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Processo n.º 365/06
 Plenário
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
       Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                    I – Relatório
 
                    1. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, 
 através de pedido recebido no Tribunal Constitucional em 10 de Abril de 2006 – e 
 tendo presentes as indicações complementares prestadas em 10 de Maio de 2006, na 
 sequência de convite à correcção de deficiências do pedido, formulado pelo 
 Presidente do Tribunal, ao abrigo do artigo 51.º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional –, requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória 
 geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade das normas contidas nos artigos 
 
 5.º e 6.º do Regulamento da prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de 
 Juniores Masculinos (Época 2005/2006), nos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º do 
 Regulamento da prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores 
 Masculinos (Época 2005/2006) e nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da prova do 
 Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Femininos (Época 2005/2006), 
 aprovados em 25 de Junho de 2005 pela Assembleia Geral da Federação de Andebol 
 de Portugal.
 
                    As normas questionadas têm o seguinte teor:
 
  
 Regulamento da prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Juniores 
 Masculinos – Época 2005/2006
 V – FORMA DE DISPUTA
 Artigo 5.º – 1.ª Fase – Os clubes participantes formam 2 (duas) zonas, com 2 
 
 (duas) séries cada (2 séries Zona Norte e 2 séries Zona Sul). A composição das 
 séries em cada zona é feita com base na classificação da 1.ª Fase da época 
 
 2004/2005. As equipas em cada série jogam entre si no sistema de todos contra 
 todos a 2 voltas, e fazem jornadas cruzadas com as equipas da outra série da 
 respectiva zona, apurando-se o 1.º classificado de cada série para a Fase Final. 
 O 2.º classificado irá disputar a Fase Intermédia e as restantes equipas a Fase 
 de Apuramento.
 
    Artigo 6.º – Fase intermédia – Disputam esta prova o 2.º classificado de cada 
 série da 1.ª Fase, mais o representante da Região Autónoma da Madeira (num total 
 de 5 equipas). Jogam no sistema de todos contra todos a 1 volta, apurando‑se os 
 
 2 primeiros classificados para a Fase Final. As restantes equipas, com excepção 
 do representante da Região Autónoma da Madeira (caso não fique apurado para a 
 Fase Final), disputam a Fase de Apuramento.
 
  
 Regulamento da prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores 
 Masculinos – Época 2005/2006
 
    II – EQUIPAS PARTICIPANTES
 Artigo 2.º – No Campeonato Nacional da 1.ª Divisão participam os clubes 
 classificados na época desportiva imediatamente anterior.
 
 1 – As equipas das Regiões Autónomas participam em plena igualdade desde que 
 esteja garantida a cobertura dos encargos com os transportes.
 
 (…)
 V – FORMA DE DISPUTA             
 
 (…)
 Artigo 6.º – 1.ª Fase – Os clubes participantes na 1.ª Fase são agrupados em 
 duas zonas geográficas (Norte e Sul), jogando no sistema de todos contra todos a 
 duas voltas. Face à classificação nesta 1.ª Fase, os clubes ficam apurados para 
 os Grupos da Fase Final do seguinte modo:
 
 1. Fase Final – Grupo “A” – Os clubes classificados do 1.º ao 3.º lugares de 
 cada Zona + Dois (2) clubes da Região Autónoma, num total de 8 clubes. Compete à 
 Associação de Andebol da Madeira e à U. A. A. Açores estruturar a competição que 
 apura os dois representantes das Regiões Autónomas na Fase Final desta 
 competição;
 
 2. Fase Final – Grupo “B” – Os clubes classificados do 4.º ao último lugar (Zona 
 Norte e Zona Sul).
 
  
 Regulamento da prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Femininos 
 
 – Época 2005/2006
 
    V – FORMA DE DISPUTA
 Artigo 5.º – Esta prova é disputada em duas Fases.
 
 1. 1.ª Fase – Participam 6 clubes do Continente + a Selecção Nacional de 
 Juniores. Os Clubes do Continente jogam todos contra todos a 2 voltas, realizam 
 ainda dois jogos em sistema de jornada dupla na situação de visitados com a 
 Selecção Nacional de Juniores (estes jogos realizam‑se com uma periodicidade 
 aproximada de 15 dias, intervalando com as jornadas normais do Campeonato). Os 
 pontos obtidos pelos clubes nos jogos com a Selecção são contabilizados para a 
 classificação final. Na classificação final, a Selecção Nacional será sempre 7.º 
 classificado, independentemente dos pontos obtidos. Os dois primeiros 
 classificados da 1.ª Fase irão disputar a fase Final Grupo “A”. As restantes 
 equipas disputarão o Grupo “B”.
 Artigo 6.º – Fase Final – Grupo “A” – Participam os dois primeiros classificados 
 da 1.ª Fase + as duas equipas da Região Autónoma da Madeira, que jogam no 
 sistema de todos contra todos a uma volta em regime de concentração.”
 
  
 
                    2. Aquando da apresentação do pedido, a requerente sustentou 
 o seguinte:
 
                    – os clubes de andebol da Região Autónoma da Madeira têm o 
 direito fundamental e essencial a participar nos campeonatos nacionais de forma 
 permanente e regular e a não serem discriminados em razão do território de 
 origem ou situação económica; trata‑se de uma manifestação dos direitos ao 
 desporto, à qualidade de vida e à protecção da saúde;
 
                    – tais direitos têm protecção constitucional; com efeito, 
 incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e associações e colectividades 
 desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da 
 cultura física e do desporto, no respeito pelo princípio constitucional de que 
 todos têm direito à cultura física e ao desporto (artigo 79.º, n.ºs 1 e 2, da 
 Constituição); todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e 
 ecologicamente equilibrado (artigo 66.º da Constituição) e a promoção da 
 cultura física e desportiva é um meio de realização do direito à protecção da 
 saúde (artigo 64.º, n.º 2, alínea b), da Constituição);
 
                    – além disso, são tarefas fundamentais do Estado a promoção 
 da igualdade real entre os portugueses (artigo 9.º, alínea d), da Constituição); 
 todos os cidadãos gozam dos direitos consignados na Constituição, têm a mesma 
 dignidade social e são iguais perante a lei, não podendo ser prejudicados ou 
 privados de direitos em razão do território de origem ou situação económica 
 
 (artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição); e os preceitos relativos a direitos, 
 liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades 
 públicas e privadas (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição);
 
                    – as bases gerais do sistema desportivo (aprovadas pela Lei 
 n.º 30/2004, de 21 de Julho) garantem a igualdade de direitos e oportunidades 
 quanto ao acesso e à generalização das práticas desportivas diferenciadas 
 
 (artigo 1.º, n.º 2), esclarecem que o direito ao desporto é exercido nos termos 
 da Constituição e da própria lei de bases (artigo 2.º, n.º 3) e definem 
 diversos princípios orientadores (artigo 3.º); entre eles constam os princípios 
 da universalidade (possibilidade de acesso de todas as pessoas ao desporto – 
 artigo 4.º), da não discriminação (não diferenciação em função do sexo, raça, 
 origem étnica, religião, crença, deficiência, idade ou orientação sexual – 
 artigo 5.º), da solidariedade (responsabilidade colectiva na concretização das 
 finalidades do sistema desportivo, com o apoio do Estado – artigo 6.º) e da 
 continuidade territorial (que assenta na correcção das desigualdades estruturais 
 originadas pelo afastamento e pela insularidade, de modo a garantir a plena 
 participação desportiva das populações das regiões autónomas, vinculando o 
 Estado ao cumprimento das suas obrigações constitucionais – artigo 10.º do 
 Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira);
 
                    – os regulamentos de provas dos campeonatos nacionais da 1.ª 
 divisão de juniores masculinos, da 1.ª divisão de seniores masculinos e da 1.ª 
 divisão de seniores femininos, aprovados em 25 de Junho de 2005, pela Assembleia 
 Geral da Federação de Andebol de Portugal, estão em desacordo com o 
 enquadramento constitucional e legal a que se fez referência, na medida em que 
 alteraram o quadro competitivo que anteriormente vigorava e restringiram a 
 participação desportiva das equipas das regiões autónomas, relegando‑as para a 
 fase intermédia, no campeonato de juniores masculinos, e para a fase final, nos 
 campeonatos de seniores masculinos e femininos.
 
                    A requerente concluiu que os regulamentos em questão são 
 inconstitucionais, porque violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 13.º, 
 n.ºs 1 e 2, 18.º, 64.º, n.º 2, alínea b), 66.º e 79.º, n.ºs 1 e 2, da 
 Constituição, e ilegais, porque violam o disposto no artigo 10.º do Estatuto 
 Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira. Em anexo, juntou um 
 parecer jurídico sobre a compatibilidade do Regulamento de provas do campeonato 
 nacional da 1.ª divisão de seniores de andebol feminino (época de 2005/2006) com 
 os princípios do direito do desporto e a Constituição.
 
                    A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira 
 completou a fundamentação do pedido, nos seguintes termos:
 
                    – os artigos 5.º e 6.º do Regulamento do campeonato nacional 
 de juniores masculinos violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 13.º, n.ºs 
 
 1 e 2, e 18.º, n.º 1, todos da Constituição, na medida em que restringem a 
 participação das equipas da Madeira à fase intermédia da competição, impedindo 
 
 (discriminatoriamente) a sua participação na 1.ª fase, em igualdade com as 
 restantes equipas nacionais;
 
                    – os artigos 2.º, n.º 1, e 6.º do Regulamento do campeonato 
 nacional de seniores masculinos violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 
 
 13.º, n.ºs 1 e 2, e 18.º, n.º 1, todos da Constituição, na medida em que 
 restringem a participação das equipas da Madeira e dos Açores à fase final do 
 campeonato (Grupo A), impedindo (discriminatoriamente) a sua participação na 1.ª 
 fase, em igualdade com as restantes equipas nacionais.
 
                    – os artigos 5.º e 6.º do Regulamento do campeonato nacional 
 de seniores femininos violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 13.º, n.ºs 
 
 1 e 2, e 18.º, n.º 1, todos da Constituição, na medida em que restringem a 
 participação das equipas da Madeira à fase final do campeonato (Grupo A), 
 impedindo (discriminatoriamente) a sua participação na 1.ª fase, em igualdade 
 com as restantes equipas nacionais.
 
                    – as disposições acima indicadas (dos três regulamentos) são 
 também ilegais porque violam o disposto nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 3, e 
 
 3.º a 6.º da Lei de Bases do Desporto, bem como o disposto no artigo 10.º do 
 Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira, que obrigam o 
 Estado a suportar os encargos resultantes do custo das viagens aéreas das 
 equipas e atletas da Região Autónoma da Madeira nas competições nacionais e a 
 não limitar a participação dessas equipas e atletas nestas competições.
 
  
 
                    3. Notificada do pedido, veio a Federação de Andebol de 
 Portugal responder, alegando, em suma, o seguinte:
 
                    – a requerente carece de legitimidade para suscitar a 
 inconstitucionalidade das normas regulamentares em questão, visto que a 
 Constituição apenas permite às Assembleias Legislativas requerer a declaração de 
 inconstitucionalidade com fundamento em violação dos direitos das regiões 
 autónomas (artigo 281.º, n.º 2, alínea g)) e que o pedido apenas invoca a 
 violação de princípios constitucionais genéricos do Estado;
 
                    – a questão jurídica suscitada no pedido está actualmente a 
 ser apreciada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, numa acção 
 proposta pela Associação de Andebol da Madeira, em 13 de Janeiro de 2006; 
 existe, portanto, uma situação de litispendência;
 
                    – tendo em conta que estão em curso, simultaneamente, dois 
 processos de fiscalização (concreta e abstracta) da constitucionalidade e 
 legalidade de normas, há necessidade de suspender a apreciação do presente 
 pedido para evitar uma eventual contradição de julgados;
 
                    – o âmbito de aplicação temporal dos regulamentos 
 questionados no pedido restringe‑se à época desportiva de 2005/2006 e as 
 respectivas provas terminaram em 24 de Junho de 2006; está, portanto, esgotado o 
 objecto desses regulamentos; acresce que os regulamentos objecto do pedido foram 
 substituídos em 1 de Agosto de 2006, data em que entraram em vigor os 
 regulamentos da época desportiva de 2006/2007, de conteúdo distinto dos 
 anteriores; por outro lado, os resultados das provas da época 2005/2006 já estão 
 consolidados na ordem jurídica, designadamente, por via da homologação das 
 classificações, das qualificações para provas europeias e dos resultados das 
 competições (artigo 15.º, n.º 1, do Regulamento Geral da Federação e artigo 
 
 48.º da Lei de Bases do Desporto), sendo inexequível uma eventual repetição da 
 
 época de 2005/2006; a conjugação das circunstâncias enunciadas traduz‑se na 
 impossibilidade de uma eventual declaração de inconstitucionalidade ou 
 ilegalidade ter efeitos ex tunc, por razões de segurança jurídica e de 
 estabilidade das competições; consequentemente, não existe qualquer utilidade na 
 apreciação do pedido;
 
                    – a interpretação que a requerente faz do artigo 10.º do 
 Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira é abusiva, visto 
 que essa norma se limita a estabelecer o princípio geral da continuidade 
 territorial, dele não decorrendo obrigação de o Estado suportar encargos com 
 viagens; aliás, o preceito estatutário em questão consagra os direitos de 
 cidadania da população madeirense, enquanto membro da comunidade nacional, o que 
 nada tem a ver com a questão sub iudice;
 
                    – a requerente não apresenta provas nem indícios de 
 discriminação infundada dos clubes da Região Autónoma da Madeira; na realidade, 
 as normas regulamentares questionadas não afectaram a competitividade nem 
 restringiram ou limitaram a participação das equipas da Região Autónoma da 
 Madeira nos campeonatos nacionais de juniores masculinos, seniores masculinos e 
 seniores femininos: no campeonato nacional da 1.ª divisão de juniores 
 masculinos, o Clube C. S. Marítimo disputou o título de campeão nacional, 
 tendo‑se classificado em 6.º lugar, com acesso directo aos quartos de final da 
 Taça Nacional; no que toca ao campeonato de seniores masculinos, a Associação de 
 Andebol da Madeira não designou, por sua livre iniciativa, qualquer equipa da 
 Região para participar na competição; a equipa Madeira Andebol S.A.D. obteve o 
 título de campeã nacional de seniores femininos; as equipas da Região Autónoma 
 da Madeira também participaram nas provas regionais e internacionais, 
 designadamente nas competições europeias de clubes; acresce que diversos atletas 
 dessas equipas integraram as selecções nacionais de juniores e seniores 
 femininos;
 
                    – o agrupamento das equipas por zonas geográficas (e a 
 disputa de fases intermédias e finais do campeonato em função do número de 
 participantes de cada zona) é um modelo competitivo que vigora noutras 
 modalidades a nível nacional (designadamente, voleibol) e baseia‑se nas 
 competições organizadas pela Federação Internacional de Andebol e pela 
 Federação Europeia de Andebol;
 
                    – as soluções contidas nos regulamentos da época de 2005/2006 
 justificam‑se também pela necessidade de corrigir diferenças significativas de 
 desenvolvimento da modalidade desportiva do andebol entre as diferentes regiões 
 do território nacional, potenciando o desenvolvimento das menos desenvolvidas; 
 este plano (também prosseguido através do Programa de Desenvolvimento 
 Desportivo n.º 82/2005, celebrado entre a Federação e o Instituto do Desporto de 
 Portugal) visa aumentar a competitividade das provas e a qualidade do jogo, 
 atrair mais praticantes e fomentar o seu valor atlético, de modo a valorizar a 
 modalidade desportiva do andebol e as respectivas selecções nacionais; os 
 recursos financeiros da Federação foram optimizados em função desse plano;
 
                    – a questão suscitada pelo requerente poderá eventualmente 
 ser resolvida através da regulamentação da Lei de Bases do Desporto e, em 
 especial, do princípio da continuidade territorial contido no seu artigo 13.º, 
 mas tal tarefa não é da competência da Federação; é ao Governo que compete a 
 aprovação das normas de execução da Lei de Bases do Desporto, nos termos 
 previstos no seu artigo 89.º, tendo já sido ultrapassado o prazo previsto para o 
 efeito nesta mesma norma; a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira 
 está ciente desta realidade, tendo já recomendado aos órgãos de soberania a 
 adopção dos procedimentos necessários à regulamentação do mencionado artigo 13.º 
 da Lei de Bases do Desporto (Resolução n.º 3/2005/M) e proposto a criação de um 
 Fundo Nacional de Integração Desportiva para suportar os encargos com as 
 deslocações e transporte de material, no âmbito das competições desportivas 
 
 (Resolução n.º 11/2005/M).
 
  
 
                    4. Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 
 
 63.º da LTC, pelo Presidente do Tribunal e fixada a orientação do Tribunal sobre 
 as questões a resolver, procedeu‑se à distribuição do processo, cumprindo 
 agora formular a decisão.
 
  
 
                    II – Fundamentação
 
                    5. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira 
 vem, no presente processo, requerer a fiscalização abstracta da 
 constitucionalidade e da legalidade das normas dos regulamentos de provas dos 
 campeonatos nacionais da 1.ª divisão de juniores masculinos, da 1.ª divisão de 
 seniores masculinos e da 1.ª divisão de seniores femininos, todos da época 
 desportiva de 2005/2006, emitidos pela Federação de Andebol de Portugal.
 
                    O pedido foi efectuado ao abrigo do disposto na alínea a) do 
 n.º 1 e da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), bem como do n.º 2 do artigo 97.º do Estatuto 
 Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM). Destas normas 
 constitucionais e estatutárias resulta que a Assembleia Legislativa pode 
 requerer a fiscalização da constitucionalidade de normas com fundamento na 
 violação dos direitos das regiões autónomas, bem como a fiscalização da 
 legalidade de normas com fundamento na violação do EPARAM.
 
                    O poder de requerer a fiscalização abstracta da 
 constitucionalidade de normas conferido à Assembleia Legislativa pressupõe, 
 pois, que esteja em causa uma eventual violação de direitos das Regiões em face 
 do Estado, na medida em que esses direitos tiverem consagração constitucional, 
 isto é, conformarem constitucionalmente de modo directo a autonomia 
 político‑administrativa das regiões – cf., neste sentido, os Acórdãos n.ºs 
 
 198/2000, 615/2003, 75/2004 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46.º vol., p. 
 
 85, 57.º vol., p. 161, e 58.º vol., p. 149, respectivamente) e n.º 239/2005 
 
 (Diário da República, II Série, de 17 de Junho de 2005).
 
                    O Tribunal tem reiterado o entendimento da Comissão 
 Constitucional expresso no Parecer n.º 25/80, onde se afirmou que aquele poder 
 das assembleias legislativas das regiões autónomas “é um poder circunscrito na 
 natureza e no objecto: poder instrumental, de garantia dos poderes substantivos 
 em que se traduz o regime político‑administrativo dos Açores e da Madeira, 
 destina‑se à defesa das correspondentes normas constitucionais e só pode 
 incidir, portanto, sobre normas legislativas ou outras que com elas, porventura, 
 colidam” (Pareceres da Comissão Constitucional, 13.º vol., p. 143).
 
                    De acordo com J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira 
 
 (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 
 
 1035), “por «direitos das regiões» devem entender‑se os direitos 
 constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República”.
 
                    O Tribunal também já esclareceu, designadamente no Acórdão 
 n.º 615/2003, que a legitimidade para requerer tal fiscalização da 
 constitucionalidade pressupõe que o pedido tenha por fundamento a violação de 
 
 “normas constitucionais que definam poderes jurídicos conferidos às regiões 
 autónomas enquanto pessoas colectivas territoriais, em concretização do 
 princípio da autonomia político‑administrativa regional”.
 
                    No presente caso, a requerente fundamentou o pedido de 
 fiscalização da constitucionalidade na violação dos seguintes preceitos 
 constitucionais: alínea d) do artigo 9.º (obrigação do Estado de promover o bem 
 estar e a qualidade de vida do povo, a igualdade real entre os portugueses e a 
 efectivação dos direitos sociais), n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º (princípio da 
 igualdade), artigo 18.º (vinculatividade dos direitos, liberdades e garantias; 
 princípio da necessidade das restrições), alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º 
 
 (dever de promoção da cultura física e desportiva, para realização do direito à 
 protecção da saúde), artigo 66.º (direito ao ambiente e à qualidade de vida e 
 correspondentes deveres do Estado) e os n.ºs 1 e 2 do artigo 79.º (direito à 
 cultura física e ao desporto e correspondentes deveres do Estado).
 
                    A requerente fundamenta, assim, o pedido de fiscalização da 
 constitucionalidade na violação de princípios gerais dos direitos e deveres 
 fundamentais (artigos 9.º, 13.º e 18.º) e na violação de direitos e deveres 
 sociais (artigos 64.º, 66.º e 79.º). E logo daí se evidencia que em nenhum dos 
 casos se trata de normas constitucionais que definem poderes das regiões face a 
 outras entidades que lhes são externas, designadamente, o Estado.
 
                    Essa conclusão já foi afirmada expressamente, quanto aos 
 princípios da igualdade e da necessidade, nos Acórdãos n.ºs 615/2003 e 75/2004. 
 Tal jurisprudência deve ser mantida no presente caso e aplicada aos restantes 
 parâmetros de constitucionalidade invocados pela requerente, uma vez que nenhum 
 dos preceitos constitucionais referidos pode ser qualificado como norma 
 definidora de direitos das regiões autónomas, visto que aí não se definem 
 poderes das regiões, face a outras entidades que lhes são externas – maxime, o 
 Estado.
 
       Conclui‑se, nos termos expostos, pela ilegitimidade da requerente, na 
 parte do pedido relativa à fiscalização da constitucionalidade dos regulamentos 
 de provas dos campeonatos nacionais da 1.ª divisão de seniores femininos, da 
 
 1.ª divisão de seniores masculinos e da 1.ª divisão de juniores masculinos, 
 emitidos pela Federação de Andebol de Portugal, para a época de 2005/2006.
 
  
 
                    6. A requerente vem também requerer a fiscalização da 
 legalidade dos ditos regulamentos de provas dos campeonatos nacionais de 
 andebol, com fundamento na violação do artigo 10.º do EPARAM e do disposto nos 
 artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 3, e 3.º a 6.º da Lei n.º 30/2004, de 21 de Julho, 
 que define as bases gerais do sistema desportivo.
 
                    Ora, de acordo com a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da 
 CRP, in fine, as assembleias legislativas das regiões autónomas podem requerer 
 a declaração de ilegalidade de normas, com força obrigatória geral, quando o 
 pedido “se fundar em violação do respectivo estatuto”.
 
                    Tendo em conta que os artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 3, e 3.º a 
 
 6.º da Lei n.º 30/2004 não são normas estatutárias, não podem servir de 
 fundamento ao pedido de declaração de ilegalidade efectuado pela Assembleia 
 Legislativa.
 
                    Termos em que também relativamente a esta parte do pedido há 
 que concluir pela ilegitimidade da requerente.
 
  
 
                    7. A requerente sustenta, ainda, que os ditos regulamentos de 
 provas dos campeonatos nacionais de andebol aprovados pela Federação de Andebol 
 de Portugal violam o princípio da continuidade territorial, consagrado no artigo 
 
 10.º do EPARAM, que “assenta na necessidade de corrigir as desigualdades 
 estruturais, originadas pelo afastamento e pela insularidade, e visa garantir a 
 plena consagração dos direitos de cidadania da população madeirense, vinculando, 
 designadamente, o Estado ao seu cumprimento, de acordo com as suas obrigações 
 constitucionais”. De acordo com a requerente, entre os direitos de cidadania a 
 que se refere o artigo 10.º do EPARAM está a participação da população 
 madeirense nos campeonatos desportivos nacionais.
 
                    A legitimidade da Assembleia Legislativa para requerer a 
 fiscalização da legalidade dos ditos regulamentos de provas encontra-se, assim, 
 assegurada, dado que o pedido se funda em violação do EPARAM.
 
                    Em face do exposto, o objecto do pedido circunscreve‑se à 
 fiscalização da legalidade das normas regulamentares questionadas, na estrita 
 medida em que estas possam ser incompatíveis com o EPARAM, designadamente com o 
 seu artigo 10.º
 
  
 
                    8. O âmbito de aplicação temporal dos regulamentos 
 questionados no pedido restringe‑se à época desportiva de 2005/2006 e, na 
 sequência de um pedido de informação do Tribunal, a Federação de Andebol de 
 Portugal esclareceu que o campeonato nacional de seniores femininos terminou em 
 
 23 de Abril de 2006, o campeonato nacional de juniores masculinos terminou em 14 
 de Maio de 2006 e o campeonato nacional de seniores masculinos terminou em 24 de 
 Junho de 2006.
 
       Esgotou‑se, assim, o efeito das normas questionadas no pedido.
 
                    Acresce que os regulamentos objecto do pedido foram 
 substituídos em 1 de Agosto de 2006, data em que entraram em vigor os 
 regulamentos da época desportiva de 2006/2007, que, segundo a Federação de 
 Andebol de Portugal, contêm um regime de provas distinto dos da época anterior. 
 Todavia, ainda que o conteúdo dos regulamentos da época de 2006/2007 fosse igual 
 aos da época transacta, o Tribunal não poderia apreciar outras normas que não as 
 suscitadas no pedido. Com efeito, o princípio do pedido, previsto no n.º 5 do 
 artigo 51.º da Lei do Tribunal Constitucional, impede a “convolação” do objecto 
 do processo e, com isso, a possibilidade de o Tribunal apreciar a 
 constitucionalidade das normas que venham a suceder às questionadas no pedido 
 
 (cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 57/95, 671/99, 140/2000, 531/2000, 404/2003 
 e 485/2003 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p. 141, 45.º vol., 
 p. 67, 46.º vol., p. 59, 48.º vol., p. 47, e 57.º vol., pp. 7 e 61, 
 respectivamente).
 
       Atendendo a que o n.º 1 do artigo 282.º da CRP dispõe que a declaração de 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a 
 entrada em vigor da norma em causa, constitui entendimento reiterado deste 
 Tribunal – cf., por todos, os Acórdãos n.ºs 531/2000 e 269/2001 (Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 48.º vol., p. 47, e 50.º vol., p. 109, respectivamente) 
 
 – que o facto de as normas objecto de um pedido de declaração de 
 inconstitucionalidade haverem sido, entretanto, revogadas não impossibilita 
 automaticamente o conhecimento desse pedido: ponto é que o conhecimento do 
 pedido conserve, no caso, utilidade ou interesse relevantes.
 
                    A constatação destas utilidade e interesse depende do 
 resultado da indagação sobre se a eventual declaração da inconstitucionalidade 
 da norma poderá ter alguma projecção significativa sobre os efeitos por ela já 
 produzidos.
 
                    No presente caso, face à irrepetibilidade das provas de 
 campeonatos já findos, só poderia conjecturar-se a subsistência de alguma 
 utilidade da eventual declaração de inconstitucionalidade quanto a situações 
 residuais, respeitantes a pedidos pendentes, isto é, quanto a situações 
 relativamente às quais já tivessem sido impugnados (mas ainda não judicialmente 
 decididos com trânsito em julgado) ou ainda pudessem vir a ser impugnados actos 
 fundados nas normas impugnadas.
 
                    O Tribunal Constitucional tem entendido – cf., entre outros, 
 os Acórdãos n.ºs 17/83, 453/95, 786/96, 270/2000 e 187/2003 (Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 1.º vol., p. 93, 31.º vol., p. 221, 34.º vol., p. 23, 
 
 47.º vol., p. 27, e 55.º vol., p. 185, respectivamente) – que, em hipóteses como 
 a presente, o conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de 
 normas entretanto revogadas deixa de ter interesse juridicamente relevante, já 
 que seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica 
 e abstracta para os residuais casos concretos em que a aplicação da norma 
 subsistiu. Nestes casos residuais, os possíveis beneficiários da eventual 
 declaração de inconstitucionalidade poderão obter idêntico efeito pela via da 
 fiscalização concreta da inconstitucionalidade das normas em causa.
 
       Refira‑se, a este propósito, que resulta dos autos que foram utilizados 
 meios contenciosos pela Associação de Andebol da Madeira, no Tribunal 
 Administrativo e Fiscal de Lisboa, contra a Federação de Andebol de Portugal 
 
 (providência cautelar de suspensão das deliberações que aprovaram os 
 regulamentos questionados, no âmbito da qual foi decidido, ao abrigo do artigo 
 
 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, antecipar o juízo 
 sobre a causa principal, com a consequente apensação da acção principal), tendo 
 sido obtida informação de que, por sentença de 13 de Outubro de 2006, foi a 
 entidade requerida absolvida dos pedidos.
 
                    
 
                    III – Decisão
 
                    9. Pelos fundamentos expostos, decide‑se:
 
                    a) Não tomar conhecimento, por ilegitimidade da requerente, 
 quer do pedido de declaração de inconstitucionalidade, quer do pedido de 
 declaração de ilegalidade por violação da Lei de Bases do Desporto, das normas 
 contidas nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da prova do Campeonato Nacional da 
 
 1.ª Divisão de Juniores Masculinos (Época 2005/2006), nos artigos 2.º, n.º 1, e 
 
 6.º do Regulamento da prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores 
 Masculinos (Época 2005/2006) e nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da prova do 
 Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Femininos (Época 2005/2006), 
 aprovados em 25 de Junho de 2005 pela Assembleia Geral da Federação de Andebol 
 de Portugal;
 
                    b) Não tomar conhecimento, com fundamento em falta de 
 interesse jurídico relevante, do pedido de declaração de ilegalidade das 
 referidas normas por violação do estatuto da respectiva região.
 
                    Lisboa, 21 de Novembro de 2006.
 
                    Mário José de Araújo Torres (Relator)
 
                    Carlos Pamplona de Oliveira
 
                    Maria Helena Brito
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Paulo Mota Pinto
 Bravo Serra
 Benjamim Silva Rodrigues
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Vítor Gomes
 Artur Maurício