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Processo n.º 271/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 3ª Secção 
 do Tribunal Constitucional: 
 
  
 
  
 
                  1. A fls. 320 foi proferida a seguinte decisão sumária:
 
  
 
        «1. A. intentou uma acção emergente de contrato individual de trabalho 
 contra CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES, E. P., pedindo a sua condenação a 
 reintegrar a Autora no seu posto de trabalho e ainda a pagar as remunerações em 
 dívida, nos termos que define.
 Para o efeito, e em síntese, alegou que foi admitida ao serviço da Ré em regime 
 de comissão de serviço, mas que, sendo ilegal a estipulação contratual 
 correspondente, deve a relação laboral entre ambas estabelecida ser considerada 
 como contrato de trabalho por tempo indeterminado, sendo portanto também ilegal 
 a cessação do contrato operada unilateralmente pela Ré com efeitos a partir de 
 
 31 de Dezembro de 2001. 
 
        Por sentença do 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa de 15 de 
 Junho de 2004, de fls. 150, a acção foi julgada totalmente improcedente, sendo a 
 Ré absolvida do pedido.
 
        Inconformada, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, Tribunal  que, por acórdão de 18 de Maio de 2005, de fls. 214, negou 
 provimento à apelação e confirmou a sentença recorrida. O Tribunal da Relação 
 considerou que tinha vigorado entre a Autora e a Ré “um contrato de trabalho em 
 regime de comissão de serviço, ou seja, com uma perspectiva temporalmente 
 limitada, embora incerta, e que assentava na especial relação de confiança com o 
 Conselho de Gestão em exercício e que ia ser assessorado pela A.”. 
 E, em conformidade, a Relação de Lisboa entendeu ainda que a contratação da 
 autora em regime de comissão de serviço, efectuada fora do quadro legalmente 
 admissível, provocou a nulidade do contrato, tendo então aplicação o disposto no 
 artigo 15.º da LCT. Assim, considerou que o referido contrato produziu efeitos 
 como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, mas 
 que podia cessar em qualquer momento, desde que cumprido o pré-aviso de sessenta 
 dias.
 
        A. recorreu então para o Supremo Tribunal de Justiça, mas foi negado 
 provimento à revista acórdão de 8 de Fevereiro de 2005, de fls. 283.
 
        Para o que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que 'a 
 
 única questão a decidir' era a de 'saber se o contrato de trabalho em regime de 
 comissão de serviço celebrado entre as partes se poderá entender como nulo por 
 se não enquadrar no regime jurídico aplicável, e se era possível accionar a 
 cláusula de cessação a todo o tempo do regime de comissão de serviço, como prevê 
 o artigo 4º do DL nº 404/91, de 16 de Outubro'.
 
        Entendeu ainda que 'a relação jurídica existente entre as partes poderia 
 
 (…) entender-se ab initio como um contrato em regime de comissão de serviço', de 
 acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 404/91, mas que, 
 
 “por efeito da execução do contrato, ocorreu uma reconfiguração da relação 
 jurídica a ponto de se ter suprimido o elemento de transitoriedade que 
 inicialmente a caracterizava”. E decidiu que, “não obstante a alteração da sua 
 situação funcional, [a autora] manteve um estatuto remuneratório diferenciado, 
 que incluía uma verba mensal a título de despesas de representação e o direito 
 de utilização de um veículo de empresa, circunstância que, não se mostrando 
 consentânea com uma modificação  contratual que pressuponha a inserção da autora 
 no quadro hierarquizado da empresa, antes parece evidenciar um propósito, por 
 parte da entidade empregadora, de preservar (relativamente à trabalhadora) uma 
 posição profissional equivalente à que resultava do regime de comissão de 
 serviço”. 
 Ainda de acordo com a decisão recorrida, a Autora não logrou “alegar e provar 
 que ocorreu, nas circunstâncias do caso, uma alteração do objecto do contrato 
 inicial, em termos de poder entender-se que, à data da sua extinção, a relação 
 existente entre as partes se caracterizava já como um contrato por tempo 
 indeterminado”.
 Assim, o Supremo Tribunal de Justiça  concluiu que 'o caso dos autos não 
 configura, pois, uma situação de despedimento ilícito (…)'.
 
  
 
  
 
        2. Novamente inconformada, A. veio recorrer para o Tribunal 
 Constitucional “nos termos dos arts. 71º, 75º e 75º-A, da Lei n.º 28/82 e tem 
 por fundamento a alínea f) do n.º 1 do art. 70º da mesma Lei, considerando a 
 recorrente que a interpretação constante do Acórdão recorrido que admite a 
 manutenção da validade do regime de contrato de trabalho em comissão de serviço  
 e a consequente validade da sua cessação não obstante o trabalhador contratado 
 não desempenhar as funções constantes da sua admissão ao serviço, é, no entender 
 da recorrente, interpretação não consentida pelo art. 53º da Constituição, que 
 deste modo se mostra claramente violado com a orientação interpretativa 
 seguida”, invocando ter “suscitado aquela inconstitucionalidade no n.º 7 das 
 conclusões do recurso de revista interposto”.
 
        O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 
 do artigo 76º da Lei nº 28/82). 
 
        Já neste Tribunal, foi pela proferido o despacho de fls. 312, convidando 
 a recorrente “a completar o requerimento de interposição de recurso, 
 nomeadamente indicando qual a norma (ou as normas) que pretende que o Tribunal 
 Constitucional aprecie e em qual dos fundamentos da alínea f) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, se baseia o recurso”.
 
        Em resposta, a recorrente veio dizer o seguinte, a fls. 314:
 
 “1.º
 A questão que se suscita nos presentes autos tem por base a seguinte matéria de 
 facto:
 a) A recorrente foi admitida ao serviço da recorrida em 1995 através de um 
 contrato de trabalho em comissão de serviço (Dec.-Lei 404/91), para o desempenho 
 das funções de Assessora do Conselho de Gerência da recorrida;
 b) Pelo menos a partir de Maio de 2001 deixou de desempenhar aquelas funções 
 tendo passado a estar integrada na hierarquia intermédia da recorrida;
 c) Em 31 de Dezembro de 2001 a recorrida fez cessar o contrato de trabalho com a 
 recorrente invocando o termo da comissão de serviço – art. 4.º do Dec.-Lei 
 
 404/91.
 
  
 
 2.º
 Perante este quadro defende a recorrente que, tendo deixado de desempenhar em 
 Maio de 2001 as funções de Assessora do Conselho de Gerência da recorrida, 
 cessaram a partir dessa data os fundamentos que conferiam validade ao contrato 
 como sendo de comissão de serviço, deixando de estar preenchidos os requisitos 
 da sua admissibilidade nos termos do artigo 1.º do Dec.-Lei 404/91.
 
  
 
 3.º
 O Acórdão recorrido veio, no entanto, sustentar que a A., «não obstante a 
 alteração da sua situação funcional, manteve um estatuto remuneratório 
 diferenciado, que incluía uma verba mensal a título de despesas de representação 
 e o direito de utilização de um veículo de empresa, circunstância que, não se 
 mostrando consentânea com uma modificação  contratual que pressuponha a inserção 
 da autora no quadro hierarquizado da empresa, antes parece evidenciar um 
 propósito, por parte da entidade empregadora, de preservar (relativamente à 
 trabalhadora) uma posição profissional equivalente à que resultava do regime de 
 comissão de serviço», concluindo pois o acórdão recorrido que a empresa mais não 
 fizera do que perpetuar uma situação mesmo quando haviam cessado as funções da 
 A. que tinham justificado a celebração de um contrato em comissão de serviço, 
 razão porque era válida a cessação contratual ocorrida.
 
  
 
 4.º
 A regra no nosso direito laboral é a de que a relação é tendencialmente 
 perpétua, estando garantido o direito à segurança no emprego e sendo de carácter 
 excepcional e taxativas as situações previstas na lei que permitem a cessação do 
 vínculo contratual – art. 53.º da Constituição.
 
  
 
 5.º
 No entender da A. a interpretação defendida no acórdão recorrido permite a 
 cessação do vínculo laboral por decisão unilateral do empregador mesmo quando a 
 natureza transitória da relação laboral deixou de existir, violando o princípio 
 citado.
 
  
 
 6.º
 E violando deste modo frontalmente o princípio constante do art. 53.º da 
 Constituição.
 
  
 
 7.º
 Entendendo-se que o recurso é admissível nos termos da alínea f) do n.º 1 do 
 art. 70.º da Lei 28/82, por a interpretação conjugada que o acórdão recorrido 
 faz dos arts. 1.º e 4.º do Dec.-Lei 404/91 não é consentânea com a previsão do 
 art. 53.º da Constituição.
 
  
 
 8.º
 Admitindo-se embora que a admissibilidade do recurso melhor estivesse enquadrada 
 na alínea b) do n.º 1 do citado art. 70.º.”
 
  
 
        3. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso, por 
 não estarem preenchidos os respectivos requisitos de admissibilidade.
 
        Em primeiro lugar, porque a recorrente, reafirmando recorrer ao abrigo do 
 disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, não invoca qualquer 
 das ilegalidades previstas nessa mesma alínea como fundamento do recurso 
 interposto.
 
        Em segundo lugar, e independentemente da falta eventual de outros 
 requisitos de admissibilidade, porque, ainda que se pudesse considerar 
 interposto o recurso ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da 
 Lei nº 28/82, o recorrente não teria cumprido o ónus de suscitar, 'durante o 
 processo', como exige essa mesma alínea b), a inconstitucionalidade de qualquer 
 norma contida nos artigos 1º e 4º do Decreto-Lei n.º 404/91.
 
        A recorrente, aliás, nem no requerimento de interposição de recurso, nem 
 na resposta de fls. 314 define qualquer interpretação desses preceitos que, 
 tendo sido adoptada pelo acórdão recorrido, possa ser apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional no âmbito deste recurso, restrito à apreciação de questões de 
 inconstitucionalidade normativa e não de inconstitucionalidades atribuídas à 
 própria decisão impugnada.
 
  
 
        4. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da 
 decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
 
        Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso. 
 
        Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. »
 
  
 
 2. Inconformada, a recorrente veio reclamar para a conferência, nos termos do 
 disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, requerendo “que, em 
 conferência, se decida sobre a admissibilidade do presente recurso e do seu 
 prosseguimento”.
 Para o efeito, a ora recorrente discorda das razões que levaram à decisão de não 
 conhecimento do recurso, nestes termos:
 
 “3º. Entende que recorrente que a decisão recorrida ofende claramente o 
 princípio da segurança e estabilidade do emprego que o artº 53º da Constituição 
 visa preservar.
 
 4º. Mas vai mais longe do que isso ao defender a interpretação dos arts. 1º e 4º 
 do Dec.-Lei 404/91 que claramente viola aquele normativo ao entender que se 
 mantém a validade do regime do contrato de trabalho em comissão de serviço não 
 obstante o trabalhador contratado tenha deixado de prestar as funções 
 condicionadoras da validade da celebração desse tipo contratual.
 Afastando-se do Juízo de constitucionalidade que do Dec.-Lei 404/91 fez o 
 Acórdão desse tribunal  de 4 de Abril de 1991 (…)”.
 
  
 Notificada para o efeito, a reclamada não respondeu.
 
  
 
 3. A reclamada não contesta nenhum dos fundamentos apontados na decisão 
 reclamada como impedindo o conhecimento do objecto do recurso.
 Nada há, por isso, a acrescentar ao que ali se escreveu, e que agora se 
 confirma.
 
  
 Assim, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do 
 recurso.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
 Lisboa, 12 de Julho de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Vítor Gomes
 Artur Maurício