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Processo nº 110/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 
  
 I- A causa
 
  
 
  
 
                  1. A Caixa Geral de Aposentações recorre a fls. 167 – sendo 
 recorrida A. – para este Tribunal, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea a) da 
 Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do Acórdão, constante de fls. 155/163vº, 
 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), indicando como norma recusada nesta 
 decisão o artigo 41º, nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado 
 pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo 
 Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho (o diploma será doravante designado 
 EPS).
 
  
 
                  Para uma exacta compreensão do que está em causa no presente 
 recurso de constitucionalidade, importa relatar sucintamente o percurso 
 processual que conduziu o processo à presente fase decisória.
 
  
 
                  1.1. Interpôs a ora recorrida (fls. 2/4), no Tribunal Judicial 
 da Comarca de Aveiro – e assim se iniciou o presente processo –, uma acção 
 ordinária, contra a Caixa Geral de Aposentações, pedindo o reconhecimento por 
 esta entidade da sua (da aqui recorrida) situação de carência de alimentos e da 
 qualidade de herdeira hábil da pensão de sobrevivência, decorrente do 
 falecimento do seu “cônjuge de facto”, subscritor da referida Caixa.
 
  
 
                  Foi tal acção julgada procedente (cfr. Fls. 82/87), 
 consignando-se na Sentença ser “[a] pensão […] devida desde o início do mês 
 seguinte ao do falecimento do beneficiário ( artigo 36º, nº 3 [do] Decreto-Lei 
 nº 322/90) […]” (transcrição de fls. 87).
 
  
 
 1.1.1.        Inconformada, apelou a Caixa Geral de Aposentações, delimitando o 
 recurso ao trecho da decisão antes transcrito (data do início do pagamento da 
 pensão).
 
  
 
                  Decidindo o recurso, consignou o Tribunal da Relação de Coimbra 
 
 (Acórdão de fls. 124/126), fundamentando a confirmação da Sentença de 1ª 
 instância:
 
  
 
  
 
     “[…]
 
         A base do direito à pensão de sobrevivência não é o requerimento do 
 respectivo pagamento, mas a habilitação demonstrativa das condições.
 
         É com a habilitação que se adquire o reconhecimento do direito e quando 
 o beneficiário se apresenta, munido da sentença proferida na habilitação 
 judicial, a requerer o seu pagamento, vai executar esse direito.
 
         Dito de outro modo, é com a habilitação que se requer a pensão, 
 funcionando aquela como condição ou causa de pedir desta.
 
         Concluímos: o pronome «a» do inciso do texto «em que a requeira» da 
 norma do artigo 41º, nº 2 do [EPS] refere-se à habilitação judicial e não ao 
 requerimento do pagamento da pensão a apresentar na CGA.
 
         Assim sendo, quanto ao pagamento da pensão, por analogia, secundada pelo 
 princípio da igualdade num ponto em que as situações díspares são legalmente 
 identificadas, deve aplicar-se o disposto no artigo 30º [do EPS] para a 
 habilitação administrativa:
 
         - Se a habilitação judicial for requerida no prazo de seis meses 
 contados da data em que se verificar o óbito do contribuinte, presumindo-se que 
 a necessidade de alimentos já existe no momento do óbito, a pensão de 
 sobrevivência é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que ocorreu o 
 
 óbito do contribuinte;
 
                          - Só é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em 
 que foi requerida a habilitação judicial, se esta, por inércia do sobrevivente 
 ou por ocorrência superveniente das condições da habilitação, for requerida 
 depois de esgotado o prazo de seis meses a contar do óbito do contribuinte.
 
                          […] Ora, no caso, tendo o óbito do subscritor da CGA 
 
 [,,,] ocorrido em 10/08/2002 e tendo sido instaurada a presente acção de 
 habilitação judicial em 28/10/2002, isto é, dentro do prazo de seis meses a 
 contar daquele óbito, a pensão de sobrevivência da autora é devida desde o dia 1 
 de Setembro de 2002, mês seguinte àquele em que se verificou o óbito do 
 contribuinte.
 
                          […]”
 
                                  [transcrição de fls. 125vº/126]
 
  
 
  
 
  
 
                  1.1.2. Recorreu de novo a Caixa Geral de Aposentações, desta 
 feita de revista para o STJ (interposição a fls. 131, alegações a fls. 137/141), 
 originando tal recurso a prolação do mencionado Acórdão de fls. 155/163v, a 
 decisão ora recorrida, da qual apresentam interesse para o presente recurso de 
 constitucionalidade as seguintes passagens:
 
  
 
  
 
  
 
                          “[…] a única questão colocada na revista é a de saber 
 se, no caso concreto, o direito à pensão de sobrevivência se conta a partir do 
 
 1º dia do mês seguinte àquele em que se requeira tal prestação social, como 
 pretende a recorrente, ou a partir do mês seguinte ao do falecimento do 
 beneficiário, como se decidiu na sentença de 1ª instância e foi confirmado pelo 
 acórdão recorrido.
 
                          […]
 
                          Segundo o disposto no artigo 41º, nº 2 do [EPS], 
 
 [transcrição da norma].
 
                          Por sua vez, o Decreto Regulamentar nº 1/94, que define 
 as condições de atribuição da pensão de sobrevivência aos casos de união de 
 facto (na sequência do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, que consagrara a 
 extensão do regime jurídico da protecção da segurança social na eventualidade da 
 morte aos referidos casos de união de facto) estabelece no seu artigo 6º 
 
 [transcrição da norma].
 
                          Por conseguinte temos em vigor dois regimes de 
 segurança social, ambos garantindo às pessoas que se encontrem nas condições 
 previstas no artigo 2020º do Código Civil a pensão de sobrevivência que ambos os 
 regimes consagram.
 
                          O regime do [EPS] aplica-se aos funcionários e agentes 
 da Administração Pública, enquanto o regime do Decreto-Lei nº 322/90, 
 regulamentado pelo Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, estabelece o 
 regime geral da Segurança Social.
 
                          Ora, no que agora nos interessa, isto é, a partir de 
 que momento é devida a pensão de sobrevivência, há diferenças nos ditos 2 
 regimes, pois, enquanto no regime geral a pensão é devida a partir do início do 
 mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando a pensão for requerida 
 nos 6 meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que reconheça o 
 direito a alimentos, ou a partir do início do mês seguinte ao da apresentação do 
 requerimento, se ele foi entregue depois dos referidos 6 meses, no regime do 
 
 [EPS], a pensão é devida, sempre a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que 
 for requerida.
 
                          É certo que o artigo 30º, nº 1 do [EPS] contém regra 
 semelhante à do artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, visto que, determina 
 que a pensão “é devida desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que se verificar 
 o óbito do contribuinte quando pedida no prazo de 6 meses contados a partir da 
 mesma data, ou desde o dia 1 do mês seguinte ao da apresentação do requerimento 
 no Montepio quando solicitado, a todo o tempo, depois de esgotado aquele prazo”.
 
                          Porém, para que não surjam confusões, convém notar que 
 este preceito não tem aplicação aos casos de união de facto, para os quais 
 existe o preceito específico do artigo 41º, nº 2 [do EPS].
 
                          O referido artigo 30º, nº 1 aplica-se a todos os casos 
 em que a qualidade de herdeiro hábil não está dependente de qualquer sentença 
 judicial que reconheça o direito a alimentos, isto é, aos casos em que essa 
 qualidade resulta directamente da lei, como é o caso do cônjuge sobrevivo, dos 
 filhos, descendentes e ascendentes (cfr. Artigo 40º).
 
                          O artigo 41º […] aplica-se aos casos em que a qualidade 
 de herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, só se adquire após 
 sentença judicial que reconheça o direito a alimentos, como é o caso do 
 ex-cônjuge e das pessoas em situação de união de facto.
 
                          Assim, sendo o âmbito de aplicação do artigo 30º, nº1 e 
 
 41º, nº 2 completamente distinto, não nos parece viável a interpretação 
 sistemática levada a efeito pelo acórdão recorrido.
 
                          Além disso, a sentença judicial não se requer. É o 
 resultado lógico e final da instauração de uma acção, no caso, de simples 
 apreciação.
 
                          O que se requer, perante a Caixa Geral de Aposentações, 
 depois de obtida a sentença a reconhecer o direito a alimentos, é a pensão de 
 sobrevivência, daí que o pronome «a» contido na parte final do artigo 41º, nº 2 
 do EPS «… e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês 
 seguinte àquele em que a requeira…», refere-se ao requerimento para a atribuição 
 da pensão que terá de ser entregue à entidade competente para o seu pagamento só 
 depois de obtida a referida sentença judicial a reconhecer o direito a alimentos 
 de quem se arroga o direito à pensão.
 
                          […]
 
                          Não se refere, pois, na nossa opinião o pronome «a» a 
 qualquer habilitação judicial que, aliás, não é exigida.
 
                          […]
 
                          Posto isto podemos concluir que, segundo o disposto no 
 artigo 41º, nº 2 do [EPS], diploma aplicável ao caso concreto, a pensão de 
 sobrevivência […] só seria devida a partir de 1 do mês seguinte àquele em que 
 for requerida.
 
                          A situação é, por isso, mais desfavorável do que no 
 caso de o beneficiário e companheiro falecido da A. Estivesse vinculado ao 
 regime geral da Segurança Social, caso em que a pensão seria devida a partir do 
 início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, desde que a pensão 
 seja requerida nos seis meses posteriores ao trânsito da sentença proferida 
 nestes autos.
 
                          Mas, sendo assim, pareceria assistir razão à Ré [à 
 Caixa Geral de Aposentações].
 
                          Não tem sido essa a orientação […] dos nossos Tribunais 
 Superiores, e não vemos nenhuma razão para alterar tal entendimento.
 
                          De facto, tem-se entendido que o artigo 41º, nº 2 do 
 
 [EPS], interpretado no acima aludido sentido, quando em confronto com o regime 
 geral da Segurança Social […] representa uma discriminação negativa dos 
 funcionários e agentes da Administração Pública, que nada justifica, violadora, 
 portanto, do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da 
 República Portuguesa […].
 
                          De facto seria pelo menos chocante que o companheiro 
 sobrevivo (em união de facto de beneficiário da Segurança Social, tenha direito 
 a pensão de sobrevivência, devida a partir de momentos diferentes, consoante o 
 beneficiário falecido tenha sido funcionário ou agente da administração pública 
 ou estivesse vinculado ao regime geral da Segurança Social, de modo que a 
 aplicação dos dois regimes diferentes, neste particular, acarretasse uma 
 desvantagem no 1º caso e uma vantagem no 2º. 
 
                          É que as situações são, para o efeito, absolutamente 
 iguais, dependendo a atribuição da pensão dos mesmos requisitos substantivos, 
 dos mesmos pressupostos de prova e da mesma razão de ser.
 
                          […]
 
                          Nesta perspectiva, não é de aplicar o regime do artigo 
 
 41º, nº 2 do [EPS], no que se reporta ao momento a partir do qual é devida a 
 pensão de sobrevivência, por inconstitucional, daí que tenha ao caso aplicação o 
 regime geral da Segurança Social, ou, mais exactamente, quanto ao assunto que 
 nos ocupa, o artigo 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94, que representa, aliás, a 
 vontade do legislador manifestada em último lugar, logo, a mais recente, como se 
 refere no já citado aresto [menciona a decisão o Acórdão de 22/04/2004 do STJ, 
 que, em passagem aqui não transcrita, citara anteriormente].
 
                          Acresce que vai nesse sentido a Lei nº 7/2001 de 11 de 
 Março, que regula a situação jurídica de duas pessoas que vivam em união de 
 facto há mais de dois anos, já que lhes confere, além de outros, o direito a 
 
 «Protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime 
 geral da segurança social e da lei» (cfr. Artigo 1º, nº 1 e 3º alínea e)).
 
                          Ora, nem será despiciendo encarar a hipótese de 
 revogação tácita do artigo 41º, nº 1 do [EPS], na parte que agora nos ocupa, 
 pelo referido artigo 3º alínea e) da lei nº 7/2001.
 
                          É que, por um lado, tal lei tem categoria hierárquica 
 superior ao dito Estatuto e por outro é posterior a ele, além de regular em 
 geral as situações de união de facto sem distinguir entre beneficiários 
 funcionários ou agentes da administração pública e quaisquer outros, a todos 
 conferindo a protecção que decorre do regime geral da segurança social. 
 
 […]”
 
                                  [transcrição de fls. 157vº/163; sublinhado 
 acrescentado]
 
  
 
  
 
                  1.2. Desta decisão recorreu a Caixa Geral de Aposentações para 
 o Tribunal Constitucional, nos termos já mencionados no item 1. supra. Aqui 
 proferiu o ora relator o seguinte despacho:
 
  
 
  
 
                          “ O processo prossegue para alegações, convidando-se as 
 partes a encararem a hipótese de existência, na decisão recorrida, de um 
 fundamento alternativo à recusa por inconstitucionalidade do artigo 41º, nº 2, 
 segunda parte, do Decreto-Lei nº 142/73, de 21 de Março (redacção do Decreto-Lei 
 nº 191-B/79, de 21 de Junho), a saber: a possibilidade de esta norma ter sido 
 tacitamente derrogada pelo artigo 3º, alínea e) da Lei nº 7/2001, de 11 de Março 
 
 […]. A considerar-se prevalecente este possível fundamento alternativo, teria 
 lugar uma decisão de não conhecimento. […]”
 
                          [transcrição de fls. 174]
 
  
 
  
 
  
 
                  Apenas a recorrente alegou (fls. 177/181), pugnando pela 
 procedência do respectivo recurso, omitindo qualquer tomada de posição sobre a 
 questão suscitada no Despacho de fls. 174. Das conclusões com que rematou tal 
 recurso, transcrevem-se, por condensarem o entendimento da recorrente, as 
 seguintes:
 
  
 
 “[…]
 
 8º Diferentemente do Tribunal a quo, entende a recorrente que não se afigura 
 inconstitucional a coexistência de vários regimes de pensões, cada um com regras 
 próprias (aliás, não se conhece um único país com um só regime de pensões para 
 todos os trabalhadores). E se o regime geral da segurança social (aplicável à 
 generalidade dos trabalhadores do sector privado) é, eventualmente, mais 
 generoso, o que é certo é que as pensões que atribui têm valor muito inferior às 
 que são pagas pelo regime gerido pela CGA (abrange os funcionários públicos e 
 alguns trabalhadores do sector privado);
 
 9º Não é admissível […] que se ensaie, por via jurisprudencial, uma fusão dos 
 dois regimes, aproveitando-se de cada um os aspectos julgados mais interessantes 
 para os pensionistas, não cuidando de saber se o regime de financiamento de cada 
 um comporta tão ousada ingerência do poder judicial numa esfera por natureza e – 
 o que não é despiciendo – por lei reservada ao poder legislativo, natural e 
 constitucionalmente mais vocacionado para efectuar tal ponderação;
 
 10º Nada autoriza o julgador – que deve resistir a todo o custo à tentação de se 
 assumir como criador – a compor um tertium genus a partir de sistemas 
 pré-existentes;
 
 […]”
 
       [transcrição de fls. 180] 
 
                   
 
  
 II- Fundamentação
 
  
 
  
 
                  2. A primeira questão que a abordagem do presente recurso 
 convoca foi enunciada no despacho de fls. 174 e, como aí se disse, se resolvida 
 em determinado sentido, conduzirá a uma decisão de não conhecimento, o que 
 implica a necessidade de a apreciar desde já. Trata-se de um problema de 
 interpretação do Acórdão recorrido, em termos de saber se este contém, no 
 respectivo pronunciamento decisório e enquanto ratio decidendi, a recusa de 
 aplicação de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, que constitui 
 pressuposto de um recurso fundado na alínea a) do nº1 do artigo 280º da 
 Constituição da República Portuguesa (CRP), ou seja, como a recorrente o 
 designou, de um recurso ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a) da LTC.
 
  
 
                  2.1. A recusa de aplicação de uma norma que se considere 
 infringir o disposto na Constituição – o acto em que se consubstancia o acesso 
 dos juízes à Constituição (artigo 204º da CRP) – pressupõe a plena vigência da 
 norma objecto dessa recusa. Ora, se o que se diz (se o que se decide) vai no 
 sentido de a norma considerada inconstitucional ter cessado, por verificação de 
 qualquer dos fundamentos do artigo 7º do Código Civil, a respectiva vigência, a 
 questão da recusa deixa de ter qualquer cabimento: só se recusa aplicar – 
 repete-se – o que é aplicável e não o que, por estar revogado, deixou de o ser.
 
  
 
                  Justificam-se estas considerações em função do carácter ambíguo 
 do texto do Acórdão recorrido, no que respeita a uma possível revogação da norma 
 objecto do presente recurso, o artigo 41º, nº2 do EPS. Decorre esta ambiguidade 
 da circunstância de tal decisão aparentar conter um pronunciamento de recusa 
 dessa norma (ao dizer: “[…] não é de aplicar o regime do artigo 41º, nº2 do EPS 
 
 […]”) e, simultaneamente, o entendimento de que ela, essa mesma norma, já 
 estaria revogada (dizendo, desta feita: “[…] nem será despiciendo encarar a 
 hipótese da revogação tácita do artigo 41º do EPS, na parte que agora nos ocupa, 
 pelo referido artigo 3º da Lei 7/2001 […]”). Ora, parecendo querer esgrimir 
 
 (cumulativamente) com um argumento de confirmação de um argumento anterior que 
 determinou o sentido da decisão (“Acresce que vai nesse sentido a Lei 7/2001, de 
 
 11 de Março […]”), acaba o Acórdão recorrido por introduzir, contraditoriamente, 
 um argumento que não é cumulável com o anterior, porque só poderia actuar 
 relativamente a ele numa lógica (alternativa) de exclusão dessa decisão: como 
 anteriormente se disse, se uma norma foi objecto de revogação tácita deixou de 
 existir e não pode, obviamente, ser recusada por desconformidade à Constituição.
 
  
 
                  2.1.1. Induz esta ambiguidade argumentativa do Acórdão um 
 impasse interpretativo que urge ultrapassar, tornando claro o real alcance do 
 pronunciamento decisório do STJ. Pressupõe esta ultrapassagem, como de seguida 
 veremos, o aprofundamento da compreensão do texto da decisão recorrida, situando 
 as respectivas afirmações ambíguas – ambíguas porque determinam consequências 
 
 (jurídicas) não compagináveis entre si –, no contexto em que se integram, ou 
 seja, na decisão encarada, enquanto acto de comunicação, no seu todo 
 significante.
 
  
 
  Preliminarmente, porém, importa sublinhar que o que aqui está em causa – e é 
 isso o que pretendemos expressar ao falar em ambiguidade argumentativa – não é 
 propriamente uma questão de ambiguidade da linguagem, mas antes de ambiguidade 
 de conceitos. Com efeito, aquela – a ambiguidade da linguagem – consiste “[n]uma 
 associação sistemática de uma sequência sonora a dois ou mais significados 
 distintos mas específicos […]” [v. a entrada Ambiguidade, in “Enciclopédia 
 Einaudi (Linguagem – Enunciação)”, Vol. 2, Lisboa, 1984, p. 252], enquanto que a 
 ambiguidade de conceitos se refere à multiplicidade de significados relevantes 
 dentro de um “código comunicacional” particular: neste caso, o “código” 
 integrado pela linguagem e os conceitos jurídicos [v., sobre a articulação entre 
 o conceito de “código” e o de “linguagem”, a entrada Código, in “Enciclopédia 
 Einaudi (Signo)”, Vol. 31, Lisboa, 1994, pp. 98/102]. Só neste contexto, o dos 
 conceitos expressos pela linguagem jurídica, no qual uma norma não pode estar 
 revogada e, simultaneamente, ser recusada por ofensa ao texto constitucional, 
 adquire significado o impasse argumentativo antes referido, e é em tal âmbito 
 que a necessidade da sua ultrapassagem se torna evidente, já que “[…] a 
 eliminação da ambiguidade [corresponde] à necessidade de lógica das linguagens 
 científicas [pois] à ambiguidade opõe-se a coerência […]” ( Ambiguidade, cit., 
 p. 283). 
 
  
 
 É neste sentido que a ambiguidade da linguagem é encarada, em sede de 
 interpretação jurídica, como um obstáculo, constituindo as legis artis 
 interpretativas o meio da sua ultrapassagem [v. Aharon Barak, Purposive 
 Interpretation in Law, Princeton, 2005, p. 100; cfr. J. Baptista Machado, 
 Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, pp. 175/176. A 
 interpretação jurídica é encarada nos sistemas continentais como respeitando, 
 essencialmente, à interpretação de normas (“interpretação das leis”), ao passo 
 que nos sistemas de common law, na base do entendimento de que todos os “textos 
 jurídicos” (leis, contratos, testamentos e decisões judiciais) formam um 
 continuum e colocam basicamente, embora em planos distintos, os mesmos problemas 
 interpretativos, tende-se a formular critérios comuns de interpretação (v. 
 Aharon Barak, ob. Cit., p. 184). Neste caso – interpretação de uma decisão 
 judicial –, as regras interpretativas a observar são no essencial as mesmas que 
 a ultrapassagem de uma situação de ambiguidade semântica num trecho normativo 
 convocaria (v., quanto à ambiguidade de normas, Baptista Machado, ob. Cit., p. 
 
 189)].
 
  
 
                  Frequentemente a ultrapassagem da ambiguidade é possível – e é 
 o que sucede no presente recurso – situando o trecho ambíguo no seu contexto. A 
 apreciação deste convoca, na procura de uma efectiva compreensão do texto, tudo 
 aquilo que neste antecede, sucede ou ocorre simultaneamente a determinada 
 unidade linguística e que assume significado relativamente à realização dessa 
 unidade. Situar um determinado trecho no respectivo contexto, significa, assim, 
 observá-lo na dupla vertente do conjunto dos elementos constantes do próprio 
 texto (contexto intrínseco; o texto encarado na sua globalidade) e dos elementos 
 exteriores a este que se mostrem relevantes para a sua compreensão (contexto 
 extrínseco), o que engloba os elementos históricos, doutrinais, 
 jurisprudenciais, etc., que o entendimento racional do texto convoque (Aharon 
 Barak, ob. Cit., p. 101). É a esta luz que importa interpretar a decisão 
 recorrida, fixando qual a sua efectiva ratio decidendi.
 
  
 
                  2.1.1.1. Em sede de apreciação do contexto intrínseco do 
 Acórdão recorrido, ressalta, desde logo, uma afirmação expressa no sentido da 
 recusa da norma objecto do presente recurso: “[…] Nesta perspectiva, não é de 
 aplicar o regime do artigo 41º, nº 2 do EPS, no que se reporta ao momento a 
 partir do qual é devida a pensão de sobrevivência, por inconstitucional […]” 
 
 (fls. 162vº). Esta afirmação culmina, na parte da decisão relativa à 
 fundamentação, um percurso argumentativo tendente a demonstrar que, 
 contrariamente ao que fora entendido pelo Tribunal da Relação (que julgara 
 aplicável o artigo 30º, nº 1 do EPS), a norma fixando o momento do vencimento do 
 direito à pensão é a constante do referido artigo 41º, nº 2. Quanto a esta 
 disposição – aquela que contém a norma considerada aplicável pelo STJ –, na base 
 de um exercício de comparação com a situação paralela do chamado Regime Geral da 
 Segurança Social (decorrente do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro), 
 detecta o Acórdão recorrido uma violação do princípio constitucional da 
 igualdade, assim chegando à já mencionada recusa de aplicação do artigo 41º, nº 
 
 2 do EPS.
 
  
 
                  Paralelamente, parecendo procurar a confirmação deste mesmo 
 entendimento, surge, no texto da decisão, a já anteriormente transcrita 
 referência – que, por ser contraditória com esse mesmo entendimento, introduz a 
 ambiguidade – a uma possível “revogação tácita” da norma recusada pelo artigo 
 
 3º, alínea e) da Lei nº 7/2001, afirmando-se não ser “despiciendo” encarar tal 
 possibilidade. 
 
  
 
                  2.1.1.2. É neste aspecto que o recurso aos elementos exteriores 
 ao texto por ele convocados (o contexto extrínseco) se afigura particularmente 
 importante, permitindo compreender a intencionalidade subjacente à decisão e, 
 assim, ultrapassar a sua ambiguidade. De facto, é o próprio Acórdão recorrido 
 que remete para a jurisprudência de tribunais superiores (cfr. Trecho final 
 constante de fls. 163), procurando nesta argumentos de confirmação do respectivo 
 entendimento. Ora, analisando os casos jurisprudenciais citados pela decisão 
 recorrida (Acórdão do STJ de 22/04/2004, Colectânea de Jurisprudência – STJ, Ano 
 XII, Tomo II/2004, pp. 38/41, também disponível em www.dgsi.pt/jstj; Acórdão da 
 Relação de Évora de 9/11/2000, Colectânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo 
 V/2000, pp.257/260), verifica-se estarem invariavelmente em causa decisões de 
 recusa, por desconformidade constitucional, do artigo 41º, nº2 do EPS, na parte 
 em que este fixa que “[…] a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 
 
 1 do mês seguinte àquele em que [o interessado] a requeira […]”.
 
  
 
                  Com efeito, no caso do Acórdão do STJ de 22/04/2004, 
 confirmou-se em sede de revista uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa 
 contendo essa recusa de aplicação do artigo 41º, nº2 do EPS, aderindo-se 
 expressamente ao entendimento jurisprudencial que considera esta norma, quando 
 colocada em confronto com a disciplina decorrente do artigo 6º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, materialmente inconstitucional, por 
 violação do princípio da igualdade. Da mesma forma, no caso do Acórdão da 
 Relação de Évora de 9/11/2000 o Tribunal emitiu um juízo expresso de 
 inconstitucionalidade do mesmo preceito ( “[…] acordam em não aplicar, porque 
 materialmente inconstitucional na medida em que viola o princípio da igualdade 
 consagrado no artigo 13º da CRP, o segmento do artigo 41º, nº2 do DL 142/73, na 
 redacção introduzida pelo DL 191-B/79, onde se dispõe […] que «a pensão de 
 sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que o 
 requeira…» […]”).
 
  
 
                  Note-se que estas duas decisões, que o Acórdão ora recorrido 
 cita enquanto precedentes persuasivos, contêm referências ao regime geral da 
 união de facto, decorrente, sucessivamente, das Leis nº 135/99, de 28 de Agosto 
 e nº 7/2001, de 11 de Maio. Tais menções (reportadas à lei vigente ao tempo de 
 cada uma dessas decisões) ocorrem, porém, num contexto argumentativo em que se 
 procura ilustrar, tão só, a existência de um plano legislativo comum de 
 cobertura do “viúvo de facto” pelo regime de segurança social, enquanto 
 argumento de igualdade e não enquanto critério de determinação da lei vigente. 
 Lê-se, com efeito, nesses dois arestos: “[d]e sublinhar que a Lei nº 135/99, de 
 
 28 de Agosto, cujo objecto é a regulação da situação jurídica das pessoas que 
 vivem em união de facto, parece apontar no sentido de uma uniformização ao 
 dispor no seu artigo 3º, f) que «quem vive em união de facto tem direito a 
 protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime 
 geral da segurança social e da lei»” (Acórdão da Relação de Évora de 9/11/2000); 
 
 “[…] o legislador ordinário, manifestando-se claramente pelo progresso social 
 
 […], tem vindo a dar […] sinais de evolução social, progressiva e gradualista, 
 nesta área, alargando o espaço de cobertura social da união de facto, 
 particularmente agora, com a Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, que refere 
 expressamente o regime de segurança social a benefício do «companheiro» 
 sobrevivente […]” (Acórdão do STJ de 22/04/2004).
 
  
 
                  Ora, encarando a decisão em causa neste recurso, não se nos 
 afigura, pese embora a ambiguidade antes referida, que se tenha pretendido, 
 relativamente aos casos jurisprudenciais citados como abonação, proferir uma 
 
 “decisão-outra”, fundada numa linha argumentativa (inovatória relativamente a 
 esses casos) que excluísse a recusa de aplicação, fundada em argumentos de 
 desconformidade constitucional, do trecho final do nº2 do artigo 41º do EPS. 
 
  
 
                  Assim entendido, contém o Acórdão recorrido, indubitavelmente, 
 a decisão de recusa que possibilita o recurso interposto pela ora recorrente – 
 um recurso da alínea a) do nº1 do artigo 70º da LTC – e que permite ao Tribunal 
 Constitucional, consequentemente, avançar para a apreciação da 
 constitucionalidade da norma recusada.
 
  
 
                  2.2. Está em causa – e assim entramos na apreciação da questão 
 de fundo – a norma constante do artigo 41º, nº2 do EPS (o Decreto-Lei nº 
 
 191-B/79, de 25 de Junho, que conferiu à norma a redacção aqui em causa, foi 
 objecto da rectificação decorrente da Declaração publicada no Diário da 
 República – I Série, nº193, de 22/08/1979). Esta norma, sob a epígrafe 
 
 “[e]x-cônjuge e pessoa em união de facto”, dispõe o seguinte:
 
  
 
  
 
                                                                                  
 
   Artigo 41º
 
 1-        - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 
 
 - - - - - - - - - - - - - -  .
 
 2-        Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições 
 previstas no artigo 2020º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil 
 para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe 
 o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1 
 do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido 
 direito.
 
  
 Desta norma interessa ao presente recurso, tão só, o segmento (que se sublinhou 
 na transcrição) respeitante ao momento a partir do qual a pensão, devida àquele 
 que já obteve a sentença judicial referida na primeira parte do preceito, deve 
 ser satisfeita, ou seja, o trecho que diz que tal pensão vence a partir do dia 1 
 do mês subsequente àquele em que foi requerida. 
 
  
 
 2.2.1. Trata-se – a inconstitucionalidade deste trecho final do nº2 do artigo 
 
 41º do EPS –  de questão com a qual o Tribunal Constitucional já foi 
 confrontado, mas relativamente à qual nunca chegou a tomar posição. Com efeito, 
 contrariamente ao que aqui (pela primeira vez) sucede, a prévia apreciação da 
 conformidade constitucional da primeira parte do artigo 41º, nº2, sempre tem 
 funcionado como obstáculo a que o Tribunal se pronuncie sobre a questão 
 
 (logicamente subsequente) do momento a partir do qual a pensão era devida, já 
 que todas essas situações anteriores resultaram no reenvio dos respectivos 
 processos para determinação do preenchimento das condições previstas nessa 
 primeira parte do nº2 do artigo 41º do EPS (v., por todos, o Acórdão nº 644/05, 
 disponível, tal como os adiante indicados, em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos). 
 
  
 Ora, neste caso, a questão do direito à pensão de sobrevivência por parte do 
 
 “viúvo de facto” já foi resolvida, estando, por isso, ultrapassada, não 
 interferindo, contrariamente ao que até agora tem sucedido na jurisprudência 
 deste Tribunal, com a aplicação do trecho final da norma, que fixa o momento a 
 partir do qual a pensão é devida. Deixou, assim, de estar em causa – e trata-se 
 de um elemento importante na subsequente indagação de constitucionalidade – uma 
 questão que convoque, para aferição do respeito pelo princípio da igualdade, 
 qualquer comparação dos regimes decorrentes do casamento e da união de facto [a 
 evolução do entendimento do Tribunal Constitucional, relativamente a esse 
 
 (outro) problema, pode ser apreciada numa leitura sequencial dos Acórdãos nºs 
 
 88/04 (Diário da República – II Série, de 16/04/2004, pp.5962/5967), 159/05 
 
 (Diário da República – II Série, de 23/12/2005, pp. 18056/18062) e 614/05 
 
 (Diário da República – Série, de 29/12/2005, pp.18116/18118)]. Trata-se aqui, 
 portanto, de comparar as situações de quem, como sucede com a recorrida, já viu 
 judicialmente reconhecidos os pressupostos do direito à pensão de sobrevivência, 
 por morte daquele com quem viveu em união de facto, restando apenas determinar o 
 momento a partir do qual tal pensão é devida.
 
  
 Sublinha-se com esta caracterização um elemento específico que a abordagem deste 
 recurso, na perspectiva do princípio da igualdade, implica, traduzido na 
 convocação de um “par de comparação”, distinto daquele que os citados Acórdãos 
 nºs 88/04 e 159 e 614/05 convocavam. Comparam-se aqui, interessa não o esquecer, 
 situações sempre respeitantes à união de facto, nas quais o controlo da 
 observância do mencionado princípio só relaciona quem, tendo vivido “[…] em 
 união de facto há mais de dois anos” (artigo 1º, nº1 da Lei nº 7/2001), obteve o 
 reconhecimento judicial desse facto, enquanto pressuposto específico do direito 
 a receber a prestação consubstanciada na pensão de sobrevivência.
 
  
 
 2.2.2. Tendo presentes estes elementos, importa avançar para a concreta 
 comparação que o princípio da igualdade neste caso pressupõe. Está em causa, nos 
 termos em que a decisão recorrida coloca a questão e sempre no quadro geral da 
 união de facto, relacionar a situação daqueles que, tendo adquirido o direito a 
 auferir uma pensão de sobrevivência por morte do respectivo cônjuge de facto, se 
 diferenciam, tão só, pela circunstância de essa pensão se gerar por morte de um 
 funcionário ou agente da Administração Pública (situação em causa no presente 
 recurso), ou por morte de um beneficiário do denominado Regime Geral da 
 Segurança Social.
 
  
 
  No primeiro caso, definido judicialmente o direito à pensão, é a mesma devida, 
 nos termos da norma em apreciação, desde o dia 1 do mês seguinte àquele em que 
 tal pensão foi requerida. No segundo caso, gerado no âmbito do Regime Geral, a 
 mesma pensão – ou seja, a pensão adquirida com base em pressupostos de facto 
 substancialmente idênticos – é devida, nos termos do artigo 6º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, se requerida nos seis meses posteriores 
 ao trânsito da decisão judicial que reconheça tal direito, “[…] a partir do 
 início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário […]”. Sendo distintos 
 os momentos fixados em cada caso para o começo das prestações (mais cedo 
 relativamente aos beneficiários de pensão gerada no Regime Geral), coloca-se a 
 questão da observância do princípio constitucional da igualdade relativamente a 
 quem, fora do quadro desse Regime Geral, tenha actuado dentro de lapsos de tempo 
 que conduziriam à primeira hipótese prevista no artigo 6º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94. É esta, enfim, a questão de igualdade que aqui importa 
 dilucidar.
 
  
 
 2.2.2.1. Constitui jurisprudência assente e reiterada deste Tribunal a 
 caracterização do princípio da igualdade, decorrente do artigo 13º da CRP, como 
 proibição do arbítrio (cfr. O Acórdão nº 232/03, publicado no Diário da 
 República – I Série-A, de 17/06/2003, pp. 3514/3531). Com tal sentido, nas 
 palavras do Tribunal Constitucional, “[o] princípio [da igualdade] não impede 
 que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se 
 devam) estabelecer diferenciações de tratamento, «razoável, racional e 
 objectivamente fundadas», sob pena de, assim não sucedendo, «estar o legislador 
 a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente 
 justificadas por valores constitucionalmente relevantes» […]. Ponto é que haja 
 fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a 
 discriminação infundada […]” (Acórdão nº 319/00, publicado no Diário da 
 República – II Série, de18/10/2000, pp. 16785/16786).
 
  
 Na sugestiva formulação do Tribunal Constitucional alemão (cit. Por Robert 
 Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986, p. 370) o carácter arbitrário 
 de uma diferenciação legal decorre da circunstância de “[..]não ser possível 
 encontrar […] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou 
 que, de alguma forma, seja concretamente compreensível[…]”. Daí que “[n]ão 
 exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos 
 os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados 
 insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma 
 fundamentação justificativa da diferenciação […]. A máxima de igualdade implica, 
 assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais” (Robert 
 Alexy, ob. Cit., p. 371). 
 
  
 
 2.2.2.2. Constitui aqui elemento de igualdade fáctica a circunstância, comum aos 
 dois termos da comparação, de o direito à pensão de sobrevivência ter sido 
 adquirido em função do reconhecimento judicial de uma situação de união de facto 
 com um beneficiário ou subscritor falecido. Este elemento, não expressando uma 
 situação de igualdade fáctica absoluta, já que compara pensões geradas no 
 chamado Regime Geral com pensões geradas no âmbito do Regime dos funcionários e 
 agentes da Administração Pública, permite, no entanto, a qualificação da 
 situação de ambos como essencialmente igual, isto em função de uma expressiva 
 preponderância de elementos comuns. De facto, apreciando os dois regimes (o 
 Geral e o da Administração Pública), constata-se ocorrer em ambos, de forma 
 substancialmente idêntica, a projecção da “relação jurídica de segurança social” 
 
 (v. a caracterização desta em Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social, 
 Coimbra, 1996, pp. 299/309) na situação de união de facto, expressando esta (a 
 união de facto), nos dois regimes e na base dos mesmos pressupostos, “[…] a 
 relação jurídica de vinculação, que assegura a ligação jurídica dos interessados 
 ao sistema […]” (Ilídio das Neves, ob. Cit., p. 308).
 
  
 A este propósito cumpre sublinhar não colher o argumento – que parece ser o 
 
 único argumento da recorrente – segundo o qual um alegado (e hipotético) “valor 
 muito inferior” (conclusão 8ª das alegações; cfr. Fls. 180) das pensões pagas 
 pelo Regime Geral, justificaria a diferenciação decorrente da norma ora em 
 causa. Desde logo, porque o montante das pensões de sobrevivência pagas nos dois 
 regimes varia em função de elementos cuja multiplicidade e coerência, dentro de 
 cada um desses regimes, torna descabida uma comparação (dos dois regimes) 
 assente na variável “valor da pensão” (v., quanto ao cálculo das pensões aqui em 
 causa nos dois regimes, o artigo 28º do EPS e os artigos 24º e 25º do 
 Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, ex vi do disposto no artigo 1º do 
 Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro). Por outro lado, tal elemento 
 
 (“valor da pensão”) deixa intocada a já referida expressiva preponderância de 
 elementos comuns, ou seja, não descaracteriza as duas situações como sendo de 
 igualdade essencial: em ambas se adquire o direito à pensão com base nos mesmos 
 pressupostos e através de procedimentos substancialmente idênticos.  
 
  
 Nesta situação, que – repete-se – é de igualdade naquilo que expressa a essência 
 relevante para a comparação, quaisquer especificidades do chamado Regime Geral 
 de Segurança Social, relativamente ao Regime de Segurança Social dos 
 funcionários e agentes da Administração Pública, porque referidas, como já se 
 indicou, a elementos não relevantes para esta comparação concreta, perdem 
 sentido e deixam de justificar, quanto à fixação do momento a partir do qual a 
 pensão é devida, um tratamento menos vantajoso, como o decorrente do segmento 
 final do nº2 do artigo 41º do EPS, comparativamente ao artigo 6º do Decreto 
 Regulamentar nº 1/94. Não obstante, relativamente a essas (possíveis)  
 especificidades de cada um dos Regimes, sublinhar-se-á que o “programa 
 constitucional” assenta, neste domínio, na ideia de unificação do sistema de 
 segurança social – “[i]incumbe ao Estado organizar […] um sistema de segurança 
 social unificado […]” (artigo 63º, nº2 da CRP) – e que, em tal quadro, a procura 
 de soluções de igualdade não deixa de assumir uma espécie de “valor reforçado” 
 no plano da convergência entre os regimes de protecção social da função pública 
 e “ […] os regimes do sistema de segurança social quanto ao âmbito material, 
 regras de formação de direitos e atribuição das prestações” (artigo 124º da Lei 
 nº 32/2002, de 20 de Dezembro, que estabelece as bases do sistema de segurança 
 social).    
 
  
 
  
 
  Da ausência de uma justificação relevante para a mencionada diferenciação – e 
 assim alcançamos uma conclusão – decorre a ofensa ao princípio constitucional da 
 igualdade (artigo 13º da CRP) e, consequentemente, a correcção da recusa de 
 aplicação da norma em causa por parte da decisão recorrida. Resta, por isso, 
 confirmá-la.
 
  
 
  
 III – Decisão
 
  
 
 3. Nestes termos, na improcedência do recurso, o Tribunal Constitucional decide:
 
  
 A)                                    Julgar inconstitucional, por violação do 
 princípio da igualdade (artigo 13º, nº1 da CRP), a norma constante do trecho 
 final do artigo 41º, nº2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo 
 Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 
 nº 191-B/79, de 25 de Junho, na parte em que determina que “a pensão de 
 sobrevivência será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que [tal 
 pensão tenha sido] reque[rida]”;
 B)                                     E, consequentemente, confirmar, no que à 
 questão de constitucionalidade diz respeito, o Acórdão recorrido.
 Lisboa, 26 de Setembro de 2006
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira – com declaração
 Artur Maurício
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 
  
 Votei a decisão. Entendo, contudo, que o acórdão recorrido não enferma de 
 ambiguidade, seja argumentativa, seja decisória, razão pela qual não subscrevo o 
 que se afirma no Ponto 2.1. do presente aresto; aliás, o Tribunal tem mantido a 
 regra de não suscitar oficiosamente questões de carácter prévio que se revelam 
 improcedentes, às quais não confere, em suma, qualquer relevo.
 Quanto ao fundo, tenderia a analisar a natureza da pensão em causa, pois, 
 independentemente do problema de igualdade de tratamento legislativo que se 
 levanta, entendo que a solução consagrada na norma é desadequada ao fim a que se 
 destina.
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira