que se contêm as normas impugnadas pela 
 recorrente
 
 5.A reclamante insurge-se contra a decisão reclamada afirmando que existe uma 
 
 “falácia” no acórdão recorrido, “ao concluir que a recorrente não fez prova do 
 exercício, durante três anos, seguidos ou interpolados, da actividade 
 contabilística entre 1 de Janeiro de 1989 e 17/10/95”, bem como quando se afirma 
 que “tanto basta, para que não se ponha a questão dos vícios do Regulamento, 
 designadamente a sua inconstitucionalidade, por essa apreciação estar 
 prejudicada”. Diz, mesmo, que se trataria de uma “habilidade do Acórdão 
 recorrido (e de outros)”, os quais “uma vez que vem suscitada a 
 inconstitucionalidade do Regulamento, contornaram essa questão falando-se na Lei 
 n.º 27/98, o que é uma fraude”.
 Admite-se que a reclamante discorde da recondução da ratio decidendi, no Acórdão 
 recorrido, à prova dos requisitos exigidos pela lei, independentemente dos 
 termos em que era exigida pelo Regulamento da Associação dos Técnicos Oficiais 
 de Contas. Mas tal discordância, ou censura em relação à correcção na aplicação 
 do Direito pelo tribunal recorrido, já não é algo que compita ao Tribunal 
 Constitucional apreciar. Como se tem salientado em abundante jurisprudência, ao 
 Tribunal Constitucional a norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal 
 recorrido como ratio decidendi chega já como um dado, cuja escolha e 
 interpretação, independentemente de questões de constitucionalidade normativa 
 não compete a este Tribunal controlar. Ora, da decisão recorrida conclui-se que 
 se não pretendeu fazer aplicação do Regulamento contestado, e que se concluiu 
 pela falta de prova do requisito legal mesmo não tomando em conta restrições 
 regulamentares de prova. E independentemente da correcção da decisão recorrida 
 nesta parte (que, repete‑se, não cumpre ao Tribunal Constitucional controlar), o 
 que é certo é que, portanto, a decisão recorrida não fez aplicação, expressa ou 
 implícita, das normas do Regulamento ora impugnadas.
 E por aqui se vê, como também já ficou dito, que qualquer que fosse a decisão 
 sobre a constitucionalidade das normas impugnadas, ela em nada poderia alterar o 
 sentido da decisão recorrida.
 
 6.Contra a conclusão no sentido da falta do referido pressuposto para se poder 
 tomar conhecimento do recurso não depõe também uma argumentação, como a da 
 reclamação, no sentido de que a questão de constitucionalidade foi por si 
 atempadamente suscitada, pois não foi com esse fundamento que se recusou o 
 conhecimento do presente recurso.
 E do mesmo modo, pelos motivos acima expostos, não se pode agora conhecer do 
 problema, suscitado pela reclamante, da falta de competência regulamentar da 
 Associação de Técnicos Oficiais de Contas, ou da Comissão Instaladora dessa 
 mesma Associação. Qualquer juízo que se viesse a formular sobre esse problema 
 não teria a capacidade de alterar o decidido no acórdão referido, uma vez que – 
 mais uma vez se repete – a norma aplicada como verdadeira ratio decidendi, como 
 fundamento decisório, desse acórdão foi a norma extraída do artigo 1.º da Lei 
 n.º 27/98, de 3 de Junho, e esta não foi impugnada pela reclamante.
 A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida, confirmando-se a decisão 
 sumária reclamada.
 III Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 a reclamante em custas, com 20 (             vinte      ) unidades de conta de 
 taxa de justiça.
 
  
 Lisboa, 23 de Janeiro de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] in Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 
 
 183/184.
 
 [2] in obra citada, p. 186.
 
 [3] in obra citada, p. 504.
 
 [4] in obra citada, p. 471 e 472.
 
 [5] in Lições de Direito Administrativo, 2 edição, Coimbra, p. 437 e segs.
 
 [6] in obra citada, p. 190.
 
 [7] in obra citada, p. 266 e 267.
 
 [8] in www.dsi.pt/jsta.