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Processo nº 471/2007
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
 
 
 Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I Relatório
 
  
 
 1.  A representante do Ministério Público junto do Tribunal de Comarca de 
 Gondomar interpôs, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de 
 Fevereiro (Lei Tribunal Constitucional), recurso para este Tribunal da decisão 
 proferida em 21 de Março de 2007 por aquele Tribunal, que recusou, com 
 fundamento em inconstitucionalidade material, a aplicação do conjunto normativo 
 constante do “Anexo à Lei n.º 34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 
 
 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõem 
 que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do 
 requerente do benefício do apoio judiciário, casado, desempregado e sem que 
 beneficie de qualquer subsídio ou pensão, o rendimento da sua mulher e da sua 
 filha maior (ou pelo menos o desta), por violação do direito de acesso ao 
 Direito e aos tribunais consagrado no art. 20.º da Constituição da República 
 Portuguesa”. Pode ler-se na respectiva “Fundamentação de Direito”:
 
  
 Nos termos do art. 20°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa – que está 
 integrado na parte relativa aos princípios gerais dos direitos e deveres 
 fundamentais – a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para 
 defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a 
 justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 
 Em termos de lei ordinária, o apoio judiciário é hoje regulado pela Lei n.° 
 
 34/2004, de 29 de Julho, onde se dispõe, no seu art. 1°, que o sistema de acesso 
 ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado 
 ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência 
 de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos. 
 Acrescenta depois o art. 7°, n.° 1 do referido diploma legal que têm direito a 
 protecção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União 
 Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com titulo de residência 
 válido num Estado membro da União europeia, que demonstrem estar em situação de 
 insuficiência económica. 
 A Lei n.° 34/2004 implementou uma remodelação no que respeita à 
 delimitação/concretização da insuficiência económica como pressuposto da 
 concessão do benefício do apoio judiciário, remodelação que começa com o 
 n.° 1 do art. 8°, onde se dispõe que se encontra em situação de insuficiência 
 económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a 
 respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo. E nos termos do n.° 5 do mesmo preceito, 
 a prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas dc acordo com 
 os critérios estabelecidos e publicados em anexo à referida lei. 
 Conforme tem vindo a ser entendido quer pela Doutrina, quer mesmo pela 
 Jurisprudência, a referida regulamentação em anexo não se consubstancia em 
 delimitação do direito fundamental consagrado no art. 20°, n.° 1 da CRP. 
 Como parece resultar claro do citado n.° 5 do art. 8°, e como resultará claro da 
 simples leitura dos preceitos que a seguir serão citados, outra coisa não se faz 
 que não seja delimitar o direito de acesso ao Direito e aos tribunais, pois tal 
 acesso depende de uma situação de insuficiência económica, cujos critérios de 
 apreciação são fixados/tabelados, inclusive por recurso a uma fórmula 
 matemática. 
 Repare-se ainda que a norma que constituía o art. 7°, n.° 1 da Lei 
 n.° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e que era preenchida em face do caso concreto, 
 passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era antes uma norma 
 aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando 
 estritos aspectos económico-financeiros, como resulta claro da adopção de uma 
 fórmula matemática. Sendo pressuposto da concessão do benefício do apoio 
 judiciário uma situação de insuficiência económica, ao tabelarem-se os critérios 
 de apreciação dessa situação, inclusive com recurso a uma fórmula matemática 
 como resulta dos artigos 6° a 10° da Portaria n.° 1085-A/2004, de 31 de Agosto, 
 
 é manifesto que se procedeu a uma delimitação do direito de acesso ao Direito e 
 aos tribunais. Tal delimitação não foi feita na norma que consagra o direito; 
 foi feita ao nível da sua concretização. 
 O Instituto da Segurança Social indeferiu o pedido de apoio judiciário ao 
 requerente porque considerou que o seu agregado familiar tinha um rendimento 
 relevante que lhe dava direito ao benefício do apoio judiciário na modalidade de 
 pagamento faseado. 
 Sendo um dado assente, atenta a matéria de facto supra descrita, que o 
 requerente vive em “economia comum” com a sua mulher e os dois filhos do casal, 
 sempre a questão a decidir terá de se colocar ao nível da aplicação do Anexo à 
 Lei n.° 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência económica para o 
 rendimento relevante do agregado familiar e da fórmula matemática previstas nos 
 artigos 6° a 10° da Portaria n.° 1085‑A/04. 
 E a aplicação destes critérios conduzem, no caso concreto, a um resultado que 
 não se mostra conforme o direito fundamental de acesso ao Direito e aos 
 tribunais, quer por que implica uma restrição intolerável de tal direito – 
 violação do princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa 
 que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa 
 medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, 
 excessivas, em relação aos fins tidos em vista – quer por que se traduz numa 
 violação do principio da igualdade – que obriga à diferenciação, como forma de 
 compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos 
 poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica ou 
 cultural (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 3ª edição, pág. 127). 
 
 
 Com efeito, o rendimento relevante assenta todo ele no rendimento obtido pela 
 mulher e filha do requerente, que se encontra desempregado e não aufere qualquer 
 pensão ou subsídio. 
 Parece, por conseguinte, claro que se recusou o benefício do apoio judiciário ao 
 requerente não com base na sua insuficiência económica, mas na suficiência 
 económica de terceiros que com ele vivem em economia comum e que não tem 
 qualquer tipo de obrigação de suportar as despesas inerentes à demanda em que 
 aquele se encontra envolvido, o que constitui uma clara distorção ao art. 20º, 
 n.° 1 da CRP nas vertentes já referidas: violação dos princípios da 
 proporcionalidade e da igualdade. 
 Não auferindo o requerente, comprovadamente, qualquer rendimento, e considerando 
 a alínea a) do Anexo que dispõe que o requerente cujo rendimento relevante para 
 efeitos de protecção jurídica seja igual ou menor do que um quinto do salário 
 mínimo nacional, não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia 
 relacionada com os custos de um processo, impõe-se conceder provimento ao 
 recurso e em consequência conceder ao requerente o benefício do apoio judiciário 
 na modalidade peticionada: dispensa total de taxa de justiça e demais encargos 
 com processo. 
 Em sentido em tudo idêntico ao agora perfilhado decidiu o Tribunal 
 Constitucional no Acórdão n.° 654/06, de 28 de Novembro de 2006, proferido no 
 
 âmbito do processo n.° 840/05 – 1ª Secção (Relatora Conselheira Maria João 
 Antunes), para cujas considerações se remete. 
 Mas ainda que se entendesse que o rendimento auferido pela mulher do requerente 
 deveria (ou deverá) ser tido em consideração na questão em apreço, por se tratar 
 de um bem integrado na comunhão conjugal (cfr. art. 1724°, alínea a) do Código 
 Civil), sempre a conclusão seria em tudo idêntica à anteriormente referida. 
 Com efeito, atendendo a prova documental junta aos autos constata‑se que o 
 rendimento líquido (e não o ilíquido como se fez na decisão impugnada) auferido 
 pelo casal e que serviu de base à decisão impugnada se cifrou cm €5.455,50 (e 
 não se refere aqui as contribuições para a segurança social, uma vez que estas 
 também não foram tidas em consideração na decisão impugnada). 
 Sendo o produto do trabalho bem comum (ou integrado na comunhão, por força da 
 disposição legal supra referida), sempre se teria de concluir que daquele 
 rendimento o requerente teria direito a metade, ou seja, €2.727,75. E, por 
 conseguinte, seria este montante a ter em consideração para cálculo do valor do 
 rendimento para efeitos de protecção jurídica. 
 Ora, se a este rendimento aplicássemos os coeficientes referidos na Portaria n.° 
 
 1085-A/2004, de 31 de Agosto, facilmente concluiríamos que o rendimento mensal 
 para efeitos de protecção jurídica seria de €92,06, ou seja, manifestamente 
 inferior a metade do valor do salário mínimo nacional. E por via disso teríamos 
 de concluir que o requerente estaria em condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica e, por conseguinte, não deveria beneficiar de 
 consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário.
 
  
 O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho proferido em 10 de 
 Abril de 2007.
 Determinada a produção de alegações, o Ministério Público concluiu assim as 
 suas:
 
  
 
 1º
 Constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de 
 acesso à justiça, sem discriminações fundadas na situação económica, a tabelar 
 ponderação do rendimento global, auferido por todas as pessoas que vivem em 
 economia comum com o requerente – desempregado e desprovido de quaisquer 
 rendimentos próprios – incluindo os rendimentos auferidos pela sua filha maior, 
 independentemente da natureza da demanda para que é peticionado o apoio 
 judiciário e da sua possível e exclusiva conexão com interesses pessoais do 
 requerente. 
 
 2°
 
 É inconstitucional, por violação do n° 1 do artigo 20º da Constituição da 
 República Portuguesa, o Anexo à Lei n° 34/04, conjugado com os artigos 6° a 10º 
 da Portaria n° 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o 
 rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário 
 seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento. 
 
 3°
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida.
 
  
 O recorrido não contra-alegou.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentos
 
  
 A)
 Delimitação do objecto do recurso
 
  
 
 2.  Incide o presente recurso de constitucionalidade sobre o «sistema normativo» 
 formado pelo Anexo à Lei nº 34/04, de 29 de Julho, em conjugação com os artigos 
 
 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/4, de 31 de Agosto: foram, com efeito, estas as 
 
 «normas» cuja aplicação, ao caso, o Tribunal de Comarca de Gondomar recusou, por 
 entender que violavam elas o direito de acesso ao Direito e aos tribunais, 
 consagrado no artigo 20º da Constituição. É desta decisão que, nos termos da 
 alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, interpõe 
 recurso o Ministério Público. 
 Quer do texto da decisão recorrida quer do texto do requerimento de interposição 
 do recurso decorre, literalmente, que o «sistema normativo» atrás referido terá 
 sido desaplicado de acordo com a seguinte dimensão normativa concreta, ou nos 
 termos da seguinte interpretação: 
 
  
 
 [O] anexo à Lei nº 34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 10º da 
 Portaria nº 1085-A/4, na parte em que impõem que seja considerado para efeitos 
 de cálculo de rendimento relevante do requerente do benefício do apoio 
 judiciário, casado, desempregado e sem que beneficie de qualquer subsídio ou 
 pensão, o rendimento da sua mulher e da sua filha maior (ou pelo menos desta) 
 
 [itálico nosso].
 
  
 Semelhante formulação coloca ao Tribunal a questão prévia de saber com que 
 exacta dimensão foi, in casu, efectivamente recusada a aplicação das normas 
 atrás referidas. Dada a dubitativa expressão final da fórmula decisória contida 
 na sentença recorrida («da sua mulher e da sua filha maior ou pelo menos 
 desta»),  interessa determinar se o juízo de inconstitucionalidade que foi 
 proferido o foi pelo ‘facto’ de o sistema normativo em juízo impor – para 
 efeitos do cálculo do rendimento relevante para a concessão de apoio judiciário 
 
 – a consideração do rendimento auferido também pelo cônjuge do requerente [do 
 benefício de apoio], ou a consideração do rendimento auferido apenas pela «sua 
 filha maior». 
 A questão de constitucionalidade que, por este meio, é colocada ao Tribunal não 
 pode ser resolvida sem que se resolva, antes, esta questão prévia, relativa à 
 delimitação do objecto do recurso. 
 Com efeito, o juízo de conformidade com a Constituição não será necessariamente 
 o mesmo – quanto às normas sob juízo – tanto num caso como noutro. 
 Tal como decorre de decisões anteriores do Tribunal (que inspiraram a decisão 
 recorrida e às quais, de seguida, voltaremos), a eventual inconstitucionalidade 
 do sistema instaurado pelo Anexo à Lei nº 34/04 – em conjugação com as normas da 
 portaria atrás referida – decorre primacialmente do ‘facto’ de o legislador ter 
 imposto que se considerasse, para efeitos de apreciação da insuficiência 
 económica do requerente de apoio judiciário, a condição do seu agregado 
 familiar, «independentemente de o requerente fruir o rendimento de terceiro que 
 integra a economia comum» (Acórdão nº 654/2006, ao qual regressaremos). Face a  
 esta imposição legal, tudo está em saber se constituirá ou não uma restrição 
 desproporcionada do direito ao acesso ao Direito (artigo 20º da CRP) a presunção 
 de que partiu o legislador, e segundo a qual a «economia comum» do agregado 
 familiar pressuporá, sempre e naturalmente, uma predisposição comum  para a 
 partilha das custas de um processo judicial relativo a apenas um dos seus 
 membros – e isto independentemente de qualquer ponderação, em concreto, dos 
 interesses  de cada um desses membros e dos deveres recíprocos que sobre eles 
 impendam. Como se verá, o Tribunal já respondeu afirmativamente a esta questão, 
 mas em situações outras que não as relativas à consideração do rendimento do 
 cônjuge do requerente do benefício de apoio judiciário. 
 Desta diversidade de situações – e das diversas consequências que delas decorrem 
 quanto ao juízo de constitucionalidade – tem perfeita consciência a decisão 
 recorrida. Com efeito, lê-se nela, a certo passo (fls. 59 e 59 verso): 
 
 « Parece, por conseguinte, claro que se recusou o benefício do apoio judiciário 
 ao requerente não com base na sua insuficiência económica, mas na suficiência 
 económica de terceiros que com ele vivem em economia comum e que não têm 
 qualquer tipo de obrigação de suportar as despesas inerentes à demanda em que 
 aquele se encontra envolvido, o que constitui uma clara distorção ao artigo 20º, 
 nº 1 da CRP nas vertentes já referidas: violação dos princípios da 
 proporcionalidade e da igualdade. (.) 
 Em sentido em tudo idêntico ao agora perfilhado decidiu o Tribunal 
 Constitucional no Acórdão nº 654/06, de 28 de Novembro (…) para cujas 
 considerações se remete.
 Mas ainda que se entendesse que o rendimento auferido pela mulher do requerente 
 
 [e só este, uma vez que quanto ao rendimento auferido pela filha do casal 
 parece-me não existir grandes dúvidas quanto à circunstância de não poder ser 
 tido em consideração. Na verdade, o rendimento auferido por esta é 
 exclusivamente próprio e a filha do requerente não tem qualquer dever ou 
 obrigação legal de sustentar a demanda em que este se mostra envolvido] deveria 
 
 (ou deverá) ser tido em consideração na questão em apreço, por se mostrar um bem 
 integrado na comunhão conjugal (cfr. artigo 1724º, alínea a) do Código Civil), 
 sempre a conclusão seria em tudo idêntica à anteriormente referida.» 
 Parece retirar-se deste passo que o juízo de inconstitucionalidade se fundou 
 numa certa dimensão interpretativa do «sistema normativo» em causa que exclui a 
 necessária consideração do rendimento do cônjuge (do requerente do benefício do 
 apoio judiciário) para efeitos de determinação do que seja a ‘insuficiência 
 económica’ do mesmo requerente. É isso mesmo que se diz, quando se afirma que a 
 conclusão, relativa à inconstitucionalidade, se manteria sempre, ainda que se 
 considerasse apenas a necessidade, imposta por lei, de consideração do 
 rendimento auferido pela filha maior. 
 Nestes termos, entende-se que a questão que, por meio deste recurso, é colocada 
 ao Tribunal, pode ser delimitada do seguinte modo: 
 
 É inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º da CRP, o conjunto 
 normativo constante do anexo à Lei nº 34/04, conjugado com os artigos 6º a 10º 
 da Portaria nº 1085-A/04, na parte em que impõe que o rendimento relevante para 
 efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente 
 determinado a partir do rendimento do agregado familiar[no caso, o da sua filha 
 maior], independentemente de o requerente de  protecção jurídica fruir tal 
 rendimento? 
 
  
 
  
 B)
 A anterior jurisprudência do Tribunal
 
  
 
 3.  Como já se disse, a esta questão – assim delimitada – já respondeu 
 afirmativamente o Tribunal.
 Com efeito, como se refere na decisão recorrida e salienta o Magistrado do 
 Ministério Público em funções neste Tribunal, no Acórdão n.º 654/2006 (publicado 
 no Diário da República, II Série, de 19 de Janeiro de 2007), julgou‑se 
 inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, “o Anexo à Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 
 n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento 
 relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja 
 necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento”, 
 juízo este que foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 206/2007, 530/2007, 
 
 603/2007, 625/2007 e 1/2008 (os textos integrais destas Decisões Sumárias, bem 
 como do referido Acórdão, estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 O juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Acórdão n.º 654/2006 baseou-se na 
 seguinte fundamentação:
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 
 1. A decisão recorrida desaplicou o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, 
 conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de 
 Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do 
 rendimento relevante do requerente de benefício do apoio judiciário, maior, 
 estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o rendimento desta. Segundo 
 esta decisão, a aplicação do Anexo à Lei n.º 34/2004, que remete a apreciação da 
 insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das 
 fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 
 
 1085‑A/2004 conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra 
 conforme ao direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais.
 Por força do disposto no n.º 5 do artigo 8.º e no n.º 1 do artigo 20.º da Lei 
 n.º 34/2004, de 29 de Julho (Altera o regime de acesso ao direito e aos 
 tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, 
 do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos 
 litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns 
 relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios), a prova e a apreciação 
 da insuficiência económica do requerente de protecção jurídica deve ser feita de 
 acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo àquela lei.
 Compõem o Anexo, para o que agora releva, as seguintes normas:
 
  
 
 «I – Apreciação da insuficiência económica
 
 1 – A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
 a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional 
 não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os 
 custos de um processo;
 b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do 
 valor do salário mínimo nacional considera‑se que tem condições objectivas para 
 suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de 
 consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio 
 judiciário;
 c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos 
 de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o 
 valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os 
 custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar 
 pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do 
 apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do 
 n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;
 
 2 – (…)
 
 3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado 
 familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção 
 jurídica.» (itálico aditado).
 
  
 Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, que procede à 
 concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica, 
 têm o seguinte conteúdo:
 
  
 
 «SECÇÃO II
 Apreciação do requerimento
 
  
 Artigo 6.º
 Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 – Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que 
 resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado 
 familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica 
 
 (A), ou seja, YAP = YC – A.
 
 2 – O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso 
 em múltiplos do salário mínimo nacional.
 
  
 Artigo 7.º
 Rendimento líquido completo do agregado familiar
 
 1 – O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da 
 soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da 
 renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do 
 agregado familiar (YR), ou seja, YC = Y + YR.
 
 2 – Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende‑se o rendimento depois 
 da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos 
 empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores 
 para a segurança social.
 
 3 – O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no 
 artigo 10.º da presente portaria.
 
  
 Artigo 8.º
 Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
 
 1 – O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta 
 da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado 
 familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H), ou seja, A = D + H.
 
 2 – O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar 
 
 (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
 em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de 
 dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado 
 em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo 
 I.
 
 3 – O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) 
 resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do 
 agregado familiar (YC), ou seja, H = h ×YC, em que h é determinado em função dos 
 diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
 
 4 – O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do agregado 
 familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante da despesa 
 efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa 
 de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no caso de não ter 
 sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado familiar; caso o 
 valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor considerado.
 Artigo 9.º
 Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante
 para efeitos de protecção jurídica
 
 1 – Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor 
 do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos 
 artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:
 
 2 – Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado 
 familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações 
 para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do 
 coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto 
 no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para 
 efeitos de protecção jurídica é a seguinte:
 
  
 
  
 Artigo 10.º
 Cálculo da renda financeira implícita
 
 1 – O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 
 
 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor 
 dos activos patrimoniais do agregado familiar.
 
 2 – A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao 
 valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o 
 requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou 
 no 2.º semestre do ano civil em curso.
 
 3 – Entende‑se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o 
 declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz 
 predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
 
 4 – Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 
 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita 
 medida desse excesso.
 
 5 – O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que 
 resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do 
 requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
 
 6 – Entende‑se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado.»
 
  
 A norma que integra o objecto do presente recurso foi desaplicada pelo Tribunal 
 Cível de Lisboa, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da 
 República Portuguesa, que dispõe o seguinte:
 
  
 
 «A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada 
 por insuficiência de meios económicos.» (itálico aditado).
 
  
 
 2. Sobre a modalidade de protecção jurídica que está em causa nos presentes 
 autos, pode ler‑se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 98/2004 (Diário da 
 República, II Série, de 1 de Abril de 2004) o seguinte:
 
  
 
 «O instituto do apoio judiciário visa obstar a que, por insuficiência económica, 
 seja denegada justiça aos cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos 
 nos tribunais, decorrendo, assim, a sua criação do imperativo plasmado no artigo 
 
 20.º, n.º 1, da Constituição.
 Não basta, obviamente, para cumprir tal imperativo, a mera existência do 
 referido instituto no nosso ordenamento; impõe‑se que a sua modelação seja 
 adequada à defesa dos direitos, ao acesso à Justiça, por parte daqueles que 
 carecem dos meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes à instauração e desenvolvimento de um processo judicial, 
 designadamente custas e honorários forenses.»
 
  
 O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do 
 instituto do apoio judiciário dada pela norma desaplicada, extraída do Anexo que 
 integra a Lei n.º 34/2004, em conjugação com os artigos 6.º a 10.º da Portaria 
 n.º 1085‑A/2004, garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele 
 que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são 
 inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial, designadamente custas e 
 honorários forenses. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à 
 dimensão «prestacional» da garantia fundamental do acesso ao direito e aos 
 tribunais, que se concretiza no «dever de o Estado assegurar meios (como o apoio 
 judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios 
 económicos» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, Diário da República, 
 II Série, de 2 de Abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, Direito 
 Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui 
 Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, anotação ao 
 artigo 20.º, ponto VI).
 
         
 
 3. Tendo como referência a Constituição da República Portuguesa vigente, o 
 Decreto‑Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, editado ao abrigo da Lei n.º 41/87, 
 de 23 de Dezembro, que autorizou o Governo a legislar sobre o estabelecimento do 
 regime do acesso ao direito e aos tribunais judiciais, foi o primeiro diploma 
 regulador do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, configurando‑o a 
 partir de acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de 
 protecção jurídica, revestindo esta última as modalidades de consulta jurídica e 
 de apoio judiciário (artigos 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º).
 Muito embora esta configuração se tenha mantido até ao presente (cf. artigos 
 
 1.º, n.ºs 1 e 2, e 6.º da Lei n.º 30‑E/2000, de 20 de Dezembro, e 1.º, n.ºs 1 e 
 
 2, e 6.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), foram introduzidas alterações 
 significativas através da Lei n.º 30‑E/2000, que atribuiu aos serviços de 
 segurança social, retirando tal competência aos tribunais, a apreciação dos 
 pedidos de concessão de apoio judiciário (artigo 21.º), e da Lei n.º 34/2004, 
 que inovou em matéria de determinação da insuficiência económica do requerente 
 de protecção jurídica.
 Na sequência deste diploma, a concessão de protecção jurídica a quem, tendo em 
 conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não 
 tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo 
 
 (cf. artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004) passou a depender do valor do 
 rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (artigos 8.º, n.º 5, e 
 
 20.º, n.º 1, e ponto 1 do Anexo da Lei n.º 34/2004), determinado a partir do 
 rendimento do agregado familiar – ou seja, também a partir do rendimento das 
 pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica (n.ºs 
 
 1 e 3 do ponto 1 deste Anexo) – e das fórmulas previstas nos artigos 6.º a 10.º 
 da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto.
 A apreciação em concreto da situação de insuficiência económica do requerente de 
 protecção jurídica passou a ter lugar a título excepcional (cf. artigos 20.º, 
 n.º 2, da Lei de 2004 e 2.º da referida Portaria), diferentemente do que sucedia 
 no direito anterior (cf. artigos 7.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 2, e 23.º, n.º 2, do 
 Decreto‑Lei n.º 387‑B/87, artigos 7.º, n.º 1, e 20.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 
 
 30‑E/2000 e modelo de requerimento de apoio judiciário para pessoas singulares 
 aprovado pela Portaria n.º 1223‑A/2000, de 29 de Dezembro), relativamente ao 
 qual é de salientar, a título exemplificativo, que o afastamento da presunção de 
 insuficiência económica, legalmente estabelecida, dependia da circunstância de o 
 requerente fruir outros rendimentos, próprios ou de terceiros.
 Face a esta alteração, a sentença recorrida conclui que «a norma que constituía 
 o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 30‑E/2000, de Dezembro, e que era preenchida em 
 face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que 
 era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma 
 fechada, ponderando estritos aspectos económico‑financeiros, como resulta claro 
 da adopção de uma fórmula matemática»; assinalando o Ministério Público junto 
 deste Tribunal que aquela decisão recusa a aplicação das «normas delimitadoras e 
 reguladoras do âmbito do apoio judiciário, na versão actualmente vigente, 
 enquanto consideram rendimento relevante para aferir da invocada situação de 
 insuficiência económica todos os rendimentos auferidos pelo ‘agregado familiar’ 
 do interessado – ou seja, pelo conjunto das pessoas que vivem em ‘economia 
 comum’ com o requerente de protecção jurídica, sendo tal insuficiência económica 
 valorada, de modo rígido e tabelar, através da ‘fórmula matemática’ contida nos 
 artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, de 31 de Agosto» (fls. 56 e 
 seguintes dos autos).
 
        
 
 4. Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, 
 determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem vive e de 
 quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na Portaria que fixa os 
 critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão 
 daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes autos na 
 alínea c) do n.º 1 do ponto 1 do Anexo à Lei n.º 34/2004 – concessão de apoio 
 judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do n.º 1 do 
 artigo 16.º desta Lei – o tribunal recorrido desaplicou o Anexo à Lei n.º 
 
 34/2004, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, por 
 violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
 Com efeito, a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante o 
 acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado 
 este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o rendimento 
 relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir 
 do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir o 
 rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar‑se que 
 facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção jurídica 
 não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Para 
 além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da economia comum, 
 designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente de protecção 
 jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus 
 direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode não estar 
 juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de apoio 
 judiciário.
 Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende 
 despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003.º e 
 
 2005.º do Código Civil e 399.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e o que sobre 
 isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fls. 59 e 
 seguintes), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe, 
 efectivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção 
 jurídica – a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a 
 avó) –, o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos 
 tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar‑se, neste 
 mesmo sentido, o artigo 116.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez 
 que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do 
 requerente de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive 
 em economia comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia 
 comum, previsto na Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram 
 esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão 
 em causa nos presentes autos.
 Pelo que se expôs, é de concluir que a norma desaplicada pela decisão recorrida, 
 extraída do Anexo que integra a Lei n.º 34/2004, em conjugação com aos artigos 
 
 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085‑A/2004, não garante o acesso ao direito e aos 
 tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para 
 suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo 
 judicial, designadamente custas e honorários forenses.”
 
  
 O Tribunal Constitucional entendeu, pois, que, não compreendendo o dever de 
 prestar alimentos as despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses, 
 a norma que impunha a ponderação dos rendimentos da avó obrigada a alimentos 
 para com o requerente do apoio judiciário, para efeitos de concessão do 
 benefício de apoio judiciário, violava o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da 
 Constituição da República Portuguesa.
 Ora, estando no presente processo também em causa a imposição, pelo conjunto 
 normativo constante do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e pelos artigos 
 
 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de atribuição de relevância, para 
 efeitos de concessão desse benefício, ao rendimento do agregado familiar do 
 requerente de protecção jurídica, incluindo os rendimentos auferidos pela sua 
 filha maior, independentemente de este fruir, de facto, desses rendimentos, a 
 fundamentação transcrita é inteiramente transponível para o caso sub judicio, em 
 que o requerente do apoio judiciário é desempregado e não recebe quaisquer 
 rendimentos próprios. Com efeito, no presente processo também foram ponderados 
 os rendimentos da sua filha maior que o requerente do apoio judiciário pode, em 
 concreto, não fruir.
 Assim, conclui-se pela inconstitucionalidade do conjunto normativo em apreço.
 
  
 III Decisão
 
  
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)  Julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º da CRP, o 
 conjunto normativo constante do Anexo à Lei nº 34/2004, conjugado com os artigos 
 
 6º a 10º da Portaria nº 1085‑A/2004, na parte em que impõe que o rendimento 
 relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja 
 necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 incluindo os rendimentos auferidos pela sua filha maior, independentemente de o 
 requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento;
 b)  Negar provimento ao recurso, confirmando‑se o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da decisão recorrida.
 
  
 
  
 Lisboa, 13 de Maio de 2008.
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Gil Galvão