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Processo n.º 387/08
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
 
 
 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
 
 
  
 
                   1.
 
                   A.  reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça 
 do despacho que, com fundamento no artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de 
 Processo Penal, não admitiu o recurso que pretendia interpor de acórdão 
 proferido na Relação do Porto. Todavia, a reclamação foi indeferida por despacho 
 de 20 de Dezembro de 2007; o recorrente pretendeu, então, interpor recurso para 
 o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos: 
 
  
 
 “[...] Com efeito, ao ver negado o conhecimento pelo STJ do recurso interposto 
 do Acórdão da Relação do Porto que confirmou infundamentadamente o acórdão de 1ª 
 instância, o requerente foi vítima da violação do princípio da igualdade perante 
 a lei e do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Na prática, a decisão 
 recorrida confirma a negação ao recorrente do exercício das suas garantias de 
 defesa, que incluem o direito ao recurso.
 A interpretação acolhida, neste caso concreto, do disposto no artº 400.º n.º 1 
 alínea e) do CPP, viola os referidos princípios da CRP, da Declaração Universal 
 dos Direitos do Homem e da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do 
 Homem e das Liberdades Fundamentais, motivo pelo qual o recorrente não pode 
 deixar de pedir a tutela do Tribunal Constitucional com o objectivo de fazer 
 valer aqueles seus direitos”.
 
  
 
 2.
 O recurso interposto para o Tribunal Constitucional não foi, porém, admitido por 
 despacho proferido em 12 de Fevereiro de 2008, e assim motivado:  
 
  
 
 “No que concerne ao recurso interposto pelo arguido A., refere-se que, face ao 
 disposto no n.º 2 do art. 72º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 
 do art. 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a 
 questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer”. 
 E na reclamação apresentada não foi suscitada qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa. 
 E, manifestamente, como a doutrina tem assinalado, é momento inidóneo para 
 suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal 
 a quo já não poder emitir juízos de inconstitucionalidade. 
 Nem se diga que o recorrente não teve oportunidade processual de suscitar a 
 questão da inconstitucionalidade antes do despacho que ora impugna. Com efeito, 
 a interpretação encontrada neste despacho no que concerne à aplicada norma da 
 alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, coincide com a do despacho que não 
 admitiu o recurso para este Supremo Tribunal (…).”
 
  
 
 É contra este despacho que A. reclama, nos termos do n.º 4 do artigo 76º da LTC, 
 dizendo:  
 
  
 
 “ (…) Tem razão o exmo sr Juiz Presidente do STJ ao referir no seu despacho que 
 não foi suscitada expressamente na minuta da reclamação, qualquer questão de 
 inconstitucionalidade da concreta interpretação do artº 400º nº 1 do CPP feita 
 nos autos. 
 No entanto, se na reclamação não foi suscitada expressamente, a questão consta 
 implícita no teor da reclamação apresentada onde se pugna por uma interpretação 
 do referido preceito que admita a interposição do recurso, e resulta claramente 
 enunciada nas conclusões do recurso interposto para o Tribunal da Relação do 
 Porto cujas conclusões 24 e 25 passamos a transcrever: 
 
  
 
 24- A sentença não explicita minimamente a sua ponderação crítica dos vários 
 depoimentos em presença ou das posições da defesa, não sendo compreensível nem 
 possível de acompanhar o raciocínio seguido, nem sequer a confirmação de que 
 todos os factos alegados pela defesa e acusação foram considerados pelo 
 Colectivo. O Tribunal não passou da mera enunciação desse trabalho intelectual. 
 
 25- O Tribunal postergou com esta atitude elementares princípios de Justiça 
 democrática e os direitos constitucionais da defesa (artº 32, nº1 da CRP) e o 
 art. 374º nº 2 do CPP. 
 
  
 O Exmo Sr Presidente do STJ louva-se no entendimento que exige do recorrente ao 
 abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70.º da LTC, que este haja suscitado a 
 questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o 
 Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer”. 
 O art. 70º nº 1 b) da LOFPTC fixa, e passamos a transcrevê-lo, que cabe recurso 
 para o TC das decisões dos Tribunais que apliquem norma cuja constitucionalidade 
 haja sido suscitada durante o processo. 
 O reclamante alegou durante o processo, nomeadamente na motivação do recurso 
 para o Tribunal da Relação do Porto, a inconstitucionalidade da interpretação 
 dos artºs 124 e 126 do CPP que dava cobertura e sancionava uma decisão 
 infundamentada e conclusiva como a que, no ver do reclamante, foi proferida em 
 primeira instância. 
 A exigência fixada pelo STJ excede, com o devido respeito, o teor e o espírito 
 do preceito que invoca, ao defender que a inconstitucionalidade tivesse sido 
 arguida na reclamação, o que se alcança do confronto com a letra da LOFPTC — que 
 se contenta com a invocação durante o processo — e se compreende pela 
 impossibilidade de àquele tempo — sem se saber ainda o sentido da decisão sobre 
 a reclamação — se colocar desde logo a inconstitucionalidade invocada. Tal só 
 faria sentido se se pudesse defender que seria exigível ao reclamante a previsão 
 da decisão de indeferimento — o que como devido respeito, não nos parece 
 defensável por não ser razoável nem ter suporte legal. 
 O requerente foi efectivamente vítima da violação do princípio da igualdade 
 perante a Lei e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, em primeira e em 
 segunda instância. 
 Desde a minuta do recurso da decisão de 1.ª instância que o reclamante invocou a 
 violação do art. 32º nº 1 da CRP e do princípio da plena garantia de defesa, 
 pugnando com quantas forças teve pelo atendimento pela Relação do Porto das 
 críticas feitas ao julgamento em primeira instância ou, em segunda instância, 
 pela aceitação do recurso para o STJ de quem esperava análise atenta da matéria 
 em recurso com vista a conseguir um efectivo e isento juízo crítico sobre o 
 julgamento realizado na primeira instância. 
 A interpretação acolhida, no caso concreto, do disposto no art. 400 nº 1 alínea 
 e) do CPP, viola os referidos preceito e princípio, ao inviabilizar de facto o 
 direito de recurso do recorrente. 
 Parece-nos, numa outra abordagem do regime aplicável, que ao invés de indeferir 
 o recurso, o STJ deveria ter convidado o reclamante a suprir as falhas que 
 detectou, as quais poderiam ter sido esclarecidas oportunamente. (artº 75- A da 
 LOFPTC) 
 Tendo decidido pelo indeferimento, o STJ violou o disposto no artº 70º nº 1 b) 
 da LOFPTC, pedindo-se consequentemente a V Exas o proferimento de despacho que 
 revogue o despacho reclamado e mande prosseguir o recurso.”
 
  
 
 3.
 O representante do Ministério Público neste Tribunal é de opinião de que a 
 presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
 
  
 
                   Cumpre decidir.
 
                   
 II
 
                   Fundamentação
 
                   
 
 4.
 
                   O reclamante não suscitou qualquer questão de 
 inconstitucionalidade quanto à norma limitativa do acesso, em via de recurso, ao 
 Supremo Tribunal de Justiça – a norma contida no n.º 1, alínea e) do artigo 
 
 400.º do Código de Processo Penal.
 
                   Com efeito, na reclamação inicialmente dirigida ao Presidente 
 do Supremo Tribunal de Justiça  – momento em que dispôs da oportunidade 
 processual para suscitar a questão perante o tribunal recorrido – disse:
 
  
 
 “Vem esta reclamação do despacho de fls. 85.578 dos autos que, fundamentando-se 
 no disposto no artigo 400º nº 1 alínea e) do CPP, não admitiu o recurso 
 interposto pelo ora reclamante do douto acórdão que negou provimento ao recurso 
 da sentença proferida em primeira instância pelo Tribunal de Ovar. 
 Com o devido e muito respeito, é nosso entendimento que o douto despacho 
 reclamado não fez a melhor ponderação e interpretação do regime legal invocado, 
 o que procuraremos de seguida demonstrar a V. Exas, pedindo, a final, a 
 revogação do despacho reclamado. 
 
 [...]
 
 1- O reclamante foi pronunciado pelos crimes imputados na acusação de fls. 
 
 48.639 a 48911, concretamente pelo cometimento em concurso real de: a) um crime 
 de associação criminosa previsto e punido pelo art. 299.º, n.º 2 do CP ou pelo 
 art. 89.º n.º 2 do RGIFT ( Lei 15/2001) e b) um crime de fraude fiscal previsto 
 e punido pelo art. 23º no 1, nº 2 alíneas a) b) c), nº 3 alínea a) e) f) e nº 4 
 do DL 20-A190 de 15 de Janeiro na redacção do DL343I93 24 de Novembro, ou no 
 art. 103º, n.º 1 a) b) c) e no art. 104º n.º 1 d) e) e nº 2 da Lei 15/2001. 
 
 2- As penas máximas aplicáveis em abstracto a qualquer destes dois crimes são 
 respectivamente de 1 a 5 anos de prisão. 
 
 3- A soma das penas máximas abstractamente aplicáveis ao reclamante no processo 
 era pois de dez anos de prisão. 
 
 4- A alínea e) do nº 1 do art. 400º do CPP fixa que não admitem recurso os 
 acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo crime a que seja 
 aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos…
 
 5- A forma verbal utilizada é clara e, salvo melhor opinião, insusceptível de 
 quaisquer dúvidas sobre o sentido pretendido pelo legislador. 
 
 6- Ao referir-se na alínea em causa pena de prisão aplicável tem-se em vista a 
 pena de prisão que potencialmente caiba em abstracto ao caso, e não a aplicada 
 concretamente na sentença sob recurso. 
 
 7- Se fosse esta última a intenção do legislador, tendo em conta que 
 regulamentava uma fase do processo posterior ao proferimento da sentença em 1.ª 
 instância, teria escrito “....em processo crime a que tenha sido aplicada pena 
 de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos...” 
 
 8- A opção pela forma verbal que consta na alínea e) em causa, leva-nos a 
 considerar que o legislador pretendeu manter apenas com dois graus de jurisdição 
 os processos em que a pena de prisão não atingisse em abstracto cinco anos de 
 prisão. 
 
 9- Se os atingisse, ou excedesse, essa proibição de recurso para o STJ não se 
 verificaria. 
 
 10- Face ao facto que afirmámos supra em 2, verifica-se que a pena 
 abstractamente aplicável a cada um dos crimes por que o reclamante foi 
 pronunciado atinge os cinco anos de prisão. 
 
 11- Logo, era sempre possível ao reclamante recorrer para o STJ do acórdão 
 proferido pela Relação do Porto, ainda que fosse considerada apenas a pena de 
 prisão aplicável ao crime porque foi condenado. Todavia, 
 
 12- Considerando que o reclamante foi pronunciado neste processo crime, em 
 concurso real, pelo cometimento de dois crimes cuja moldura penal abstractamente 
 aplicável atinge a soma de dez anos de prisão, é manifesto que a conclusão 
 exposta em 11 é reforçada, e mais evidente é o erro de que se reclama que 
 atendeu apenas à pena concreta aplicada. 
 
 13- Ao decidir assim o Tribunal reclamado violou o preceito que invocou como 
 fundamento. 
 
 14- Permita-se-nos um expressivo paralelo que clarifica e suporta o nosso 
 raciocínio: Na contagem do prazo de prescrição, em que o legislador (art. 118º 
 do CP) usa o mesmo tempo verbal constante do artº 400.º do CPP, (crimes puníveis 
 com...) o factor relevante da contagem do prazo é a moldura penal abstracta 
 aplicável, e não a medida da pena concretamente aplicada — como é manifesto. 
 O Tribunal a quo violou, pois, o artigo 400.º n.º 1 e) do CPP cuja interpretação 
 foi feita em desrespeito do disposto no art. 9º 1, 2 e 3 do Código Civil. “
 
  
 
                   Deste requerimento não resulta, nem expressa nem 
 implicitamente, que o reclamante haja suscitado qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa referente a normas do artigo 400.º n.º 1 alínea 
 e) do Código de Processo Penal, uma vez que se limita a invocar um pretenso erro 
 de julgamento da decisão então impugnada quanto à aplicação do dito preceito. 
 
                   Ora, admitindo que o recorrente pretende recorrer ao abrigo do 
 disposto da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro), conforme aceita na reclamação ora deduzida, a verdade é que deveria 
 ter suscitado a aludida questão de inconstitucionalidade normativa perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer – cfr. artigo 72.º n.º 2 LTC – o que não manifestamente fez.
 Faltando este pressuposto, o recurso não podia ter sido admitido, tal como se 
 determinou na decisão ora reclamada. 
 
  
 
  
 
  
 III
 Decisão
 
  
 Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação.
 Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC. 
 
  
 Lisboa, 15 de Maio de 2008
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 Gil Galvão