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Processo n.º 334/06                                       
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.            A. A. , S.A. deduziu, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância 
 de Vila Real, impugnação de uma liquidação feita pelo Centro Regional de 
 Segurança Social de Vila Real, no montante de 336.207$00, referente a 
 contribuições para a Segurança Social, tendo, entre o mais, sustentado a 
 ilegalidade do Decreto Regulamentar n.º 9/88, de 3 de Março, bem como a 
 inconstitucionalidade do Despacho n.º 84/SESS/89, de 17 de Julho.
 
  
 
                  Na sequência da contestação do representante da Fazenda Pública 
 
 (fls. 25 e seguintes), foi proferida sentença pelo juiz do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Mirandela, julgando a impugnação improcedente (fls. 
 
 36 e seguintes).
 
  
 
  
 
 2.            Desta sentença interpôs A., S.A. recurso para a Secção de 
 Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 46), tendo nas 
 alegações respectivas (fls. 51 e seguintes) concluído do seguinte modo:
 
  
 
 “1ª. O n.º 2 do artigo 4° do Decreto Regulamentar n.º 75/86, que foi introduzido 
 pelo Decreto Regulamentar n.º 9/88, é ilegal porque viola o n.º 2 do artigo 5º 
 do Decreto-Lei n.º 401/86;
 
 2ª. Essa disposição regulamentar é também inconstitucional, por força do actual 
 n.º 6 do artigo 112° da Constituição (o então n.º 5 do artigo 115° da 
 Constituição).
 
 3ª. A douta sentença objecto do presente recurso jurisdicional, ao aplicar, in 
 casu, o referido n.º 2 do artigo 4° do Decreto Regulamentar n.º 75/86, que foi 
 acrescentado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/88, incorreu em erro de julgamento.
 
 4ª. A douta sentença fez essa aplicação, ao considerar que um acto de liquidação 
 de contribuições para a segurança social baseado nesse n.º 2 do artigo 4° é 
 válido.
 
 5ª. O Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente pelos doutos Acórdãos de 16 
 de Junho de 2004 (Proc. 297/04 – 2ª Secção Tributária), de 13 de Outubro de 2004 
 
 (Proc. n.º 311/04 e Proc. n.º 274/04 – 2ª Secção Tributária), de 15 de Dezembro 
 de 2004 Proc. n.º 313/04 e Proc. n.º 375/04 – 2ª Secção Tributária), de 16 de 
 Fevereiro de 2005 (Proc. n.º 1278/04 – 2ª Secção Tributária), tem vindo, sem 
 excepção, a reconhecer que a razão está com a ora Recorrente, embora 
 estranhamente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela insista em 
 continuar a considerar que não.
 
 […].”.
 
  
 
                  O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso 
 merecia provimento (fls. 59 v.º).
 
  
 
 3.            Por acórdão de 2 de Fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal 
 Administrativo decidiu conceder provimento ao recurso e revogar a sentença 
 recorrida, julgando procedente a impugnação e anulando o acto tributário 
 impugnado (fls. 67 e seguintes). 
 
  
 
                  A decisão do Supremo Tribunal Administrativo assentou no juízo 
 de ilegalidade e de inconstitucionalidade da norma do artigo único do Decreto 
 regulamentar n.º 9/88, de 3 de Março. Lê-se nesse acórdão, na parte que agora 
 interessa considerar:
 
 “[…]
 Como se sabe, a Constituição da República Portuguesa – ao tempo artigo 202° – 
 permite ao Governo, no exercício da função administrativa, «fazer os 
 regulamentos necessários à boa execução das leis». Independentemente de saber se 
 assim se autorizam, ou não, os regulamentos independentes, o certo é que o 
 regulamento que nos ocupa é de execução, ou seja, acessório e executivo da lei, 
 na medida em que o próprio legislador do decreto-lei n.º 401/86 o mandou emitir 
 para regulamentar o regime desse diploma legislativo. O que significa que este 
 regulamento não só não pode contrariar a lei formal, tal qual acontece com 
 qualquer regulamento, como, sendo complementar do referido decreto-lei, não pode 
 ir além de dar-lhe execução, concretizando e precisando o regime nele 
 estabelecido, mas não podendo, ele mesmo, fixar, de modo independente, um regime 
 legal que vá além do contido no diploma legal regulamentado.
 Dentro do papel que assim atribuímos a este decreto regulamentar n.º 75/86 
 cabem, pois, algumas das definições que nele encontrámos e estavam ausentes do 
 decreto-lei n.º 401/86, úteis para a aplicação deste: entre elas, as de «regime 
 geral» e «regime especial», «regime geral dos trabalhadores por conta de 
 outrem», e de «trabalhadores por conta de outrem».
 
 […]
 Veio o Governo dizer, tempo volvido, que a aplicação deste diploma regulamentar 
 suscitava «alguns pontos de dúvida que importa clarificar», um deles respeitante 
 
 «ao enquadramento da actividade desenvolvida pelos trabalhadores ao serviço de 
 empresas do sector secundário que, paralelamente, se dedicam à produção agrícola 
 de matérias-primas para fornecimento e manutenção de indústrias transformadoras, 
 ultrapassando o âmbito do sector primário da produção agrícola». E, para 
 clarificar as dúvidas, aprovou novo decreto regulamentar, publicado em 3 de 
 Março do ano seguinte, sob o n.º 9/88.
 Não parece que haja obstáculo legal a este procedimento do Governo, ao reiterar 
 o uso do poder regulamentar que lhe conferira o artigo 12° do decreto-lei n.º 
 
 401/86. Mas é claro que também relativamente ao novo regulamento se mantinha a 
 subordinação à lei, nos precisos termos em que pudera o Governo emitir o decreto 
 regulamentar n.º 75/86.
 No artigo 4° n.º 2 do decreto regulamentar n.º 9/88 exclui-se da noção de 
 
 «explorações agrícolas para efeito deste diploma as que se destinem 
 essencialmente à produção de matérias-primas para indústrias transformadoras que 
 constituam, em si mesmas, objectivos dessa empresa».
 Explicando-se, no preâmbulo, a razão de ser da disposição: é que «no fundo, o 
 objectivo das referidas explorações é coincidente com as finalidades das 
 empresas transformadoras, em que, afinal, se integram» aquelas empresas, assim 
 se «ultrapassando o âmbito do sector primário da produção agrícola». Sector 
 primário que, recorde-se, é o visado pelo conjunto normativo a que nos vimos 
 referindo, dominado pela preocupação de integrar no regime geral de segurança 
 social os trabalhadores agrícolas, fazendo-os beneficiar de uma melhoria do 
 esquema de prestações sociais, a que corresponde a contrapartida da subida do 
 nível contributivo exigido, quer aos trabalhadores, quer às entidades suas 
 empregadoras. Foi considerando as características dos beneficiários e da 
 actividade agrícola em que se empregam – designadamente, a debilidade económica 
 do sector e seus trabalhadores – que, para não causar perturbações excessivas, 
 foram tomadas as já referidas medidas transitórias, no concernente ao regime 
 contributivo. Medidas essas que o decreto regulamentar n.º 9/88 entendeu não se 
 justificarem naqueles casos em que se trata de trabalhadores agrícolas ao 
 serviço de empresas do sector terciário, que exercem a actividade agrícola com 
 vista a obterem através dela a matéria-prima para a respectiva transformação.
 
 […]
 Não parece de sufragar o entendimento adoptado pela sentença recorrida.
 O que está em causa é saber se o regime contributivo fixado no decreto-lei n.º 
 
 401/86 – e já vimos ser ele mais favorável do que o geral – se aplica, ou não 
 
 (neste último caso, negativo, por força do diploma regulamentar de 1988), a 
 trabalhadores agrícolas de empresas do sector secundário, e a elas mesmas, 
 quando a actividade agrícola desenvolvida vise a produção de matérias-primas 
 para fornecimento e manutenção de indústrias transformadoras. 
 Ora, os já apontados artigos 5° e 6° do decreto-lei n.º 401/86 definem, sem 
 deixar espaços vazios, os regimes contributivos para a segurança social de todos 
 os trabalhadores agrícolas por conta de outrem, e repartem o correspondente 
 esforço entre o trabalhador e a respectiva entidade patronal.
 Como assim, com a entrada em vigor do decreto-lei, em 1 de Janeiro de 1987 (cfr. 
 artigo 12°), a recorrente passou a estar obrigada aos respectivos descontos nos 
 salários dos seus trabalhadores agrícolas, e à sua entrega nos cofres da 
 previdência, conjuntamente com a contribuição a seu cargo. 
 Evidencia-se, assim, que, neste ponto, a lei não carecia de regulamentação.
 O que aconteceu com a publicação do decreto regulamentar n.º 9/88 foi, afinal, a 
 alteração do regime contributivo a que até então estava sujeita a recorrente, 
 tal como os seus trabalhadores agrícolas. Modificação que decorreu desse decreto 
 regulamentar, o qual, todavia, não podia dispor contra o decreto-lei n.º 401/86, 
 nem, sequer, para além dele, pois o administrador não dispunha de credencial, 
 emitida pelo legislador, para estabelecer, ele mesmo, o regime contributivo 
 aplicável, ou, sequer, o universo subjectivo por ele atingido.
 A matéria que o diploma legal, por si só, já disciplina, sem necessidade de 
 regulamentação, não pode ser contrariada pelo regulamento, nem este poderá 
 estabelecer em matérias de que se não ocupe a lei, tendo que limitar-se ao 
 necessário para assegurar a sua execução.
 E o certo é que o diploma legal aqui regulamentado não consagra vários regimes 
 contributivos conforme seja principal ou acessória a actividade agrícola 
 desenvolvida pelas entidades patronais dos respectivos trabalhadores.
 Não podia, pois, um regulamento intervir nesse domínio, alterando o regime 
 contributivo fixado nas normas legais a que era suposto dar mera execução, 
 relativamente a certas entidades patronais e aos seus trabalhadores.
 E foi o que aconteceu, pela já apontada via indirecta: sem que se tenham, 
 através do regulamento, alterado as taxas contributivas, exclui-se do universo 
 dos contribuintes que a elas estavam sujeitos uma parte deles – os trabalhadores 
 empregues em explorações agrícolas que se destinem essencialmente à produção de 
 matérias-primas para indústrias transformadoras que constituam, em si mesmas, 
 objectivos de empresas do sector secundário, e as próprias empresas. E fez-se 
 isso mediante uma curiosa afirmação: não se consideram explorações agrícolas 
 determinadas explorações agrícolas – só para efeitos do diploma, claro...
 Assim, e ao contrário do que mais tarde viria a afirmar o despacho 84/SESS/89, 
 de 22 de Junho de 1989, publicado na II série, de 14 de Julho seguinte, do 
 Diário da República, o decreto regulamentar em apreciação não se limitou a 
 interpretar a lei. Ao definir, restritivamente, o conceito de «explorações 
 agrícolas», introduziu uma nova configuração, que o texto do decreto-lei não 
 comportava, com consequências em relação às taxas aplicáveis aos contribuintes 
 envolvidos nessa inovadora delineação!
 Conforme se viu, o decreto-lei n.º 401/86, de acordo com o seu artigo 1º, 
 ocupa-se «das pessoas que trabalham em actividades agrícolas», que o artigo 2° 
 recorta de modo assaz amplo, considerando como tal a silvicultura e a pecuária, 
 e abrangendo «as empresas, e respectivos trabalhadores, que se dediquem à 
 produção da pecuária, da horto-fruticultura, da floricultura, da avicultura e da 
 apicultura, em que a terra tem como função predominante o suporte de instalações 
 e cujos produtos se destinam ao mercado comercial ou industrial». Abrange, pois, 
 todos os trabalhadores agrícolas por conta de outrem, independentemente do tipo 
 de exploração agrícola em que se ocupem, e o destino dado à respectiva produção, 
 e todas as suas entidades patronais.
 
 É verdade que o n.º 2 do artigo 4° do decreto regulamentar n.º 75/86, na 
 redacção dada pelo decreto regulamentar n.º 9/88, ao distinguir entre as 
 entidades patronais que se inserem no sector primário e aquelas que se integram 
 no sector terciário, ainda que empregadoras, também, de trabalhadores agrícolas, 
 parece, até, concretizar os intentos do diploma legal regulamentado, expressos 
 no seu preâmbulo: diminuir o impacto causado a um sector economicamente débil 
 pela súbita imposição de um regime contributivo mais exigente. A contrario, 
 dir-se-á, não há que ter igual cuidado relativamente a outro sector de 
 actividade.
 Mas não pode acolher-se esta ideia.
 O que ao titular do poder regulamentar cabe regulamentar é a disciplina legal 
 contida no diploma regulamentado, de modo a permitir a sua aplicação prática. 
 Não é a ele, mas ao próprio legislador, que cumpre concretizar as intenções 
 afirmadas no preâmbulo da lei. Esse preâmbulo ilumina o regulamentador para 
 melhor interpretar o espírito da lei, mas seria perverso que lhe fosse permitido 
 usá-lo para se afastar da disciplina estabelecida no texto da lei, a pretexto de 
 melhor atingir as intenções expressas na sua parte preambular. E, no nosso caso, 
 como se viu, o regime contributivo está fixado no articulado do decreto-lei n.º 
 
 401/86 para todos os trabalhadores agrícolas por conta de outrem, e para todas 
 as suas entidades patronais, sem qualquer distinção (e, menos, exclusão) assente 
 no destino dado à produção, ou na intenção com que é […] feita, ou na 
 primacialidade ou secundaridade da exploração agrícola enquanto actividade 
 empresarial. O que parece dever, antes, ser interpretado no sentido de que o 
 legislador entendeu que mereciam o benefício de suportar as taxas contributivas 
 transitoriamente inferiores às normais, todos os trabalhadores agrícolas por 
 conta de outrem, independentemente daquele para quem trabalham, e todas as 
 entidades que se dedicam à exploração agrícola, nela empregando trabalhadores, e 
 não só aquelas que fazem dessa exploração a sua actividade principal. E que foi 
 assim mesmo que quis concretizar, e concretizou, o princípio declarado no 
 preâmbulo do diploma.
 Ao contrário do que pretendeu fazer o titular do poder regulamentar que emitiu o 
 decreto regulamentar n.º 9/88.
 Temos, pois, que, ao invés do que decidiu a sentença impugnada, é ilegal o 
 artigo único do decreto regulamentar n.º 9/88, de 3 de Março, no segmento em 
 que, acrescentando um n.º 2 ao artigo 4º do decreto regulamentar n.º 75/86, de 
 
 30 de Dezembro, o fez em contrariedade com o disposto nos artigos 5° e 6° do 
 decreto-lei n.º 401/86, de 2 de Dezembro, na medida em que nestas últimas normas 
 se estabelece o regime contributivo aplicável a todos os trabalhadores agrícolas 
 por conta de outrem, e respectivas entidades patronais, e na norma regulamentar 
 se quiseram excluir daquele regime algumas dessas entidades patronais, e seus 
 trabalhadores.
 Ilegalidade essa que torna ilegal o acto tributário que dela fez aplicação, e 
 que no presente processo vem impugnado.
 Assim sendo, deve ser anulada a liquidação em causa, na parte em que aplicou à 
 situação dos autos a taxa de 34,75%, uma vez que a taxa legalmente devida era de 
 
 29%, por se tratar de contribuições para a segurança social referentes a Julho 
 de 1996.
 
 4 - Quanto à questão de constitucionalidade suscitada na conclusão 2ª da 
 motivação da recorrente, esta Secção do STA já se pronunciou no sentido da 
 inconstitucionalidade orgânica e material do Decreto Regulamentar n.º 9/88 de 
 
 3/3, por violação do artº 115°, n.º 5 da CRP redacção de 1982 (actualmente artº 
 
 112°, n.º 6 na redacção de 1997), na medida em que «é inequívoco que o n.º 2 do 
 art. 4° do Decreto Regulamentar n.º 75/86, introduzido pelo Decreto Regulamentar 
 n.º 9/88, ao excluir do âmbito do Decreto-lei n.º 401/86 as explorações 
 agrícolas ‘que se destinem essencialmente à produção de matérias-primas para 
 indústrias transformadoras que constituam, em si mesmas, objectivos dessas 
 empresas’, tem um alcance restritivo que não tinha este último diploma.
 Nestas condições, tem de concluir-se que esta nova redacção, quer se lhe atribua 
 carácter interpretativo quer se lhe reconheça carácter inovador e revogatório do 
 anteriormente vigente, sempre será orgânica e materialmente inconstitucional, 
 pois viola aquele n.º 5 do art. 115º da C.R.P., que proíbe que diplomas 
 legislativos sejam interpretados ou revogados, em qualquer dos seus preceitos, 
 por diplomas de natureza não legislativa e altera, sem credencial parlamentar, a 
 incidência subjectiva daquele regime especial de contribuições para a Segurança 
 Social, matéria esta que se englobava na reserva relativa de competência 
 legislativa da Assembleia da República (arts. 168º, n.º 1, alínea i) e 106º, n.º 
 
 2, da C.R.P. na redacção de 1982)» (vide acórdãos de 23/2/05, in rec. n.º 
 
 1.283/04 e de 2/3/05, in rec. n.º 1.286/04).
 
 […].”.
 
  
 
 4.            Deste acórdão recorreu o Ministério Público para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, com fundamento na circunstância de, nesse acórdão, “se ter 
 recusado a aplicação, por inconstitucionalidade orgânica e material, da norma do 
 artigo único do Decreto regulamentar n.º 9/88, de 3 de Março, por violação do 
 artº 115º nº 5 da Constituição, versão de 1982” (fls. 82).
 
  
 
                  O recurso foi admitido por despacho de fls. 83.
 
  
 
  
 
 5.            Nas alegações (fls. 88 e seguintes), concluiu assim o 
 representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional:
 
  
 
 “1 - A questão da ilegalidade de certa norma regulamentar, decorrente de o 
 regime nela prescrito colidir eventualmente com certa norma legal, constante do 
 decreto-lei regulamentado, não se configura como questão de 
 inconstitucionalidade normativa (meramente «indirecta»), situada no âmbito dos 
 poderes de cognição do Tribunal Constitucional, sendo, desse modo, indiscutível 
 o juízo de ilegalidade formulado pelo Supremo Tribunal Administrativo, que, só 
 por si, dita a anulação do acto tributário impugnado.
 
 2 - Tendo natureza «fiscal» toda a definição do regime das contribuições 
 patronais para a Segurança Social, incluindo a definição dos pressupostos 
 atinentes à definição das taxas devidas, é organicamente inconstitucional a 
 norma regulamentar em causa no presente recurso, ao dispor, constitutiva e 
 inovatoriamente, sobre matéria sujeita a reserva de lei e autorização 
 parlamentar.
 
 3 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade, 
 formulado pela decisão recorrida.”.
 
  
 
  
 
                  Não houve contra-alegações (fls. 93).
 
  
 
                  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II
 
  
 
  
 
 6.            O objecto do presente recurso de constitucionalidade é a norma 
 constante do artigo único do Decreto Regulamentar n.º 9/88, de 3 de Março, na 
 parte em que altera o artigo 4º do Decreto Regulamentar n.º 75/86, de 30 de 
 Dezembro, aditando-lhe um n.º 2, cuja aplicação foi recusada pelo tribunal 
 recorrido, com fundamento em violação do disposto no artigo 115º, n.º 5, e, bem 
 assim, nos artigos 168º, n.º 1, alínea i), e 106º, n.º 2, da Constituição 
 
 (versão de 1982).
 
  
 
                  É a seguinte a redacção do artigo único do Decreto Regulamentar 
 n.º 9/88, de 3 de Março, no segmento que importa considerar:
 
  
 
 “Artigo único. Os artigos 4º e 30 do Decreto Regulamentar n.º 75/86, de 30 de 
 Dezembro, passam a ter a seguinte redacção:
 Artigo 4º
 Actividades equiparadas a actividades agrícolas
 
 1 – Para efeitos do presente diploma, as actividades e explorações de 
 silvicultura, pecuária, horto-fruticultura, floricultura, avicultura e 
 apicultura, ainda que a terra tenha uma função de mero suporte de instalações, 
 são equiparadas a actividades e explorações agrícolas.
 
 2 – Não se consideram explorações agrícolas para os efeitos deste diploma as que 
 se destinem essencialmente à produção de matérias-primas para indústrias 
 transformadoras que constituam, em si mesmas, objectivos dessas empresas.
 
 […].”.
 
  
 
  
 
 7.            Nas alegações que apresentou neste Tribunal, o Ministério Público, 
 ora, recorrente, coloca o problema de saber se tem utilidade a resolução da 
 questão de constitucionalidade submetida ao Tribunal Constitucional no presente 
 recurso, afirmando que qualquer que fosse a decisão do Tribunal Constitucional 
 sobre essa questão de constitucionalidade, “sempre subsistiria incólume o juízo 
 de «ilegalidade» que ditou a anulação do acto tributário impugnado” (cfr. fls. 
 
 90).
 
  
 
 8.            Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer do objecto de um 
 recurso de constitucionalidade é necessário que a resolução da correspondente 
 questão de constitucionalidade apresente utilidade, ou seja, que de algum modo 
 se repercuta no sentido da decisão recorrida.
 
  
 
                  A exigência de tal utilidade estende-se aos recursos 
 interpostos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal 
 Constitucional (como é o caso do presente recurso): é o que resulta, por 
 exemplo, do Acórdão n.º 385/95, de 27 de Junho (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), no qual estava em causa a apreciação de um 
 recurso com esse fundamento e em que o Tribunal Constitucional, para concluir 
 pelo não conhecimento do objecto do recurso, partiu da seguinte orientação:
 
  
 
 “[…] os recursos de constitucionalidade desempenham uma função instrumental, 
 pelo que só se justifica que deles se conheça, se a sua decisão puder 
 repercutir-se utilmente sobre a questão que constitui objecto do processo de que 
 emerge o recurso.”.
 
  
 
                  No acórdão recorrido, considerou o Supremo Tribunal 
 Administrativo que, além de inconstitucional, é “ilegal o artigo único do 
 decreto regulamentar n.º 9/88, de 3 de Março, no segmento em que, acrescentando 
 um n.º 2 ao artigo 4º do decreto regulamentar n.º 75/86, de 30 de Dezembro, o 
 fez em contrariedade com o disposto nos artigos 5º e 6º do decreto-lei n.º 
 
 401/86, de 2 de Dezembro”. 
 
  
 
                  Ora, o Tribunal Constitucional não tem competência para 
 sindicar a questão de ilegalidade suscitada pelo Supremo Tribunal 
 Administrativo, nem, de qualquer modo, tal questão constitui objecto do presente 
 recurso. 
 
  
 
                  Assim, qualquer que fosse a posição do Tribunal Constitucional 
 sobre a conformidade constitucional do artigo único do Decreto Regulamentar n.º 
 
 9/88, de 3 de Março, sempre o tribunal recorrido manteria a sua decisão no 
 sentido de conceder provimento ao recurso de que lhe cumpria conhecer – julgando 
 procedente a correspondente impugnação judicial –, com fundamento no vício da 
 ilegalidade da mesma norma. 
 
  
 
                  Conclui-se deste modo que a resolução da questão de 
 constitucionalidade submetida ao Tribunal Constitucional não apresenta qualquer 
 utilidade, pelo que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso.
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
 9.            Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal 
 Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
 
  
 Lisboa, 26 de Setembro de 2006
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Artur Maurício