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Processo nº 254/06
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Comarca de Oeiras, em 
 que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, 
 alínea a), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal de 14 de Dezembro de 2005.
 
 2. Para o que agora releva, é o seguinte o teor desta decisão:
 
  
 
 «4. Fundamentação de Direito.
 
                  4.1. A [O] arguida [arguido] vem acusada [acusado] da prática 
 da prática da infracção de falta de título de transporte válido em transportes 
 públicos, constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 108/78, 
 de 24 de Maio, o qual dispõe:
 
 2 - Nos casos em que a cobrança seja feita por qualquer outro processo, os 
 infractores pagarão o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido 
 de uma multa do montante de:
 a) 50% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cem vezes o mínimo 
 cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem adquirido qualquer 
 título válido de transporte;
 b) 25% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cinquenta vezes o 
 mínimo cobrável no transporte utilizado, quando, não tendo ultrapassado a 
 paragem para que tinham bilhete válido, não tenham adquirido um bilhete 
 suplementar
 
                  4.2. A infracção prevenida no referido dispositivo reveste a 
 natureza de transgressão ou contravenção, regendo-se, ainda (ao menos do ponto 
 de vista substantivo) pelo C. Penal de 1886. Na verdade, o art.º 6.º do 
 Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, que aprovou o C. Penal vigente e 
 revogou o anterior, expressamente manteve o regime do C. Penal de 1886 no que às 
 contravenções concerne (…).
 
                  Sem outras considerações que, agora, se revelariam supérfluas, 
 sobre, nomeadamente, a natureza penal das transgressões e a própria liquidez 
 constitucional dessa realidade jurídica, actualmente, no ordenamento jurídico 
 português, mormente face ao universo do Direito das Contra-Ordenações 
 
 (constituindo as transgressões, sem dúvida, um corpo estranho no ordenamento 
 sancionatório português hodierno), importa, somente, assentar, que essa natureza 
 penal se mantém (…), e mais se mantém a definição que constava do vetusto Código 
 Penal de 1886, segundo o qual “considera-se contravenção o facto voluntário 
 punível que unicamente consiste na violação ou na falta de observância das 
 disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a 
 intenção maléfica” (art.º 3.º).
 
                  Isto posto cabe questionar se, na infracção em causa, se 
 estabelece uma pena (contravencional) fixa e, sendo assim, se tal é 
 constitucionalmente aceitável.
 
                  Quanto ao primeiro ponto, crê-se que a resposta deve ser 
 afirmativa. Com efeito, o preceito punitivo prevê duas penas fixas: a primeira, 
 consiste no preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido de uma 
 multa do montante de 25% do preço do respectivo bilhete; a segunda, prevenida na 
 segunda parte da norma, redunda em cinquenta vezes o mínimo cobrável no 
 transporte utilizado, no caso de a multa, se calculada de acordo com o primeiro 
 critério, resultar em montante inferior a tal mínimo (é a hipótese que sucede na 
 esmagadora maioria, se não na totalidade, das situações).
 
                  Isto significa, portanto, que o julgador não tem qualquer 
 intervenção da determinação da pena concreta, em especial, adequando-a à culpa – 
 que pode ser, desde logo, dolosa ou negligente – e à própria situação 
 socio-económica do agente da infracção. Tal equivale, afigura-se, a concluir que 
 o normativo em apreço padece, irremediavelmente, de inconstitucionalidade por 
 violação dos princípio da culpa, da igualdade, da proporcionalidade e da 
 dignidade da pessoa humana (e, saliente-se, a adequação económico-financeira das 
 penas pecuniárias pode considerar-se um princípio geral do Direito Penal, em 
 sede de penas pecuniárias, com fundamento no próprio princípio constitucional da 
 dignidade da Pessoa Humana).
 
                  4.3. Como repetidamente tem sido afirmado pelo Tribunal 
 Constitucional (…) o Direito Penal, no Estado de Direito, tem de edificar-se 
 sobre o homem como ser pessoal e livre, ancorado na dignidade da pessoa humana, 
 que tenha a culpa como fundamento e limite da pena, pois não é admissível pena 
 sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa. Ou seja: há-de ser um 
 direito penal de culpa. E é - ou deve ser - um Direito Penal que só pode 
 intervir para a protecção de bens jurídicos com dignidade penal (ou, para 
 utilizar uma expressão hoje corrente, com ressonância ética), sendo que uma tal 
 danosidade social, capaz de justificar a imposição de uma punição, há-de ser 
 ajuizada no plano ético-jurídico, e não num plano meramente sociológico.
 
                  O Direito Penal, enquanto direito de protecção, cumpre, por 
 isso, uma função de ultima ratio, pois só se justifica que intervenha se a 
 protecção dos bens jurídicos não puder ser assegurada com eficácia mediante o 
 recurso a outras medidas de política social menos violentas e gravosas do que as 
 sanções criminais. A necessidade da pena - que, repete-se, há-de ser uma pena de 
 culpa - limita, pois, o âmbito de intervenção do Direito Penal, ou é mesmo o 
 critério decisivo dessa intervenção.
 
                  O legislador ordinário, além de um princípio de humanidade na 
 previsão das penas, que logo releva do princípio da dignidade da pessoa humana 
 
 (cf. art.ºs 25.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição), há-de ainda ter em conta que a 
 ideia de necessidade da pena leva implicada a da sua adequação e proporcional 
 idade.
 
                  4.4. É bem certo o Tribunal Constitucional, quando teve que 
 ajuizar uma norma penal à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, 
 sempre sublinhou que o legislador goza de ampla liberdade na definição dos 
 crimes e no estabelecimento das penas correspondentes (…). E sublinhou, bem 
 assim, que, nessa matéria, só pode censurar-se, ratione constitutionis, as 
 decisões legislativas que contenham incriminações arbitrárias ou punições 
 excessivas: é que, no Estado de Direito, o legislador está vinculado por 
 concepções de justiça; ora, o princípio de justiça impede-o de actuar 
 arbitrariamente ou de forma excessiva (…).
 
                  4.5. O que se disse acima – em apertada síntese – resulta, 
 entre outros, dos seguintes artigos da Constituição: do art.º 1.º, que baseia a 
 República na dignidade da pessoa humana; do art.º 18.º, n.º 2, que condiciona a 
 legitimidade das restrições de direitos à necessidade, adequação e 
 proporcionalidade das mesmas; do art.º 25.º, n.º 1, que sublinha a 
 inviolabilidade da integridade pessoal; e do art.º 30.º, n.º 1, que proíbe penas 
 ou medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter 
 perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.
 
                  4.6 O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do 
 Direito Penal de um Estado de Direito, proíbe - já se disse - que se aplique 
 pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a medida da culpa.
 
                  Trata-se de um princípio que emana da Constituição e logo se 
 decanta da dignidade da pessoa humana, em que se baseia a República (art.º 1.º 
 da Constituição) e, bem assim do direito de liberdade (art.º 27.º, n.º 1); No 
 dizer de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, vai buscar o seu “fundamento axiológico ao 
 princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal: o princípio axiológico mais 
 essencial à ideia do Estado de Direito democrático”. (…)
 
                  Ora, um Direito Penal de culpa não é compatível com a 
 existência de penas fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante 
 da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das 
 exigências de prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta 
 da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de 
 comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na 
 determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau e 
 intensidade de culpa do agente.
 
                  A previsão, pela Lei, de uma pena fixa também não permite que o 
 juiz, na determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de 
 ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas 
 consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, 
 nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham 
 a favor ou contra ele; nem, enfim, à situação socio-económica do agente.
 
                  Ora, tal obriga a que o juiz se veja forçado a tratar de modo 
 igual situações que só aparentemente são iguais, por, essencialmente, acabarem 
 por ser muito diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem 
 maneira de atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam.
 
                  4.7. Mas, o princípio da igualdade - que impõe se dê tratamento 
 igual a situações essencialmente iguais, e se trate diferentemente as que forem 
 diferentes - também vincula o juiz. A essência da aplicação do princípio da 
 igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos 
 e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que 
 significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem 
 de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de 
 ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso 
 de entender que tal se justifica. (…)
 
                  A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz 
 se veja forçado a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infracção, 
 assim deixando de observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a 
 gravidade das sanções criminais seja proporcional à gravidade das infracções 
 
 (nos três vectores essenciais: necessidade, adequação e
 
                  Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o 
 princípio da culpa, o princípio da igualdade, e o princípio da 
 proporcionalidade. E isto é assim para qualquer tipo de pena, maxime, pena de 
 prisão ou pena de multa.
 
                  4.8. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre situações 
 semelhantes (…).
 
                  Em todos as situações foi considerada inconstitucional a norma 
 constante da parte final do § único do art.º 67 ,o do Decreto n.º 44.623, de 10 
 de Outubro de 1962, enquanto sanciona com uma pena fixa (consistente no máximo 
 da pena prevista no art.º 64.º do mesmo Decreto) o crime agravado de pesca 
 ilegal em período de defeso.
 
                  Mas esta jurisprudência, até determinada altura, não foi 
 unívoca. Assim, por exemplo, dissentiu o Acórdão n.º 83/91 (Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, volume 18.º, pp. 493 e seguintes), o qual apreciou, justamente, 
 a norma referida.
 
                  Sublinhou-se nesse aresto que “não se nega, em tese geral, que 
 os princípios da igualdade e da proporcionalidade possam implicar o juízo de que 
 a cominação de penas criminais fixas quanto a certo crime por uma concreta norma 
 jurídica seja tida por materialmente inconstitucional”. Acrescentou-se que “não 
 se crê igualmente que destes princípios constitucionais tenha que decorrer 
 necessariamente, de forma directa ou indirecta, a ilegitimidade constitucional 
 de todas as chamadas penas fixas”. Mais adiante, o aresto ponderou que, “no 
 domínio do direito penal económico ou do direito penal de defesa do ambiente e 
 da ecologia, pode aceitar-se, em casos pontuais e para certos tipos de 
 infracções, a cominação de penas fixas, ainda que o juiz possa sempre recorrer 
 aos meios gerais de suspensão da pena ou mesmo de dispensa da pena. Nessa 
 medida, só tendencialmente as penas serão fixas”.
 
                  Mais se transcreveu, a seguir, uma passagem de um estudo de 
 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (“Breves Considerações Sobre o Fundamento, o Sentido e 
 a Aplicação das Penas em Direito Penal Económico”, in Direito Penal Económico, 
 CEJ, Coimbra, 1985, p. 40), na qual o Autor sustenta, em âmbitos determinados do 
 Direito Penal económico, em conformidade com a ideia de que a este direito não 
 só compete uma função de protecção de bens jurídicos, mas também de promoção de 
 valores económico-sociais no seio da comunidade, a possibilidade de o 
 legislador, legitimamente, proibir o juiz de impor uma pena inferior ao limite 
 mínimo ditado pela culpa, mas sem que essa proibição possa ir tão longe que 
 impeça a proporcionalidade entre a pena e a infracção, quando esta seja de 
 pequena gravidade, pois, de contrário, estaria a ultrapassar-se o limite máximo 
 permitido pela culpa, em homenagem a razões de pura prevenção geral negativa ou 
 de intimidação o que seria, além do mais, duplamente inconstitucional por 
 irremissível violação do princípio da culpa, imposto pelos art.ºs 1.º, 13,º e 
 
 25,º, n.º 1, da Constituição; e inconstitucional, por violação do princípio da 
 proporcionalidade das sanções no direito penal económico, reconhecido sem 
 quaisquer 
 
                  No dito aresto acrescentou-se: “Nesta linha de pensamento, não 
 se crê que possa afirmar-se [...] que a cominação desta pena fixa concreta, 
 quando surja uma circunstância agravante específica, viole intoleravelmente os 
 princípios da culpa ou da proporcionalidade das sanções à gravidade das 
 infracções. [...] Por um lado, não pode falar-se, no caso sub iudicio, de 
 violação do princípio da igualdade, na medida em que a norma desaplicada 
 considera manifestamente um grau de culpa que normalmente se verifica no comum 
 dos casos de pesca ilegal nocturnas nos períodos de defeso, sendo certo que 
 acentuado. Seja como for, tal norma (ou outras normas do diploma) não impede, de 
 forma absoluta, que o juiz adeqúe a sanção à gravidade da infracção, de harmonia 
 com os ditames da justiça distributiva.”
 
                  E mais adiante:
 
                  “No presente processo, e de forma decisiva, há-de considerar-se 
 
 [...] que “só em via de princípio”, ou seja, tendencialmente, se pode, ter por 
 fixa a cominação de penas prevista nesta legislação sobre fomento da 
 piscicultura e da defesa da pesca nos rios, já que “(...) nada obsta a que no 
 caso, desde que tal se justifique, se proceda à atenuação especial da pena 
 
 (artigos 73° e 74º do Código Penal) ou mesmo à dispensa da pena (artigo 75º do 
 mesmo Código). [...] Quer dizer, a norma sancionatória, devidamente interpretada 
 no contexto sistemático do Código Penal, não conduz a resultados arbitrários, 
 nem implica necessariamente uma igualdade de tratamento perante situações 
 diversas de agentes com acentuadas diferenças de grau de culpabilidade. Na 
 verdade, como se viu, não pode sustentar-se que a norma proíba de forma absoluta 
 que o juiz estabeleça uma diferenciação na aplicação de sanções quanto a 
 arguidos em situações materialmente diferentes, dando assim acolhimento à ideia 
 de diversificação, em detrimento de uma ideia de tratamento uniforme, encarada, 
 em princípio, pelo legislador.
 
                  A seguir, apreciando a norma à luz do princípio da 
 proporcionalidade, ponderou o Acórdão:
 
                  “Por outro lado, o estabelecimento de uma pena tendencialmente 
 fixa nestes casos não pode considerar-se que viole o princípio da 
 proporcionalidade, o qual postula, no Direito Penal, que a gravidade das sanções 
 deve ser proporcional à gravidade das infracções. A melhor interpretação da 
 norma desaplicada não acarreta um resultado que possa qualificar-se como 
 manifesta violação do princípio da proporcionalidade, visto que o juiz dispõe 
 sempre, como se viu, da possibilidade de recorrer a institutos de natureza geral 
 como o de atenuação especial da pena e o da dispensa de pena, evitando que se 
 atinjam, em concreto, resultados intoleráveis ou gravemente chocantes, “em 
 homenagem a razões de pura prevenção geral negativa ou de intimidação”, para se 
 utilizarem as expressões de Figueiredo Dias, no passo atrás transcrito. Acresce 
 que a pena cominada para o comum dos casos se afigura como razoavelmente 
 proporcionada ao conjunto de comportamentos recondutíveis a este específico tipo 
 criminal, no comum dos casos da vida, não tendo este Tribunal razões para 
 censurar a opção do legislador neste caso concreto.
 
                  Reafirma-se, assim, que tal pena tendencialmente fixa não 
 ofende o princípio da proporcionalidade da sanção à gravidade da infracção, isto 
 dando por adquirido que a eliminação do antigo artigo 88º, da Constituição na 
 segunda revisão constitucional, em 1989, não traduziu uma diferente valoração do 
 legislador constitucional sobre os princípios básicos do Direito Penal, em 
 especial do Direito Penal Económico [...].”
 
                  Por fim, olhando a norma então sub iudicio sob a perspectiva do 
 princípio da culpa, aditou-se:
 
                  “Por último, também para aqueles que sustentam que está 
 constitucionalmente consagrado o princípio da culpa em matéria penal, tão-pouco 
 se pode dizer que a cominação de penas fixas, com o sentido de tendencial 
 fixidez atrás exposto, possa conduzir a uma “irremissível violação do princípio 
 da culpa”, de novo se utilizando a expressão de Figueiredo Dias, atrás 
 transcrita. É que, já se viu, continua a reconhecer-se ao juiz uma apreciável 
 intervenção na adequação da sanção ao agente, em função dos resultados apurados 
 no julgamento, admitindo-se que seja determinada uma atenuação especial da pena 
 ou, até, a dispensa de pena. O juiz não está limitado a condenar ou a absolver o 
 arguido. No caso de ter de condenar, não tem necessariamente de lhe aplicar uma 
 sanção rigidamente fixa, como mero efeito da lei. [...] Se é verdade que, em 
 linha de princípio, se deve preferir um sistema de mobilidade das penas 
 cominadas para cada tipo criminal, entre um mínimo e um máximo fixados na lei, 
 de forma a que o juiz possa graduar a pena à gravidade da infracção e à 
 culpabilidade do agente, não se pode dizer que o estabelecimento de uma pena 
 tendencialmente fixa prive de todo em todo o juiz de levar em conta a 
 individualidade concreta do agente e as específicas circunstâncias de cada caso, 
 como atrás se viu Também aqui se pode dizer que não é violado o princípio da 
 culpa, dando como suposto que o mesmo tem consagração constitucional.
 
                  Tudo isto para concluir que não se mostram, assim, violados 
 pela norma em análise os princípios constitucionais de igualdade e de 
 proporcionalidade das sanções criminais.”
 
                  4.9. O Tribunal Constitucional retomou a doutrina deste Acórdão 
 n.º 83/91, aplicando-a no caso sobre que incidiu o acórdão n.º 441/93 (publicado 
 nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 25.º, p. 643), estando em causa, 
 porém, já não uma sanção de natureza criminal, mas uma coima; o mesmo sucedendo 
 no Acórdão n.º 175/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 
 
 36.º, pp. 103 e seguintes), confrontando-se com uma situação em que o limite 
 mínimo de uma coima passara a ser igual ao seu limite máximo (ou seja, em que a 
 coima passou a ser de montante fixo), embora neste último aresto, já se tenha 
 chamado a atenção “de a possibilidade de aplicação de uma sanção não variável 
 poder implicar uma frontal contradição com a vontade expressa do legislador no 
 artigo 30º da Lei n.º 30/89, onde se estabelecem os critérios para a graduação e 
 determinação, em concreto, dos montantes das coimas.”
 
                  No entanto, em resposta a tal doutrina seguiu-se o acórdão n.º 
 
 95/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 2002, o 
 qual, em seguida se transcreve para melhor elucidação :
 
                  «Pode dizer-se, em síntese, que o citado acórdão n.º 83/91 
 concluiu que a norma, que está sub iudicio nestes autos, não viola o princípio 
 da igualdade, nem o da proporcionalidade, nem o da culpa - e, por isso, não é 
 inconstitucional -, porque, não proibindo o juiz de lançar mão do instituto da 
 atenuação especial da pena ou, sendo caso disso, mesmo do da isenção de pena, o 
 que, ao cabo e ao resto, a norma em causa comina é uma pena tendencialmente 
 fixa. Não uma pena rigidamente fixa. Ora - pondera o aresto -, só este último 
 tipo de pena fixa a Constituição proíbe. Ou seja, ela só proíbe que a lei 
 preveja penas que, no caso de se provar que “o arguido agiu ilícita e 
 culposamente, isto é, que é imputável e que não se verifica nenhuma causa de 
 exclusão da ilicitude ou da culpabilidade”, o juiz tenha que aplicar 
 rigidamente, sem poder fazer outra coisa senão absolver ou condenar o arguido, 
 pois, “devendo condená-lo, terá de lhe aplicar a pena prevista na lei, sem 
 possibilidade de qualquer graduação”. A Constituição - sublinha o acórdão - não 
 proíbe as penas só tendencialmente fixas, ou seja, aquelas que o juiz, em 
 princípio, não pode graduar, mas em que pode “recorrer a institutos de carácter 
 geral, como os da atenuação especial da pena ou da dispensa da pena, para 
 adequar a sanção à personalidade do agente e às circunstâncias apuradas quanto à 
 infracção.
 
                  Pois bem: flui do que se disse atrás que a proibição 
 constitucional de penas fixas acarreta a ilegitimidade de todas as penas fixas: 
 mesmo daquelas a que o acórdão n.º 83/91 chama penas só tendencialmente fixas.
 
                  Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse 
 modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a 
 entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias 
 atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), 
 por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, 
 em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas 
 desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em consideração todo o quadro 
 que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador 
 penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de 
 prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para 
 encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso.
 
                  Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando 
 mão do instituto da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa 
 de pena, a que faz apelo o acórdão n.º 83/91 para ver consagrada, na norma sub 
 iudicio, uma pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena 
 rigidamente fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que 
 a pena (de prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cf. o artigo 73° 
 do Código Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias 
 com valor fortemente atenuativo (“quando existirem circunstâncias anteriores ou 
 posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a 
 ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena”, diz o n.º 1 do 
 artigo 72º do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode 
 recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infracção de pequena gravidade 
 
 (recte, uma infracção punível com prisão não superior a seis meses, ou só com 
 multa não superior a cento e vinte dias), o juiz verificar que são “diminutas” 
 
 “a ilicitude do facto e a culpa do agente”; que o “dano” já foi “reparado”; e 
 que “à dispensa de pena” se não opõem “razões de prevenção” (cf. o artigo 74º do 
 mesmo Código).
 
                  Estes mecanismos são, de facto inaptos para - como se escreveu 
 no citado acórdão n.º 202/2000, a propósito da atenuação especial da pena - “dar 
 conta da necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar 
 
 - à culpa do agente e às necessidades de prevenção”.
 
                  Recorrendo, de novo, aos dizeres do acórdão n.º 202/2000:
 
                  Não pode aceitar-se o argumento de que, interpretando a norma 
 em causa como prevendo uma pena apenas “tendencialmente fixa” ela não viola o 
 princípio da igualdade e da proporcionalidade, do qual decorre que a gravidade 
 das penas (e das medidas de segurança) há-de ser proporcional à gravidade das 
 infracções, encaradas sob o ponto de vista, respectivamente, da culpa e das 
 necessidades de prevenção geral (e, para aquelas medidas, da prevenção especial, 
 perante a perigosidade do agente).
 
                  E, mais adiante, ponderou ainda o mesmo acórdão n.º 202/2000:
 
                  A admissão de que o recurso a estas possibilidades, previstas 
 na lei geral – de atenuação especial da pena e de dispensa de pena –, bastaria 
 para permitir a graduação, no caso concreto, de uma pena prevista na lei como de 
 duração fixa, assim a tornando proporcional às circunstâncias deste, se 
 coerentemente seguida, conduziria, aliás, à conclusão da desnecessidade de 
 previsão de quaisquer molduras penais abstractas, satisfazendo-se as exigências 
 constitucionais da igualdade e da proporcionalidade através daqueles institutos 
 gerais.
 
                  A norma constante da parte final do § único do artigo 67º do 
 Decreto n.º 44.623, de10 de Outubro de 1962, aqui sub iudicio – ou seja: o 
 segmento dele que manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64º para o 
 crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter 
 lugar em zona de pesca reservada – é, pois, inconstitucional: ela viola os 
 princípios Constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade».
 
                  4.10. Toda esta doutrina, que se sufraga, é aplicável à 
 situação dos presentes autos. No caso em questão a Lei determina a aplicação de 
 um multa correspondente do preço do bilhete acrescido de uma multa do montante 
 de 25% do preço do respectivo bilhete; ou correspondente a 50 vezes o mínimo 
 cobrável no transporte utilizado. Em qualquer caso, trata-se sempre de uma multa 
 de valor fixo, que vem a ser aplicada em Tribunal, caso o arguido, oportuna e 
 voluntariamente não proceda ao pagamento da multa.
 
                  Embora a terminologia utilizada na norma constante do art.º 
 
 67.º, do Decreto 44.623 citado seja algo diferente, pois manda aplicar os 
 máximos das penas a partir de uma pena variável, a situação vem a ser e 
 idêntica. Cabe assim declarar em sede de fiscalização concreta da 
 constitucionalidade, nos termos do artigo 280.º, n.º1 alínea a), da CRP, a 
 inconstitucionalidade da, norma constante do artigo 3 ° n.° 2 alínea a) do 
 Decreto-Lei n° 108/78, de 24 de Maio, por violação dos princípios 
 constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
 
                  III. DECISÃO.
 
                  Pelos fundamentos expostos, decide-se:
 
                  A) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios 
 constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade consagrados nos 
 art.ºs 1.º, 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1, da 
 Constituição, a norma constante do artigo 3.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei 
 n.º 108/78, de 24 de Maio, e em consequência,
 
                  B) Na não aplicação daquela norma, ABSOLVER o arguido A. da 
 transgressão de que vinha acusado».
 
  
 
 3. Notificado para alegar, o recorrente concluiu que:
 
  
 
 «1 – É inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade, a norma constante do artigo 3º., nº. 2, alínea b) do 
 Decreto-Lei nº. 108/78, de 24 de Maio, na medida em que estabelece uma pena de 
 multa de valor fixo, que o Tribunal terá sempre de aplicar em caso de 
 condenação.
 
                  2 – Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida 
 quanto à questão de inconstitucionalidade que é objecto de recurso».
 
  
 
 4. Notificado para alegar, o recorrido concluiu pela manutenção da decisão 
 recorrida.
 
  
 II. Fundamentação
 
 1. O Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras recusou a aplicação da norma 
 constante do artigo 3º, nº 2, alínea b), do Decreto-Lei nº 108/78, de 24 de 
 Maio, com fundamento na violação dos princípios constitucionais da culpa, da 
 igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 1º, 13º, nº 1, 18º, nº 
 
 1, 25º, nº 1, e 30º, nº 1, da Constituição.
 
 É a seguinte a redacção daquela disposição legal:
 
  
 
 «Artigo 3º – 1 – (…)
 
 2 – Nos casos em que a cobrança seja feita por qualquer outro processo, os 
 infractores pagarão o preço do bilhete correspondente ao seu percurso, acrescido 
 de uma multa de montante de: 
 a) 50% do preço do respectivo bilhete mas nunca inferior a cem vezes o mínimo 
 cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem adquirido qualquer 
 título válido de transporte;
 b) (…)».
 
 2. A questão que é objecto deste recurso foi apreciada e decidida pelo Acórdão 
 do Tribunal Constitucional nº 579/2006 (Diário da República, II Série, de 3 de 
 Janeiro de 2006), onde se pode ler o seguinte:
 
  
 
 «A norma sob apreciação estabelece uma sanção penal (uma multa) fixa no seu 
 valor, caso se verifique a situação descrita no tipo (utilização de transporte 
 público sem título válido). Trata‑se, deste modo, de uma infracção penal 
 
 (contravenção) à qual são aplicáveis os princípios que conformam o regime das 
 penas criminais.
 O Tribunal Constitucional, em diversos arestos (cf. Acórdãos nºs 95/2001, 
 
 202/2000, 20/2002 e 124/2004, www.tribunalconstitucional.pt) decidiu julgar 
 inconstitucionais normas que consagrem penas fixas. 
 No mencionado Acórdão nº 124/2004, o Tribunal Constitucional julgou 
 inconstitucional com força obrigatória geral a norma da parte final do § único 
 do artigo 67º do Decreto nº 44.623, de 10 de Outubro de 1962, enquanto manda 
 aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64º do mesmo diploma para o crime de 
 pescar em época de defeso, quando concorrer a agravante de a pesca ter lugar em 
 zona de pesca reservada, por violação dos princípios constitutivos de culpa, da 
 igualdade e da proporcionalidade. Nesse Acórdão, o Tribunal Constitucional, 
 transcrevendo o Acórdão nº 95/2001, considerou o seguinte:
 
  
 
 (...) O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de 
 um Estado de Direito, proíbe – já se disse – que se aplique pena sem culpa e, 
 bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa.
 Trata-se de um princípio que emana da Constituição e que, na formulação de JOSÉ 
 DE SOUSA E BRITO (loc. cit., página 199), se deduz da dignidade da pessoa 
 humana, em que se baseia a República (artigo 1º da Constituição), e do direito 
 de liberdade (artigo 27º, n.º 1); e, nos dizeres de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, 
 vai buscar o seu fundamento axiológico “ao princípio da inviolabilidade da 
 dignidade pessoal: o princípio axiológico mais essencial à ideia do Estado de 
 Direito democrático” (Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do 
 Crime, Lisboa, 1993, página 73). 
 Pois bem: um direito penal de culpa não é compatível com a existência de penas 
 fixas: de facto, sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também 
 o seu limite, é em função dela (e, obviamente também, das exigências de 
 prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, 
 situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de 
 comportamento. Ora, prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não pode, na 
 determinação da pena a aplicar ao caso que lhe é submetido, atender ao grau de 
 culpa do agente – é dizer: à intensidade do dolo ou da negligência.
 A previsão pela lei de uma pena fixa também não permite que o juiz, na 
 determinação concreta da medida da pena, leve em consideração o grau de 
 ilicitude do facto, o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas 
 consequências, nem tão-pouco o grau de violação dos deveres impostos ao agente, 
 nem as circunstâncias do caso que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham 
 a favor ou contra ele.
 Ora, isto pode ter como consequência que o juiz se veja forçado a tratar de modo 
 igual situações que só aparentemente são iguais, por, essencialmente, acabarem 
 por ser muito diferentes. Ou seja: prevendo a lei uma pena fixa, o juiz não tem 
 maneira de atender à diferença das várias situações que se lhe apresentam. Mas, 
 o princípio da igualdade – que impõe se dê tratamento igual a situações 
 essencialmente iguais e se trate diferentemente as que forem diferentes – também 
 vincula o juiz.
 A lei que prevê uma pena fixa pode também conduzir a que o juiz se veja forçado 
 a aplicar uma pena excessiva para a gravidade da infracção, assim deixando de 
 observar o princípio da proporcionalidade, que exige que a gravidade das sanções 
 criminais seja proporcional à gravidade das infracções.
 Por isso, a norma legal que preveja uma pena fixa viola o princípio da culpa, 
 que enforma o direito penal, e o princípio da igualdade, que o juiz há-de 
 observar na determinação da medida da pena. E pode violar também o princípio da 
 proporcionalidade. E isto é assim, quer a pena que a norma prevê seja uma pena 
 de prisão, quer seja uma pena de multa.
 JORGE DE FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal Português cit., página 193), depois de 
 dizer que decorre da Constituição que a determinação da pena exige cooperação – 
 
 “mas também, por outro lado, uma separação de tarefas e de responsabilidades tão 
 nítida quanto possível  entre o legislador e o juiz” –, sublinha que “uma 
 responsabilização total do legislador pelas tarefas de determinação da pena 
 conduziria à existência de penas fixas e, consequentemente, à violação do 
 princípio da culpa e (eventualmente também) do princípio da igualdade”.
 Este Tribunal, no seu acórdão n.º 202/2000 (publicado no Diário da República, II 
 série, de 11 de Outubro de 2000), debruçou-se sobre a norma constante do artigo 
 
 31º, n.º 10, da Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto – que mandava aplicar a pena fixa 
 de interdição do direito de caçar por um período de cinco anos àquele que 
 caçasse em zonas de regime cinegético especial em épocas de defeso ou com o 
 emprego de meios não permitidos – e concluiu que a mesma era inconstitucional, 
 por violar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade. 
 Escreveu-se aí:
 
 “Deve, pois, reconhecer-se que a cominação, pela norma em análise, de uma pena 
 fixa, de quantum legalmente determinado sem possibilidade de individualização de 
 acordo com as circunstâncias do caso concreto, não se acha em conformidade com a 
 exigência de que à desigualdade da situação concreta (do facto cometido e das 
 suas “circunstâncias”) corresponda também uma diferenciação da sanção penal que 
 lhe é aplicada, e que esta seja proporcional às circunstâncias relevantes de tal 
 situação concreta.
 Os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade implicam, na 
 verdade, o juízo de que a cominação de uma pena de interdição do direito de 
 caçar invariável de cinco anos para o “crime de caça” do artigo 31º, n.º 10, da 
 Lei n.º 30/86 é materialmente inconstitucional”.
 Importa, então, saber se a norma sub iudicio prevê uma pena fixa, pois, tal 
 sucedendo, ela é constitucionalmente ilegítima nos termos que se deixaram 
 apontados.
 
 (...) Decorre, na verdade, dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade a necessidade de a lei prever penas variáveis: é que, só desse 
 modo o legislador abre ao juiz a possibilidade de graduar a pena, fixando-a 
 entre o mínimo e o máximo que a lei prevê, de acordo com todas as circunstâncias 
 atendíveis (grau de culpa, necessidades de prevenção e demais circunstâncias), 
 por forma a punir diferentemente situações que, sendo aparentemente iguais, são, 
 em si mesmas, diferentes, e de modo também a evitar o risco de aplicar penas 
 desproporcionadas às infracções cometidas, tendo em consideração todo o quadro 
 que envolveu a prática de cada uma delas. Ou seja: só prevendo o legislador 
 penas variáveis, pode o juiz adequar a pena à culpa do agente, às exigências de 
 prevenção e, bem assim, às demais circunstâncias que ele deve considerar para 
 encontrar, em concreto, a pena ajustada a cada caso.
 Esse resultado não o pode, com efeito, o juiz atingir, lançando mão do instituto 
 da atenuação especial da pena ou, sendo o caso, do da dispensa de pena, a que 
 faz apelo o acórdão n.º 83/91 para ver consagrada, na norma sub iudicio, uma 
 pena que, tão-só tendencialmente, é uma pena fixa, e não uma pena rigidamente 
 fixa: é que, desde logo, a atenuação especial da pena pressupõe que a pena (de 
 prisão ou de multa) aplicável ao caso seja variável (cf. o artigo 73º do Código 
 Penal); e, depois, supõe a ocorrência de um quadro de circunstâncias com valor 
 fortemente atenuativo (“quando existirem circunstâncias anteriores ou 
 posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a 
 ilicitude do facto, a culpa do agente ou necessidade da pena”, diz o n.º 1 do 
 artigo 72º do mesmo Código). E, quanto à dispensa de pena, também só pode 
 recorrer-se a ela, quando, estando em causa uma infracção de pequena gravidade 
 
 (recte, uma infracção punível com prisão não superior a seis meses, ou só com 
 multa não superior a cento e vinte dias), o juiz verificar que são “diminutas” 
 
 “a ilicitude do facto e a culpa do agente”; que o “dano” já foi “reparado”; e 
 que “à dispensa de pena” se não opõem “razões de prevenção” (cf. o artigo 74º do 
 mesmo Código).
 Estes mecanismos são, de facto inaptos para – como se escreveu no citado acórdão 
 n.º 202/2000, a propósito da atenuação especial da pena – “dar conta da 
 necessária adequação da pena em concreto às circunstâncias a considerar – à 
 culpa do agente e às necessidades de prevenção”. 
 Recorrendo, de novo, aos dizeres do acórdão n.º 202/2000:
 
 “Não pode aceitar-se o argumento de que, interpretando a norma em causa como 
 prevendo uma pena apenas “tendencialmente fixa” ela não viola o princípio da 
 igualdade e da proporcionalidade, do qual decorre que a gravidade das penas (e 
 das medidas de segurança) há-de ser proporcional à gravidade das infracções, 
 encaradas sob o ponto de vista, respectivamente, da culpa e das necessidades de 
 prevenção geral (e, para aquelas medidas, da prevenção especial, perante a 
 perigosidade do agente)”.
 E, mais adiante, ponderou ainda o mesmo acórdão n.º 202/2000:
 
 “A admissão de que o recurso a estas possibilidades, previstas na lei geral – de 
 atenuação especial da pena e de dispensa de pena –, bastaria para permitir a 
 graduação, no caso concreto, de uma pena prevista na lei como de duração fixa, 
 assim a tornando proporcional às circunstâncias deste, se coerentemente seguida, 
 conduziria, aliás, à conclusão da desnecessidade de previsão de quaisquer 
 molduras penais abstractas, satisfazendo-se as exigências constitucionais da 
 igualdade e da proporcionalidade através daqueles institutos gerais”.
 
  
 Estas considerações são, no essencial, transponíveis para os presentes autos. 
 Com efeito, as contravenções que o legislador manteve no sistema penal 
 português, após a criação do Regime Geral das Contra‑ordenações (Decreto-Lei nº 
 
 433/82, de 27 de Outubro, agora na redacção do Decreto-Lei nº 356/85, de 17 de 
 Outubro e do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro), não estão em geral 
 despenalizadas, isto é, subtraídas aos princípios constitucionais do Direito 
 Penal, tal como o princípio da culpa e a proibição constitucional de penas 
 fixas. Na verdade, o legislador, mesmo em termos processuais, subordinou a 
 matéria de processamento e julgamento de contravenções a um regime processual 
 penal simplificado, mas, em todo o caso, de natureza processual penal e não 
 administrativa (Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro). E, apesar de as 
 infracções terem sido despenalizadas nesta específica matéria através da Lei nº 
 
 28/2006, de 4 de Julho (artigos 7º, 13º e 14º), é ainda aplicável aos processos 
 pendentes o regime concretamente mais favorável ao agente, nomeadamente quanto à 
 medida das sanções aplicáveis (artigo 14º, nº 2). A evolução legislativa impede, 
 assim, não só de situar as infracções qualificadas como ilícito contravencional 
 no Direito de mera ordenação social, no Direito Civil ou em qualquer outro ramo 
 do Direito, mantendo‑se a natureza que legal, doutrinária e jurisprudencialmente 
 sempre lhe foi conferida (cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. I, reimp., 
 
 1996, p. 213 e ss., Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 
 Questões Fundamentais, A doutrina geral do crime, 2004, p. 145 e, ainda Maia 
 Gonçalves, Código Penal Anotado, 3ª ed., 1977, anotação ao artigo 3º), como 
 também, nesta matéria específica, é salvaguardada a subordinação a princípios do 
 Direito Penal garantísticos. Também não há qualquer obrigação constitucional 
 genérica de despenalizar o ilícito contravencional, na medida em que a opção do 
 legislador ao nível do ilícito, da sanção e do processo não interfira com o 
 princípio da necessidade da pena.
 E, por fim, ainda o próprio Direito de mera ordenação social adopta, no 
 essencial, os princípios do Direito Penal (artigos 2º, 3º, 8º e 9º do 
 Decreto-Lei nº 433/82), não sendo sequer os princípios da culpa e da proibição 
 de penas fixas expressamente afastados por aquele regime legal. 
 Consequentemente, não existem razões substanciais, nem legais nem 
 constitucionais, inerentes à menor gravidade do ilícito contravencional que 
 tornem inadequada ou injustificada a aplicação daqueles princípios, sobretudo na 
 medida em que eles se exprimam numa acentuação das garantias do arguido.
 Razões de economia processual ou de celeridade bem como argumentos relacionados 
 com a massificação das infracções não têm dignidade constitucional por si para 
 prevalecer sobre princípios constitucionais que se aplicam directa, 
 expressamente e sem excepções a matéria de ilícito e sanções penais e que não 
 são sequer incompatíveis com a natureza do próprio Direito de mera ordenação 
 social.
 E, finalmente, também não existem argumentos derivados da espécie de sanção – 
 uma multa penal – que impeçam a sua adaptação aos princípios constitucionais.
 Não suscitando o presente recurso qualquer outra questão que deva ser apreciada, 
 remete‑se para a jurisprudência constitucional citada (cujo fundamento é 
 acolhido pela decisão recorrida), concluindo‑se pela inconstitucionalidade da 
 norma sob apreciação, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da 
 proporcionalidade».
 
  
 
 É este entendimento que agora se reitera, devendo, ainda, assinalar-se que a 
 violação do princípio da igualdade comporta também, precisamente porque está em 
 causa uma pena de multa, um tratamento desigual em função da situação económica 
 do condenado, nomeadamente do “agente de mais fraca situação 
 económico-financeira por absoluta incapacidade para a tomar em conta no momento 
 da determinação concreta” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As 
 Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial de Notícias, 1993, p. 
 
 125.).
 
  
 III. Decisão
 
                  Em face do exposto, decide-se:
 a) Julgar inconstitucional a alínea b) do nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 
 
 108/78, de 24 de Maio, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da 
 igualdade e da proporcionalidade;
 b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que diz 
 respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
 Sem custas.
 Lisboa, 9 de Janeiro de 2007
 Maria João Antunes
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 
                                  Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme 
 declaração.
 
                                             Artur Maurício – vencido pelo 
 essencial das razões 
 
                                            explanadas  pelo Cons. Benjamim 
 Rodrigues, no seu voto
 
      de vencido no Acórdão n.º 579/06
 
  
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Ao contrário da tese que fez vencimento no acórdão, entendo que a norma 
 constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 108/78 de 24 de 
 Maio (diploma que estabelece normas relativas à fiscalização da cobrança nos 
 transportes colectivos e penalizações das infracções) não estabelece uma sanção 
 penal. 
 Com efeito, tendo sido editada antes de vigorar no sistema jurídico português o 
 regime contra-ordenacional, afigura-se-me que a norma – segundo a qual os 
 infractores ficam sujeitos ao pagamento do preço do bilhete, acrescido da multa 
 do montante de 50% do preço do respectivo bilhete, mas nunca inferior a cem 
 vezes o mínimo cobrável no transporte utilizado, na hipótese de não terem 
 adquirido qualquer título válido de transporte – se limita a estabelecer um 
 ilícito de mera ordenação social, sendo impraticável submeter a punição a uma 
 avaliação individualizada da culpa do infractor para efeito de graduação da 
 sanção correspondente.
 Entendo, por isso, que a norma não padece do vício de inconstitucionalidade que 
 o Acórdão nela detectou.
 
  
 
  
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira