 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 950/2006
 
 2ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
 
                                                                      
 
   
 Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 I
 Relatório
 
  
 
 1.  Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos 
 do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figura como recorrente A. e como 
 recorridos o Ministério Público e outros, foi interposto recurso da decisão 
 instrutória, tendo o agora recorrente sustentado a inconstitucionalidade da 
 norma do artigo 123º do Código de Processo Penal interpretada no sentido de 
 consagrar um prazo de três dias para a arguição de invalidades em processos de 
 especial complexidade, assim como a inconstitucionalidade da norma do artigo 2º, 
 nº 2, da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério 
 Público a prolação de decisão a determinar o levantamento do sigilo bancário.
 O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 26 de Setembro de 2006, 
 considerou o seguinte:
 
  
 
 2.2. Resulta da decisão recorrida: 
 
 (...) 
 Da nulidade do despacho que decretou o levantamento do sigilo bancário: 
 Veio o arguido A. invocar a nulidade dos despachos proferidos pelo Senhor 
 Procurador da República e relativos à quebra do sigilo bancário e juntos a fls. 
 
 2255, 1674, 3149, 3529, 4382 e 8317, alegando, em resumo, que do despacho não 
 constam quais os crimes em causa, não constam os indícios que lhe são imputados 
 e nem consta a justificação para a obtenção das tais informações. 
 Conclui, dizendo que, foram violadas as disposições legais contidas no art° 97º 
 n° 4 do CPP art° 2° n° 2 da lei 5/2002 e art° 205° da CRP e que, sendo inválido 
 o despacho em causa, é nula toda a prova obtida nos autos na sequência da 
 referida decisão. 
 Cumpre decidir: 
 Nos termos do art. 118°, n° 2 do C.P.Penal a violação ou a inobservância das 
 disposições da Lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta 
 for expressamente cominada na Lei. 
 O regime jurídico das nulidades, no âmbito do processo penal, está sujeito ao 
 princípio da legalidade. Assim, salvo nos casos em que a Lei expressamente 
 cominar a nulidade, a violação ou inobservância das disposições processuais 
 penais apenas fere o acto ilegal que haja sido praticado de irregularidade. 
 Irregularidade esta que deve ser arguida no próprio acto ou, se a este os 
 interessados não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em 
 que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em 
 algum acto nele praticado, sob pena de a mesma se considerar sanada. 
 O arguido foi notificado da acusação no dia 17-01-06, conforme resulta de fls. 
 
 12397, o que significa que a partir dessa data poderia ter tomado conhecimento 
 dos actos processuais em causa e veio invocar a invalidade dos referidos 
 despachos apenas no seu requerimento de abertura de instrução, ou seja, em 
 
 1-03-06. 
 Ora tendo em conta o tempo decorrido entre a data da notificação da acusação e a 
 data em que invocou a irregularidade verifica-se que já haviam decorrido mais de 
 três dias. 
 Deste modo, dado que o requerente não arguiu tempestivamente essa 
 irregularidade, deve considerar-se a mesma sanada. 
 Da inconstitucionalidade do art° 2° n° 2 da lei 5/2002 de 11-01: 
 O mesmo arguido invocou, ainda, a inconstitucionalidade material da citada norma 
 por violação do disposto no art° 32° n° 4 da CRP alegando, em síntese, que 
 permitir ao Ministério Público, na fase de inquérito, legitimidade para proferir 
 uma decisão de quebra do sigilo bancário é admitir a interferência no âmbito dos 
 direitos liberdades e garantias, matéria da competência do Juiz de Instrução, na 
 medida em que, as informações relativas à conta bancária constituem matéria 
 relativa à reserva da vida privada consagrado no art° 26° n° 1 da CRP.
 A questão que se coloca é a de saber se as informações contidas na contas 
 bancárias dizem respeito à reserva da intimidade da vida privada e se o sigilo 
 bancário constitui um corolário dessa reserva. 
 Em primeiro lugar, cumpre referir a reserva do sigilo bancário não tem carácter 
 absoluto, antes se admitindo excepções em situações em que avultam valores e 
 interesses que devem ser reputados como relevantes como, verbi gratia, a 
 salvaguarda dos interesses públicos ou colectivos (cfr. Acórdão n° 278/95, 
 publicado na II Série do Diário da República, de 28 de Julho de 1995, onde se 
 disse que “o segredo bancário não é um direito absoluto, antes pode sofrer 
 restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou 
 interesses constitucionalmente protegidos. Na verdade, a tutela de certos 
 valores constitucionalmente protegidos pode tornar necessário, em certos casos, 
 o acesso aos dados e informações que os bancos possuem relativamente às suas 
 relações com os clientes. Assim sucede com os artigos 135°, 181° e 182° do 
 actual Código de Processo Penal, os quais procuram consagrar uma articulação 
 ponderada e harmoniosa do sigilo bancário com o interesse constitucionalmente 
 protegido da investigação criminal, reservando ao juiz a competência para 
 ordenar apreensões e exames em estabelecimentos bancários”. 
 Em segundo lugar, cumpre referir que a consagração do segredo bancário, tem na 
 origem razões históricas recentes e relacionadas com a devassa pública das 
 contas bancárias no período seguinte à revolução de Abril. 
 Em terceiro lugar, entendemos que o que se pretende com o segredo bancário é 
 proteger as questões relacionadas com o acervo patrimonial e giro económico dos 
 titulares das contas, matéria que respeitando à privacidade de cada um, mas que 
 não contende com a área da intimidade da vida privada. Na verdade, não podemos 
 comparar esta matéria com a relacionada com as buscas domiciliárias, escutas 
 telefónicas, registo de voz e imagem, essas sim claramente limitadoras dos 
 direitos à imagem, à palavra ao domicílio, em suma, intimidade de cada um. 
 Assim, conclui-se que a matéria de sigilo bancário, no seu reflexo de 
 investigação criminal, não poderá ser perspectivada como sendo respeitante a 
 direitos, liberdades ou garantias, na medida em que, como já referimos, a 
 situação económica dos cidadãos espelhada nas respectivas contas bancárias, fará 
 parte do âmbito de protecção do direito à privacidade mas não da reserva da 
 intimidade da vida privada. 
 A este propósito veja-se Saldanha Sanches, Segredo Bancário, segredo fiscal: uma 
 perspectiva funcional, in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e 
 Económico‑Financeira, Centro de Estudos Judiciários, 25 anos, 2004, 57 e 
 seguintes, “o primeiro ponto que deve ser considerado aos tratarmos do segredo 
 bancário é que não estamos perante aquilo a que a constituição tutela como 
 
 «reserva da intimidade da vida privada e familiar». Aquele núcleo central de 
 características e comportamentos de natureza pessoal (maxime sexual e familiar) 
 que a lei deverá proteger para proporcionart’’ garantias efectivas contra a 
 utilização abusiva ou contrária à dignidade humana». 
 Por fim, cumpre referir que a consagração do segredo bancário não é tanto para a 
 protecção da intimídade dos cidadãos mas, sobretudo, a protecção do sistema 
 económico‑financeiro pelo receio de fuga dos capitais para países onde o segredo 
 seja mais fortemente protegido. 
 Assim, não respeitando a matéria do segredo bancário à esfera da intimidade da 
 vida privada a competência para a quebra desse segredo não está reservada ao 
 juiz de Instrução criminal pelo que, não é inconstitucional a norma contida no 
 art° 2° n°2 da lei 5/2002. 
 
  
 
 3. 
 O despacho inicial referia (fls. 2255): 
 
 “A informação bancária já recolhida permite identificar novas contas, 
 relativamente às quais importa obter informações e documentos. 
 Assim, ao abrigo do disposto nos art.°s 1°, n.°1e) e 19 e 3 e 2°, 1,2,4 e 5 da 
 Lei 5/2002 de 11.1. determina-se a quebra do sigilo bancário no sentido de serem 
 solicitadas as seguintes informações: 
 
 - ao B., C., D.,E., F., G. e H. solicite que nos informe da existência de contas 
 bancárias em que seja interveniente, a qualquer título, A., NIF 200630849; 
 Caso localizadas contas deve-nos ser remetida cópia da ficha de cliente e 
 extractos relativos ao ano de 2004.” 
 
 3.1. 
 Conforme se decidiu na 1ª instância e resulta igualmente da resposta ao recurso 
 do M°P°, a questão suscitada pelo recorrente relativamente à falta de 
 fundamentação dos despachos do M°P° que determinaram a quebra do sigilo 
 bancário, por alegada omissão nesses despachos de referência aos “crimes em 
 causa, aos indícios que lhe são imputados e à justificação para a obtenção das 
 tais informações”, não pode proceder. 
 Efectivamente, de harmonia com o disposto no art° 118° n° 1 do CPP, a violação 
 ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a 
 nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. 
 Por sua vez o n° 2 do mesmo preceito refere que, nos casos em que a lei não 
 cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. 
 Quanto às irregularidades dispõe o art. 123° do CPP que, a mesma deve ser 
 arguida pelo interessado no próprio acto, ou se não tiver assistido, nos três 
 dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado para qualquer termo 
 do processo. 
 As alegadas omissões, susceptíveis de constituir vícios puramente formais da 
 decisão, não têm importância tal que tenha justificado por parte do legislador a 
 sua inclusão no elenco taxativo das nulidades, essas sim situações que poderão 
 implicar uma afectação significativa da estrutura do processo ou de princípios 
 ou direitos fundamentais, por forma a determinar a nulidade dos referidos actos. 
 
 
 O recorrente, ao ser notificado da acusação, interveio no processo e teve 
 conhecimento do mesmo pelo que deveria ter arguido o vício respectivo no prazo 
 de 3 dias a partir de tal notificação, ou nos três dias úteis seguintes embora 
 sujeito ao pagamento de multa pela prática tardia do acto, por as alegadas 
 omissões não serem susceptíveis de afectar a estrutura essencial da decisão que 
 põe em causa, tratando-se, como se viu, de meras irregularidades. 
 Este entendimento não contende com a invocada necessidade de existência de um 
 processo justo, por o nosso sistema processual distinguir o que sejam 
 invalidades susceptíveis de afectar a estrutura principal do acto, reservando a 
 nulidade aos vícios mais importantes, de outras que apenas o atinjam na sua 
 validade formal, prevendo que a falta de fundamentação de um despacho não 
 produza a sua nulidade, mas apenas a sua irregularidade (artigo 118° do Código 
 de Processo Penal) e que essa irregularidade deva ser arguida nos termos e nos 
 prazos estabelecidos no artigo 123° do Código de Processo Penal. Coisa diversa 
 será uma eventual inexistência dos pressupostos de que a lei faz depender a 
 possibilidade de obtenção de prova, contida no acto que se pretende anular. 
 A possibilidade de arguição no requerimento de instrução reporta-se às nulidades 
 dependentes de arguição e não a meras irregularidades (art.° 120°, n.° 2 e 3 al. 
 c) CPP). 
 Uma vez que o recorrente não arguiu tempestivamente a referida irregularidade, 
 deve considerar-se a mesma sanada, o que é extensível aos restantes despachos 
 invocados pelo recorrente. 
 Este entendimento, prevendo um prazo de arguição de vícios menores e que não 
 afectam a essência do acto, também não exclui nem limita, de forma insustentável 
 ou inadmissível, as possibilidades de defesa do arguido, não sendo 
 inconstitucional, como defende o recorrente. 
 
 3.2. 
 O recorrente alega a nulidade da prova, por alegadamente obtida com abusiva 
 intromissão na vida privada, face à invocada ausência de fundamentação dos 
 despachos que determinaram a obtenção de prova com quebra de sigilo bancário o 
 que mais não é do que a já apreciada questão da falta de fundamentação das 
 decisões do M°P° que a determinaram, não tendo o recorrente atacado a própria 
 justificação e eventual inexistência de pressupostos para a decisão de obtenção 
 da prova, através da referida quebra. Aliás, não se pode concluir que a 
 insuficiência de fundamentação implique a nulidade da prova obtida, como parece 
 pretender o recorrente. 
 De todo o modo, apreciar-se-á na medida da sua alegação a invocada nulidade das 
 provas, perante os elementos resultantes do processo com vista à apreciação da 
 justificação da determinação da obtenção das provas da referida forma. 
 Embora, no tocante ao recorrente, se investigassem inicialmente factos 
 susceptíveis de integrarem o crime de fundação e chefia de associação criminosa, 
 p. e p. pelo art.° 299° n° 1 e 3 do CP, imputado na acusação, veio o mesmo a ser 
 pronunciado pelo crime de adesão à associação criminosa, p e p pelo art° 299° n° 
 
 2 do CP. 
 Os indícios que se verificavam na investigação vieram a ser condensados na 
 decisão instrutória da qual resulta a descrição da actividade imputada ao 
 arguido A.. Embora inicialmente o arguido tivesse negado a actividade que lhe 
 era imputada acabou por admitir ter realizado algumas vendas de mercadorias 
 obtidas através das condutas fraudulentas desenvolvidas a partir de sucessivas 
 empresas, como a I., a J., K. e L.. 
 Em sede de instrução, admitiu mesmo o arguido que viesse a ser pronunciado por 
 adesão a associação criminosa, como efectivamente aconteceu. 
 Secundando ainda o M°P° junto do tribunal recorrido, cuja posição nesta parte se 
 transcreve por traduzir a exacta ponderação dos direitos em confronto que 
 entendemos justificar, no caso concreto, a compressão do direito do recorrente: 
 
 “...admite-se que, na medida em que a situação económica dos cidadãos é 
 espelhada nas suas contas bancárias, o segredo bancário constitui um corolário 
 da protecção da reserva de vida privada, uma vez que é através das contas 
 bancárias que são processados dados de onde se pode retirar a informação sobre o 
 giro económico do particular, mas onde algumas das vezes se reflectem também 
 dados relacionados com a vida privada – veja-se o Acórdão do Tribunal 
 Constitucional 602/2005, publicado do DR II Série, de 21 de Dezembro de 2005, 
 páginas 17766 e seguintes. 
 No entanto, conforme se pode retirar das várias soluções que em direito 
 comparado são encontradas para fundamentar o sigilo bancário, “não se atribui à 
 conservação em segredo de factos conhecidos pelo banqueiro, através do seu 
 exercício profissional, um interesse de ordem pública” – veja-se a colectânea de 
 pareceres da Procuradoria Geral da República, Volume VI, páginas 365 e 
 seguintes. 
 Efectivamente, os interesses individuais de quem recorre aos serviços dos Bancos 
 e mesmo os interesses próprios destes na manutenção do segredo bancário, cedem 
 sempre que um forte interesse público se lhes oponha. 
 O segredo bancário, à semelhança dos demais sigilos profissionais não tem 
 carácter absoluto, sempre se admitindo, com abrangência crescente, a existência 
 de excepções para as situações em que importa salvaguardar interesses públicos 
 ou colectivos – veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n° 278/95, no DR II 
 Série de 28-7- 95, onde se afirma que “a tutela de certos valores 
 constitucionalmente protegidos pode tornar necessário o acesso aos dados e 
 informações que os Bancos possuem relativamente às suas relações com os 
 clientes”. 
 A Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, surge dessa necessária ponderação entre os 
 interesses públicos, no caso da tutela da sociedade e da economia legítima, 
 contra a actuação das formas mais graves de criminalidade organizada – que 
 passou mesmo por decisões tomadas no Conselho de Ministros das Finanças da União 
 Europeia, designadamente em Outubro de 2000, que passavam pela recomendação da 
 eliminação do segredo bancário perante as formas mais graves de criminalidade. 
 Correspondendo a esse imperativo da União Europeia, a Assembleia da República 
 veio a encontrar uma solução que, não passando pela eliminação do segredo 
 bancário, procedeu à “desjurisdicialização” da quebra do sigilo bancário e 
 fiscal. 
 Tal opção passa pelo assunção de não estarmos perante um domínio da intimidade 
 da vida privada, mas sim da “reserva de uma parte do acervo patrimonial” – 
 conforme expressão utilizada pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão 
 
 602/2005, já citado, que admitiu a conformidade à Constituição dos procedimentos 
 administrativos de quebra do sigilo bancário para efeitos fiscais. 
 Pelo exposto, mostra-se que a tese de Saldanha Sanches, catalogada 
 pretensiosamente pela Defesa como politicamente comprometida, se mostra acolhida 
 em sede da jurisprudência constitucional, consagrando-se uma clara diferença e 
 aceitando-se um diferente tratamento entre matérias que se integram numa “esfera 
 de privacidade”, como é o caso do segredo bancário, e as que se integram na 
 
 “intimidade da vida privada”, caso do sigilo das telecomunicações. 
 Consequente a tal distinção, claramente se pode concluir que a necessidade de 
 intervenção judicial apenas se justifica quando está em causa a compressão de 
 direitos relacionados com a intimidade da vida privada – apenas se justificando 
 a necessidade de autorização judicial para os casos de buscas domiciliárias, 
 escutas telefónicas e filmagens dos movimentos pessoais, mas já não quando 
 ocorre o seguimento policial de um suspeito, a recolha de dados da sua vida 
 comercial, dos seus manifestos fiscais e mesmo do seu relacionamento com um 
 Banco. 
 A Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, garantindo a necessidade de ponderação de 
 interesses e enquadrando os interesses públicos considerados dominantes, não 
 pode deixar de considerar-se conforme à Constituição e, diremos mesmo, 
 necessária para a afirmação do Estado de Direito – veja-se quanto a essa 
 ponderação, fora do âmbito da Lei 5/2002, de 11-1, as decisões proferidas pelo 
 Tribunal da Relação de Lisboa de 2 1-10-2004 e de 8-2-2006, respectivamente nos 
 Processos 1153/2004-9 e 1071/2006-3, disponíveis no “site” oficial do ITIJ .”
 Mesmo para quem não questione que o segredo bancário se mostra abrangido na 
 reserva da intimidade da vida privada e familiar (Acórdão 278/95 do TC), tem 
 importância compreender que, com vista à ponderação da intromissão nessa reserva 
 e na restrição do direito em causa, não será indiferente a configuração e 
 conceptualização dos interesses concretamente em confronto, uma vez que, não se 
 tratando o segredo bancário de direito absoluto, haverá que realizar uma 
 articulação casuística, e sempre ponderada e harmoniosa, do sigilo bancário com 
 o interesse constitucionalmente protegido da investigação criminal. 
 Como o Tribunal Constitucional já teve ocasião de decidir, “tal como o sigilo 
 profissional, a reserva do sigilo bancário não tem carácter absoluto, antes se 
 admitindo excepções em situações em que avultam valores e interesses que devem 
 ser reputados como relevantes como, verbi gratia, a salvaguarda dos interesses 
 públicos ou colectivos (cfr. Acórdão n° 278/95, publicado na II Série do Diário 
 da República, de 28 de Julho de 1995, onde se disse que “o segredo bancário não 
 
 é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de 
 salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Na 
 verdade, a tutela de certos valores constitucionalmente protegidos pode tornar 
 necessário, em certos casos, o acesso aos dados e informações que os bancos 
 possuem relativamente às suas relações com os clientes” 
 Entendemos que a vida privada compreende núcleos distintos, um ligado à 
 essencialidade da reserva da intimidade pessoal, referenciada aos direitos de 
 personalidade que numa perspectiva naturalística exigem uma tutela mais apertada 
 e exigente, a que corresponde a esfera da intimidade pessoal, outro que, ligado 
 embora ao conceito de privacidade, não atinge o conceito de íntimo havendo ainda 
 quem identifique um que constitui a esfera social. 
 Mesmo que esta distinção possa merecer algumas reservas o que é certo é que terá 
 algum interesse na apreciação concretizada do nível de importância dos direitos 
 em conflito. 
 Assim, se quanto à esfera privada e social se admitem maiores compressões já 
 quanto ao primeiro núcleo se mostrará mais reduzido o número de situações que 
 permitirão a sua compressão, por respeitar à referida área de essencialidade dos 
 direitos da personalidade. 
 
 É sabido que, por vezes, a realização da justiça, na sua vertente de descoberta 
 da verdade dos factos, exige intromissões na reserva da intimidade ou da 
 privacidade do cidadão. 
 No caso em apreço perante os indícios que existiam já no processo, embora 
 inicialmente negados pelo arguido, conclui-se que o recurso à recolha da 
 documentação bancária com recurso à quebra do sigilo bancário que perante os 
 concretos interesses em confronto se mostrou justificada e necessária, sendo 
 aliás a mais adequada ao tipo e natureza da actividade ilícita indiciada. 
 Indiciava-se que o arguido A. tomava parte efectiva na actuação sob a forma 
 organizada de um grupo de indivíduos que assumiram o controlo de diferentes 
 sociedades, que se sucederam no tempo, para, através das mesmas e aproveitando o 
 seu bom nome comercial, procederem à encomenda de grandes quantidades de 
 mercadorias, entregando para pretenso pagamento cheques e letras emitidas de 
 forma fraudulenta e que nunca seriam pagos, como efectivamente não o foram. 
 Conforme salienta o M°P° para cuja resposta se remete novamente já que condensa 
 de forma exacta e merecedora da nossa concordância o objecto da investigação 
 levada a efeito: 
 
 “No cometimento do crime, os arguidos geraram dois circuitos financeiros. 
 O primeiro, visando criar uma aparência de actuação como um normal operador 
 económico, destinava-se a encenar uma capacidade financeira e o propósito de 
 honrar pagamentos, recorrendo à realização de primeiras encomendas que eram 
 efectivamente pagas, para depois, adquirida a confiança do fornecedor, proceder 
 a novas e sucessivas encomendas, com a emissão de cheques com datas futuras e de 
 letras, mas já com o propósito de as não pagar no final. 
 O segundo circuito, correspondia ao das receitas obtidas com a venda das 
 mercadorias, que numa perspectiva de normalidade comercial deveria alimentar o 
 supra referido primeiro circuito, mas que, na realidade, era desviado para o 
 proveito pessoal dos arguidos, que se locupletavam assim, com o produto da venda 
 de mercadorias, sem que estas lhes tivessem implicado qualquer custo. 
 Dada esta ausência de custo, através do sacrifício dos fornecedores que não 
 recebiam os pagamentos a que tinham direito, permitia aos arguidos praticar 
 preços abaixo dos de mercado, fazendo com que, qualquer montante recebido na 
 venda das mercadorias, representasse um lucro. 
 De forma a ocultar tal prática de venda abaixo dos preços de mercado, os 
 arguidos procediam à emissão de facturas por quantias superiores às que 
 efectivamente pretendiam receber, exigindo ainda aos adquirentes/ /receptadores 
 o pagamento a pronto e, por vezes, em numerário, de forma a facilitar a 
 integração e a disseminação das quantias arrecadadas. 
 Qualquer destes circuitos financeiros era traduzido em movimentos realizados 
 sobre contas bancárias para as quais os arguidos recorriam a terceiros, “testas 
 de ferro” ou usurpando as respectivas identidades, para figurarem como titulares 
 
 – caso da conta em nome do M. e em nome da J. e do N., que foi pago para 
 permitir a utilização do seu próprio nome. 
 A informação financeira vertida nos referidos movimentos bancários assume assim, 
 uma relevância crucial na reconstituição dos negócios desenvolvidos pelos 
 arguidos, em particular pelo ora Recorrente, uma vez que assumiu o essencial da 
 função de arrecadação de receitas e seu encaminhamento para as contas utilizadas 
 pelos outros dirigentes da organização, em particular pelo O.. 
 Nenhuma leitura foi feita nem qualquer documentação foi recolhida que fosse 
 relacionada com a vida ou com as despesas pessoais do arguido A.. 
 O que foi analisado e colocado em evidência foi a actividade comercial 
 desenvolvida pelo arguido, com base em mercadorias obtidas através de burla, 
 permitindo identificar quem eram os seus clientes/receptadores, que montantes 
 efectivamente eram pagos (quase sempre diferentes e inferiores aos que eram 
 feitos constar das facturas, quando não eram as quantidades de mercadorias 
 entregues que eram superiores às constantes das facturas) e qual o destino dos 
 montantes recebidos, permitindo diferenciar entre os movimentos realizados em 
 numerário, por cheque e por transferência, para além dos beneficiários e 
 ordenantes das operações. 
 O resultado da análise desenvolvida encontra-se traduzido em seis volumes de 
 mapas, tabelas, listas de valores por interveniente e diagramas de circuitos 
 financeiros, num trabalho desenvolvido pelo Departamento de Perícia Financeira e 
 Contabilística da Policia Judiciária - Apenso Bancário LXVII. 
 Não se vislumbra de toda essa análise desenvolvida qualquer descoberta de factos 
 relativos à vida privada do arguido A., mas bem se compreende o desespero do 
 mesmo arguido relativamente ao nível de esclarecimento e pormenorização que se 
 conseguiu alcançar relativamente às condutas ilícitas desenvolvidas. 
 A força e a evidência de uma tal prova, porque baseada em documentos que se 
 limitaram a colocar por ordem e sobre os quais foram realizadas meras operações 
 aritméticas, compromete definitivamente o arguido A., que, de outro modo, 
 pretendia apenas limitar-se a admitir a compra e a venda de mercadorias ao 
 melhor preço possível. 
 Realce-se ainda, que a procura de informação financeira foi sempre concertada 
 com a prova pessoal que foi sendo recolhida, designadamente junto dos terceiros 
 que serviam para titular as contas utilizadas e dos que eram chamados a fazer 
 depósitos de numerário nas contas dos arguidos, levando assim, à identificação 
 das contas utilizadas. 
 Mas também a análise da documentação recolhida foi permitindo identificar novas 
 contas relacionadas, quer de origem quer de destino dos fundos ilícitos, sendo 
 evidente que estamos perante uma procura sistemática e rigorosamente dirigida a 
 circuitos de pagamento de mercadorias. 
 Uma análise bancária séria, como foi a que se pretendeu desenvolver nos autos, 
 não é um exercício de curiosidade mesquinha nem de devassa de hábitos ocultos, 
 sendo um trabalho técnico, estritamente contabilístico, como se fosse uma 
 reconciliação bancária realizada no âmbito de uma auditoria. 
 Para uma análise assim dirigida, correspondem, como adiante se verá, 
 procedimentos e fases sucessivas de recolha de documentos, que obviamente se 
 ligam e se explicam entre si”. 
 Pelas razões que levaram à imposição da obtenção da referida prova e pela forma 
 como foi efectuada a sua recolha entendemos que a prova por documentação 
 bancária foi justificadamente recolhida, tendo permitido a descoberta de 
 actividades comerciais que são ilícitas e que, em concreto, se não enquadram na 
 esfera de reserva da intimidade da vida privada em função da qual se mostra 
 erigido o princípio fundamental que tem vindo a ser analisado, uma vez que 
 respeitam ao âmbito da vida patrimonial do cidadão não relacionada com a sua 
 vida privada pessoal mas antes se mostra ligada com a esfera da sua actividade 
 económica, de carácter indiciariamente ilícito, por forma a ter de dar-se 
 prevalência aos interesses da investigação, que são de ordem pública. 
 Como tal, não são nulas as provas assim obtidas. 
 
 3.3. 
 Também pela mesma ordem de razões haverá que concluir que a solução encontrada 
 pela Lei 5/2002, que não passou pela eliminação do segredo bancário, mas sim 
 pela dispensa da intervenção judicial para a quebra do sigilo bancário e fiscal 
 verificados certos pressupostos, assumindo não se estar perante um domínio da 
 intimidade da vida privada, mas sim da “reserva de uma parte do acervo 
 patrimonial” conforme expressão utilizada pelo Tribunal Constitucional no seu 
 acórdão 602/2005 (DR-II série, 21.12.2005) que admitiu a conformidade à 
 Constituição dos procedimentos administrativos de quebra do sigilo bancário, 
 para efeitos fiscais, tendo-se concluído não haver ofensa de direitos 
 fundamentais do cidadão, nomeadamente o da reserva da sua vida privada. 
 Aliás, face ao entendimento de que a quebra do sigilo possa soçobrar face a 
 interesses da administração fiscal e perante órgãos dessa mesma administração, 
 por maioria de razão se terá de considerar que possa ser afastado por razões 
 atinentes à investigação criminal. 
 Não respeitando a matéria do segredo bancário à esfera de reserva da intimidade 
 da vida privada, em função da qual se mostra erigido o referido princípio 
 fundamental a dispensa da intervenção judicial para a sua quebra não ofende a 
 Constituição, não sendo inconstitucional, a norma contida no art° 2° n° 2 da lei 
 
 5/2002. 
 A Lei 5/2002, de 11 de Janeiro garante a necessidade de ponderação de interesses 
 e enquadramento de interesses públicos considerados dominantes e, nessa estrita 
 medida, não se mostra contrária às normas constitucionais invocadas. 
 Neste sentido se pronunciou o Prof. Germano Marques da Silva, in Colóquio 
 Internacional de Direito Penal, na Universidade Lusíada, publicação de 
 
 7.11.2002, que refere tratar-se este de uma questão de hierarquia de interesses 
 a prosseguir e sustenta: 
 
 “Não me repugna nada que certos segredos, nomeadamente os atinentes ao exercício 
 da função pública, v.g. fiscais e actividade bancária, cedam perante as 
 necessidades de combate à criminalidade organizada, como não repugna que cedam 
 em geral relativamente ao combate a certos tipos de crime desde que a sua 
 gravidade o justifique (princípio da proporcionalidade). 
 Não me perturba sequer que a quebra de determinados segredos. como o fiscal e o 
 bancário, possam ser quebrados por simples ordem da autoridade judiciária 
 titular da direcção do processo, em despacho fundamentado, como sucede coma 
 nossa lei nomeadamente no âmbito do combate à criminalidade organizada e 
 económico financeira (art.°s 2° e 5° Lei 5/2002). Como disse trata-se de uma 
 questão de hierarquia de valores a proteger e muitos dos segredos profissionais 
 não protegem interesses que directamente ou de perto toquem com direitos 
 atinentes à personalidade. 
 
 (...) O direito à reserva é importante e pode não ter nada a ver com actividades 
 criminosas por isso deve ser protegido até onde não seja necessário para o 
 combate à criminalidade”.
 Tendo o sigilo bancário por preocupação não tanto a protecção da intimidade – 
 que poderá até ser posta em causa pois pode a leitura de dados bancários 
 fornecer elementos susceptíveis de permitir a devassa da vida privada – mas a 
 protecção do sistema económico-financeiro pelo receio de fugas de capitais para 
 paraísos fiscais e, sendo compreensível o cuidado que o legislador tem tido com 
 a referida protecção, não pode exacerbar-se a mesma por forma a que, perante os 
 interesses em confronto, constitua um entrave à investigação da criminalidade 
 organizada, sob pena de se comprometerem interesses públicos de grande relevo.
 
  
 
  
 
 2.  O recorrente interpôs recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
 
  
 
 1 – O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art. 700 
 da Lei 28/82 de 15 de Novembro, na redacção que lhe é dada pela Lei n° 85/89 de 
 
 7 de Setembro, pela Lei n° 88/95 de 1 de Setembro e pela Lei n° 13‑A198 de 26 de 
 Fevereiro. 
 
 2 – Pretende ver-se apreciada a constitucionalidade das seguintes normas: 
 
 1ª) A norma do artigo 123°, n° 1 do Código de Processo Penal, interpretada no 
 sentido de que as irregularidades do inquérito devem ser arguidas nos três dias 
 seguintes à notificação da acusação, não o podendo ser até ao encerramento do 
 debate instrutório, designadamente no requerimento de abertura de instrução 
 atempadamente apresentado pelo arguido, por se entender que a mesma, 
 interpretada no sentido apontado, é inconstitucional, por violação do disposto 
 no art. 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que restringe 
 de forma inadmissível os direitos de defesa do arguido, ou melhor “ implica um 
 encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido” (como infra 
 se explicitará). 
 
 2ª) A norma do art. 2°, n° 2 da Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro, nos termos da 
 qual a quebra do segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das 
 instituições de crédito e sociedades financeiras, dos seus empregados e de 
 pessoas que a elas prestem serviço (v.g. o sigilo bancário) “depende unicamente 
 de ordem da autoridade judiciária titular da direcção do processo, em despacho 
 fundamentado”, na medida em que a mesma permite ao Ministério Público, na fase 
 de inquérito de um processo crime, proferir despacho que autorize a quebra de 
 tal segredo – e que, como tal, colide, restringindo-o, com o direito 
 constitucionalmente consagrado da reserva da vida privada (cfr. art. 26°, n° 1 
 da CRP) - entendendo ser a mesma inconstitucional, por violação do disposto, 
 designadamente, no art. 32°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa, o 
 qual reserva à magistratura judicial a prática de todos os actos, que naquela 
 fase processual, contendam directamente com direitos fundamentais. 
 
 3 – A inconstitucionalidade das apontadas normas foi suscitada pelo ora 
 Recorrente, quer no texto (motivação), quer nas conclusões do recurso que 
 interpôs da decisão instrutória proferida no âmbito do processo de inquérito n° 
 
 547/04.OJDLSB, para o Tribunal da Relação de Lisboa. 
 Com efeito 
 
 4 – Ali se alegava ser inconstitucional, por violação, designadamente, do art. 
 
 32°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a norma do art. 123° do 
 Código de Processo Penal, interpretada no sentido de conceder apenas três dias 
 ao arguido e seu defensor, a contar da notificação da acusação, para vir arguir 
 irregularidades do inquérito, designadamente a decorrente da inobservância do 
 disposto no art. 2°, n° 2 da Lei n° 5/2002 de II de Janeiro, por parte do Digno 
 Magistrado do Ministério Público, o qual, por despacho não fundamentado 
 determinara naquela sede a quebra do sigilo bancário (cfr. conclusão 25ª do 
 recurso interposto pelo ora Recorrente da decisão instrutória, bem como pontos 3 
 a 20 da motivação de recurso, e ainda conclusões 18ª a 25ª do mesmo recurso). 
 
 5 – Nomeadamente quando tal despacho (ou despachos) fora proferido no âmbito de 
 um processo dito “monstruoso”, isto é, um processo ao qual havia sido 
 reconhecida especial complexidade, deduzindo o Ministério Público, no 
 encerramento da fase de inquérito, ao longo de 477 páginas e 2.912 artigos, a 
 acusação de fls. 11.902 a 12.379, contra cinquenta e sete arguidos (57), 
 imputando-lhes, entre outros a prática de crimes de fundação e chefia de 
 associação criminosa, burla qualificada, falsificação de documentos, receptação, 
 adesão a associação criminosa, branqueamento de capitais e auxílio material, ali 
 identificando mais de uma centena de alegados lesados e arrolando duzentas e 
 quinze (215 ) testemunhas de acusação, comportando tal processo, à data da 
 acusação 40 VOLUMES A TÍTULO DE AUTOS PRINCIPAIS (mais de 13.000 páginas) e 
 ainda cerca de DUAS CENTENAS DE VOLUMES DE APENSOS. 
 De facto 
 
 6 – Pretender que, EM TRÊS DIAS APENAS, o arguido consultasse e analisasse 
 devida e exaustivamente todo o processado, nele detectasse eventuais 
 irregularidades – nomeadamente a invalidade do despacho de fls. 2255 e 
 subsequentes de igual teor - e, naquele prazo, as viesse arguir aos autos, mais 
 não é que restringir de forma inadmissível e injustificada o direito de defesa 
 do arguido, constitucionalmente consagrado, desta forma se limitando, de modo 
 desproporcionado e sem fundamento material, o núcleo essencial daquele mesmo 
 direito. 
 Na verdade 
 
 8 – É exigência do Princípio do Estado de Direito um PROCESSO EQUITATIVO E LEAL, 
 isto é, um due process of Iaw, o qual, entre nós, encontra consagração expressa 
 no n° 1 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa. 
 Com efeito 
 
 9 – “O processo criminal há-de configurar-se como um due process of Iaw, devendo 
 considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, 
 quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível 
 das possibilidades de defesa do arguido” ( cfr. entre outros, os Acórdãos n° 
 
 337/86, de 30 de Dezembro, n° 383/97, de 14 de Maio e n° 694/03 de 24 de Março, 
 todos do Tribunal Constitucional, que julgaram inconstitucional, por violação do 
 art. 32°, n° 1 da CRP, a norma do art. 123° do Código de Processo Penal). 
 Por outro lado 
 
 10 – Ali se alegava também ser materialmente inconstitucional, por violação do 
 disposto no art. 32°, n° 4 da Constituição da República Portuguesa a norma do n° 
 
 2 do art. 2° da Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro, na medida em que esta permite ao 
 Ministério Público, na fase de inquérito, proferir despacho que autorize o 
 levantamento do sigilo bancário, uma vez que este despacho colide com, 
 restringindo-os, direitos fundamentais, concretamente o direito 
 constitucionalmente consagrado à reserva da vida privada (cfr. art. 26°, n° 1 da 
 CRP),e, como tal, deveria ser competência exclusiva de um magistrado judicial 
 
 (cfr. conclusão 38ª do aludido recurso, bem como pontos 56 a 66 da motivação do 
 mesmo, e ainda conclusões 34ª a 43ª do mesmo recurso). 
 Com efeito 
 
 11 – Mesmo no âmbito da fase de inquérito, cabe a um juiz – o Juiz de Instrução 
 
 – a prática dos actos jurisdicionais, 
 
 12 – A saber, a prática de todos os actos que contendam com direitos, liberdades 
 e garantias fundamentais, expressa ou implicitamente consagrados na nossa 
 Constituição. 
 
 13 – Daí dizer-se ser o Juiz (e não o Ministério Público) o garante dos 
 direitos, liberdades e garantias. 
 Assim 
 
 14 – Quando permite ao Ministério Público, na fase de inquérito, proferir 
 despacho autorize o levantamento do sigilo bancário – e, como tal, que colide, 
 designadamente, com o direito constitucionalmente consagrado à reserva da vida 
 privada (cfr. art. 26°, nº 1 da CRP) – viola o n° 2 do art. 2° da Lei n° 5/2002 
 de 11 de Janeiro o disposto, designadamente, no n° 4 do art. 32° da CRP, sendo, 
 por isso, tal norma materialmente inconstitucional. 
 
 15 – O presente recurso dever ser admitido a subir imediatamente e com efeito 
 suspensivo. 
 Termos em que se requer a V. Exa. se digne admitir o presente recurso, 
 fixando-lhe o regime de subida e os pertinentes efeitos, seguindo-se os demais 
 termos da lei. 
 
  
 O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 1ª) Nos termos do art. 123º, n° 1 do Código de Processo Penal qualquer 
 irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e 
 dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos 
 interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias 
 seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo 
 do processo ou intervindo em algum acto nele praticado”. 
 
 2ª) É inconstitucional, por violação, designadamente, do art. 32°, n° 1 da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma do art. 123° do Código de Processo 
 Penal, interpretada no sentido de conceder ao arguido apenas três dias a contar 
 da notificação da acusação para vir arguir eventuais irregularidades ocorridas 
 na fase de inquérito,
 
 3ª) Interpretação nos termos da qual é extemporânea a arguição de tais 
 irregularidades, quando efectuada no requerimento de abertura de instrução 
 atempadamente apresentado, 
 
 4ª) Designadamente quando o Tribunal nem sequer cuida de apurar da EFECTIVA 
 COGNOSCIBILIDADE DE TAIS IRREGULARIDADES, no referido prazo de três dias, face 
 
 às circunstâncias o caso concreto. 
 Com efeito 
 
 5ª) É exigência do Princípio do Estado de Direito um PROCESSO EQUITATIVO E LEAL, 
 isto é, um due process of Iaw, o qual, entre nós, encontra consagração expressa 
 no n° 1 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa. 
 De facto 
 
 6ª) “O processo criminal há-de configurar-se como um due process of Iaw, devendo 
 considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, 
 quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível 
 das possibilidades de defesa do arguido” (cfr. entre outros, os Acórdãos n° 
 
 337/86, de 30 de Dezembro, n° 383/97, de 14 de Maio e n° 694/03 de 24 de Março, 
 todos do Tribunal Constitucional, que julgaram inconstitucional, por violação do 
 art. 32°, n° 1 da CRP, a norma do art. 123° do Código de Processo Penal). 
 
 7ª) Pretender que, EM TRÊS DIAS APENAS, contados a partir da notificação da 
 acusação, o arguido (por intermédio do seu defensor), consulte e analise, devida 
 e exaustivamente todo o processado, detecte eventuais irregularidades ocorridas 
 na fase de inquérito e, naquele mesmo prazo, as venha arguir aos autos, mais não 
 
 é que restringir de forma inadmissível e injustificada o direito de defesa do 
 arguido, constitucionalmente consagrado, desta forma se limitando, de modo 
 desproporcionado e sem fundamento material, o núcleo essencial daquele mesmo 
 direito. 
 Por outro lado 
 
 8ª) A Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro estabelece medidas de combate à 
 criminalidade organizada e económico-financeira, fixando, designadamente, um 
 regime especial de quebra do segredo profissional. 
 
 9ª) Nos termos do n° 2 do art. 2° desta Lei n° 5/2002, a quebra daquele segredo 
 profissional dependerá, assim, de ORDEM DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA TITULAR DA 
 DIRECÇÃO DO PROCESSO, em DESPACHO FUNDAMENTADO. 
 Com efeito 
 
 10ª) Tratando-se indiscutivelmente de UM ACTO DECISÓRIO – e, além do mais, de um 
 acto que colide, restringindo-os, com diversos direitos, liberdades e garantias 
 constitucionalmente consagrados (cfr. art. 26°, n°1 da CRP), 
 
 11ª) Deve ser um acto devidamente fundamentado, mediante a indicação dos seus 
 MOTIVOS quer DE FACTO, quer DE DIREITO (cfr. art. 97°, n° 4 do CPP). 
 
 12ª) O n° 2 do art. 20 da Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro prevê, pois, a 
 possibilidade de a quebra do sigilo profissional, v.g. do sigilo bancário, poder 
 ser determinada por despacho fundamentado da autoridade judiciária titular da 
 direcção do processo. 
 
 13ª) Interpretada no sentido de que, autoridade judiciária titular da direcção 
 do processo, é, na fase de inquérito de um processo criminal, o Ministério 
 Público, cabendo ao mesmo, nesta fase, legitimidade para proferir aquele 
 despacho, não pode deixar de se entender violar materialmente tal norma o 
 disposto no n°4 do art. 32° da CRP. 
 Com efeito 
 
 14ª) Mesmo no âmbito da fase de inquérito, cabe sempre a um juiz – o Juiz de 
 Instrução – a prática dos actos jurisdicionais, a saber, a prática de todos os 
 actos que contendam com direitos, liberdades e garantia fundamentais, expressa 
 ou implicitamente consagrados na nossa Constituição, sendo o Juiz, e não o 
 Ministério Público o garante dos direitos, liberdades e garantias. 
 
 15ª) E este acto – que determina a quebra do sigilo bancário – colide, 
 manifestamente, com direitos, liberdades e garantias fundamentais, 
 designadamente com o direito constitucionalmente consagrado à reserva da vida 
 privada (cfr. art. 26º, n° 1 da CRP), 
 
 16ª) Como, aliás, foi já decidido por ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N° 
 
 278/95 DE 31 DE MAIO DE 1995, que acompanhamos, “a situação económica do cidadão 
 espelhadas na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela 
 registadas, faz parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade 
 da vida privada condensado no art. 26°, n° 1, da Constituição, surgindo o 
 segredo bancário como um instrumento de garantia desse direito”. De facto, numa 
 
 época histórica caracterizada pela generalização das relações bancárias, em que 
 grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos 
 em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes designadamente às contas 
 de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, 
 constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida 
 privada constitucionalmente garantido “, concluindo, como naquele douto acórdão, 
 que” PODE DIZER-SE, DE FACTO, QUE, NA SOCIEDADE MODERNA, UMA CONTA CORRENTE PODE 
 CONSTITUIR “A BIOGRAFIA PESSOAL EM NÚMEROS “. 
 Assim 
 
 17ª) Quando permite ao Ministério Público, na fase de inquérito, proferir 
 despacho autorize o levantamento do sigilo bancário viola o n° 2 do art. 2° da 
 Lei n° 5/2002 de 11 de Janeiro o disposto, designadamente, no n° 4 do art. 32° 
 da CRP, sendo, por isso, tal norma materialmente inconstitucional.
 
  
 O Ministério Público contra‑alegou concluindo o seguinte:
 
  
 
 1. Face à especial complexidade do processo, o prazo de três dias contemplado na 
 norma do n°. 1 do artigo 123° do Código de Processo Penal, revela-se demasiado 
 exíguo e desproporcionado, não acautelando um efectivo direito de defesa, o que 
 constitui violação das normas dos artigos 20°, n°. 4 e 32°, n° 1, da 
 Constituição. 
 
 2. A norma do artigo 2°, nº. 2 da Lei n° 5/2002, de 11 de Janeiro, não é 
 inconstitucional, ao atribuir a competência ao Ministério Público, na fase de 
 inquérito, para autorizar o levantamento do sigilo bancário, em despacho 
 fundamentado. 
 
 3. Termos em que, apenas, parcialmente deverá proceder o presente recurso.
 
  
 A recorrida P., SA, contra‑alegou, concluindo o seguinte:
 
  
 
 1) O Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional reaprecie a decisão 
 desfavorável proferida pelas instâncias quanto à sua arguição de nulidade de uma 
 série de despachos proferidos pelo Ministério Público durante a fase de 
 inquérito, que determinaram a quebra do sigilo bancário e consequentemente a 
 produção de prova que se revelou da maior importância para a descoberta da 
 verdade e que lhe é claramente desfavorável, só que essa sua pretensão extravasa 
 claramente a competência deste Tribunal (Cfr. art. 6°, a contrario, da LTC), 
 pelo que não poderá ser atendida; 
 
 2) O n.° 2 do art. 2° da Lei n.° 5/2002 limita-se a afirmar a necessidade de 
 fundamentação da decisão que determine a quebra do sigilo bancário, e não os 
 termos ou critérios de avaliação da suficiência ou insuficiência dessa 
 fundamentação, que são os mesmos de qualquer outra decisão processual penal, 
 razão pela qual não poderá o referido normativo ser declarado inconstitucional 
 por suposta violação de normas constitucionais respeitantes a uma matéria sobre 
 a qual não incide; 
 
 3) De resto, o despacho de fls. 2255 dos autos está devidamente fundamentado, 
 não existindo por isso qualquer violação do disposto no art. 205°, n.° 1, da 
 CRP, e sendo evidentes no caso dos autos a pertinência do recurso a informações 
 bancárias e a relevância deste meio de prova para a descoberta da verdade 
 material; 
 
 4) A doutrina fiscalista (aliás, citada na douta decisão instrutória e nas 
 próprias alegações do Recorrente) e a jurisprudência mais recentes têm 
 sustentado o contrário, ou seja, que o sigilo fiscal não se confunde, não 
 integra e não defende a reserva da intimidade da vida privada; 
 
 5) Seria anacrónico admitir que a Administração Tributária goza de acesso 
 directo aos documentos bancários dos contribuintes (Cfr. art. 63°‑B da Lei Geral 
 Tributária) para efeitos meramente fiscais, mas que tal faculdade estaria vedada 
 ao Ministério Público para efeitos de investigação e perseguição de actividades 
 criminais organizadas; 
 
 6) O Recorrente não foi minimamente prejudicado, designadamente em sede de 
 reserva da intimidade da vida privada, pela actuação do Ministério Público, e a 
 alegação de violação da referida reserva de intimidade é apenas e só uma 
 tentativa de inutilização processual das provas obtidas pela investigação; 
 
 7) Os direitos de personalidade, categoria em que se integram a generalidade dos 
 direitos, liberdades e garantias, e assim também o direito à reserva da 
 intimidade da vida privada, existem para e têm como finalidade a protecção da 
 personalidade dos indivíduos, e não para facilitar, ocultar e muito menos 
 proteger a sua degradação, revelada designadamente na prática de crimes, os mais 
 graves, censuráveis e anti-sociais dos actos; 
 
 8) Por estas razões, não foi violado, por não ser aplicável ao caso dos autos, o 
 art. 26°, n.° 1, da CRP, e consequentemente não foi também violado o art. 32°, 
 n.° 4, do mesmo diploma; 
 
 9) Ao contrário do que tendenciosamente alega o Recorrente, o M.° Juiz de 
 instrução criminal nunca reconheceu, sequer implicitamente, a invalidade do 
 despacho de fls. 2255; 
 
 10) A irregularidade processual é sanável por natureza e precisamente em função 
 da sua diminuta gravidade, e de nada teria valido ao Recorrente a prolação, pelo 
 Ministério Público, de novo(s) despacho(s) ordenando (mais) fundamentadamente a 
 quebra do sigilo bancário, pois as entidades bancárias visadas teriam fornecido 
 aos autos precisamente a mesma informação que, actualmente, neles consta; 
 
 11) Não houve, pois, qualquer violação do disposto no art. 32°, n.° 1, da CRP, 
 na forma como foram interpretados e aplicados os arts. 120°, n.° 2 e 123°, ambos 
 do CPP.
 
  
 Os demais recorridos não contra‑alegaram.
 
  
 
  
 
 3.  Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
  
 II
 Fundamentação
 
  
 
 4.  O recorrente submete nos presentes autos de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade à apreciação do Tribunal Constitucional duas questões de 
 constitucionalidade normativa.
 A primeira tem por objecto uma dada interpretação do artigo 123º do Código de 
 Processo Penal. A segunda, tem por objecto a norma do artigo 2º, nº 2, da Lei nº 
 
 5/2002, de 11 de Janeiro.
 
  
 
  
 
 5.  A norma do artigo 123º do Código de Processo Penal consagra o prazo de três 
 dias a contar da notificação da acusação para o arguido arguir irregularidades 
 ocorridas no inquérito.
 O arguido sustenta que a norma que consagra tal prazo no âmbito de processos de 
 especial complexidade é inconstitucional, por violação de garantias de defesa 
 
 (artigo 32º, nº 1, da Constituição).
 Nos presentes autos, o arguido foi notificado da acusação em 17 de Janeiro de 
 
 2006 e arguiu nulidades no requerimento de abertura da instrução, apresentado em 
 
 1 de Março de 2006.
 Ao processo foi reconhecida especial complexidade.
 A acusação deduzida contra 57 arguidos tem 477 páginas, estando identificados 
 mais de uma centena de alegados lesados e arroladas 215 testemunhas de acusação.
 A prova documental está contida em número elevado de apensos.
 A questão que importa então apreciar tem por objecto a norma segundo a qual, num 
 processo especialmente complexo, o arguido dispõe de três dias para arguir 
 irregularidades de actos de inquérito.
 
  
 
 6.  O nº 1 do artigo 32º da Constituição determina que o processo criminal 
 assegura todas as garantias de defesa.
 Do ponto de vista substancial, o princípio consagrado implica a concessão de uma 
 efectiva possibilidade de exercício da defesa (o poder de arguir vícios dos 
 actos praticados no inquérito é inquestionavelmente um direito de defesa), o que 
 pressupõe naturalmente o acesso à informação necessária, ou seja, aos elementos 
 do processo. Tal acesso e a aquisição da informação inerente consomem tempo, 
 variando, naturalmente, a quantidade de tempo em função da dimensão material e 
 da complexidade do processo.
 O artigo 123º do Código de Processo Penal estabelece um prazo de três dias para 
 a arguição de nulidades, concretizando o princípio da celeridade processual.
 No entanto, como entendeu o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 406/98 
 
 (www.tribunalconstitucional.pt), o princípio da celeridade processual não se 
 sobrepõe ao núcleo essencial das garantias de defesa. De resto, nesse Acórdão, o 
 Tribunal julgou inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da 
 Constituição, o artigo 287º, nº 1, do Código de Processo Penal, na versão 
 anterior ao Decreto-Lei nº 317/95, de 27 de Novembro, na medida em que fixava em 
 cinco dias, contados da notificação da acusação, o prazo para o arguido requerer 
 a abertura da instrução, com o fundamento de tal prazo, dada a sua exiguidade, 
 não permitir à defesa a gestão da sua estratégia e das correspondentes 
 iniciativas.
 Cabe salientar, neste contexto, que o Código de Processo Penal determina a 
 elevação dos prazos de duração máxima de prisão preventiva nos casos em que é 
 declarada a especial complexidade do processo (artigo 215º, nº 3), reconhecendo 
 a necessidade de diferenciar os processos em função da respectiva complexidade.
 Ora, o prazo de três dias a contar da notificação da acusação para arguição de 
 vícios dos actos praticados no inquérito em casos de especial complexidade pode 
 afigurar‑se insuficiente, já que se repercute, em princípio, nas possibilidades 
 de identificação desses vícios e, consequentemente, no exercício dos direitos de 
 defesa. Na verdade, o reconhecimento da especial complexidade de um processo 
 repercutir‑se-á, não só no tempo disponível para a investigação, mas também no 
 tempo para a defesa exercer os seus direitos de defesa.
 Por outro lado, se é certo que haverá irregularidades cuja natureza as tornará 
 questão de fácil e imediata identificação, em outros casos, em processos de 
 especial complexidade, essa complexidade afectará, necessariamente, a avaliação 
 pela defesa de certas irregularidades (recorde-se que estava em causa a arguição 
 de irregularidades de actos de inquérito e que a acusação deduzida contra 57 
 arguidos tinha 477 páginas com mais de uma centena de alegados lesados e 215 
 testemunhas de acusação arroladas, podendo a irregularidade repercutir-se na 
 acusação). Deste modo, conjugando a especial complexidade do processo com a 
 natureza da irregularidade em causa, haverá obviamente situações em que o prazo 
 de três dias para arguir a irregularidade é objectivamente exíguo. Ora, não 
 contemplando a lei qualquer possibilidade de alargamento do prazo em atenção às 
 circunstâncias de objectiva inexigibilidade, de acordo com a complexidade do 
 processo e a natureza da irregularidade, entende o Tribunal que a norma em crise 
 
 é inconstitucional por afectar, nessa medida, as garantias de defesa (artigo 
 
 32º, nº 1, da Constituição).
 
  
 
 7.  O recorrente impugna, por outro lado, a norma do artigo 2º, nº 2, da Lei nº 
 
 5/2002, de 11 de Janeiro.
 Tal norma permite que o Ministério Público, na fase de inquérito, determine, em 
 despacho fundamentado, o levantamento do segredo bancário.
 O recorrente sustenta que tal acto consubstancia um acto jurisdicional, pelo que 
 só poderia ser praticado por um juiz. Invoca a reserva da vida privada, assim 
 como a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 278/95 
 
 (www.tribunalconstitucional.pt).
 Em primeiro lugar, cabe sublinhar que no Acórdão nº 278/95, o Tribunal 
 Constitucional decidiu julgar inconstitucional uma norma que permitia à 
 Administração Fiscal o acesso a informações bancárias. Nos presentes autos, 
 porém, a situação é diversa. Com efeito, não está agora em causa o acesso a 
 informações bancárias por parte da Administração Fiscal, mas antes por decisão 
 do Ministério Público.
 Na verdade, o Ministério Público constitui uma magistratura com um estatuto 
 próprio e autonomia, à qual cabe exercer, entre outras competências, a acção 
 penal de acordo com critérios de legalidade e de objectividade (cf. artigos 219º 
 da Constituição e 53º do Código de Processo Penal).
 
 É verdade que o Código de Processo Penal confere ao Juiz de Instrução Criminal a 
 competência para a prática de determinados actos particularmente lesivos ou 
 restritivos de direitos fundamentais (cf. artigos 268º e 269º do Código de 
 Processo Penal). Com efeito, a aplicação de uma medida de coacção, a realização 
 de buscas em escritório de advogado ou a realização de buscas domiciliárias ou 
 de intercepções de conversas telefónicas (apenas para apresentar alguns 
 exemplos) competem ao juiz ou têm de ser autorizadas por ele.
 Porém, nos presentes autos está em causa o sigilo bancário. E os crimes 
 investigados no processo pretexto são os da fundação e chefia de associação 
 criminosa, burla qualificada, falsificação de documentação, receptação, adesão a 
 associação criminosa e branqueamento de capitais.
 O âmbito da privacidade atingido pelo levantamento do sigilo bancário não é 
 equiparável à liberdade pessoal (afectada com a aplicação de medidas de coacção) 
 ou ao núcleo da reserva de privacidade que é afectado com uma escuta telefónica 
 ou com uma busca domiciliária. O segredo bancário não é abrangido pela tutela 
 constitucional da reserva da intimidade da vida privada nos mesmos termos de 
 outras áreas da vida pessoal (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 607/2003, em que foram tomadas em consideração diferenciações 
 em função da esfera da privacidade em causa – www.tribunalconstitucional.pt). 
 Seja como for, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 602/2005 
 
 (www.tribunalconstitucional.pt) salientou‑se que o segredo bancário não é um 
 direito absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de 
 salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
 Em face disto, o Tribunal Constitucional entende o seguinte:
 Em primeiro lugar, o levantamento do sigilo bancário é instrumento especialmente 
 relevante em matéria de criminalidade económica; por outro lado, abrange uma 
 dimensão da vida do investigado diversa daquela que reclama necessariamente do 
 ponto de vista constitucional a intervenção do Juiz (refira‑se, como lugar 
 paralelo, ainda que distante e com fundamentos próprios, que a propriedade de 
 bens imóveis e de alguns móveis está sujeita à publicidade registal); 
 ponderando‑se ainda que o Ministério Público é uma entidade com poderes de 
 controlo da investigação, com a função de representante da legalidade 
 democrática, e que a actuação do Ministério Público sempre poderá ser, se tal 
 for requerido, sindicada pelo Juiz de Instrução Criminal, conclui‑se que a 
 garantia constitucional não se revela insuficiente para a tutela dos direitos 
 afectados.
 
  
 III
 Decisão
 
  
 
 8.      Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
 a)  Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, 
 a norma do artigo 123º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de 
 consagrar o prazo de três dias para arguir irregularidades contados da 
 notificação da acusação em processos de especial complexidade e grande dimensão, 
 sem atender à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da 
 respectiva arguição;
 b)  Não julgar inconstitucional a norma do artigo 2º, nº 2, da Lei nº 5/2002, de 
 
 11 de Janeiro, na medida em que permite ao Ministério Público, na fase de 
 inquérito, determinar o levantamento de sigilo bancário;
 c)  Conceder provimento parcial ao recurso, revogando a decisão recorrida no que 
 se refere ao juízo constante da alínea a).
 Lisboa, 23 de Janeiro de 2007
 Maria Fernanda Palma
 Benjamim Rodrigues
 
                                          Paulo Mota Pinto (com a declaração de 
 voto que junto)
 
                                    Mário José de Araújo Torres (vencido quanto à 
 decisão constante da alínea a do n.º 8, pelas razões constantes da 
 
        declaração de voto junta)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 Votei o julgamento de inconstitucionalidade contido na alínea a) da presente 
 decisão apenas por entender que, num processo de especial complexidade como o 
 presente (com acusação deduzida contra 57 arguidos com quase cinco centenas de 
 páginas, mais de cem alegados lesados e de duas centenas de testemunhas de 
 acusação), um prazo de três dias a contar da notificação da acusação é 
 excessivamente exíguo para a análise dessa acusação e arguição de 
 irregularidades de actos de inquérito, assim violando a norma em causa o artigo 
 
 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Mas entendo que a situação 
 
 é diversa da que estava em questão no Acórdão n.º 406/98 (citado na 
 fundamentação e em que também votei vencido), relativa apenas ao requerimento 
 para abertura da instrução, que não carecia de ser motivado ou de ser logo 
 acompanhado do requerimento de todos os actos de instrução reputados 
 necessários.
 Paulo Mota Pinto
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                  Votei vencido quanto à decisão contida na alínea b) do n.º 8 do 
 precedente acórdão – juízo de inconstitucionalidade, por violação do artigo 
 
 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma do artigo 
 
 123.º do Código de Processo Penal (CPP), interpretada no sentido de consagrar o 
 prazo de três dias para arguir irregularidades, contado da notificação da 
 acusação, em processos de especial complexidade e grande dimensões, sem atender 
 
 à natureza da irregularidade e à objectiva inexigibilidade da respectiva 
 arguição – pelas razões a seguir sumariamente indicadas:
 
  
 
                  1. A regra, contida no artigo 123.º, n.º 1, do CPP, de que as 
 irregularidades processuais devem ser arguidas nos três dias seguintes a contar 
 daquele em que o interessado tiver sido notificado para qualquer termo do 
 processo ou intervindo em qualquer acto nele praticado, tem de ser apreciada, 
 não isoladamente, mas enquadrada no sistema legal em que se insere. Ora, este 
 sistema contém uma “válvula de segurança”, que, se tivesse sido adequadamente 
 utilizada pelo recorrente – como lhe cumpria se actuasse diligentemente –, era 
 suficiente para salvaguardar os seus direitos de defesa. Refiro‑me à faculdade 
 de o recorrente, logo que tivesse detectado a irregularidade em causa neste 
 recurso (falta de fundamentação dos despachos do Ministério Público que 
 determinaram a quebra do segredo bancário), a vir arguir no processo, invocando 
 justo impedimento (resultante de o volume e complexidade do processo ter 
 impossibilitado que se apercebesse dessa nulidade em data anterior) de respeito 
 pelo referido prazo de três dias, como o permite o artigo 107.º, n.º 2, do CPP.
 
                  Neste contexto, entendendo que o artigo 107.º, n.º 2, do CPP 
 consente ao arguido arguir nulidades processuais para além dos três dias 
 estabelecidos, como regra, no artigo 123.º, n.º 1, bastando para tanto que 
 invoque e prove a existência de justo impedimento no escrupuloso cumprimento 
 desse prazo (impedimento que pode consistir justamente na impossibilidade 
 física de conhecimento, nesse prazo, das vicissitudes relevantes de processos 
 volumosos e/ou complexos), não daria por verificada a inconstitucionalidade por 
 violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
 
  
 
                  2. Mas mesmo que assim se não entendesse – isto é, mesmo que se 
 entendesse que, não tendo a decisão recorrida ponderado sequer a possibilidade 
 de convocação do artigo 107.º, n.º 2, do CPP, a questão de inconstitucionalidade 
 a apreciar se cingia à norma do artigo 123.º, n.º 1, do mesmo diploma –, 
 considero que, no caso, o carácter instrumental do recurso de 
 constitucionalidade justificaria uma decisão de não conhecimento do recurso, por 
 inutilidade nesse conhecimento.
 
                  Há que ter sempre presente que estamos em sede de fiscalização 
 concreta – e não de fiscalização abstracta – da constitucionalidade, o que 
 implica se dê a devida relevância às circunstâncias do caso concreto. Não se 
 trata, pois, de saber se, em termos gerais e abstractos, o prazo de três dias 
 para arguir irregularidades processuais é de reputar razoável para todos os 
 tipos de processos, incluindo os de natureza complexa. Do que se trata é de 
 apurar se, no presente caso, esse prazo será adequado, tendo em conta, por um 
 lado, as características do processo em causa, e, por outro lado – aspecto que 
 se me afigura essencial – a específica irregularidade que se pretendeu arguir: 
 a da falta de fundamentação dos despachos do Ministério Público a determinar a 
 quebra do segredo bancário.
 
                  Ora, aceitando ser exíguo o prazo de três dias, daí não se pode 
 fazer derivar o entendimento de que a irregularidade poderia ser arguida sem 
 prazo, a todo o tempo. Neste contexto, considero manifestamente insustentável 
 que se considere ajustado ou necessário um prazo de 43 dias (que foi o utilizado 
 pelo recorrente, que, notificado da acusação em 17 de Janeiro de 2006, só arguiu 
 a nulidade em 1 de Março de 2006), sendo de salientar que, diversamente do caso 
 sobre que recaiu o Acórdão n.º 406/98, a elaboração de um requerimento de 
 arguição de nulidade do tipo da ora em causa é tarefa bem menos complexa do que 
 a elaboração de requerimento de abertura de instrução.
 
                  É certo que da prolação do juízo de inconstitucionalidade 
 constante do precedente acórdão não se segue necessariamente a admissão, pelo 
 tribunal recorrido, da tempestividade da arguição de irregularidade. Caberá, na 
 perspectiva da posição que fez vencimento, ao tribunal recorrido decidir se, 
 sendo insuficiente o prazo de 3 dias, não será de reputar excessivo o prazo de 
 
 43 dias.
 
                  No entanto, a meu ver, sendo, como considero que é, 
 manifestamente excessivo este último prazo, cabia nos poderes do Tribunal 
 Constitucional, com base na natureza instrumental do recurso de 
 constitucionalidade (que justifica que dele só se tome conhecimento quando o 
 eventual provimento do recurso se mostre susceptível de se repercutir no sentido 
 da decisão recorrida), constatando que o juízo de inconstitucionalidade 
 reportado ao prazo de 3 dias nunca poderia conduzir ao reconhecimento da 
 tempestividade de arguição entregue 43 dias depois do início da contagem do 
 prazo, decidir, desde já, não tomar conhecimento, por inutilidade, desta parte 
 do recurso (cf. Acórdão n.º 155/2003, em que se considerou não haver interesse 
 em apreciar a existência de fundamento para a eventual prolação de juízo de 
 inconstitucionalidade relativamente ao prazo de apresentação de pedido de 
 revisão de pensões por acidentes de trabalho fixadas na menoridade do 
 sinistrado, por se reconhecer que esse juízo jamais poderia ter o alcance de 
 fazer dilatar esse prazo até à idade – no caso, 39 anos – em que o recorrente 
 efectivamente formulou esse pedido).
 
  
 
                  Mário José de Araújo Torres