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Processo n.º 699/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
      (Conselheira Maria Fernanda Palma)
 
                                                                                
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.A., melhor identificado nos autos, requereu, junto do Tribunal de Execução de 
 Penas de Lisboa, o seguinte:
 
 «A., arguido, condenado por Decisão Transitada em Julgado em 06.02.2006 na pena 
 efectiva de 4 (quatro) anos de prisão, vem requerer a aplicação de Liberdade 
 Condicional, nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 
 1. O arguido foi detido à ordem dos presentes autos no dia 27.03.2003. 
 
 2. Esteve preso preventivarnente até 07.05.2003, data em que aquela medida foi 
 substituída por obrigação de permanência na habitação com vigilância 
 electrónica. 
 
 3. O arguido atingiu metade da pena, precisamente há um ano, tendo já 
 ultrapassado dois terços da pena em 28.11.2005. 
 
 4. A. trabalha como motorista na Câmara Municipal de Oeiras (cfr. docs. já 
 juntos aos autos). 
 
 5. Estuda na Escola Secundária de Oeiras, de acordo com a autorização que lhe 
 foi concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo obtido excelente 
 aproveitamento. 
 
 6. Durante o tempo em que esteve sujeito a obrigação de permanência na habitação 
 com vigilância electrónica, o arguido cumpriu escrupulosamente todas as 
 injunções que lhe foram impostas. 
 
 7. A. está perfeitamente inserido familiar, social e profissionalmente. 
 
 8. A liberdade condicional revela-se perfeitamente compatível com a defesa da 
 ordem e da paz social. 
 
 9. Caso o arguido não seja colocado de imediato em liberdade condicional, corre 
 sérios riscos de reprovar o ano escolar, sendo certo que ficará sem emprego, já 
 que se encontra a fazer testes para entrar para os quadros, por ser contratado 
 ao abrigo de um vínculo precário a termo certo. 
 Termos em que se requer a aplicação da liberdade condicional.»
 Sobre este requerimento foi proferido o seguinte despacho:
 
 «A. está condenado, por decisão judicial, transitada em julgado, no processo n.º 
 
 560/02 do l.º Juízo Criminal de Oeiras na pena de 4 anos de prisão 
 Encontra-se preso desde 06-04-2006, tendo a descontar 3 anos e 8 dias de prisão 
 preventiva e de obrigação de permanência na habitação 
 Os seis meses de cumprimento da pena são em  06-10-2006 (Art. 61.º, n.º 2, do 
 Código Penal)
 O termo desse cumprimento está previsto para 20-03-2007.
 Como a condenação imposta é superior à pena de prisão por 6 (seis) meses, poderá 
 beneficiar, eventualmente, de liberdade condicional, cumpridos 6 meses da pena 
 
 (art.º 61, n.º 2, do Código Penal). 
 Se o parecer e relatórios legais não forem recebidos até 06-08-2006 solicite-os 
 nessa altura ao Estabelecimento Prisional e ao IRS requisitando-se, também, o 
 C.R.C. e a ficha biográfica do recluso – Art. 484.° do C.P. Penal.»
 O recluso veio então requerer o seguinte:
 
 «A., arguido, notificado do teor do Douto Despacho de fls., que, face ao 
 anteriormente requerido decidiu que apenas poderá beneficiar de liberdade 
 condicional, depois de cumpridos 06 (seis) meses de pena, vem dizer e requerer o 
 que segue, nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 
 1. O arguido foi detido à ordem dos presentes autos no dia 27.03.2003. 
 
 2. Esteve preso preventivamente até 07.05.2003, data em que aquela medida foi 
 substituída por obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica 
 
 - OPHVE. 
 
 3. Foi condenado por decisão transitada em julgado em 06.02.2006 na pena 
 efectiva de 4 (quatro) anos de prisão. 
 
 4. O arguido atingiu metade da pena em 27.03.2005. 
 
 5. Ultrapassou os dois terços da pena em 28.11.2005. 
 
 6. A. trabalha como motorista na Câmara Municipal de Oeiras (cfr. docs. já 
 juntos aos autos). 
 
 7. Estuda na Escola Secundária de Oeiras, de acordo com a autorização que lhe 
 foi concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo obtido excelente 
 aproveitamento. 
 
 8. Durante o tempo em que esteve sujeito a obrigação de permanência na habitação 
 com vigilância electrónica, o arguido cumpriu escrupulosamente todas as 
 injunções que lhe foram impostas. 
 
 9. A. está perfeitamente inserido familiar, social e profissionalmente. 
 
 10. A liberdade condicional revela-se perfeitamente compatível com a defesa da 
 ordem e da paz social. 
 
 11. Caso o arguido não seja colocado de imediato em liberdade condicional, corre 
 sérios riscos de reprovar o ano escolar, sendo certo que ficará sem emprego. já 
 que se encontra a fazer testes para entrar para os quadros, por ser contratado 
 ao abrigo de um vínculo precário a termo certo. 
 
 12. Ao exigir que o arguido aguarde pelo dia 06.10.2006, o Tribunal está a 
 violar o disposto no art. 80.º, n.º 1, do Código Penal. 
 
 13. De facto, equiparando a lei, para efeitos de cumprimento da pena, a 
 detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, o 
 arguido, ora requerente, não necessita de entrar num estabelecimento prisional, 
 para que lhe seja aplicada a liberdade condicional, já que, nos termos do art 
 
 80.º, n.º 1, do CP, atingiu há muito os seis meses de cumprimento de pena. 
 
 14. O art. 61.º, n.º 2, do CP diz que o Tribunal coloca o condenado em liberdade 
 condicional. quando se encontrar cumprida metade da mínimo de seis meses. 
 
 15. O art.º 80.º, n.º 1, do CP diz que o tempo de detenção, prisão preventiva e 
 obrigação de permanência na habitação são descontados no cumprimento. 
 
 16. Ora, o referido prazo de seis meses de cumprimento (na redacção do 
 identificado preceito) está há muito ultrapassado. 
 
 17. Ao exigir que o arguido cumpra mais seis meses em estabelecimento prisional 
 
 (para além do tempo já cumprido até 06.04.2006 de 03 anos de 08 dias de prisão 
 preventiva e obrigação de permanência na habitação), sem razão fundamentada o 
 Tribunal está a discriminar os arguidos que estiveram em obrigação de 
 permanência na habitação, comparativamente com os que não estiveram privados de 
 liberdade até ao trânsito em julgado, o que é manifestamente injusto. 
 
 18. Ao exigir que o arguido cumpra mais seis meses de prisão, o Tribunal está a 
 interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP, em 
 violação do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da Constituição da 
 República Portuguesa. 
 Termos em que, fazendo-se uma correcta interpretação das normas legais invocadas 
 
 (artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP) em consonância com o art. 13.º da 
 Constituição da República Portuguesa e a melhor interpretação dos elementos dos 
 autos, deve o despacho de fls ... (conclusão em 19.05.2006) ser revogado e 
 substituído por outro que considere cumpridos os seis meses (a que se refere o 
 art. 61.º, n.º 2, do CP) no dia 29.09.2003 (de acordo com o art. 80.º, n.º 1, do 
 CP), colocando-se o arguido em liberdade condicional.»
 Este requerimento foi indeferido por despacho com o seguinte teor:
 
 «Por se entender que o princípio da legalidade, expresso no art.º 1.º do Cód. 
 Penal, impede a aplicação do disposto no art.º 80.º do Cód. Penal ao regime de 
 apreciação de liberdade condicional, indefere-se o requerimento de fls. 325 e 
 decide-se manter na integra o despacho de fls. 315.»
 
 2.O recluso interpôs então recurso de constitucionalidade mediante um 
 requerimento com o seguinte teor:
 
 «A., arguido, Recorrente nos autos à margem identificados (com apoio judiciário 
 concedido em primeira instância – art. 18.º, n.º 7, da Lei n.º 34/2004 de 
 
 20.07), notificado do teor do Douto Despacho de fls. 328 que indeferiu as 
 invalidades invocadas a fls. 325, mantendo na íntegra o despacho de fls. 315, 
 não se conformando com a decisão proferida, vem dela interpor recurso para o 
 Tribunal Constitucional, nos termos e com os fundamentos seguintes: 
 
 - O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da LTC 
 
 (Lei n.º 28/82, de 15.11). 
 
 - Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 61.º, 
 n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de exigir 
 
 (para aplicar a liberdade condicional a um arguido que já cumpriu dois terços de 
 uma pena inferior a seis anos) que ele cumpra mais seis meses de prisão em 
 Estabelecimento Prisional (quando já cumpriu 03 anos e 08 dias de prisão 
 preventiva, num total de quatro anos de prisão). 
 
 - Ao exigir que o arguido cumpra mais seis meses de prisão, o Tribunal está a 
 interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal, 
 em violação do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da Constituição da 
 República Portuguesa, discriminando os arguidos que estiveram em prisão 
 preventiva e em obrigação de permanência na habitação, comparativamente com 
 aqueles que cumprirem integralmente a pena, apenas depois do trânsito em 
 julgado. 
 Tais normas (dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal) assim 
 interpretadas violam o princípio da igualdade previsto no art. 13.º da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 
 - As questões de inconstitucionalidade foram expressamente suscitadas, em 
 requerimento de fls. 325 apresentado no Tribunal de Execução de Penas de Lisboa. 
 
 
 
 - O presente recurso subirá imediatamente, nos próprios autos. A entender‑se o 
 contrário, requer que o recurso suba com certidão de todo o processado, 
 gratuitamente ao abrigo do apoio judiciário de que beneficia o recorrente. 
 Invoca-se o apoio judiciário concedido no Tribunal de Oeiras. 
 Termos em que requer a V. Exa. se digne admiti-lo, seguindo-se os demais legais, 
 até final.»
 Determinada a produção de alegações no Tribunal Constitucional, o recorrente 
 concluiu as suas dizendo o seguinte:
 
 «1. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art 70.º da LTC 
 
 (Lei n.º 28/82, de 15.11). 
 
 2. Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 
 
 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretadas no sentido de 
 exigir (para apreciar da aplicar da liberdade condicional a um arguido que já 
 cumpriu dois terços de uma pena inferior a seis anos) que ele cumpra mais seis 
 meses de prisão em Estabelecimento Prisional (quando já cumpriu 03 anos e 08 
 dias de prisão preventiva). 
 
 3. Por decisão já transitada, foi o arguido condenado a 4 anos de prisão. O 
 arguido atingiu metade da pena em 27.03.2005. Ultrapassou os dois terços da pena 
 em 28.11.2005. Em 06 de Abril, o arguido voltou as ser detido, desta vez para 
 cumprimento de pena, quando é certo que já estavam reunidos todos os 
 pressupostos para a concessão de liberdade condicional. O Tribunal de Execução 
 de Penas exigiu que o arguido aguardasse pelo dia 06.10.2006 (cumprindo 6 meses 
 de prisão efectiva, após trânsito em julgado), para apreciar da concessão da 
 liberdade condicional, pelo facto de o arguido ter estado até à data em 
 obrigação de permanência na habitação e não em Estabelecimento Prisional. 
 
 4. Equiparando a lei, para efeitos de cumprimento da pena, a detenção, a prisão 
 preventiva e a obrigação de permanência na habitação, o arguido ora requerente, 
 não necessita de entrar num estabelecimento prisional, para que lhe seja 
 aplicada a liberdade condicional, já que, nos termos do art. 80.º, n.º 1, do CP, 
 atingiu há muito os seis meses de cumprimento de pena. O art. 61.º, n.º 2, do CP 
 diz que o Tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional, quando 
 se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo de seis meses. O art. 80.º, n.º 
 
 1, do CP diz que o tempo de detenção, prisão preventiva e OPHVE, são descontados 
 no cumprimento. O referido prazo de seis meses de cumprimento (na redacção do 
 identificado preceito) foi há muito ultrapassado. 
 
 5. Ao exigir que o arguido cumpra mais seis meses em estabelecimento prisional 
 
 (para além do tempo já cumprido até 06.04.2006, de 03 anos e 08 dias de prisão 
 preventiva e obrigação de permanência na habitação) sem razão fundamentada, o 
 Tribunal de Execução de Penas está a discriminar os arguidos que estiveram em 
 obrigação de permanência na habitação, comparativamente com os que não estiveram 
 privados de liberdade até ao trânsito em julgado, o que é manifestamente 
 injusto. 
 
 6. Ao exigir que o arguido cumpra mais seis meses de prisão, o Tribunal está a 
 interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP, em 
 violação do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da Constituição da 
 República Portuguesa. 
 
 7. Se o mesmo arguido não tivesse estado em obrigação de permanência na 
 habitação durante os mesmos três anos e oito dias, o Tribunal de Execução de 
 Penas consideraria que os tais 6 meses a que se refere o art. 80.º, n.º 1, 
 estariam cumpridos. 
 
 8. Não há qualquer razão objectiva para discriminar os arguidos que tendo estado 
 em obrigação de permanência na habitação, não estivem em estabelecimento 
 prisional, comparativamente com aqueles que passaram todo o tempo em 
 estabelecimento prisional. 
 
 9. Termos em que, fazendo-se uma correcta interpretação das normas legais 
 invocadas (artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do CP) em consonância com o art. 
 
 13.º da Constituição da República Portuguesa e a melhor interpretação dos 
 elementos dos autos, deve declarar-se a inconstitucionalidade das normas dos 
 artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal, quando interpretadas no 
 sentido de exigir (para apreciar da concessão de liberdade condicional a um 
 arguido – condenado a 4 anos de prisão – que já cumpriu dois terços de uma pena 
 inferior a seis anos) que ele cumpra mais seis meses de prisão em 
 Estabelecimento Prisional, após trânsito em Julgado (quando já cumpriu 03 anos e 
 
 08 dias de obrigação de permanência na habitação). 
 
 10. Ao exigir que o arguido cumpra mais seis meses de prisão — após trânsito em 
 julgado, o Tribunal está a interpretar o disposto nos artigos 61.º, n.º 2, e 
 
 80.º, n.º 1, do Código Penal, em violação do princípio da igualdade previsto no 
 art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, discriminando os arguidos que 
 estiveram em obrigação de permanência na habitação, comparativamente com aqueles 
 que cumprirem integralmente a pena, apenas depois do trânsito em julgado (ou 
 estiveram em prisão preventiva). 
 
 11. Tais normas (dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código Penal) assim 
 interpretadas violam o princípio da igualdade previsto no art. 13.º da 
 Constituição da República Portuguesa. 
 Nestes termos, devem as normas dos artigos 61.º, n.º 2, e 80.º, n.º 1, do Código 
 Penal ser julgadas inconstitucionais (por violação do disposto no artigo 13° da 
 Constituição da República Portuguesa) quando interpretadas no sentido de exigir 
 
 (para apreciar da concessão de liberdade condicional a um arguido – condenado a 
 
 4 anos de prisão, que já cumpriu – em obrigação de permanência na habitação – 
 dois terços de uma pena inferior a seis anos) que ele cumpra mais seis meses de 
 prisão efectiva em Estabelecimento Prisional, após trânsito em Julgado (quando 
 já cumpriu 03 anos e 08 dias de prisão preventiva e obrigação de permanência na 
 habitação).»
 Por sua vez, nas suas contra-alegações o Ministério Público veio suscitar a 
 questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso, por inutilidade (pois 
 
 “independentemente da decisão sobre a questão de constitucionalidade suscitada e 
 por facto supervenientemente entretanto ocorrido – decurso de tempo –, ela já 
 não poderá influenciar utilmente a decisão de mérito sobre a verificação do 
 período de 6 meses, a que se reporta o recurso”), e, subsidiariamente, defendeu 
 a inexistência de inconstitucionalidade da norma em apreciação. 
 Notificado para tanto, o recorrente não respondeu à questão prévia suscitada 
 pelo Ministério Público.
 
 3.Após inscrição do processo em tabela e discussão, perante a dúvida sobre a 
 relevância que no processo tinha sido, ou não, efectivamente já concedida ao 
 decurso do prazo de seis meses a que se reportava a dimensão normativa 
 identificada pelo recorrente, foi, após mudança de relator por vencimento, 
 proferido o Acórdão n.º 113/2007, no qual, “para apreciação da questão prévia 
 relativa ao não conhecimento do recurso, suscitada pelo Ministério Público”, se 
 acordou em “determinar que seja solicitada ao tribunal recorrido informação 
 sobre a situação prisional do recorrente e sobre eventuais decisões relativas à 
 sua liberdade condicional, proferidas posteriormente a 6 de Outubro de 2006”.
 Em resposta a esta diligência, o Tribunal Constitucional foi informado de que ao 
 recluso, ora recorrente, fora concedida liberdade condicional por decisão de 15 
 de Novembro de 2006, do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.Há que começar por tratar pela questão prévia suscitada pelo Ministério 
 Público, que pode impedir que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento 
 do recurso, por inutilidade superveniente.
 Entende o Ministério Público que não deverá conhecer-se do recurso porque, 
 independentemente da decisão sobre a questão de constitucionalidade suscitada e 
 por facto supervenientemente entretanto ocorrido – decurso de tempo –, ela já 
 não poderá influenciar utilmente a decisão de mérito sobre a verificação do 
 período de 6 meses, a que se reporta o recurso. Por outro lado, perante a dúvida 
 sobre a relevância que efectivamente teria sido concedida no processo ao decurso 
 do prazo de seis meses de cumprimento de pena – cf. as alegações produzidas pelo 
 recorrente no Tribunal Constitucional, onde se pode ler, a fls. 360 dos autos, 
 que o “Tribunal de Execução de Penas exigiu que o arguido aguardasse pelo dia 
 
 06.10.2006 (cumprindo 6 meses de prisão efectiva, após trânsito em julgado). 
 Certo é que o dia 06.10.2006 já passou e o arguido continua preso (…)” –, 
 apurou-se, pela diligência determinada pelo Acórdão n,.º 113/2007, que o 
 recorrente se encontra já em situação de liberdade condicional, ordenada por 
 decisão de 15 de Novembro de 2006.
 
 É sabido que o recurso de constitucionalidade visa a apreciação de uma questão 
 de constitucionalidade instrumental da decisão recorrida, tomada no processo em 
 que a apreciação de constitucionalidade ocorre, de modo incidental. Tal 
 instrumentalidade, que caracteriza o recurso de constitucionalidade, implica 
 que, se a decisão deste já não puder produzir qualquer efeito útil no processo, 
 não podendo reflectir-se utilmente sobre a decisão recorrida, o Tribunal 
 Constitucional não poderá tomar dele conhecimento.
 
 É isto mesmo o que resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional, também, 
 aliás, quando foram objecto de recurso decisões das quais havia resultado a 
 privação da liberdade do recorrente. Assim, o Tribunal Constitucional decidiu, 
 por exemplo, que não subsistia a utilidade do recurso em casos em que estava em 
 causa a impugnação do despacho que ordenara a prisão preventiva do recorrente, o 
 qual entretanto fora substituído por outro que a manteve (cf. o Acórdão n.º 
 
 119/2004, e os aí referidos Acórdãos n.º 296/2003 e 722/97, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). Com efeito, nesses casos o “interesse na 
 libertação do recorrente não subsistia, pois a prisão preventiva não decorria já 
 do despacho recorrido, mas de outro, posterior, não impugnado”, e – afirmou-se – 
 
 “um hipotético interesse no eventual exercício de qualquer direito de 
 indemnização” não impedia uma decisão de inutilidade do recurso (decisão que, no 
 caso do Acórdão n.º 119/2004, fora tomada pelo tribunal recorrido), não sendo 
 bastante tal “interesse residual do recorrente, considerando a eventualidade de 
 o arguido poder vir a intentar a acção de indemnização contra o Estado” (na 
 expressão do cit. Acórdão n.º 296/2003), quando o recorrente não interpôs o 
 recurso na referida acção de indemnização nem forneceu qualquer indicação sobre 
 a eventualidade de vir a exercer, em acção própria e perante o tribunal 
 competente, um tal direito de indemnização.
 Ora, no presente caso não só decorreram já os seis meses de prisão a que se 
 refere a norma impugnada pelo recorrente, e que o tribunal recorrido entendeu 
 serem exigidos por lei para lhe poder ser concedida liberdade condicional, como 
 o recorrente se encontra mesmo já nessa situação de liberdade condicional.
 Não se vê, pois, como poderia uma decisão que fosse agora tomada pelo Tribunal 
 Constitucional sobre a constitucionalidade da norma que exige o decurso dos 
 referidos seis meses, para a concessão de liberdade condicional, produzir 
 qualquer efeito útil no processo, sendo certo, por outro lado, que o recorrente 
 também não forneceu, no requerimento de recurso ou nas alegações, qualquer 
 indicação no sentido de que não estava em causa neste recurso apenas o seu 
 interesse na obtenção da liberdade condicional. Isto, sem que fique, aliás, 
 excluído que, se assim o entender, o recorrente venha a promover, por exemplo em 
 acção de indemnização, a apreciação da legalidade e constitucionalidade do tempo 
 de cumprimento de pena que lhe foi imposto (e das normas que o fundamentaram).
 No presente caso, porém, os seis meses de cumprimento de pena já decorreram, a 
 liberdade condicional já foi concedida por decisão do Tribunal de Execução das 
 Penas, e qualquer que fosse a decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão 
 de constitucionalidade, ela não poderia já influenciar essa decisão ou a decisão 
 recorrida, que havia anteriormente negado a concessão da liberdade condicional.
 O presente recurso de constitucionalidade tornou-se, assim, supervenientemente 
 inútil, pelo que não pode dele tomar-se conhecimento.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar 
 conhecimento do presente recurso.
 Sem custas.
 
  
 Lisboa, 8  de     Março  de 2007
 
       Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 
         Benjamim Rodrigues
 
       Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta)
 
  Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Tendo sido a primitiva relatora nestes autos, votei vencida o presente Acórdão 
 por entender que a utilidade da apreciação da questão de constitucionalidade 
 subsiste. Com efeito, podendo depender do juízo a formular a legalidade da 
 prisão efectivamente cumprida, é ainda útil a apreciação da questão de 
 constitucionalidade suscitada, já que o recorrente sempre poderá formular uma 
 pretensão indemnizatória para cuja procedência será essencial o juízo de 
 inconstitucionalidade.
 Nessa medida, teria apreciado o objecto do presente recurso. E fá‑lo‑ia, nos 
 seguintes termos:
 
  
 
                  1.  A decisão recorrida considerou que a referência aos seis 
 meses de prisão como pressuposto da concessão da liberdade condicional que 
 consta do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, exclui a possibilidade de 
 computar o período de tempo relativo à detenção, à prisão preventiva e à 
 obrigação de permanência na habitação sofridas durante o processo.
 
                  O recorrente considerou que tal interpretação é 
 inconstitucional por violação do princípio da igualdade.
 
                  2.  No sistema penal português, as medidas processuais 
 privativas da liberdade aplicadas durante o processo são descontadas na pena 
 privativa da liberdade que efectivamente vier a ser aplicada no processo (cfr. 
 artigos 80.º e 82.º do Código Penal).
 
                  Por outro lado, uma vez esgotado o prazo máximo da prisão 
 preventiva durante o processo, não pode ser aplicado ao arguido a medida de 
 coacção obrigação de permanência na habitação (cfr. artigos 217.º, n.º 2, do 
 Código de Processo Penal).
 
                  E os prazos legais máximos de duração das medidas de coacção 
 obrigação de permanência na habitação e prisão preventiva são os mesmos (cfr. 
 artigos 218.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).
 
                  Esta equiparação, em aspectos essenciais dos respectivos 
 regimes, das medidas processuais privativas da liberdade e a relevância destas 
 para efeito do desconto na pena decorrem do direito à liberdade (artigos 27.º e 
 
 28.º da Constituição) articulado com os princípios da igualdade e da 
 proporcionalidade (artigos 13.º e 18.º da Constituição).
 
                  Com efeito, a liberdade pessoal, valor fundamental inerente à 
 dignidade da pessoa humana, só pode ser restringida quando outros valores com 
 ressonância constitucional o exijam. E tal restrição só pode ocorrer na medida 
 do estritamente necessário e adequado para a prossecução desses outros valores 
 em confronto.
 
                  A prisão preventiva e a obrigação de permanência em habitação 
 restringem ambas de modo essencial a liberdade pessoal do arguido.
 
                  A privação da liberdade inerente à obrigação de permanência na 
 habitação é equiparável, no grau de lesividade da possibilidade da organização 
 da vida pessoal, à prisão preventiva. Não se ignorando diferenças relevantes, 
 que se repercutem em alguns aspectos do regime (veja-se, por exemplo, a 
 possibilidade de interposição da providência do habeas corpus ou no regime de 
 revisibilidiade trimestral da prisão preventiva – artigos 213.º, 220.º e 222.º 
 do Código de Processo Penal), em ambos os casos está em causa a afectação de uma 
 esfera da liberdade de tal modo relevante que justifica por si só, e não 
 obstante as diferenças, a conclusão de que ambas as medidas afectam o núcleo do 
 direito, estando sujeitas a idênticos crivos de proporcionalidade, de 
 necessidade e de adequação. O facto de a obrigação de permanência em habitação 
 poder ser um sucedâneo menos gravoso da prisão preventiva não afasta a sua 
 subordinação àqueles princípios.
 
                  Por outro lado, em ambos os casos se coloca um problema de 
 significado e repercussão destas medidas numa fase ulterior de cumprimento de 
 prisão efectiva. Adquirida esta compreensão, notar‑se‑á, agora, que impende 
 sobre o juiz o dever de interpretar o regime da execução de penas à luz dos 
 princípios do mínimo de intervenção e da proporcionalidade, o que, no caso dos 
 autos, convoca os fins do próprio sistema penal. 
 
                  A referência legal aos seis meses de prisão efectiva como 
 mínimo para o efeito da concessão da liberdade condicional decorre de um 
 equilíbrio entre as finalidades inerentes à execução efectiva da pena de prisão, 
 tais como a prevenção geral – positiva e negativa – e as finalidades de 
 prevenção especial, surgindo, então, a reinserção social e os mecanismos 
 adequados a essa finalidade, dos quais se destaca a liberdade condicional (cf., 
 quanto à compreensão do instituto da liberdade condicional como instrumento de 
 ressocialização do delinquente, Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As 
 Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 527 e ss.).
 
                  O problema do cômputo das medidas processuais privativas da 
 liberdade no período de seis meses deve ser analisado à luz destas finalidades 
 de punição. Na verdade, a privação de liberdade pela aplicação das medidas de 
 coacção não deixa de surtir um efeito preventivo‑geral e especial e até 
 retributivo, embora não sejam estas finalidades a sua justificação. Há, assim, 
 uma problemática penal inserida no próprio Processo Penal, que, embora não 
 justificando as soluções do Processo Penal, reflectir‑se‑á, inevitavelmente, em 
 efeitos sobre o arguido que deverão, depois, ser considerados nas soluções 
 penais, pelo menos aproveitados, quando, não sendo essa – repete‑se – a sua 
 função se concretizaram no caso (cf. Maria Fernanda Palma, “O Problema Penal do 
 Processo Penal”, em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos 
 Fundamentais, 2004, p. 41 e ss.). Durante todo o tempo em que a privação de 
 liberdade do arguido decorreu de aplicação das medidas de coacção, este veio a 
 retomar os estudos e a desenvolver uma actividade laboral. Verificou‑se, assim, 
 um continuum entre a fase de privação de liberdade anterior à condenação e a 
 posterior no que respeita à prevenção e à retribuição. Apesar de se dever 
 rejeitar que as medidas de coacção sejam pré‑punitivas, o certo é que tendo elas 
 tido um tal reflexo não poderá ignorar‑se o efeito produzido e considerá‑lo na 
 execução das penas, em atenção aos direitos do arguido e aos princípios 
 constitucionais da punição.
 Impor o cumprimento de seis meses de prisão efectiva a quem sofreu a privação da 
 liberdade à ordem do mesmo processo durante vários anos, para que possa ser 
 concedida a liberdade condicional, por não se descontar o tempo da restrição de 
 liberdade sofrida devido às medidas de coacção, excede o que a 
 proporcionalidade, a necessidade e a adequação, na execução das penas impõe, 
 tendo em vista as finalidades da punição.
 Concederia, portanto, provimento ao recurso.
 Maria Fernanda Palma