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Processo n.º 622/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do 
 Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. A. vem reclamar para a conferência da 
 decisão sumária do relator, de 10 de Julho de 2006, que decidiu, no uso da 
 faculdade conferida pelo n.º 1 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 
 de Fevereiro (LTC), negar provimento ao recurso.
 
  
 
                                  1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte 
 teor:
 
  
 
                  “1. A. foi pronunciada pela co‑autoria material e em concurso 
 efectivo de um crime de burla qualificada, previsto nos artigos 217.º e 218.º, 
 n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal e punível com pena de prisão de 2 a 8 
 anos, e de um crime de falsificação de documento, previsto no artigo 256.º, n.º 
 
 1, alínea b), do mesmo Código, e punível com pena de prisão até 3 anos ou com 
 pena de multa.
 
                  De ambos os crimes foi absolvida pelo acórdão do Tribunal 
 Colectivo do Círculo Judicial de Leiria, de 25 de Fevereiro de 2005.
 
                  Interposto recurso pelo Ministério Público, restrito à 
 absolvição pelo crime de falsificação de documento, o Tribunal da Relação de 
 Coimbra, por acórdão de 2 de Novembro de 2005, dando‑lhe provimento, condenou a 
 arguida, pelo referido crime, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 
 
 10,00, o que perfaz a multa de € 1000,00.
 
                  A arguida interpôs recurso desse acórdão para o Supremo 
 Tribunal de Justiça (STJ), que não foi admitido, por despacho do Desembargador 
 Relator do Tribunal da Relação de Coimbra, por a tal se opor o disposto no 
 artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP).
 
                  Deste despacho reclamou a arguida para o Presidente do STJ, 
 sustentando que o recurso é admissível, quer nos termos da citada alínea e) do 
 n.º 1 do artigo 400.º, que deve ser interpretado no sentido de vedar o recurso 
 para o STJ apenas quando o acórdão condenatório da Relação confirme anterior 
 condenação proferida na 1.ª instância, e já não – como no caso ocorre – quando 
 esteja em causa acórdão condenatório da Relação que revogue anterior absolvição 
 proferida na 1.ª instância, quer ao abrigo da alínea f) do mesmo preceito, 
 atendendo a que a arguida foi pronunciada por crime punível com pena de prisão 
 superior a 8 anos e deve entender‑se que o direito de recurso dos arguidos se 
 sedimenta pelo tipo de crime por que são acusados e pronunciados, sendo 
 irrelevantes as alterações que se verifiquem ao longo do desenvolvimento do 
 processo (no caso, a absolvição por esse crime na 1.ª instância, absolvição com 
 a qual o Ministério Público se conformou). No entender da arguida, qualquer 
 outra interpretação destes preceitos violaria os artigos 9.º, alínea b), 20.º, 
 n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 
                  A reclamação foi indeferida por despacho de 31 de Maio de 2006 
 do Vice‑Presidente do STJ, com a seguinte fundamentação:
 
  
 
                  «No caso em apreço, está em causa um acórdão da Relação em 
 processo por crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior a 
 cinco anos, não sendo assim admissível o recurso, para este Supremo Tribunal, 
 nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
 
                  No respeitante à inconstitucionalidade imputada ao artigo 
 
 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, refere‑se que o Tribunal Constitucional já 
 apreciou esta questão, no acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro (Diário da 
 República, II Série, de 16 de Abril de 2003), concluindo pela não 
 inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.
 
                  Diz‑se neste acórdão, na parte que releva, que não desrespeita 
 o n.º 1 do artigo 32.º da CRP a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do 
 CPP, quando interpretada no sentido de não admitir o recurso para o STJ a 
 decisão condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão absolutória 
 da 1.ª instância, por o acórdão da Relação consubstanciar a garantia do duplo 
 grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade 
 de expor a sua defesa.»
 
  
 
                  É deste despacho que vem interposto, pela arguida, o presente 
 recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, 
 por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), lendo‑se no 
 respectivo requerimento de interposição:
 
  
 
 «A recorrente pretende ver declarada materialmente inconstitucional a 
 interpretação, realizada na decisão recorrida, da norma constante do artigo 
 
 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, quando interpretada no sentido da não admissão 
 de recurso para o STJ de uma decisão condenatória proferida pela Relação, em 
 recurso de decisão absolutória da 1.ª instância, em violação das normas 
 inscritas nos artigos 32.º, n.º 1, e bem assim 9.º, alínea b), e 20.º, n.º 1, 
 todos da CRP.
 Com efeito, a norma inscrita no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP deve ser 
 interpretada no sentido de apenas excluir o direito de recurso nos casos em que 
 o Tribunal da Relação profere decisão que confirma anterior condenação, 
 proferida em primeira instância.
 No caso, como o dos autos, em que o arguido foi absolvido em primeira instância 
 e em que, mercê de um recurso apresentado pelo Ministério Público, vem a ser 
 condenado pelo Tribunal da Relação, deve ser admitido o direito de recurso para 
 o Supremo Tribunal de Justiça,
 Só assim se garantindo, ao arguido, uma instância de recurso, nos termos 
 consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.»
 
  
 
                  2. Como resulta do requerimento de interposição de recurso, a 
 questão de inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada cinge‑se à norma 
 da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º da CPP, interpretada no sentido de não 
 admitir recurso do arguido para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas 
 Relações, em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1.ª instância, em 
 processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não 
 superior a 5 anos.
 
                  Nesse requerimento, na verdade, nenhuma alusão é feita à 
 questão de inconstitucionalidade reportada à norma da alínea f) do n.º 1 do 
 mesmo artigo 400.º, que havia sido suscitada na reclamação endereçada ao 
 Presidente do STJ, pelo que tal questão está definitivamente arredada do 
 objecto do presente recurso.
 
                  Assim delimitado este objecto, constata‑se que a questão a 
 apreciar já foi objecto de anteriores decisões deste Tribunal, o que permite 
 qualificá‑la como «simples» e possibilita a prolação de decisão sumária, ao 
 abrigo do n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
 
  
 
                  3. Na verdade, a específica dimensão normativa ora em causa já 
 foi julgada não inconstitucional pelos Acórdãos n.ºs 49/2003 e 255/2005 (com 
 texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 
                  O juízo de não inconstitucionalidade emitido pelo Acórdão n.º 
 
 49/2003 foi assim fundamentado:
 
  
 
 «3. Constitui objecto do presente recurso a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º 
 do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/98, de 
 
 25 de Agosto, e que dispõe: 
 
  
 
 “Artigo 400.º (Decisões que não admitem recurso)
 
 1. Não é admissível recurso:
 
                  (…)
 
                  e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em 
 processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não 
 superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o 
 Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3;
 
                  (…).”
 
  
 
                  (…)
 
                  A questão de constitucionalidade suscitada reside, assim, em 
 saber se o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição impõe o direito a recorrer de 
 decisões condenatórias proferidas pelo Tribunal da Relação em recurso de 
 decisões absolutórias, relativamente a crimes de pequena gravidade (puníveis 
 com pena de multa ou com prisão até cinco anos). Apenas se considera, portanto, 
 a norma contida na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo 
 Penal quando aplicada a recursos interpostos de acórdãos condenatórios da 
 Relação proferidos em recursos interpostos de decisões absolutórias da 1.ª 
 instância, pois que é a esta dimensão que as alegações apresentadas neste 
 Tribunal pela recorrente restringem o objecto do recurso de 
 constitucionalidade.
 
                  4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido 
 oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso 
 constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido 
 em processo penal.
 
                  Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.
 
                  Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com 
 efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese 
 de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito 
 
 – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem 
 dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o 
 processo.
 
                  Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um 
 tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, 
 naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade 
 potencial da decisão obtida nesta nova sede.
 
                  Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um 
 tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição 
 jurídico‑processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade 
 de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua 
 visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova 
 decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa.
 
                  Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso 
 entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. A ligação 
 entre o direito ao recurso e o duplo grau de jurisdição é, pois, evidente, sendo 
 reconhecida pela recorrente nas alegações apresentadas neste Tribunal (cf. a 
 conclusão D).
 
                  5. A norma impugnada pela recorrente – contida na alínea e) do 
 n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal – exclui, nos casos nela 
 previstos, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de 
 acórdãos proferidos em recurso pela Relação.
 
                  Importa ter presente, todavia, que tais acórdãos resultam 
 justamente da reapreciação por um tribunal superior (o Tribunal da Relação), 
 perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa. Por outras 
 palavras, o acórdão da Relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a 
 garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro precisamente dos 
 fundamentos do direito ao recurso.
 
                  Dir-se-á – como faz a recorrente – que, tendo havido uma 
 decisão absolutória na primeira instância, o direito ao recurso implicaria a 
 possibilidade de recorrer da primeira decisão condenatória: precisamente o 
 acórdão da Relação.
 
                  Tal entendimento não só encara o direito ao recurso desligado 
 dos seus fundamentos substanciais (como resulta do que já se disse), mas levaria 
 também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis, como se passa a demonstrar.
 
                  Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em 
 conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspectivado como uma 
 faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão 
 condenatória, ainda que proferida em recurso, deveria haver recurso do acórdão 
 condenatório do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de recurso interposto 
 de decisão da Relação que confirmasse a absolvição da 1.ª instância. O que 
 ninguém aceitará.
 
                  A verdade é que, estando cumprido o duplo grau de jurisdição, 
 há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de 
 jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões 
 condenatórias.
 
                  Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis 
 o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e 
 a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada. Esta 
 segunda justificação, aliás, explica a diferença entre as alíneas e) e f) do n.º 
 
 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal; com efeito, se ao crime em causa 
 for aplicável pena de prisão “não superior a oito anos” (alínea f)) – não sendo 
 hipótese abrangida pela alínea e), naturalmente –, só não cabe recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça do acórdão condenatório proferido pela Relação se 
 este confirmar “decisão de 1.ª instância”.
 
                  Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 
 
 32.º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já 
 que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma 
 suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
 
                  6. A concluir, refira‑se o artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à 
 Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais 
 
 (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 
 
 22/90, de 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República 
 n.º 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte:
 
  
 
 “Artigo 2.º
 
                  1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal 
 por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a 
 declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem 
 como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei.
 
                  2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a 
 infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha 
 sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado 
 culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição.”
 
  
 
                  Como se vê, a parte final do n.º 2 ressalva, precisamente, a 
 hipótese que está em apreciação no presente recurso.»
 
  
 
                  É esta orientação – reafirmada no já citado Acórdão n.º 
 
 255/2005 – que ora se reitera.
 
  
 
                  4. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 
 
 78.º‑A da LTC:
 
                  a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, 
 alínea e), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de não admitir 
 recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação, 
 proferido em recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, que 
 condene o arguido por crime punível com pena de multa ou pena de prisão não 
 superior a 5 anos; e, consequentemente,
 
                  b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida na parte impugnada.”
 
                  
 
                                  1.2. A reclamação da recorrente apresenta a 
 seguinte fundamentação:
 
  
 
                  “A recorrente pretende ver declarada materialmente 
 inconstitucional a interpretação, realizada na decisão recorrida, da norma 
 constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, quando interpretada no 
 sentido da não admissão de recurso para o STJ de uma decisão condenatória 
 proferida pela Relação, em recurso de decisão absolutória da 1.ª instância, em 
 violação das normas inscritas nos artigos 32.º, n.º 1, e bem assim 9.º, alínea 
 b), e 20.º, n.º 1, todos da CRP.
 
                  Uma vez que,
 
                  A recorrente foi pronunciada pela prática, em co‑autoria 
 material e em concurso efectivo, de um crime de burla, previsto e punido pelos 
 artigos 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e de um crime de falsificação, 
 previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea b), todos do CP.
 
                  Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi a 
 recorrente absolvida da prática de ambos os crimes, com os fundamentos 
 enunciados no acórdão proferido.
 
                  O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância 
 recorreu deste acórdão para o Venerando Tribunal a quo, tendo obtido vencimento,
 
                  Tendo a recorrente sido condenada pela prática de um crime de 
 falsificação de documentos, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de 10€.
 
                  A recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie 
 o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
 
                  Nos termos do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do 
 CPP: «Não é admissível recurso: (…) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas 
 relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de 
 prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em 
 que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 
 
 3.».
 Porém, entende a recorrente que tal preceito deve ser interpretado no sentido de 
 apenas não ser admissível o recurso, nos casos em que o Tribunal da Relação 
 profere decisão que confirma anterior condenação proferida em primeira 
 instância,
 Sob pena de violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP: «O processo 
 criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».
 
                  Pois,
 
                  No caso dos presentes autos, a recorrente foi condenada apenas 
 pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
 
                  Aceitar que tal decisão não pode ser atacada equivale a negar o 
 direito de recurso da recorrente,
 
                  Uma vez que não fica sequer assegurado um grau de recurso.
 
                  Nesse sentido, a norma inscrita no artigo 400.º, n.º 1, alínea 
 e), do CP deve ser interpretada no sentido de excluir o direito de recurso nos 
 casos em que o Tribunal de Relação profere decisão que confirma anterior 
 condenação proferida em primeira instância, estando assim assegurada ao arguido 
 uma instância de recurso,
 
                  Nos casos, como o dos autos, em que o arguido não recorreu, 
 resultando a sua condenação do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, deve 
 ser admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Garantindo‑se assim 
 ao arguido uma instância de recurso, nos termos consagrados no artigo 32.º, n.º 
 
 1, da CRP e bem assim na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
 
                  Só assim se assegura também os princípios constitucionais 
 inscritos nos artigos 9.º, alínea b), e 20.º, n.º 1, da CRP, no sentido de ser 
 garantido ao arguido o direito fundamental de recorrer contra uma decisão que 
 lhe é desfavorável.
 
                  Razão pela qual,
 
                  O acórdão proferido é recorrível, nos termos conjugados dos 
 artigos 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP e 32.º, n.º 1, 9.º, alínea b), e 20.º, 
 n.º 1, todos da CRP.
 
                  Nesse sentido,
 
                  Deve ser dado provimento à presente reclamação e em 
 consequência ser declarada a inconstitucionalidade da interpretação, realizada, 
 na decisão recorrida, da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do 
 CPP, quando interpretada no sentido da não admissão de recurso para o STJ de 
 uma decisão condenatória proferida pela Relação, em recurso de decisão 
 absolutória da 1.ª instância, em violação das normas inscritas nos artigos 
 
 32.º, n.º 1, e bem assim 9.º, alínea b), e 20.º, n.º 1, todos da CRP, com as 
 demais consequências.”
 
  
 
                                  1.3. O representante do Ministério Público 
 neste Tribunal apresentou resposta, do seguinte teor:
 
  
 
                  “1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
 
                  2 – Na verdade, a argumentação da reclamante em nada abala a 
 firme e reiterada corrente jurisprudencial que – conforme relata a decisão 
 recorrida – conduz à formulação de um juízo de não inconstitucionalidade da 
 norma questionada.”
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Como se assinala na resposta do Ministério 
 Público, a reclamante limita‑se a reafirmar, sem novos argumentos, a tese da 
 inconstitucionalidade que, sem sucesso, sustentara na reclamação para o 
 Presidente do STJ, sem esboçar sequer qualquer crítica aos fundamentos 
 expendidos no Acórdão n.º 49/2003, reiterados no Acórdão n.º 255/2005.
 
                                  Nesses arestos se salientou que “os fundamentos 
 do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de 
 jurisdição”, visando um triplo objectivo: redução do risco de erro judiciário, 
 por reexame do caso por um novo tribunal; garantia de melhor qualidade potencial 
 da decisão obtida em sede de recurso, com intervenção de um tribunal superior; e 
 possibilidade de apresentação de novo, e agora perante um tribunal superior, 
 dos argumentos da defesa. Ora, todos estas razões substantivas justificadoras do 
 direito de recurso foram preenchidas quando, no presente caso, a arguida, 
 perante recurso interposto pelo Ministério Público para a Relação – recurso este 
 limitado à impugnação da absolvição pelo crime de falsificação de documento, 
 pois o Ministério Público conformou‑se com a absolvição pelo crime de burla – 
 teve oportunidade de, no âmbito do reexame do caso, expor, perante um tribunal 
 superior, a sua defesa. Conclui‑se, assim, na senda da anterior jurisprudência 
 deste Tribunal, que “estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos 
 razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição”, 
 consistindo tais fundamentos na “intenção de limitar em termos razoáveis o 
 acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, evitando a sua eventual paralisação, e 
 
 [n]a circunstância de os crimes em causa terem uma gravidade não acentuada” (no 
 caso, crime punível com prisão até 3 anos ou com pena de multa, tendo sido 
 aplicada a pena de 100 dias de multa à taxa de € 10,00, o que perfaz a multa de 
 
 € 1000,00). Solução que, como se referiu, se mostra perfeitamente conforme ao 
 disposto no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 Adicional à Convenção Europeia dos 
 Direitos do Homem, que justamente excepciona da garantia do direito ao recurso 
 em matéria penal a hipótese de condenação no seguimento de recurso contra a 
 absolvição (parte final do seu n.º 2).
 
  
 
                                  3. Em face do exposto, acordam em indeferir a 
 presente reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada, no sentido do 
 improvimento do recurso, por não se julgar inconstitucional a norma do artigo 
 
 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de 
 não admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da 
 Relação, proferido em recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª 
 instância, que condene o arguido por crime punível com pena de multa ou pena de 
 prisão não superior a 5 anos.
 
                                  Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 20 de Setembro de 2006.
 Mário José de Araújo Torres
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos