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Processo n.º 260/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
                         
 
   Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A – Relatório
 
  
 
      1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 
 
 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da decisão 
 sumária proferida pelo relator, de não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de 
 Lisboa (TRL), de 12 de Outubro de 2006, aduzindo em fundamento:
 
  
 
 “[…]
 
  
 
 1.              Os presentes autos foram iniciados em 27 de Maio de 2005, com a 
 denúncia apresentada pelo ora Reclamante junto do DIAP pelos factos ocorridos na 
 noite de 26 para 27 de Janeiro de 1999, no Hospital São Francisco Xavier, que 
 consubstanciam a prática, por um conjunto de 11 pessoas determinadas e 
 identificadas, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. 
 pelos artigos 144.º, alíneas b), c) e d), e 146.º, n.º 1, do Código Penal, que 
 deixou a filha do Recorrente – ofendida nos presentes autos e hoje com a idade 
 de 7 anos e já sem grande esperança de vida – com uma deficiência permanente, 
 global e definitiva que se traduz numa incapacidade na ordem dos 99,8%. Desde 
 então que o Recorrente tem tentado recorrer ao sistema judicial do seu país que, 
 no entanto, lhe tem negado sucessiva e escandalosamente o acesso à justiça, 
 através de decisões surpreendentes e inconcebíveis, muitas vezes explicadas pela 
 pura e simples falta de leitura dos requerimentos apresentados, outras vezes 
 explicadas pela lei do menor esforço, não tendo o Recorrente conseguido, sequer, 
 que nos presentes autos tenha sido realizado um inquérito ou aberta a instrução. 
 Esta é a última das últimas instâncias a que o ora Reclamante, já desesperado, 
 recorre, na esperança de ser, pela primeira vez, ouvido.
 
  
 
 2.              O inquérito (NUIPC 5714/05.6TDLSB), que correu termos pela 6.ª 
 Secção do DIAP, contra pessoas determinadas, foi aberto e, nove meses depois, 
 encerrado sem que nenhuma diligência, nem sequer as legalmente obrigatórias, 
 tenha sido efectuada. 
 
  
 
 3.                      Isto porque os mesmos factos teriam sido já objecto de 
 um anterior processo de inquérito e instrução (Proc. n.º 13351/99.6TDLSB, em que 
 estava em causa a prática de um crime negligente por uma só pessoa) o que 
 dispensaria qualquer outra investigação (apesar de nestes autos terem sido 
 denunciadas pessoas diferentes pela prática de um crime doloso…). 
 
  
 
 4.                      O Recorrente requereu a sua constituição como assistente 
 e arguiu, junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a nulidade da falta 
 de inquérito (artigo 119.º, alínea d), do CPP) e, subsidiariamente, a nulidade 
 da insuficiência do inquérito (artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP).
 
  
 
 5.                      Na mesma peça processual, para o caso de o Tribunal 
 considerar não existirem nulidades, o Recorrente requereu, em tempo, a abertura 
 de instrução, invocando todas as razões de facto e de direito de discordância 
 relativamente à não acusação.
 
  
 
 6.                      A abertura de instrução foi inexplicavelmente rejeitada, 
 pelo despacho de fls. 168 a 197, por inadmissibilidade legal. E o Tribunal de 
 Instrução Criminal de Lisboa – nesse mesmo despacho e também inexplicavelmente – 
 não conheceu das nulidades arguidas relativamente à falta do inquérito, porque 
 considerou que esse conhecimento ficava prejudicado (?) pela rejeição da 
 abertura de instrução.
 
  
 
 7.                      O Recorrente interpôs recurso deste absurdo e 
 incompreensível despacho (de rejeição da abertura de instrução e não 
 conhecimento das nulidades processuais invocadas) para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, invocando, nesta sede, a inconstitucionalidade de uma série de normas.
 
  
 
 8.                      O Tribunal da Relação de Lisboa logo revelou a pouca ou 
 nenhuma atenção que dedicou à leitura dos autos, pois que deu início ao seu 
 acórdão afirmando e pensando estar a conhecer de um recurso do despacho de não 
 pronúncia dos arguidos, quando nem sequer fora aberta a instrução e nem sequer 
 haviam sido constituídos arguidos aqueles contra quem deveria ter corrido o 
 inquérito, se este tivesse existido para além dos formais e vazios actos de 
 abertura e encerramento.  
 
  
 
 9.                      O Tribunal da Relação de Lisboa conheceu e não declarou 
 as nulidades invocadas (apesar de nenhuma diligência de inquérito ter sido 
 realizada, nem sequer as obrigatórias, como o interrogatório dos arguidos) e 
 manteve a decisão de não abertura de instrução por inadmissibilidade legal.
 
  
 
 10.              O Recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Supremo 
 Tribunal de Justiça e, não tendo este sido admitido, recorreu do acórdão da 
 Relação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea 
 b), da Lei do Tribunal Constitucional, o que fez em tempo e com respeito dos 
 requisitos estabelecidos pelo artigo 75.º-A da mesma Lei.
 
  
 
 11.              Foi decidido pelo Venerando Conselheiro Benjamim Rodrigues, 
 Relator do processo, não conhecer do presente recurso, por várias ordens de 
 razões, expostas nas páginas 14 a 24 da sua decisão, que se prendem com o modo 
 como o Recorrente invocou a inconstitucionalidade das normas que pretende ver 
 apreciadas e com o tempo processual dessa invocação. Vejamos:
 
  
 
 12.              No requerimento de recurso para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, o Recorrente suscitou a inconstitucionalidade das normas contidas nos 
 artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, todos do CPP, na medida em que 
 permitam a interpretação segundo a qual pode o inquérito ser arquivado sem que 
 nenhuma diligência probatória haja sido levada a cabo, por violação do artigo 
 
 20.º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 13.              Suscitou ainda, na mesma peça processual, a 
 inconstitucionalidade da norma contida no artigo 287.º, n.º 3, do CPP, na medida 
 em que permita a interpretação segundo a qual pode a instrução ser rejeitada por 
 dos autos não resultarem suficientes indícios do dolo do agente dos factos 
 puníveis, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 14.              Quando interpôs recurso para Supremo Tribunal de Justiça, o 
 Recorrente invocou de novo a inconstitucionalidade das normas supra referidas e, 
 ainda, a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 119.º, alínea d), 
 
 120.º, n.º 2, alínea d), e 272.º, n.º 1, todos do CPP, na medida em que permitam 
 a interpretação segundo a qual pode o inquérito ser arquivado sem que nenhuma 
 diligência probatória haja sido levada a cabo, por violação dos mais elementares 
 princípios do Estado de Direito, designadamente os consagrados nos artigos 2.º, 
 
 20.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 15.              Invocou, ainda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 
 a inconstitucionalidade das norma contida no artigo 287.º, nºs 2, conjugada com 
 o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPP, na medida em que 
 permitam a interpretação segundo a qual pode a instrução ser rejeitada, por dos 
 autos não resultarem suficientes indícios do dolo do agente ou dos factos 
 puníveis, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 
 16.              Ora, admitindo que a invocação da inconstitucionalidade destas 
 normas perante o Supremo Tribunal de Justiça, num requerimento de recurso que 
 não foi admitido, já não foi feita a tempo de o Juiz da Relação se pronunciar 
 sobre a suscitada questão de inconstitucionalidade, resta, porém, a esse 
 Tribunal, a apreciação da questão da constitucionalidade de todas as outras 
 normas suscitada, em tempo e de modo adequado, perante o Tribunal da Relação de 
 Lisboa. Tais normas são as que constam dos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, 
 nºs 1 e 2, e 287.º, n.º 3, todos do CPP.
 
  
 
 17.              Começando pelas primeiras normas – as relativas ao inquérito –, 
 vejamos como o Tribunal da Relação de Lisboa aplicou, no seu acórdão, as normas 
 
 (constantes dos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP) cuja 
 inconstitucionalidade havia sido suscitada, e na interpretação pelo Recorrente 
 reputada de inconstitucional, ao contrário do sustentado a páginas 20, 21 e 22 
 da decisão ora reclamanda.
 
  
 
 18.              É defendido na decisão reclamanda que:
 
 (i)                                                         o Recorrente 
 impugnou, “não a norma, enquanto critério de decisão judicial, com o qual foi 
 contrastado o quadro factual, mas o resultado do juízo efectuado pelo tribunal 
 consequente da aplicação desse critério normativo aos factos”;
 
 (ii)                                                    a decisão recorrida não 
 se funda no entendimento de que, segundo tais preceitos, o inquérito possa ser 
 arquivado sem que nenhuma diligência probatória haja sido levada a cabo, antes 
 se fundando no entendimento de que não constitui nulidade a não realização, pelo 
 Ministério Público, de diligências probatórias de prática não obrigatória 
 legalmente, dado caber na autonomia do Ministério Público levar a cabo ou 
 promover as diligências que entender necessárias; e que
 
 (iii)                                                a falta de impugnação 
 atempada dos artigos 119.º, alínea d), e 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP sempre 
 teria por resultado o de que a declaração de inconstitucionalidade das normas 
 contidas nos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP nunca 
 poderia ter por efeito a anulação do processo de inquérito nos autos em causa, 
 pelo que não se teria por verificado o pressuposto da instrumentalidade do 
 recurso para o Tribunal Constitucional.
 
  
 
 19.              Importa, em primeiro lugar, salientar que o Recorrente – 
 antecipando a possibilidade de o Tribunal da Relação interpretar as normas 
 contidas nos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP num sentido 
 inconstitucional – suscitou perante aquele Tribunal a inconstitucionalidade 
 daquelas normas, em determinada interpretação, e não a inconstitucionalidade de 
 qualquer decisão.
 
  
 
 20.              Fê-lo com toda a clareza, como se pode ver do excerto do 
 requerimento de recurso para a Relação que se transcreve: “O Recorrente desde já 
 invoca, para todos os efeitos, a inconstitucionalidade dos artigos 262.º, n.º 1, 
 
 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, todos do CPP, na medida em que permitam a 
 interpretação segundo a qual pode o inquérito ser arquivado sem que nenhuma 
 diligência probatória haja sido levada a cabo, por violação do artigo 20.º da 
 Constituição da República Portuguesa.”.
 
  
 
 21.              Em segundo lugar, é inequívoco que o acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa se funda na aplicação destas normas, na interpretação 
 referida. Se é certo que o Tribunal a quo entendeu que o modo como o Ministério 
 Público conduziu o inquérito não acarreta a nulidade da insuficiência do 
 inquérito, uma vez que, no seu entender, o artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do 
 CPP só se aplica aos casos de “ausência absoluta de inquérito” ou “omissão de 
 diligências impostas por lei”, também é certo que, para chegar a esta conclusão, 
 a decisão recorrida teve de interpretar e aplicar ao caso concreto as normas 
 constantes dos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP.
 
  
 
 22.              Com efeito, como poderia o Tribunal concluir pela inexistência 
 da nulidade da insuficiência do inquérito sem antes determinar e aplicar as 
 normas que determinam quais as diligências que devem ser levadas a cabo no 
 inquérito? Como dizer que o inquérito não foi insuficiente sem antes definir em 
 que deve consistir a fase do inquérito, para que este seja suficiente?
 
  
 
 23.              Foi este o caminho percorrido pelo acórdão ora recorrido: 
 depois de afirmar que só existe a nulidade da insuficiência do inquérito quando 
 ocorra ausência absoluta ou total de inquérito (o que não deixa de causar 
 perplexidade, na medida em que inutiliza assim por completo a norma contida no 
 artigo 119.º, alínea d), do CPP), ou se omita acto que a lei prescreve como 
 obrigatório, o Tribunal fundamenta este entendimento na interpretação que faz 
 das normas que enformam a fase do inquérito propriamente dita e que ditam os 
 deveres e poderes do Ministério Público.
 
  
 
 24.              Assim, diz-se no acórdão (cfr. página 7): “Ancora-se esta 
 solução no entendimento de que a titularidade do inquérito, bem como a sua 
 direcção, pertencem ao Ministério Público, art.º 262.º e 263.º do Código 
 Processo, sendo este livre – dentro do quadro legal e estatutário em que se move 
 e a que deve estrita obediência, art.º 53.º, 267.º do Código Processo Penal – de 
 promover as diligências que entender necessárias, ou convenientes com vista a 
 fundamentar uma decisão de acusar ou arquivar, com excepção dos actos de prática 
 obrigatória no decurso do inquérito, como sejam os actos de interrogatório do 
 arguido […]. A investigação decorre naquilo que se chama a fase de inquérito, 
 art.º 262.º, sob a direcção do Ministério Público.” (sublinhados nossos).
 
  
 
 25.              A interpretação expressamente dada pelo acórdão da Relação às 
 normas constantes dos artigos 262.º e 267.º do CPP e implicitamente dada às 
 normas contidas nos nºs 1 e 2 do artigo 277.º do CPP é a de que o Ministério 
 Público, como titular do inquérito, é, na sua autonomia, livre de promover as 
 diligências que entender necessárias ou convenientes com vista a fundamentar uma 
 decisão de acusar ou arquivar.
 
  
 
 26.              Note-se que só aparentemente é que, na sua interpretação, o 
 Tribunal da Relação “salvaguarda” “os actos de prática obrigatória e as 
 exigências decorrentes do princípio da legalidade” (cfr. página 8). Com efeito, 
 em momento algum se afirma terem sido realizados os actos de prática obrigatória 
 
 – por exemplo, o interrogatório dos arguidos imposto pelo artigo 272.º, n.º 1, 
 do CPP – no inquérito dos presentes autos. Faz-se apenas alusão a um outro 
 processo de inquérito (cfr., na página 6, a referência ao Processo n.º 
 
 13351/99.6TDLSB). E ninguém, nem mesmo o Tribunal da Relação, nega que nenhuma 
 diligência foi realizada no inquérito dos presentes autos.
 
  
 
 27.              E o certo é que o Tribunal conclui pela inexistência da 
 nulidade da insuficiência de inquérito. O mesmo é dizer que a abertura e 
 encerramento do inquérito sem que nenhuma diligência seja feita, nem mesmo as 
 obrigatórias, cabem ainda – na interpretação dada às normas dos artigos 262.º, 
 n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP – dentro dos limites de liberdade que o 
 Tribunal da Relação traçou a páginas 7 e 8 do seu acórdão para a actuação do 
 Ministério Público.
 
  
 
 28.              Quando o Tribunal afirma ficarem salvaguardados os actos de 
 prática obrigatória, de três, uma: ou disse mais do que queria dizer, ou entende 
 que não há nenhum acto que deva ser obrigatoriamente realizado na fase do 
 inquérito, ou entende que tais actos, como o interrogatório daqueles contra quem 
 o inquérito corre, podem ser praticados em outros processos, anteriores, com 
 outras pessoas…
 
  
 
 29.              Seja como for, o Tribunal da Relação, ao discorrer sobre os 
 poderes do Ministério Público na direcção do inquérito e sobre o mínimo de 
 diligências que devem existir para que exista inquérito, e ao concluir pela 
 existência e suficiência do inquérito, sem ter negado – por ser inegável – que 
 nenhuma diligência de inquérito foi feita, deu às normas contidas nos artigos 
 
 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP uma “interpretação segundo a qual 
 pode o inquérito ser arquivado sem que nenhuma diligência probatória haja sido 
 levada a cabo”.
 
  
 
 30.              Esta foi a interpretação dada pelo Tribunal da Relação àquelas 
 normas e foi esta a interpretação cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo 
 Recorrente no seu requerimento de recurso para a Relação.
 
  
 
 31.              E dúvidas não há de que “a questão de inconstitucionalidade 
 suscitada pode respeitar não apenas à norma ou a uma sua dimensão parcelar, 
 considerada em si, mas também à interpretação ou sentido com que ela foi tomada 
 no caso concreto e aplicada na decisão recorrida – sendo objecto idóneo do 
 recurso de constitucionalidade fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei n.º 28/82 a inconstitucionalidade dessa norma enquanto assim interpretada na 
 decisão recorrida.” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional 238/94, in Boletim 
 do Ministério da Justiça, 435-389).
 
  
 
 32.              O que não se pode é negar que o Tribunal da Relação tenha 
 interpretado e aplicado aquelas normas no sentido de admitir que nenhuma 
 diligência de inquérito seja feita. Nem se pode continuar a sustentar que a 
 interpretação do Tribunal da Relação salvaguarda os actos de prática 
 obrigatória… Como sustentar tal afirmação, se o facto de não ter sido realizada 
 nenhuma das diligências obrigatórias de inquérito não alterou, em um milímetro, 
 a conclusão do Tribunal no sentido claro da existência e suficiência do 
 inquérito dos presentes autos?
 
  
 
 33.              A interpretação dada foi só uma: a de que ainda são respeitadas 
 as normas constantes dos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP 
 quando o Ministério Público abre e arquiva o inquérito sem realizar qualquer 
 diligência.
 
  
 
 34.              Continuar a afirmar que o Tribunal da Relação interpretou 
 aquelas normas num sentido que salvaguarda sempre os actos de prática 
 obrigatória – cuja falta traria consigo a insuficiência do inquérito –, não 
 obstante ter o mesmo Tribunal decidido ser suficiente um inquérito em que nenhum 
 acto foi realizado é afirmar a total incoerência do acórdão recorrido e admitir 
 a completa “decisão surpresa” – incoerência e surpresa que, para mais, são 
 insusceptíveis de fiscalização judicial por qualquer instância superior.
 
  
 
 35.              Admitir a total incoerência do acórdão e colocar sobre os 
 ombros do Recorrente o prejuízo e o peso da imodificabilidade do mesmo é uma 
 forma inadmissível de contornar a possibilidade de sindicância da 
 constitucionalidade das normas pelo Tribunal Constitucional, porque, em casos 
 como este, os tribunais a quo passariam a poder disfarçar a sua decisão 
 expressando “interpretações correctas e constitucionais” das normas, do mesmo 
 passo que, “pela calada”, aplicariam as mesmas normas numa interpretação 
 diferente – esta sim, inconstitucional, mas, por não ser expressamente declarada 
 no acórdão, subtraída do poder de fiscalização pelo Tribunal Constitucional.
 
  
 
 36.              Assim, a interpretação dada pelo Tribunal da Relação às normas 
 contidas nos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP, não pode 
 ser outra senão aquela que resultou na decisão adoptada (a de considerar 
 existente e suficiente um inquérito em que nenhuma diligência foi feita), por 
 mais que tenham sido afirmadas expressamente outras interpretações – como a de 
 que a liberdade do Ministério Público não abrange os actos de prática 
 obrigatória – incompatíveis com a interpretação efectivamente sustentada e 
 aplicada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
 
  
 
 37.              Ainda quanto à invocação da inconstitucionalidade destas normas 
 relativas ao inquérito, cumpre, finalmente, fazer referência ao terceiro 
 argumento utilizado pela decisão de que ora se reclama (cfr. supra o ponto 18. 
 
 (iii)) para sustentar o não conhecimento do recurso.
 
  
 
 38.              Diz-se na decisão reclamanda que a falta de impugnação atempada 
 dos artigos 119.º, alínea d), e 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP sempre teria por 
 resultado o de a declaração de inconstitucionalidade das normas contidas nos 
 artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP não poder ter por efeito 
 a anulação do processo de inquérito nos autos em causa, pelo que se teria por 
 não verificado o pressuposto da instrumentalidade do recurso para o Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
 39.              Ora, como vimos, a decisão de não declarar as nulidades da 
 falta ou insuficiência do inquérito foi apenas o ponto de chegada do caminho de 
 interpretação – inconstitucional – e aplicação das normas contidas nos artigos 
 
 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP, no sentido de que o Ministério 
 Público é livre de promover as diligências que considere necessárias ou 
 convenientes com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou arquivar e de, se 
 entender não ser necessária qualquer diligência, não promover nenhuma 
 diligência.
 
  
 
 40.              O Recorrente, ora Reclamante, discorda do que vai afirmado na 
 página 22 da decisão reclamanda, quando sustenta que a declaração de 
 inconstitucionalidade dos referidos preceitos, mesmo na interpretação impugnada 
 pelo Recorrente, não teria por efeito a anulação do inquérito, por a aplicação 
 daqueles preceitos com o sentido reputado inconstitucional não se achar prevista 
 como causa de nulidade nos artigos 119.º, alínea d), e 120.º, n.º 2, alínea d), 
 do CPP.
 
  
 
 41.              É que não foi na interpretação inconstitucional dos artigos 
 
 119.º, alínea d), e 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP que o Tribunal da Relação 
 fundou a sua decisão. Foi na errada delimitação dos poderes do Ministério 
 Público na direcção do inquérito – na interpretação inconstitucional já referida 
 
 – que assentou a decisão do acórdão recorrido.
 
  
 
 42.              Com efeito, para poder decidir se havia insuficiência do 
 inquérito, o Tribunal teve de traçar primeiro as fronteiras dos poderes do 
 Ministério Público na definição das diligências em que deve consistir o 
 inquérito. E foi porque o Tribunal definiu amplamente – e inconstitucionalmente 
 
 – aqueles poderes (ao ponto de o Ministério Público poder não realizar qualquer 
 diligência sem que deixe de existir um inquérito válido) que se tornou 
 inevitável a conclusão de que o inquérito havia sido suficiente.
 
  
 
 43.              A aplicação dos artigos 119.º, alínea d), e 120.º, n.º 2, 
 alínea d), do CPP ao caso dos autos depende inteiramente da interpretação que 
 previamente se faça das normas que regulam a fase do inquérito. E foi neste 
 ponto que residiu a inconstitucionalidade suscitada.
 
  
 
 44.              Ora, a ser julgado o presente recurso, uma vez acolhida a 
 impugnação das normas constantes dos artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 
 e 2, do CPP, na interpretação feita pelo Tribunal da Relação, a consequência 
 será a da automática subsunção do inquérito (ou do não inquérito) dos autos às 
 normas que estabelecem a nulidade da falta ou, pelo menos, insuficiência do 
 inquérito, sem que estas normas – as dos artigos 119.º, alínea d), e 120.º, n.º 
 
 2, alínea d), do CPP – tenham, também elas, de ser julgadas inconstitucionais.
 
  
 
 45.              A declaração de inconstitucionalidade das normas constantes dos 
 artigos 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, do CPP, na interpretação que 
 lhes foi dada pelo acórdão recorrido, terá por efeito o da aplicação imediata, 
 pelo menos, da norma do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP, pois que, se o 
 Tribunal Constitucional fixar, como interpretação daquelas normas, que um 
 inquérito só é suficiente quando realizadas, pelo menos, as diligências 
 legalmente obrigatórias, passará imediatamente a ser insuficiente o inquérito 
 dos autos, por nele não ter sido realizada qualquer diligência, nem sequer as 
 obrigatórias. 
 
  
 
 46.              O recurso mantém, pois, a sua utilidade e todo o seu carácter 
 instrumental, donde nada impede que dele seja tomado conhecimento. 
 
  
 
 47.              Passemos, finalmente, às razões apontadas para o não 
 conhecimento da suscitada inconstitucionalidade do artigo 287.º, n.º 3, do CPP 
 
 (cfr. páginas 23 e 24 da decisão de que ora se reclama).
 
  
 
 48.              As razões apontadas vão no sentido de que a dimensão normativa 
 do artigo 287.º, n.º 3, em que se fundou o acórdão recorrido (no entender da 
 decisão reclamanda, a de poder ser rejeitada a abertura de instrução por não 
 terem sido articulados no requerimento de abertura de instrução factos concretos 
 donde resultasse o dolo) não coincide com a dimensão normativa que o Recorrente 
 suscitou perante o Tribunal da Relação (a de poder ser rejeitada a abertura de 
 instrução por dos autos não resultarem suficientes indícios do dolo do agente 
 dos factos puníveis).
 
  
 
 49.              Ora, salvo o devido respeito, se é certo que, no final da 
 página 12 do acórdão recorrido, o Tribunal da Relação afirma que “o assistente 
 não articulou factos concretos donde resulte o elemento cognitivo do dolo, ou 
 seja, de que forma e quando os arguidos tiveram conhecimento de que as lesões 
 ocorreriam em face da sua acção/omissão e se conformaram com a sua produção.” (o 
 que é falso, como se poderá ver pela leitura do requerimento de abertura de 
 instrução), também é certo que o Tribunal da Relação assenta fundamentalmente a 
 sua decisão, quanto a este aspecto, no que vai referido na página 13 do acórdão, 
 além de acolher expressamente toda a fundamentação aduzida na decisão então 
 recorrida (o despacho de fls. 168 a 197).
 
  
 
 50.              Na verdade, se, no início da página 13 do acórdão, este parece 
 querer fundar a decisão na falta de articulação de factos susceptíveis de 
 integrar o elemento subjectivo do dolo, logo se percebe que, afinal, o 
 fundamento da decisão (e a dimensão normativa do artigo 287.º, n.º 3, do CPP) é 
 o de não resultarem dos autos suficientes indícios do dolo dos agentes.
 
  
 
 51.              Tal fundamentação é expressa e inegável. Vejamos (cfr. página 
 
 13 do acórdão):
 
 “Isso mesmo resulta das diligências efectuadas no âmbito do Pº 13351/99.6TDLSB, 
 aliás, mencionadas no despacho recorrido, donde se pode concluir pela não 
 conformação dos acusados no que concerne ao resultado ocorrido, mesmo a titulo 
 de dolo eventual. 
 Na verdade conforme resulta da queixa, os denunciados tinham conhecimentos 
 especiais e bem sabiam que uma actuação desconforme às legis artis poderiam ter 
 causado efeitos como os sucedidos, mas tal raciocínio que em abstracto se pode 
 admitir não se encontra minimamente indiciado nos autos por qualquer facto ou 
 indício e não pode valer em termos probatórios face aos princípio do sistema 
 penal. […]” (sublinhado nosso).
 
  
 
 52.              Se esta fundamentação não se refere a indícios (prova) do dolo, 
 então a que se refere? À falta de articulação de factos? Certamente que não. É o 
 próprio acórdão que admite em abstracto o facto articulado pelo assistente – o 
 de que os denunciados tinham conhecimentos especiais e bem sabiam que uma 
 actuação desconforme às legis artis poderia ter causado efeitos como os 
 sucedidos – para logo concluir que faltam… os indícios. Isto é, que dos autos 
 não resultam os indícios do dolo.
 
  
 
 53.              Como pode então a decisão reclamanda negar que seja esta a 
 dimensão normativa do artigo 287.º, n.º 3, do CPP que serviu de fundamento à 
 decisão do acórdão recorrido? É que se não é esta a dimensão, então o Tribunal 
 da Relação induziu o Recorrente em erro, e esse erro tem de ser desculpado. 
 
  
 
 54.              Mas o acórdão continua:
 
 “Na verdade, para assim ser, teria de resultar dos autos a previsão em concreto 
 pelos imputados do resultado ocorrido e consequente conformação com o mesmo, 
 mesmo a título de mera possibilidade, o que não resulta de qualquer diligência 
 efectuada nem se vislumbra possa resultar de outras que fossem efectuadas.” 
 
 (sublinhado nosso).
 
  
 
 55.              Não estamos aqui de novo perante considerações sobre indícios e 
 prova do dolo? O facto de o Tribunal da Relação de Lisboa, num juízo que não se 
 sabe donde vem, não vislumbrar que a prova do dolo possa resultar de outras 
 diligências que fossem efectuadas é razão para se rejeitar a abertura de 
 instrução? 
 
  
 
 56.              Que tal começar-se pela diligência mais óbvia e tantas vezes 
 requerida, quase suplicada, pelo ora Reclamante – a do interrogatório das 11 
 pessoas contra quem deveria ter corrido o inquérito e que estiveram (ou deviam 
 ter estado) a assistir a ofendida na noite das lesões à sua integridade física? 
 Não vislumbrou o Tribunal da Relação esta diligência?
 
  
 
 57.              Do exposto resulta com clareza que, se esta dimensão normativa 
 do artigo 287.º, n.º 3, do CPP não foi a única que serviu de base à manutenção, 
 pelo Tribunal da Relação, da decisão de rejeição da abertura de instrução, foi, 
 pelo menos, preponderante naquela decisão.
 
  
 
 58.              Pelo que a dimensão normativa do artigo 287.º, n.º 3, do CPP 
 que serviu de fundamento à decisão recorrida coincide com aquela que o 
 Recorrente suscitou e definiu no seu requerimento de interposição de recurso.
 
  
 
 59.              Aqui chegados, não restam obstáculos ao conhecimento, por esse 
 Venerando Tribunal, do recurso interposto pelo ora Reclamante.
 
  
 
 60.              O Recorrente pretende, assim, que o Tribunal Constitucional 
 aprecie a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 262.º, n.º 1, 
 
 267.º e 277.º, nºs 1 e 2, todos do CPP, na medida em que permitam a 
 interpretação segundo a qual pode o inquérito ser arquivado sem que nenhuma 
 diligência probatória haja sido levada a cabo, nem sequer o interrogatório dos 
 arguidos, 
 
  
 
 61.              e, ainda, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 
 
 287.º, n.º 3, do CPP, na medida em que permita a interpretação segundo a qual 
 pode a abertura de instrução ser rejeitada por dos autos não resultarem 
 suficientes indícios do dolo do agente ou dos factos puníveis,
 
  
 
 62.              tudo por violação dos princípios consagrados nos artigos 20.º, 
 nºs 1, 4 e 5, e 202.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
 
  
 Termos em que deve ser conhecido por esse Venerando Tribunal o presente recurso 
 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com os legais efeitos e 
 consequências.».
 
  
 
  
 
                         2 – O Procurador-Geral Adjunto respondeu dizendo:
 
  
 
       1º 
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente. 
 
  
 
  
 
 2º 
 Na verdade, a longa exposição deduzida pelo reclamante em nada abala os 
 fundamentos da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos 
 pressupostos do recurso interposto. 
 
  
 
 3º
 Devendo, pois, confirmar-se inteiramente tal decisão”. 
 
  
 
  
 
                         3 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
 «1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea 
 b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual 
 versão (LTC), do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 
 
 12 de Outubro de 2006, através de requerimento do seguinte teor, na parte aqui 
 relevante:
 
                   «1.O Recorrente pretende interpor recurso do Acórdão proferido 
 em 12 de Outubro de 2006 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos autos que, com 
 o nº 6197/06-9 correram pela respectiva 9ª Secção, que manteve em parte o 
 decidido no despacho do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, proferido a 
 fls. 168 a 197 dos autos que aí correram pelo 1º Juízo, com o nº 5714/05.6TDLSB. 
 
 
 
 2.            Este despacho não conheceu das nulidades do inquérito arguidas 
 pelo ora Recorrente e indeferiu o requerimento de abertura de instrução, por 
 
 “inadmissibilidade legal”, invocando o artigo 287º, nº 3, do Código de Processo 
 Penal (CPP). 
 
 3.            Deste despacho o Assistente recorreu para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, em tempo e apresentando a respectiva motivação, tendo suscitado, no 
 requerimento de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, a 
 inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 262º, nº 1, 267º e 277º, 
 nºs 1 e 2, todos do CPP, na medida em que permitam a interpretação segundo a 
 qual pode o inquérito ser arquivado sem que nenhuma diligência probatória haja 
 sido levada a cabo, por violação do artigo 20º da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
 4.            Suscitou ainda, na mesma peça processual, a inconstitucionalidade 
 da norma contida no artigo 287º, nº 3, do CPP, na medida em que permita a 
 interpretação segundo a qual pode a instrução ser rejeitada por dos autos não 
 resultarem suficientes indícios do dolo do agente dos factos puníveis, por 
 violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 
 
 5.            Não obstante, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de que 
 ora se recorre, aplicou as referidas normas, na interpretação cuja 
 inconstitucionalidade havia sido suscitada, tendo mantido a decisão da rejeição 
 de abertura de instrução e, conhecendo das nulidades invocadas, não as 
 declarando. 
 
 6.            Deste acórdão o Recorrente interpôs recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, invocando de novo a inconstitucionalidade das normas supra 
 referidas e, ainda, das normas contidas nos artigos 119º, alínea d), 120º, nº 2, 
 alínea d), e 272º, nº 1, todos do CPP, na medida em que permitam a interpretação 
 segundo a qual pode o inquérito ser arquivado sem que nenhuma diligência 
 probatória haja sido levada a cabo, por violação dos mais elementares princípios 
 do Estado de Direito, designadamente os consagrados nos artigos 2º, 20º e 202º 
 da Constituição da República Portuguesa. 
 
 7.            Invocou, ainda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a 
 inconstitucionalidade das norma contida no artigo 287º, nºs 2, conjugada com o 
 disposto no artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), do CPP, na medida em que 
 permitam a interpretação segundo a qual pode a instrução ser rejeitada, por dos 
 autos não resultarem suficientes indícios do dolo do agente ou dos factos 
 puníveis, por violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. 
 
 8.            O despacho de fls. 368 e 369 do Tribunal da Relação de Lisboa 
 decidiu, porém, não admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 
 
 9.            Desta rejeição o Recorrente reclamou, tendo a reclamação sido 
 indeferida, só então se tendo tornado definitiva a decisão que não admitiu o 
 recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, para os efeitos de contagem 
 do prazo para o presente recurso previstos no artigo 75º, nº 2, da Lei do 
 Tribunal Constitucional. 
 
 10.        O ora Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 119º, alínea d), 120º, nº 
 
 2, alínea d), 262º, nº 1, 267º, 272º, nº 1, e 277º, nºs 1 e 2, todos do CPP, na 
 medida em que permitam a interpretação segundo a qual pode o inquérito ser 
 arquivado sem que nenhuma diligência probatória haja sido levada a cabo, nem 
 sequer o interrogatório dos arguidos, 
 
 11.        e, ainda, a inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 287º, 
 nºs 2 e 3, conjugadas com o disposto no artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), do 
 CPP, na medida em que permitam a interpretação segundo a qual pode a abertura de 
 instrução ser rejeitada, por dos autos não resultarem suficientes indícios do 
 dolo do agente ou dos factos puníveis, 
 
 12.        tudo por violação dos princípios consagrados nos artigos 20º, nºs 1, 
 
 4 e 5, e 202º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. 
 
 13.        Não sendo o Acórdão da Relação de Lisboa de que ora se recorre 
 susceptível de recurso ordinário, conforme decidido pelo despacho de fls. 368 e 
 
 369 e confirmado pelo Despacho de 19 de Dezembro de 2006 do Supremo Tribunal de 
 Justiça, verificam-se todos os pressupostos da recorribilidade do referido 
 acórdão para o Tribunal Constitucional».            
 
            
 
            2 – O recurso foi admitido pelo tribunal a quo. Todavia, como se 
 estabelece no art. 76.º, n.º 3, da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal 
 Constitucional. Por isso, e, porque se configura uma situação que se enquadra no 
 n.º 1 do art. 78.º-A, da LTC, passa a decidir-se imediatamente.
 
  
 
            3 – O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que o recorrente 
 impugna constitucionalmente tem o seguinte teor:
 
 «I. 
 No processo de instrução nº 5714/05.6 TDLSB do 1º Juízo do Tribunal de Instrução 
 Criminal de Lisboa, o assistente, A., inconformado com o despacho de fls. 168 a 
 
 197, que não pronunciou os arguidos, Maria Isabel Ramos Soares Rocha e outros, 
 melhor identificados a fls. 179, pela prática de um crime de ofensa à 
 integridade física qualificada p.p. pelos art°s. 144º, als b), c) e d) do 
 C.Penal e art. 146º nº 1 do mesmo diploma, vem, nos termos dos artigos 399º e 
 
 400º a contrario, ambos do Código de Processo Penal, dele interpor o presente 
 recurso com os fundamentos constantes da respectiva motivação e as seguintes 
 conclusões: 
 
 -“…
 
 - O Recorrente invocou de forma suficiente e fundamentada as nulidades da falta 
 e insuficiência do inquérito, nulidades estas que haviam de ter sido apreciadas 
 pelo juiz de instrução antes do requerimento de abertura de instrução, como 
 mandava a lógica mais elementar. 
 
 - Por não ter sido feito nenhum acto de inquérito, nenhuma das diligências 
 exigidas pelos artigos 262º, nº 1, e 267º do CPP, o presente processo padece da 
 nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea d), do CPP, uma vez que a 
 abertura e encerramento formais de um inquérito, quando este é vazio de 
 conteúdo, não basta para existir inquérito, no sentido que lhe é dado pela lei 
 penal. 
 
 - Para o caso de se entender que existiu inquérito, o que se coloca sem 
 conceder, o Recorrente, vem arguir a nulidade da insuficiência do inquérito, 
 prevista no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP, por estar ainda em tempo, já 
 que estamos em momento anterior ao do encerramento do debate instrutório. 
 
 - Não tendo o juiz de instrução apreciado as invocadas nulidades, ao estabelecer 
 uma errada relação de prejudicialidade, violou a norma contida no artigo 660º nº 
 
 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º do CPP, pois que 
 devia ter apreciado as nulidades processuais antes de apreciar o requerimento de 
 abertura de instrução. 
 
 - Requer-se a esse Tribunal da Relação que aprecie as nulidades invocadas, a 
 primeira das quais é, aliás, de conhecimento oficioso, concluindo pela 
 verificação da primeira ou da segunda e ordenando a repetição do inquérito. 
 
 - O Recorrente invoca, para todos os efeitos, a inconstitucionalidade dos 
 artigos 262º, nº 1, 267º e 277º, nºs 1 e 2, todos do CPP, na medida em que 
 permitam a interpretação segundo a qual pode o inquérito ser arquivado sem que 
 nenhuma diligência probatória haja sido levada a cabo, por violação do artigo 
 
 20º da Constituição da República Portuguesa. 
 
 - Mas caso não se entenda existir qualquer das nulidades supra arguidas – o que 
 se admite sem conceder –, o ora Recorrente requer a esse Tribunal da Relação que 
 anule a decisão da rejeição da abertura de instrução e a declare aberta, para 
 investigação dos factos alegados no requerimento de abertura de instrução e 
 realização das diligências aí solicitadas. 
 
 - Isto porque o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo 
 Recorrente não era “legalmente inadmissível”. Vejamos: 
 
 - Os factos objecto dos presentes autos consubstanciam a prática, pelas pessoas 
 nos autos identificadas e por outras cuja identidade venha a apurar-se, de um 
 crime de ofensa à integridade física de B., grave e na forma qualificada, 
 previsto e punido pelas disposições conjugadas constantes dos artigos 144º, 
 alíneas b), c) e d), 146º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 2, alínea b), todos do CP. 
 
 - Na sequência do arquivamento do inquérito, durante o qual não foi realizada 
 qualquer diligência probatória, o ora Recorrente constituiu-se assistente e, em 
 tempo, requereu a abertura de instrução. 
 
 - Deixou bem claro, no seu requerimento, que se justificava plenamente, neste 
 processo, uma nova investigação dos factos que já haviam sido investigados no 
 anterior processo nº 13351/99.6TDLS6, uma vez que o crime agora sujeito a 
 investigação era um crime punível a título de dolo e que era essencial averiguar 
 da existência de indícios de dolo – coisa que naturalmente não foi feita no 
 
 âmbito do outro processo, pois que a existência ou não de dolo era irrelevante, 
 na investigação de um crime negligente. 
 
 - Não podia o Tribunal ter fundamentado aquela rejeição em conclusões 
 exclusivamente retiradas do processo anterior que, como já se disse e repetiu, 
 tinha por objecto um crime negligente. 
 
 - A apreciação do requerimento de abertura de instrução não comporta, em si, o 
 julgamento, a priori, da causa, a decisão final sobre se os agentes agiram 
 dolosamente ou sem dolo (sobretudo sem que nenhuma prova tenha sido produzida!). 
 
 
 
 - Não é isso que a lei pretende quando, no artigo 287º, nº 3, do CPP, fala da 
 inadmissibilidade legal do requerimento de abertura de instrução. Não pretendeu, 
 certamente, o legislador, que o juiz de instrução, aquando da decisão sobre a 
 abertura ou não da instrução, fizesse logo o julgamento da causa e só admitisse 
 a instrução quando já estivessem provados o tipo objectivo e o tipo subjectivo 
 do crime em causa! O que restaria, então, para a própria fase da instrução e 
 para a fase do julgamento, se tantas certezas fossem necessárias para a simples 
 abertura de instrução? 
 
 - Não pode ser rejeitada a instrução com fundamento na inadmissibilidade legal 
 da mesma, apoiando-se tal conclusão na inexistência nos autos de indícios 
 suficientes para integrar os crimes que são imputados ao arguido no requerimento 
 de abertura de instrução. 
 
 - A decisão recorrida violou o artigo 287º, nº 3, interpretando a expressão 
 
 “inadmissibilidade legal” de modo contrário à correcta interpretação, expressa 
 na conclusão anterior. 
 
 - E nem o princípio “ne bis in idem” obsta a esta conclusão. É que, como já foi 
 dito, não são as mesmas pessoas que estão sujeitas a novo procedimento criminal, 
 antes os mesmos factos, já que o processo nº 133551/99.6TDLSB, dependente de 
 queixa, prosseguiu apenas contra uma pessoa, sendo que no presente processo se 
 pretende sejam constituídas arguidas onze pessoas identificadas, para além dos 
 incertos cuja responsabilidade venha a ser apurada. 
 
 - O Tribunal interpretou erradamente o artigo 29º, nº 5, da CRP, pois que dessa 
 norma conclui que os mesmos factos não podem ser investigados em mais do que um 
 processo. 
 
 - O Recorrente desde já invoca, para todos os efeitos, a inconstitucionalidade 
 do artigo 287º, nº 3, do CPP, na medida em que permita a interpretação segundo a 
 qual pode a instrução ser rejeitada, por dos autos não resultarem suficientes 
 indícios do dolo do agente dos factos puníveis, por violação do artigo 20º da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 
 - O Tribunal a quo violou o artigo 20º da CRP, pois que negou injustificadamente 
 ao Recorrente o acesso à justiça. 
 Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o douto suprimento de Vossa 
 Excelência, requer seja revogado o Despacho de fls. 168 e seguintes, na parte em 
 que rejeita a abertura de instrução e considera prejudicada a apreciação das 
 nulidades processuais invocadas e, consequentemente: 
 a) seja declarada a nulidade prevista no artigo 119º alínea d), do CPP, 
 consistente na falta de inquérito, com a consequente revogação do despacho de 
 arquivamento, e seja ordenada a realização de inquérito com as diligências 
 referidas no ponto II. (iii) do requerimento de abertura de instrução, 
 concluindo-se pela acusação das pessoas nomeadas na denúncia e das demais 
 pessoas responsáveis cuja identidade venha a apurar-se pela prática do crime de 
 ofensa à integridade física grave na forma qualificada; 
 b) quando assim não se entenda, seja declarada a nulidade prevista no artigo 
 
 120º, nº 2, alínea d), do CPP, consistente na insuficiência do inquérito, com a 
 consequente revogação do despacho de arquivamento, e seja ordenada a repetição 
 do inquérito, com a realização das diligências referidas no ponto II. (iii) do 
 requerimento de abertura de instrução, concluindo-se pela acusação das pessoas 
 nomeadas na denúncia e das demais pessoas responsáveis cuja identidade venha a 
 apurar-se pela prática do crime de ofensa à integridade física grave na forma 
 qualificada; 
 c) quando assim não se entenda, seja declarada aberta a instrução e realizadas 
 as diligências instrutórias referidas no ponto II. (iii) do requerimento de 
 abertura de instrução, concluindo-se pela pronúncia das pessoas nomeadas na 
 denúncia e no requerimento de abertura de instrução e das demais pessoas 
 responsáveis cuja identidade venha a apurar-se, pela prática do crime de ofensa 
 
 à integridade física grave na forma qualificada. 
 
  
 Admitido o recurso respondeu o Ex. Mº.Pº. concluindo da seguinte forma: 
 
 -Nada temos a censurar ao despacho ora recorrido por se encontrar devidamente 
 fundamentado e fazer uma correcta leitura da matéria de facto e dos indícios dos 
 autos. 
 
 -Existe na verdade uma impossibilidade de prosseguimento dos autos não sendo a 
 instrução apta a prosseguir como muito bem foi analisado no despacho em crise. 
 
 - O Assistente procura estribar a existência do dolo nos denunciados afirmando 
 que os denunciados possuem conhecimentos científicos que lhes permitem 
 configurar um quadro de possibilidades de evolução dos acontecimentos de uma 
 perspectiva claramente privilegiada relativamente a qualquer leigo. 
 
 - Tal conclusão consubstancia porém um comportamento negligente não podendo ser 
 retirada nenhuma conclusão quanto a eventual comportamento doloso dos 
 denunciados. 
 
 - Ora esta conclusão e a análise global do processo inicial demonstram com 
 evidência suficiente que a instrução se mostra inapta a demonstrar a existência 
 de comportamento doloso dos restantes intervenientes, aliás em conformidade com 
 a doutas conclusões do despacho ora recorrido. 
 
 - Os factos que o Assistente pretende provar não têm qualquer suporte na matéria 
 de facto alegada e não têm em si o suporte necessário à própria pronúncia. 
 
 -Em momento algum o Assistente esclarece de que forma é que os médicos e 
 enfermeiros que assistiram o parto, se concertaram a forma de provocar as lesões 
 na menor, onde decorreu esse pacto que sustenta a comparticipação 
 
 (necessariamente dolosa), e de que factos concretos resulta o elemento cognitivo 
 do dolo, ou seja de que forma e quando os mesmos tiveram conhecimento de que as 
 lesões ocorreriam em face da sua acção/omissão e se conformaram com a sua 
 produção. 
 
 - Assim a instrução requerida não tem reunidos os seus pressupostos legais, pois 
 não tem alegados os factos necessários a uma acusação, no caso a alegação do 
 elemento volitivo do dolo e de comportamentos e factos concretos que o 
 sustentem. 
 Pelo que é nosso entendimento que o recurso não deverá merecer provimento, 
 devendo ser rejeitado. 
 Neste Tribunal a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos e emitiu o 
 douto parecer de fls. 264, concluindo pela improcedência do recurso. 
 Questão a decidir: 
 O objecto do recurso, tal como decorre das conclusões da motivação, reporta-se à 
 apreciação das seguintes questões: 
 
 - conhecer das nulidades p. nos art°s. 119º - d) e 120º nº 2 - d), ambos do 
 C.P.P. – falta e insuficiência de inquérito –; 
 
 - averiguar se o requerimento formulado pelo assistente para abertura da 
 instrução, contem a indicação dos factos necessários e suficientes para que aos 
 arguidos possa ser imputada a alegada prática do crime de ofensa à integridade 
 física qualificada p.p. pelos art°s. 144º al. b), c) e d) e art. 146º nº 1 do 
 C.Penal. 
 
  
 Cumpre Decidir: 
 
 1 - Entende o recorrente que: 
 
 - não se realizou nestes autos nenhum acto de inquérito, o que acarreta a 
 nulidade p. no art. 119º - d) do C.P.P. 
 
 - e, por outro lado, considerando-se ter existido inquérito, foi o mesmo 
 insuficiente, o que acarreta a nulidade p. no art. 120º nº 2 - d) do C.P.P. 
 Vejamos: 
 Os presentes autos iniciaram-se em 27 de Maio de 2005 com a queixa apresentada 
 pelo assistente pelos mesmos factos analisados no âmbito do P° 13351/99.6 TDLSB, 
 que terminou com despacho de não pronúncia. 
 Sendo os factos os mesmos, o M° P°., não realizou nestes autos, nenhum acto de 
 inquérito. 
 Contudo, existiu por parte do Mº. Pº. decisão de fundo e apreciação de mérito 
 com base nos meios de prova recolhidos no mencionado processo. – conf. fls. 97 a 
 
 101.
 Por outro lado, permitindo a matéria de facto apurada naquele processo retirar 
 as conclusões do despacho de arquivamento, entendeu o Mº. Pº. não efectuar 
 quaisquer diligências adicionais na perspectiva de uma investigação direccionada 
 ao imputado crime da mesma natureza, mas na sua forma dolosa, já que nessa fase 
 processual não se encontra vinculado pela qualificação jurídica dos factos dada 
 pelo assistente. 
 Vejamos: 
 Perante a formulação legislativa constante do art. 120º nº 2 al. d) do Código 
 Processo Penal, tem a jurisprudência questionado se a insuficiência do inquérito 
 respeita apenas à omissão de actos obrigatórios, ou a esses e ainda a quaisquer 
 outros actos de investigação e de recolha de prova necessários à descoberta da 
 verdade. A solução maioritariamente seguida, partindo daquilo que consideramos 
 uma correcta ponderação da estrutura acusatória do processo penal, art. 32º nº 5 
 da Constituição, dos princípios do contraditório e da oficialidade, entende que 
 só se verifica esta nulidade quando ocorra ausência absoluta ou total de 
 inquérito [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.1099 Colectânea de 
 Jurisprudência Ano XXIV Tomo 4, p. 158.1, e/ou se omita acto que a lei prescreve 
 como obrigatório. Ancora-se esta solução no entendimento de que a titularidade 
 do inquérito, bem como a sua direcção, pertencem ao Ministério Público, art. 
 
 262º e 263º do Código Processo Penal, sendo este livre – dentro do quadro legal 
 e estatutário em que se move e a que deve estrita obediência, art. 53º, 267º do 
 Código Processo Penal – de promover as diligências que entender necessárias, ou 
 convenientes com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou arquivar, com 
 excepção dos actos de prática obrigatória no decurso do inquérito, como sejam os 
 actos de interrogatório do arguido, salvo se não for possível notificá-lo, de 
 notificação ao arguido, ao denunciante com a faculdade de se constituir 
 assistente e às partes civis do despacho de encerramento do inquérito e no que 
 respeita a certos crimes, actos investigatórios imprescindíveis para se aferir 
 dos elementos de certos tipos de crimes, nomeadamente os exames periciais nos 
 termos do art. 151º do CPP. [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa citado, e 
 Acórdão do Tribunal Constitucional 395/04 de 2.6.2004, DR II série de 9.10. 04, 
 p. 149751). 
 Na decisão desta problemática olvida-se não raramente o modelo de autonomia que 
 em sede de exercício da acção penal o legislador no actual Código Processo Penal 
 desenhou para a actividade do Ministério Público [Pertence ao Estado o dever de 
 administração da justiça, art. 202º da Constituição através de uma entidade 
 pública que é o Ministério Público, art. 219º da Constituição, art. 48º do 
 Código Processo Penal. O Ministério Público promove o processo penal depois de 
 adquirir a notícia do crime, art. 241º do Código Processo Penal. A investigação 
 decorre naquilo que se chama a fase de inquérito, art. 262º, sob a direcção do 
 Ministério Público]. Como se refere no Acórdão nº 581/00 do Tribunal 
 Constitucional de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 219º da Constituição, 
 ao Ministério Público compete exercer a acção penal orientada pelo princípio da 
 legalidade. Esse exercício é regulado pela lei e, como decorre da remissão 
 contida neste preceito para o número seguinte, acarreta um estatuto próprio do 
 Ministério Público e a sua autonomia. Do nº 1 do artigo 219º da Constituição 
 pode retirar-se que o exercício da acção penal pelo Ministério Público comporta 
 a direcção e a realização do inquérito por esta magistratura, não se cingindo 
 esse exercício à sustentação da acusação em juízo [Figueiredo Dias, “Sobre os 
 sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito 
 Processual Penal (O Novo Código de Processo Penal), 1988, p. 8-9]. 
 No mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva [Curso de Processo Penal, 
 volume III, 2ª edição, p. 91) sustentado que a insuficiência de inquérito é uma 
 nulidade genérica que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um 
 acto que a lei prescreva como obrigatório e desde que para essa omissão a lei 
 não disponha de forma diversa e que a omissão de diligências de investigação não 
 impostas por lei, não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois 
 a apreciação da necessidade de actos de inquérito é da competência exclusiva do 
 Ministério Público. 
 Do exposto resulta que só a ausência absoluta de inquérito ou a omissão de 
 diligências impostas por lei determinam nulidade do inquérito por insuficiência, 
 art. 120º nº 2 al. d) do Código Processo Penal; assim a omissão de diligências 
 não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência 
 pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência 
 exclusiva do Ministério Público. O Ministério Público é livre, salvaguardados os 
 actos de prática obrigatória e as exigências decorrentes do princípio da 
 legalidade, de levar a cabo ou de promover as diligências que entender 
 necessárias, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o 
 inquérito e não determina a nulidade do inquérito por insuficiência a omissão de 
 diligências de investigação não impostas por lei [Acórdão do Tribunal 
 Constitucional 395/04 de 2.6.2004, DR II série de 9.10. 04, p. 14975). 
 Assim, nesta parte, improcede a pretensão do recorrente. 
 
  
 
 2 – Da rejeição do requerimento de abertura de instrução. 
 Vejamos: 
 Em 28/04/2006, foi proferida a decisão recorrida, cujo teor ora relevante é o 
 seguinte: 
 
 (...) 
 No presente caso, o requerimento de abertura de instrução pretende que aos 
 arguidos (ainda não formalmente constituídos como tal), seja imputada a prática 
 de um crime de ofensa à integridade física qualificada – art°s 144º, als. b), c) 
 e d) do CP e art. 146º, nº 1 do mesmo diploma legal.
 Refere-se em tal requerimento que o dolo, no presente caso seria pelo menos 
 eventual, uma vez que a equipe médica e de enfermagem ao omitirem o tratamento 
 mais adequado (parte dos arguidos) ou pura e simplesmente ao não actuarem, com 
 os conhecimentos técnicos que possuíam, sabiam que existia a possibilidade de 
 surgirem complicações no parto das quais, poderiam advir o resultado verificado 
 ou mesmo a morte do bebé e conformaram-se com tal resultado. 
 Da leitura dos factos constantes do requerimento, e acima transcritos, não 
 resulta a alegação de factos que possam alicerçar as conclusões de direito 
 apresentadas, designadamente aquelas que se referem ao crime doloso. Sublinhe-se 
 que é referido em tal requerimento que “(...) Em nenhum momento em que C. e o 
 feto se encontraram em maior sofrimento, tal como é possível apurar através do 
 registo do CTG, surgiu algum membro da equipa médica que estava de serviço e era 
 composta pelos elementos supra referenciados. Não obstante a equipa médica de 
 serviço, à data da ocorrência dos factos ora descritos, ser composta por seis 
 médicos e por cinco enfermeiros, o que é certo é que C., durante todo o período 
 deste trabalho de parto, apenas foi vista pela médica D., que adoptou os 
 procedimentos supra descritos às 3:00 horas da manhã do dia 27 de Janeiro de 
 
 1999, e pelas enfermeiras, E. e F., que observaram a parturiente, 
 respectivamente, às 4:50 e às 7:30 horas do dia 27 de Janeiro de 1999. 
 Ao articularem-se estes factos, ao afirmar-se que a única médica interveniente 
 no processo de dilatação foi a Drª D., não se consegue vislumbrar em que medida 
 terceiros (médicos e enfermeiros que não assistiram a parturiente) apenas por se 
 encontrarem de serviço possam ser responsáveis a título doloso (ou até 
 negligente) pelas lesões graves e dramáticas sofridas pelo bebé. 
 Acresce que os factos que estão em causa neste processo são os mesmos que 
 estavam em causa no NUIPC 13351/99.6 TBLSB (processo referido quer no despacho 
 de arquivamento, quer no requerimento de abertura de instrução), não estando o 
 Mº Pº sujeito à qualificação jurídica ali feita pelos assistentes (princípio da 
 não vinculação temática), e, caso se estivesse em presença de um crime doloso 
 não estaria a legitimidade do Mº Pº sequer espartilhada pelo não exercício de 
 queixa, uma vez que se trataria de um crime público. 
 Sendo os factos (REPETE-SE NÃO A QUALIFICAÇÃO JURÍDICA) os mesmos que constam 
 daquele outro inquérito, admitir o seguimento destes autos para a fase de 
 instrução seria violar o princípio constitucional do ne bis in idem (art. 29º, 
 nº 5 da CRP), segundo o qual ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pelo 
 mesmo crime. Tem-se entendido que este princípio é não apenas formal mas 
 material, querendo isto significar que ninguém pode ser julgado mais do que uma 
 vez pelos mesmos factos. Determina o art. 287º, nº 3 do CPP que o requerimento 
 de abertura de instrução, só pode ser rejeitado se for extemporâneo, se existir 
 incompetência do juiz, ou se for legalmente inadmissível a instrução. 
 A rejeição por inadmissibilidade legal da instrução inclui os casos em que aos 
 factos não corresponde infracção criminal – falta de tipicidade – e aqueles em 
 que exista um obstáculo que impeça o procedimento criminal ou a abertura da 
 instrução, designadamente a falta de factos que possam conduzir a uma pronúncia 
 
 (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado - 1996, 7Q Ed., pgs. 455). 
 
 
 No presente caso o requerimento de abertura de instrução apresentado não contêm 
 os elementos necessários a uma eventual pronúncia pelo crime pretendido, pelas 
 razões acima apontadas, existindo também um obstáculo que impede o procedimento 
 criminal ou a abertura da instrução, a saber o referido princípio do ne bis in 
 idem.
 Em face do exposto, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado. 
 
 
 Fica prejudicado o conhecimento das nulidades invocadas. 
 
  
 Preliminar: 
 O actual Cod. Proc. Penal, no nº 2 do art. 283º considera “suficientes os 
 indícios sempre que deles resultar a possibilidade razoável de ao arguido vir a 
 ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”. 
 A definição do que deve entender-se por “suficientes indícios” contida neste 
 preceito, bem como no art. 308º nº 1 do CPP, é idêntica à que, no âmbito do Cód. 
 Proc. Penal de 1929 havia sido colhida pela Jurisprudência e pela Doutrina, que 
 
 “por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, 
 indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o 
 arguido responsável por ele. Porém, para a pronúncia, não é preciso uma certeza 
 da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e 
 bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo 
 persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que 
 lhe é imputado” – cfr. Ac. do S.T.J. de 01/03/61, BMJ 105, 439; Ac. da Relação 
 de Coimbra de 26/06/63, “J.R.” 3º, 777; Ac. da Relação de Lisboa de 28/02/64, 
 id., 1º, 117; Ac. da Relação do Porto, de 24/03/76, C.J., 1976, Tomo I, pág. 131 
 e Ac. da Relação de Coimbra de 3 1/03/93, C.J., 1993, Tomo II, pág. 65. 
 A instrução, que tem sempre carácter facultativo, visa estabelecer um controlo 
 jurisdicional da acusação ou de arquivamento do inquérito em ordem a submeter ou 
 não a causa a julgamento [286º]. 
 Segundo o disposto no art. 287º, nº 2 “O requerimento não está sujeito a 
 formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de 
 direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, 
 sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente 
 pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido 
 considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se 
 espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no 
 artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c)....”. 
 Neste último segmento normativo estipula-se que “A acusação contém, sob pena de 
 nulidade: b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a 
 aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se 
 possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação 
 que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a 
 determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; c) A indicação das disposições 
 legais aplicáveis”. 
 Nesta conformidade num requerimento de abertura de instrução deve-se, em geral, 
 proceder-se: 
 
 - a uma exposição, de forma sumária, dos factos e das razões de direito que lhe 
 servem de fundamento e que divergem daqueles que motivaram o despacho acusatório 
 ou de arquivamento; 
 
 - a indicação da actividade probatória que se pretende efectuar ou que não foi 
 devidamente ponderada, explicitando, respectivamente, os factos que, com a 
 mesma, se pretendem demonstrar ou que se devem considerar como suficientemente 
 indiciados. Tratando-se de uma instrução requerida pelo assistente, que visa 
 sempre a pronúncia do(s) arguido(s), acresce ainda mais um requisito, ou seja, 
 deve tal requerimento conter ainda a narração própria de uma acusação, mediante 
 a descrição dos factos integradores de um crime e a indicação da correspondente 
 disposição legal que o tipifica. 
 Tal descrição factual deverá conter os factos concretos susceptíveis de integrar 
 todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo criminal que o assistente 
 considere ter sido preenchido. 
 Por sua vez e de acordo com o citado artigo 287º, através do seu nº 3 “O 
 requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz 
 ou por inadmissibilidade legal da instrução”. 
 Nesta conformidade o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo 
 assistente deve sempre descrever, de modo autónomo, os factos imputados ao(s) 
 arguido(s), indicando ainda os tipos legais de crime que os mesmos integram. 
 Se tal não suceder, esse requerimento é nulo e susceptível de rejeição, por ser 
 destituído dos requisitos enunciados no art. 287º, nº 2 parte final, conjugado 
 com o art. 283º, nº 3, alíneas b) e c) do C.P.P. 
 Cumpre Apreciar e Decidir: 
 Relendo o requerimento de abertura de instrução, – quanto ao elemento subjectivo 
 do imputado crime – é feita unicamente, uma descrição factual conducente à 
 verificação dos, actuação dos arguidos, sob a forma de dolo eventual, nos 
 seguintes termos: 
 
 “os arguidos ao omitirem o tratamento mais adequado ou ao não actuarem, com os 
 conhecimentos técnicos que possuíam, sabiam que existia a possibilidade de 
 surgirem complicações no parto, das quais poderiam advir o resultado verificado 
 ou mesmo a morte do bebé e conformaram-se com tal resultado”. 
 Ou seja, o assistente não articulou factos concretos donde resulte o elemento 
 cognitivo do dolo, ou seja, de que forma e quando os arguidos tiveram 
 conhecimento de que as lesões ocorreriam em face da sua acção/omissão e se 
 conformaram com a sua produção. 
 Salvo o devido respeito, os factos articulados no requerimento rejeitado só 
 contêm uma descrição factual susceptível de integrar os elementos objectivos e 
 subjectivos do tipo criminal correspondente ao crime de ofensa à integridade 
 física grave por negligência, p.p. pelos art°s. 148º nº 1 e 3 com referência ao 
 art. 144º, ambos do C.Penal, que a ter sido praticado, prescreveu em 
 
 26/01/2004.(conf. art°s. 118º nº 1 – c); 120º e 121º do C.P).
 Isso mesmo resulta das diligências efectuadas no âmbito do Pº 13351/99.6TDLSB, 
 aliás, mencionadas no despacho recorrido, donde se pode concluir pela não 
 conformação dos acusados no que concerne ao resultado ocorrido, mesmo a titulo 
 de dolo eventual. 
 Na verdade conforme resulta da queixa, os denunciados tinham conhecimentos 
 especiais e bem sabiam que uma actuação desconforme às legis artis poderia ter 
 causado efeitos como os sucedidos, mas tal raciocínio que em abstracto se pode 
 admitir, não se encontra minimamente indiciado nos autos por qualquer facto ou 
 indício e não pode valer em termos probatórios face aos princípios do sistema 
 penal. 
 Na verdade para assim ser, teria de resultar dos autos a previsão em concreto 
 pelos imputados do resultado ocorrido e consequente conformação com o mesmo, 
 mesmo a título de mera possibilidade o que não resulta de qualquer diligência 
 efectuada nem se vislumbra possa resultar de outras que fossem efectuadas. 
 Face ao exposto, estando nós em concordância com a análise que foi feita na 
 decisão recorrida, entendemos, com os fundamentos aduzidos nesta – art. 425º nº 
 
 5 do C.P.P. – confirmar a decisão de rejeição do requerimento de abertura de 
 instrução apresentado pelo recorrente. 
 
  
 III.- DECISÃO. 
 
  
 Nos termos e fundamentos expostos, julga-se improcedente o presente recurso 
 interposto pelo assistente, e, em consequência, confirma-se o despacho 
 recorrido». 
 
  
 
  
 
            4.1 – O objecto do recurso de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da 
 Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, disposição esta que 
 se limita a reproduzir o comando constitucional, apenas pode traduzir-se numa 
 questão de (in)constitucionalidade de(s) norma(s) de cuja efectiva aplicação 
 haja resultado a decisão recorrida ou que tenha constituído o fundamento 
 normativo do aí decidido. 
 
            Trata-se de um pressuposto específico do recurso de 
 constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e 
 incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra 
 recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da 
 constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da 
 natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa, 
 
 «A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor 
 Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I, 
 
 1984, pp. 210 e ss., e, entre muitos outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado 
 no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado 
 no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de 
 pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 
 
 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o 
 Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 
 
 2000).
 
           Por outro lado, importa acentuar que, neste domínio da fiscalização 
 concreta de constitucionalidade, a intervenção do Tribunal Constitucional se 
 limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o 
 tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado. 
 
            Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de 
 poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, demandando a sua 
 reforma, no caso de o recurso obter provimento, em termos de implicar a sua 
 alteração ou a sua reforma.  
 
            Estamos perante uma exigência que constitui um postulado da própria 
 natureza da função jurisdicional constitucional, por lhe incumbir decidir 
 questões concretas e não questões hipotéticas ou académicas.
 
            Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal 
 Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, 
 ou seja, o fundamento normativo do aí decidido. 
 
  
 
            4.2 – Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar 
 que, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade 
 constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios 
 constitucionais, há-de a questão de inconstitucionalidade ter sido suscitada em 
 termos adequados, claros e perceptíveis, durante o processo, de modo que o 
 tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional 
 do juiz sobre tal matéria, sendo que desse ónus de suscitar adequadamente a 
 questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao 
 seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda 
 com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se 
 possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização 
 da constitucionalidade dos actos normativos. 
 
            É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o 
 tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que 
 convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, 
 que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de 
 substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de 
 constitucionalidade, fora da via de recurso. 
 
            É por isso que se entende que não constituem já momentos 
 processualmente idóneos aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição 
 de nulidades, pedidos de aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a 
 obtenção de decisão com aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento 
 ou modificação, com base em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia 
 ter pronunciado (cf., entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário 
 da República II Série, de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 33º vol., p. 663; n.º 374/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 13 de Julho de 2000, BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 674/99, publicado no Diário da República II 
 Série, de 25 de Fevereiro de 2000, BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 155/00, publicado no Diário da República 
 II Série, de 9 de Outubro de 2000, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º 
 vol., pp. 821, e n.º 364/00, inédito). 
 
  
 
            4.3 – É certo que tal doutrina sofre restrições, como se salientou no 
 Acórdão n.º 354/94, inédito, mas isso apenas acontece em situações excepcionais 
 ou anómalas, nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para 
 suscitar a questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível 
 que o fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação 
 de todo insólita e imprevisível. 
 
            Usando os termos do Acórdão n.º 192/2000, publicado no Diário de 
 República II Série, de 30 de Outubro de 2000, dir-se-á, ainda, que “quem 
 pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de 
 uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a 
 questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido 
 o acórdão da conferência de que recorre...”. 
 
            E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem 
 essa oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa 
 decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s) 
 articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear 
 juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por 
 antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se 
 poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados 
 pelo juiz. 
 
            Ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação 
 das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o 
 facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os 
 considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da 
 
 (in)validade da norma em face da lei fundamental. 
 
            Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão 
 do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua 
 conformidade constitucional. O dever de suscitação da inconstitucionalidade 
 durante o processo e pela forma adequada enquadra-se dentro destes parâmetros 
 acabados de definir.
 
  
 
            5.1 – Ora, confrontando o requerimento de interposição de recurso de 
 constitucionalidade com a decisão agora recorrida – recorde-se, o acórdão do TRL 
 
 – constata-se que o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade dos 
 art.ºs 119.º, alínea d) e 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal 
 
 (CPP), cuja constitucionalidade pretende agora ver apreciada, no recurso 
 interposto do despacho de não pronúncia, proferido pela 1.ª instância, para o 
 TRL. 
 
            Em ponto algum das alegações desse recurso, aliás transcritas no 
 acórdão recorrido, se vê réstia do sentido de uma tal suscitação. 
 
            A questão de constitucionalidade de tais preceitos apenas foi 
 introduzida pelo recorrente, tal como o próprio afirma no ponto 6 do seu 
 requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, no recurso 
 interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do acórdão do TRL, agora 
 recorrido, mas que não foi admitido pelo tribunal de 2.ª instância, vindo esta 
 decisão a ser confirmada na reclamação deduzida nos termos do art.º 405.º do 
 CPP.
 
            Deste modo, e independentemente de o prazo para a interposição do 
 recurso de constitucionalidade do acórdão do TRL, agora recorrido, se contar 
 apenas a contar do trânsito em julgado da decisão que não admitiu o recurso para 
 o STJ, por força do disposto no n.º 2 do art.º 75.º da LTC, o certo é que, face 
 ao acima expendido, apenas se poderá relevar para efeitos do cumprimento do ónus 
 de suscitação da questão de constitucionalidade a alegação feita perante aquele 
 TRL.
 
            A suscitação da questão de constitucionalidade em momento posterior 
 ao da decisão agora recorrida não poderá considerar-se como idónea e adequada, 
 porquanto o poder jurisdicional do tribunal recorrido já se havia esgotado.
 
            E também não é caso de considerar-se o recorrente dispensado do 
 cumprimento desse ónus de suscitação, porquanto, tendo colocado ao tribunal ad 
 quem a questão da nulidade e da insuficiência do inquérito e tendo suportado a 
 sua verificação na possível aplicação, com um sentido por si reputado de 
 inconstitucional, de certas normas (os art.ºs 262.º, n.º 1, 267.º, 277.º, nºs 1 
 e 2, e 287.º, n.º 3, todos do CPP), era-lhe inteiramente exigível que 
 questionasse a constitucionalidade das normas que não abrangiam no efeito da 
 nulidade nelas constituído a aplicação daquelas normas com o sentido tido por 
 inconstitucional.
 
            Assim sendo, por falta de atempada e adequada suscitação, não se 
 conhecerá do recurso de constitucionalidade das normas constantes dos art.ºs 
 
 119.º, alínea d) e 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP. 
 
            
 
            5.2 – Pretende, também, o recorrente que o Tribunal Constitucional 
 aprecie a questão de constitucionalidade de um outro grupo de normas: a saber, 
 de um lado, as normas constantes dos art.ºs 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, n.º 1, 
 e, do outro, a norma constante do art.º 287.º, n.º 3, todos os preceitos do CPP, 
 e na acepção por ele precisada no requerimento de interposição de recurso.       
 
    
 
            Acontece, porém, que também não poderá tomar-se conhecimento do 
 recurso relativo a tais normas.
 
            Senão vejamos.
 
            
 
            5.2.1 - Relativamente àquele primeiro grupo de normas, o recorrente 
 controverte a sua inconstitucionalidade “na medida em que permitam a 
 interpretação segundo a qual pode o inquérito ser arquivado sem que nenhuma 
 diligência probatória haja sido levada a cabo”, por violação do art.º 20.º da 
 Constituição.
 
            Ora, colocada assim a questão, verifica-se que o recorrente acaba por 
 impugnar não a norma, enquanto critério de decisão judicial, com o qual foi 
 contrastado o quadro factual, mas o resultado do juízo efectuado pelo tribunal 
 consequente da aplicação desse critério normativo aos factos. O recorrente 
 afronta, assim, a decisão judicial em si própria. 
 
            Todavia, como se disse, no nosso sistema de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade, de controlo difuso e instrumental, só podem constituir 
 objecto do recurso de constitucionalidade normas jurídicas e não decisões 
 judiciais, ainda que estas façam aplicação directa (porventura errada) de 
 preceitos ou princípios constitucionais.
 
            Mas que assim se não entenda e se considere que o recorrente 
 configura ainda, sob a expressão precisada, uma determinada acepção normativa 
 susceptível de ser inferida, por via interpretativa, de tais preceitos, ainda 
 assim, não poderá tomar-se conhecimento do recurso.
 
            Na verdade, a decisão recorrida, em ponto algum do seu discurso 
 fundamentador, se abona no entendimento de que, segundo tais preceitos, o 
 inquérito “possa ser arquivado sem que nenhuma diligência probatória haja sido 
 levada a cabo”.
 
            O que o acórdão recorrido sustenta é que não constitui nulidade, por 
 ausência absoluta de inquérito ou por insuficiência do mesmo, a situação em que 
 o M.º P.º considerou que, sendo os factos denunciados pela queixa apresentada 
 pelo assistente em 27 de Maio de 2005 os mesmos que haviam sido analisados no 
 
 âmbito do P.º 13351/99.6 TDLSB, não tinha o mesmo de efectuar quaisquer outras 
 diligências adicionais, dirigidas à imputação pelo assistente do mesmo crime, 
 conquanto, agora, na forma dolosa, dado não se achar vinculado à qualificação 
 jurídica dos factos, por “a omissão de diligências não impostas por lei não 
 determina(r) a nulidade, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito 
 
 é da exclusiva competência do Ministério Público” e por “o Ministério Público 
 
 [ser] é livre, salvaguardados os actos de prática obrigatória e as exigências 
 decorrentes do princípio da legalidade, de levar a cabo ou promover as 
 diligências que entender necessárias”.
 
            Resulta, pois, claro que aquilo que o tribunal a quo entendeu não foi 
 que o inquérito “possa ser arquivado sem que nenhuma diligência probatória haja 
 sido levada a cabo” mas que, no caso, não constitui nulidade a não realização, 
 pelo Ministério Público, de diligências probatórias de prática não obrigatória 
 legalmente, cuja produção o assistente havia requerido, por este magistrado 
 entender que os factos, não obstante a atribuição pelo assistente de uma outra 
 qualificação jurídica, eram os mesmos que já haviam sido investigados em outro 
 inquérito anterior, dado caber na autonomia do Ministério Público “levar a cabo 
 ou promover as diligências que entender necessárias”.
 
            Temos, portanto, de concluir que o critério normativo aplicado pelo 
 tribunal a quo como fundamento da decisão foi outro que não aquele que foi 
 definido pelo recorrente e pelo mesmo assacado a tais preceitos.
 
            Também por esta razão não se poderá conhecer do recurso.
 
            Mas acresce, relativamente ao mesmo grupo de normas, que existe ainda 
 um outro fundamento pelo qual se não poderia conhecer do recurso. É que o 
 recorrente não questionou, no tempo adequado (que, como se disse, seria no 
 recurso para a Relação), a constitucionalidade dos art.ºs 119.º, alínea d) e 
 
 120.º, n.º 2, alínea d) enquanto entendidos no sentido de não preverem como 
 fundamento de nulidade a aplicação dos referidos art.ºs 262.º, n.º 1, 267.º e 
 
 277.º, n.º 1, do CPP, com o sentido reputado de inconstitucional (a este 
 propósito, cf. Acórdão n.º 612/99, in Diário da República II Série, de 
 
 22/2/2000).
 
            A falta de impugnação art.ºs 119.º, alínea d) e 120.º, n.º 2, alínea 
 d), do CPP conduziria ao resultado de, mesmo a ser julgada inconstitucional a 
 dimensão normativa dos art.ºs 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, n.º 1, do mesmo CPP, 
 definida pelo recorrente, não resultar necessariamente daí a anulação do 
 processo de inquérito, por a aplicação de tais preceitos com o sentido reputado 
 inconstitucional não se achar prevista como causa de nulidade naqueles 
 preceitos. Ou seja, da interpretação dos art.ºs 262.º, n.º 1, 267.º e 277.º, n.º 
 
 1, do CPP tida pelo recorrente como inconstitucional, e a ser aceite uma tal 
 posição, nunca se poderia distrair o efeito de anulação do processo de inquérito 
 e a realização das diligências requeridas.
 
            E a ser assim, estaremos perante a falta do pressuposto do recurso de 
 constitucionalidade da utilidade do seu conhecimento, cuja exigência deriva não 
 só da natureza da função jurisdicional como do seu carácter instrumental.
 
            Donde, por esta razão, não se poderá, também, tomar conhecimento do 
 recurso.
 
  
 
            5.2.2 – Vejamos agora o recurso de constitucionalidade relativo à 
 norma constante do art.º 287.º, n.º 3, do CPP.
 
            Antes de mais, vale aqui mutatis mutandis o que acabou de dizer-se 
 relativamente ao primeiro grupo de normas.
 
            Por outro lado, constata-se, também, que a dimensão normativa do 
 art.º 287.º, n.º 3 do CPP que serviu de fundamento à decisão recorrida não 
 coincide com aquela que o recorrente suscitou e definiu no seu requerimento de 
 interposição de recurso.
 
            Na verdade, o recorrente invocou a inconstitucionalidade de tal 
 preceito legal, “na medida em que permita a interpretação segundo a qual pode a 
 instrução ser rejeitada, por dos autos não resultarem suficientes indícios de 
 dolo do agente dos factos puníveis”, por violação do art.º 20.º da Constituição.
 
            Ora, o tribunal rejeitou a instrução não porque “dos autos não 
 resultavam suficientes indícios de dolo do agente dos factos puníveis”, mas 
 porque “o assistente não articulou factos concretos donde resulte o elemento 
 cognitivo do dolo, ou seja, de que forma e quando os arguidos tiveram 
 conhecimento de que as lesões ocorreriam em face da acção/omissão e se 
 conformaram com a sua produção” (itálico acrescentado), descrição essa factual 
 que pudesse e devesse ser investigada através da produção da prova oferecida.
 
            O objecto do recurso não coincide, assim, com a ratio decidendi 
 normativa e portanto não pode ser admitido.
 
            De qualquer modo, importa notar que tal como o recorrente define o 
 que tem por critério normativo, a definição feita se ajusta não a qualquer 
 parâmetro legal (critério normativo) com o qual devesse ser confrontado o quadro 
 de facto, mas antes, mais adequadamente, ao resultado de um juízo probatório 
 efectuado sobre as provas constantes dos autos quanto à inexistência dos 
 indícios factuais susceptíveis de integrarem elementos o tipo legal de crime 
 imputado ao denunciado.
 
            Desta sorte, não pode conhecer-se, também, desta parte do objecto do 
 recurso de constitucionalidade.
 
            
 
            6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 não tomar conhecimento do objecto do recurso.
 
            Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
                         4 – O reclamante em nada logra abalar, na sua longa 
 dissertação, a bondade dos fundamentos em que decisão sumária reclamada se 
 abonou e que aqui se reiteram. 
 
                         Na verdade, o reclamante não demonstra que o julgamento, 
 nela efectuado, quanto à inverificação dos pressupostos específicos do recurso 
 de constitucionalidade padeça de erro, maxime, no que toca à identificação, nela 
 realizada, das concretas normas ou concretos juízos que foram assumidos pelo 
 acórdão recorrido como rationes juris ou rationes judicis da solução que ditou 
 para o pleito e à relação de prejudicialidade entre o conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade relativo às normas constantes dos art.ºs 262.º, n.º 1, 267.º 
 e 277.º, n.º 1, do CPP e a não impugnação constitucional, em tempo oportuno, das 
 normas constantes dos art.ºs 119.º, alínea d), e 120.º, n.º 2, alínea d), do 
 mesmo código, enquanto entendidos no sentido de não preverem como fundamento de 
 nulidade a aplicação daqueles preceitos, com o sentido reputado de 
 inconstitucional. 
 
                         Assim sendo, a reclamação é de indeferir. 
 
  
 C – Decisão
 
  
 
                         5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal 
 Constitucional decide indeferir a reclamação.
 
                         Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa 
 em 20 UCs.
 Lisboa, 2 de Maio de 2007
 Benjamim Rodrigues
 Rui Pereira
 Rui Manuel Moura Ramos