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Processo n.º 871/2005
 
 2.ª Secção                                                         
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
              (Conselheira Maria Fernanda Palma)
 
  
 
  
 Acordam Na 2.ª Secção Do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.No âmbito do processo n.º 1718/02.9JBLSB, que correu seus termos no 3.º Juízo 
 do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, A. requereu o desentranhamento da 
 sua fotografia, utilizada no processo, entre outros, para efeito de 
 identificação de suspeito de ilícitos investigados nos autos.
 O requerimento foi indeferido por despacho com o seguinte teor:
 
 «Veio A., Deputado ao Parlamento Europeu, requerer que seja mandada desentranhar 
 imediatamente do apenso ao processo a fotografia do requerente que lá se 
 encontra para ser a ele entregue ou destruída.
 Sucede, porém, que não vejo fundamento para tal pretensão.
 A fotografia do Ilustre Requerente, obtida pela Polícia Judiciária através de 
 pesquisa na Internet, consta efectivamente de um dos apensos deste processo – AJ 
 
 – sob o número “2”.
 Trata-se de uma entre muitas outras fotografias de “figuras públicas” (pelo 
 cargo que desempenham os retratados ou a profissão que exercem), 
 maioritariamente recolhidas da Internet, revistas e jornais.
 Foram, sempre no decurso da fase de inquérito, aleatoriamente numeradas e 
 organizadas no dito apenso para serem exibidas a testemunhas com o propósito de 
 identificarem ou não os suspeitos dos ilícitos criminais sob investigação.
 O mesmo apenso constitui, assim, um dos elementos de prova constante destes 
 autos mencionado na acusação e que deverá ser apreciado na fase processual em 
 curso (na perspectiva da sua validade ou invalidade de que ora, naturalmente, se 
 não cura).
 A fotografia do Requerente no apenso AJ não foi obtida de forma ilegal (mediante 
 designadamente, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na 
 correspondência ou nas telecomunicações – cf. art.º 126.° do CPP); nem a sua 
 inclusão no apenso e subsequente exibição para fins puramente investigatórios 
 constituiu actuação ilegítima por banda dos órgãos de polícia criminal ou dos 
 Magistrados do Ministério Público então titulares do inquérito.
 O direito à imagem goza de reconhecimento e tutela tanto por parte da Lei 
 Fundamental (art.º 26.°, n.º 1, da CRP) como por parte das leis penal (art.º 
 
 199.°, n.º 2, do CP) e civil (art.º 79.° do CC). “Mas a consagração do direito à 
 imagem como autónomo bem jurídico-criminal não implica necessariamente uma 
 tutela penal global e congruente, sc., uma protecção em todas as direcções e à 
 custa da criminalização de todos os atentados, sob a forma de lesão ou perigo” 
 
 (Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra 
 Editora, 1996, p. 143).
 Estatui o citado art.º 79.° do CC:
 
 1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no 
 comércio sem o consentimento dela; (...)
 
 2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o 
 justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou 
 de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a 
 reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de 
 interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
 
 3. (...)
 Regime de “excepção” (o do transcrito n.° 2 do art.º 79.° do CC) que 
 manifestamente se verifica no caso em apreço. A utilização da fotografia do 
 Requerente norteou-se por exigências de polícia ou de justiça e mostrou-se 
 necessária pela notoriedade e a natureza do cargo que desempenhava (público, 
 actualmente Deputado do Parlamento Europeu, exerceu anteriormente vários outros 
 cargos públicos importantes, é escritor distinguido, etc.).
 Em suma: inexiste fundamento legal que possibilite os propugnados 
 desentranhamento, restituição ou destruição da fotografia do Requerente 
 incorporada nestes autos (e seguramente que o não permitem as invocadas 
 disposições dos art.ºs 125.° do CPP e 71.° do CC).
 Finalmente, cumpre-me tão-só acrescentar o seguinte.
 Não me compete sindicar, nesta sede, o teor das aludidas notícias publicadas no 
 semanário “…” e no “…”, mas a análise dos autos evidencia que qualquer mancha 
 que delas tenha resultado para a honra, bom nome e reputação quer do Ilustre 
 Requerente quer de outras personalidades públicas não pode ser atribuída ao 
 estrito uso do dito apenso AJ como técnica exclusiva de investigação criminal.
 Pelo exposto, indefiro o requerido pelo Sr. Dr. A..»
 Desta decisão interpôs o requerente recurso para o Tribunal da Relação de 
 Lisboa, sustentando nas conclusões o seguinte:
 
 «a) – Porque o processo penal é considerado “direito constitucional aplicado” e, 
 num Estado de Direito, os direitos naturais se antepõem aos direitos da 
 colectividade, daqui decorre que estes só podem ser “restringidos nos casos 
 expressamente previstos pela Constituição, devendo as restrições limitar-se ao 
 necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos”, 
 ou seja, face a exigências objectivas de “necessidade” e “proporcionalidade”.
 Qualquer diferente interpretação viola o referido artigo 18.° da C.Rep., como 
 ensinam Prof. F. Dias, in “Direito Processual Penal”, ed. de 1974, págs. 96 e 
 
 97, e Gil Moreira dos Santos, in “O Direito Processual Penal”, pág. 38.
 b) – Trate-se de “reforço” da razão de ciência ou meio de esclarecimento, 
 
 “reconhecimento” ou “prova documental”, nada legitima já, em termos probatórios, 
 a manutenção nos autos de algo que deixou de ser pertinente porque relativo aos 
 que “nada têm a ver com os factos” – artigos 340.º, n.º 4, a) e b), e 291.º, n.º 
 
 1, do C.P.P..
 Outro entendimento quanto à necessidade de permanecer “junto” aos autos e 
 validade de tais “indícios” viola, em erro de interpretação o regime dos artigos 
 
 138.º, n.ºs 4 e 5, como 147.º, n.º 4, 340.º, n.º 4, a) e b), e 291.º, n.º 1, do 
 C.P.P..
 c) – Se atentarmos no regime prescrito quanto à permanência nos autos de “meios 
 de prova”, sempre aferidos pela ideia de “necessidade” e “proporcionalidade”, 
 vemos que manter nos autos “retratos” que, no momento da acusação, deixaram de 
 ter relevo para qualquer identificação (?), contraria o regime dos artigos 18.° 
 da C.Rep., 267.º – “meios de prova necessários” –, 186.º do C.P.P. – “logo que 
 se tornar desnecessário para efeitos de prova” – e 188.º, n.º 3 – IIª parte – 
 como 190.º – “destruição” de gravações se e porque “não relevantes”, todos do 
 C.P.P., e os princípios da interpretação da norma processual penal, tal como 
 apontado na antecedente al. a) destas conclusões.
 d) – Se o douto despacho recorrido aceita que “Figuras públicas há muitas”, mas 
 não explica nem fundamenta a razão por que dentre nada menos de 230 deputados na 
 Assembleia da República, mais 25 deputados portugueses no Parlamento Europeu, só 
 foram escolhidas as personalidades que constam do apenso, 
 ou dentre os responsáveis políticos com alguma notoriedade e militância 
 partidária, não se encontra ninguém do Partido Comunista Português ou da 
 coligação CDU/Os Verdes, enquanto foram incluídas personalidades de todos os 
 outros partidos com assento parlamentar,
 e também a razão para que de entre os escritores, analistas, comentadores e 
 colaboradores regulares da comunicação social, só foram escolhidos os que alguma 
 vez tiveram oportunidade de se pronunciar sobre o segredo de justiça, as escutas 
 telefónicas, a prisão preventiva ou mesmo aspectos ligados ao processo Casa Pia, 
 ali não figurando nenhuma “quota” de outras categorias de figuras públicas 
 
 (directores de órgãos de comunicação social, banqueiros, empresários, 
 magistrados, etc., etc.),
 manter “junto aos autos”, para a prevista “devassa” e “deleite da maledicência”, 
 uns quantos,
 
 é violar o princípio da proibição do arbítrio, segundo o qual se consideram 
 
 “inadmissíveis as diferenciações de tratamento desprovidas de justificação 
 razoável segundo critérios objectivos e a identidade de tratamento para 
 situações manifestamente desiguais” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e 
 Teoria da Constituição, 7.ª edição, p. 1298, com referência ao Ac. TC. 644/94, 
 DR, II, 1.2.95),
 ou seja, inconstitucionalidade material.
 e) – Fundamentar em “exigências de polícia ou de justiça”, tuteladas no n.º 2 do 
 art.º 79.º do Código Civil, a manutenção da fotografia do recorrente nos autos,
 
 é fazer errada interpretação daquele preceito,
 bem como da noção de Offentlichkeit, que envolve a aparição ou utilização da 
 imagem de alguém no espaço público, incluindo o da comunicação social, e não 
 para quaisquer outros, já que, como ensinam Vital Moreira e Gomes Canotilho:
 
 “O direito à imagem tem um conteúdo assaz rigoroso, abrangendo, primeiro, o 
 direito de cada um de não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em 
 público sem o seu consentimento (...)” (Constituição da República Portuguesa, 
 
 3.ª ed., p. 181, itálico nosso).
 Isto porque a compressão da privacidade apenas atinge “os factos ou a actividade 
 que tem que ver com a notoriedade da pessoa”. (Cunha Rodrigues, Lugares do 
 Direito, p. 36), o que não é nunca o caso de Quem “nada tem a ver com os 
 factos”.
 Termos em que, reparada a douta decisão, pelo agravo continuado que está a 
 causar ao recorrente,
 e sempre pela sua revogação, se fará
 JUSTIÇA
 O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 30 de Junho de 2005, considerou 
 o seguinte:
 
 «Das conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação (e como se sabe são 
 as conclusões que demarcam o objecto do recurso) vemos que a decidir está da 
 legitimidade e utilidade ou não da manutenção da sua fotografia no apenso AJ, 
 utilizado no decurso do inquérito para viabilizar eventuais identificações de 
 pessoas que houvesse de investigar nos autos já que denúncias aí feitas se 
 reportavam a pessoas não concretamente identificadas mas pertencentes a um 
 universo que se pode caracterizar como de pessoas com notoriedade pública, 
 legitimidade que o recorrente põe em causa pretendendo:
 
 - que deixou de ser pertinente em termos probatórios, mesmo como reforço da 
 razão de ciência ou meio de esclarecimento, a manutenção nos autos de prova 
 
 (reconhecimento ou prova documental) que “nada tem a ver com os factos” – 
 artigos 340.º, n.º 4, a) e b), e 291.º, n.º 1, do C.P.P. II, (considerando que 
 outro entendimento quanto à necessidade de permanecer “junto” aos autos e 
 validade de tais “indícios” viola, em erro de interpretação, o regime dos 
 artigos 138.º, n.ºs 4 e 5, como 147.º, n.º 4, 340.º, n.º 4, a) e b), e 291.º, 
 n.º 1, do C.P.P.),
 
 - que em vista do regime de permanência nos autos de “meios de prova”, que se 
 pauta pela ideia de “necessidade” e “proporcionalidade”, manter nos autos 
 
 “retratos “ que, no momento da acusação, deixaram de ter relevo para qualquer 
 identificação (?), contraria o regime dos artigos 18.° da C. Rep., 267.º – “meio 
 de prova necessários”, 186.º do C.P.P. – “logo que se tornar desnecessário para 
 efeitos de prova” – e 188.°, n.º 3 – II parte – 190.° – “destruição” de 
 gravações se e porque “não relevantes” – todos do C.P.P., e os princípios da 
 interpretação da norma processual penal,
 
 - que, fundamentar tal manutenção com “as exigências de polícia ou de justiça” 
 tuteladas no art.º 79.° do C. Civil é fazer errada interpretação deste preceito, 
 sendo que, na medida em que foi, a seu ver, arbitrário o critério de selecção 
 das fotografias incluídas em tal apenso, com o decidido – não explicando ou 
 fundamentando a razão dessa selecção – se violou o princípio da proibição do 
 livre arbítrio, bem como o seu direito à imagem.
 A respeito desta última vertente da sua argumentação na medida em que o 
 recorrente põe em causa o critério que presidiu à selecção das fotografias – e 
 em particular da sua fotografia – a incluir no Apenso AJ dos autos (inclusão 
 que, dada a divulgação por órgãos de comunicação social, lhe terá causado 
 grandes incómodos), nada mais se nos oferece dizer do que o que se refere na 
 douta resposta a tal respeito, que, na medida a seguir consignada, aqui 
 transcreveremos:
 
 “...o Ministério Público através de comunicado da Procuradoria-Geral da 
 República, e o próprio Procurador-Geral da República pessoalmente, prestaram os 
 esclarecimentos necessários e bastantes ao recorrente...”
 Os procedimentos e legalidade “e o porquê da inclusão de uma sua fotografia, e 
 porque não a de outrem, no Apenso AJ” foram já explicados ao recorrente, não 
 decorrendo essa inclusão “de nenhum facto, porque foi aleatória”, não carecendo 
 o Ministério Público “de solicitar ao recorrente ou a quem quer que fosse 
 
 (designadamente figuras públicas cuja imagem caiu no domínio público), quer 
 autorização para tal inclusão, tendo em conta os fins a que se destinava, quer a 
 opinião de que fotografias de outrem deveriam, ou não, aí ser incluídas.”
 
 …
 
 “Nos presentes autos denunciavam-se factos susceptíveis de enquadrar crimes 
 contra a autodeterminação sexual de crianças e de lenocínio ocorridos na Casa 
 Pia de Lisboa”.
 
 “Assim, o universo das potenciais vítimas estava, à partida, delimitado; e o 
 mesmo circunscrevia-se aos alunos e ex-alunos da Casa Pia de Lisboa”.
 
 “Foram inquiridos centenas de menores que descreviam os seus abusadores como 
 sendo personalidades “que usavam fato; que tinham carros de alta cilindrada, que 
 apareciam na televisão ou que eram políticos, descrição aproximada do conceito 
 de figura pública”.
 
 “Foram assim, logo à partida, referenciadas várias pessoas como estando 
 envolvidas no abuso sexual de alunos da CPL, mencionadas pelos nomes, umas com 
 maior ou menor projecção pública e outras completamente anónimas”.
 
 “De forma a viabilizar o prosseguimento da investigação, e a garantir que a 
 eventual confirmação das pessoas em causa como estando envolvidas na prática de 
 crimes sexuais contra crianças era feita de forma a não suscitar dúvidas, nos 
 casos em que as vítimas não soubessem identificar os autores dos factos de que 
 foram vítimas pelos nomes, foi organizado um apenso a estes autos contendo um 
 número elevado de fotografias, não só dos indivíduos suspeitos mas também de 
 muitos outros indivíduos, não relacionados com os factos em investigação.”
 
 …
 
 “As suspeitas que chegaram à investigação apontavam no sentido de que entre os 
 abusadores sexuais das crianças da CPL se contavam políticos, desportistas, 
 artistas e pessoas ligadas à carreira diplomática com elevada notoriedade 
 pública.”
 
 “Assim, o critério adoptado na elaboração do Apenso AJ foi o da notoriedade 
 pública das figuras dele constantes, escolhendo-se personalidades dos diversos 
 quadrantes políticos e áreas de intervenção pública, aleatoriamente 
 
 (“...qualquer critério que estipulasse quotas em função da filiação partidária, 
 da confissão religiosa, da modalidade desportiva praticada, do clube de futebol 
 ou do grupo profissional seria insusceptível de perseguir o objectivo policial 
 de identificação de suspeitos, uma vez que o critério da notoriedade pública 
 ficaria comprometido, porquanto tais personalidades não têm a mesma projecção 
 pública, em função até das funções que exercem...).
 Outrossim, “... o Apenso AJ foi organizado de forma completamente aleatória, ... 
 de modo a excluir toda e qualquer influência nos eventuais reconhecimentos que 
 viriam a ser realizados pelas vítimas “...resultando ainda “em casos pontuais” 
 
 “o critério de inclusão dos nomes...” “da circunstância de ter revelado uma 
 proximidade com os arguidos dos autos, permitindo suspeitar que pudessem ser 
 seus companheiros no desenrolar da actividade criminosa - inclusões que 
 ocorreram, “na maior parte dos casos, antes de qualquer pronunciamento público”.
 
 …
 
 …
 Assim, a organização do Apenso AJ obedeceu ao critério da notoriedade pública 
 das pessoas que nele constam, nele figurando pessoas que nada tinham a ver com a 
 matéria dos autos, mas, também, e obviamente, pessoas que foram referenciadas 
 nos autos como abusadores sexuais de menores, como frequentadores de locais onde 
 os menores eram recrutados para essas práticas ou como estando próximas de 
 abusadores sexuais”.
 
 “Tal critério é pois sindicável, o que basta para garantir a sua aleatoriedade e 
 a sua necessidade em razão das exigências policiais e processuais que in casu se 
 faziam sentir”.
 Temos pois que nenhuma razão assiste a A. quando invoca arbitrariedade no 
 critério de selecção das fotografias incluídas em tal apenso e consequente 
 violação do princípio da proibição do livre arbítrio: como bem refere ainda o MP 
 na sua resposta, ao fazer tal invocação “... o recorrente enferma” – com o 
 devido respeito – “num vício de raciocínio ao confundir conceitos como 
 arbitrariedade com aleatoriedade.”
 Não pode assim a sua argumentação, no que a tal invocação se refere, ter 
 acolhimento.
 Claudica, por outro lado, na medida em que dela decorria, a sua alegação de que 
 ao fundamentar a manutenção da sua fotografia no Apenso AJ com “as exigências de 
 polícia ou de justiça” tuteladas no art.º 79.º do C. Civil se fez errada 
 interpretação deste preceito.
 Estabelecendo tal preceito que “o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, 
 reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela” estabelece no 
 entanto também que (...) “não é necessário o consentimento da pessoa retratada 
 quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências 
 de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou 
 quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de 
 factos de interesse público que hajam decorrido publicamente (...)”
 Ora, perante as sobreditas exigências procedimentais de recolha de prova e 
 patente que é ser o recorrente uma figura pública, quer por cargos públicos 
 desempenhados e condição de escritor de renome, quer por se dedicar à escrita 
 regular em vários órgãos de comunicação social, onde aparece frequentemente a 
 sua fotografia (estatuto que ele próprio reconhece quando invoca prejuízos em 
 razão da inclusão dessa fotografia no Apenso AJ), tal inclusão por forma alguma 
 constitui “actuação ilegítima dos órgãos de polícia criminal ou dos Magistrados 
 do Ministério Público então titulares do inquérito”, estando perfeitamente 
 justificada nos termos do preceito na sua mais correcta interpretação.
 Temos pois e em suma que, contrariamente ao que sustenta, perfilando‑se 
 exigências de polícia ou de justiça previstas nessa norma, é, ao abrigo da 
 mesma, justificada (não envolvendo, como se expôs, qualquer arbitrariedade) e 
 conforme à letra e espírito do preceito, a utilização da fotografia em causa 
 
 (obtida de forma legal), sem consentimento do recorrente, pela forma e para os 
 fins referidos, nenhuma objecção, do ponto de vista do direito à imagem, podendo 
 fazer-se a essa utilização, do modo autorizado por essas exigências e pelo tempo 
 necessário em vista das mesmas.
 De forma alguma essa utilização decorre assim de má interpretação do preceito – 
 nem a implicará a sua manutenção nos autos enquanto se mantiverem essas 
 exigências – não tendo o recorrente razão quando defende o contrário.
 Também nesta vertente não poderá a sua argumentação ter acolhimento.
 Importa depois decidir – de tal decisão dependerá a posição a assumir quanto às 
 demais vertentes da impugnação do recorrente – se existe ainda interesse na 
 manutenção nos autos da fotografia em causa e bem assim se a sua permanência 
 
 (que é autorizada – mas também, reflexamente, depende – da exigências de polícia 
 ou de justiça) no processo é lícita.
 Defende o recorrente que, deduzida a acusação, deixou de ter relevo para 
 qualquer identificação nos autos a manutenção nos autos da fotografia em causa, 
 considerando por outro lado que, não tendo sido reconhecido – nem acusado – se 
 trata de prova que nada tem a ver com os factos, em tais termos sendo 
 irrelevante (mesmo como reforço da razão de ciência ou meio de esclarecimento), 
 do que, tudo, conclui tratar-se de elemento desnecessário aos autos cuja 
 permanência nos mesmos deixou de ser pertinente em termos probatórios, 
 contrariando as ideias de “necessidade” e “proporcionalidade” que a ela devem 
 presidir e bem assim o disposto nos preceitos legais que invoca, incluindo o 
 art.º 18.° da CRP.
 
 É certo que, deduzida acusação, cessaram as necessidades investigatórias, não 
 estando já autorizada qualquer nova indicação de identidade (foi para a 
 identificação de eventuais suspeitos das práticas criminosas em investigação nos 
 autos e não para reconhecimento pessoal nos termos do art.º 147.° do CPP que se 
 usou o apenso em causa) com recurso ao Apenso AJ.
 Todavia (e também neste aspecto a argumentação expendida na douta resposta, por 
 incontornável a sua razoabilidade, merece a nossa inteira concordância, sendo 
 que, por inexcedivelmente clara e incisiva a forma como é exposta, dela faremos 
 parcial transcrição) a pretendida extracção da sua fotografia ou de qualquer 
 outra nas mesmas circunstâncias (de pessoa que não foi identificada por qualquer 
 vítima nem acusada, assim integrando nos autos, definitivamente, o grupo 
 daqueles a quem podemos chamar, passe o termo e sem qualquer falta ao respeito, 
 de meros “figurantes” da fase de identificação do processo) seria “gravemente 
 atentatória do respeito dos direitos fundamentais constitucionalmente 
 consagrados, sendo, até, esse sim, o plasmar da consagração do principio do 
 livre arbítrio da actuação policial”.
 Daí não encontrar na lei, naturalmente, nenhum suporte.
 De facto, “...se se tivesse destruído o Apenso AJ, ou mesmo se nela fossem 
 apenas mantidas as fotografias das pessoas que vieram a ser constituídas 
 arguidas nos autos, de que forma é que a actuação investigatória poderia ser 
 sindicada? E como valorar o processo de identificação se tinham sido destruídas 
 as fotografias dos não suspeitos e dos não arguidos? Que Estado de Direito 
 sobreviveria a actuações policiais não sindicáveis e não transparentes?
 
 “Aliás, se se tivessem destruído as fotografias referidas, como poderia o ora 
 recorrente pedir aos Tribunais que reparassem a alegada violação dos seus 
 direitos fundamentais?”
 O apenso AJ constitui assim, já não, é certo, um meio de prova, “activo”, ou “de 
 sentido positivo” da/s condutas/s criminalmente perseguidas nos autos, mas um 
 elemento de prova que permite aferir “da transparência e do rigor da ... 
 investigação” e “reflecte o exercício da legalidade democrática contra o livre 
 arbítrio policial...”, nessa medida e em tais termos sendo indiscutível não 
 apenas o interesse mas mesmo a necessidade imperiosa da sua manutenção no 
 processo – até final de cujo desenrolar essa legalidade deve poder ser sindicada 
 
 – e bem assim a subsistência das exigências de justiça que autorizaram a 
 utilização, mediante a sua junção ao processo, da fotografia do recorrente e a 
 legalidade da decisão que a determinou que, contrariamente ao por ele invocado, 
 não violou qualquer princípio ou norma legal, maxime constitucional.
 Na realidade, nem a junção, nem a manutenção da fotografia do recorrente no 
 apenso AJ puseram em causa os direitos que a lei quis tutelar (designadamente 
 com as normas invocadas pelo recorrente) em medida que exceda o cabível na 
 ressalva da parte final do n.º 2 do art.º 79.° do Código Civil, sendo em tais 
 termos a “retracção” desses direitos que envolvam justificada pelos valores que 
 informaram o estabelecimento dessa ressalva, seguramente prevalecentes sobre 
 aqueles direitos inclusivamente do ponto de vista constitucional:
 Assim, se é indiscutível que a CRP salvaguarda – e bem assim as leis civil e 
 penal – o direito à imagem, indiscutível é também a necessidade de promover e 
 assegurar o exercício da acção da justiça em ordem a garantir a concretização 
 pelo Estado (através da acção dos seus órgãos, como sejam, na medida das suas 
 atribuições, as polícias) a quem compete, da justiça e da segurança, valores 
 constitucionais fundamentais consagrados cuja tutela amplamente justifica a 
 cedência, na medida do necessário, do direito em causa.
 E se já a prevalência do interesse da prossecução da justiça sobre direitos 
 pessoais em nada colide com a letra ou o espírito da nossa lei “mãe” (que, antes 
 pelo contrário, a tem implícita e, em certos casos, sempre tendo em vista aquela 
 prossecução, até expressamente consagra) muito menos com essa letra e espírito 
 colide a prevalência sobre o direito pessoal em causa do interesse em garantir 
 que o exercício da acção dos agentes do Estado (como sejam, na medida das suas 
 atribuições, as polícias) na prossecução daqueles valores, nomeadamente a 
 justiça, possa ser sindicado em termos de se aferir da sua conformidade legal, 
 interesse necessariamente intrínseco a todo o texto constitucional, que na sua 
 mais pura essência visa a implementação de uma ordem legal transparente 
 
 “fiscalizável”.
 Em suma, temos pois que nenhuma razão assiste ao recorrente em qualquer das 
 vertentes da sua argumentação, não merecendo a decisão recorrida, ponderada sob 
 que enfoque for, qualquer censura.
 Deverá pois manter-se, o que se decidirá, sem prejuízo de se deixar consignado 
 que muito se respeitam e lamentam eventuais consequências desagradáveis que as 
 referências feitas pela comunicação social (decerto desacompanhadas das 
 justificações necessárias à compreensão do seu exacto alcance e das motivações 
 legais que a determinaram) à inclusão da sua fotografia no Apenso supra referido 
 possam ter tido para o recorrente, sendo porém, (e em consonância ainda com 
 referência também feita pelo MP na sua resposta) que tais consequências 
 decorrerão do tratamento que haja sido dado ao facto e não de ilegalidade do uso 
 da dita fotografia no processo em causa (legítimas que são, como se disse, a sua 
 inclusão e subsistência no processo até final).»
 
 2.Veio, então, o recorrente interpor recurso de constitucionalidade através de 
 um requerimento em que disse:
 
 «Dr. A., recorrente nos autos,
 porque parte vencida nos autos – o que lhe confere legitimidade e interesse em 
 agir –, e porque o faz relativamente a decisão que não admite recurso ordinário 
 
 – artigo 400.º do C.P.P. – o faz em tempo, e sobre questão de 
 inconstitucionalidade suscitada nas alegações – e conclusões – de recurso, que 
 foi implicitamente desatendida,
 vem interpor RECURSO para o Tribunal Constitucional,
 que terá regime de subida imediata, nos autos, e com efeito devolutivo.
 O fundamento invocado é o da inconstitucionalidade material decorrente da 
 aplicação das normas dos artigos 186.º do C.P.P. – “logo que se tornar 
 desnecessário para efeitos de prova” – e n.º 2 do art.º 79.º do Código Civil, 
 quando interpretadas estas no sentido de permitir “manter nos autos ‘retratos’ 
 que, no momento da acusação, deixaram de ter relevo para qualquer 
 identificação”, na medida em que assim se “contraria o regime do artigo 18° da 
 C.Rep.”, por ofensa da ideia de “necessidade” e “proporcionalidade”, bem como se 
 
 “violar o princípio da proibição do arbítrio, segundo o qual se consideram 
 
 “inadmissíveis as diferenciações de tratamento desprovidas de justificação 
 razoável segundo critérios objectivos e a identidade de tratamento para 
 situações manifestamente desiguais”.
 
 (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 
 p. 1298, com referência ao Ac. TC. 644/94, DR, II, 1.2.95).
 E, para mais, quando, na douta decisão recorrida se diz que:
 
 “a pretendida extracção da sua fotografia ou de qualquer outra nas mesmas 
 circunstâncias (... de meros “figurantes” da fase de identificação do processo) 
 seria “gravemente atentatória do respeito dos direitos fundamentais 
 constitucionalmente consagrados...”, enquanto ocorre, no caso, “prevalência 
 sobre o direito pessoal em causa do interesse em garantir que o exercício da 
 acção dos agentes do Estado ... na prossecução daqueles valores, nomeadamente a 
 justiça, possa ser sindicado em termos de se aferir da sua conformidade legal” 
 
 (sic – !)»
 Proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de recurso, ao 
 abrigo do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, respondeu o 
 recorrente o seguinte:
 
 «A., recorrente nos autos,
 vem, para os efeitos da douta notificação, e do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal 
 Constitucional,
 dizer que a razão da solicitação da intervenção desse Venerando Tribunal é fazer 
 apreciar a constitucionalidade da interpretação feita, no caso concreto, dos 
 artigos 125.º, 147.º, como 186.º, com referência à parte final do artigo 178.º, 
 n.ºs 1, in fine, e 2, todos do C.P.P., por violação dos artigos 26.º, n.ºs 1 e 
 
 2, com referência à ideia de necessidade e proporcionalidade – artigo 18.º, como 
 o anterior da lei fundamental –, quando se mantém nos autos imagem de terceiros, 
 nem sequer indiciados como suspeitos, se colhidas à sua revelia, sem seu 
 consentimento, se dessa manutenção nos autos, passada a fase de secretismo, 
 puder resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa 
 retratada.
 Requer, pois, fique este nos autos.»
 O recorrente produziu alegações que concluiu do seguinte modo:
 
 «a) – Porque o processo penal é considerado “direito constitucional aplicado” e, 
 num Estado de Direito, os direitos naturais se antepõem aos direitos da 
 colectividade, daqui decorre que estes só podem ser “restringidos nos casos 
 expressamente previstos pela Constituição, devendo as restrições limitar-se ao 
 necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente 
 protegidos”, 
 ou seja, face a exigências objectivas de “necessidade” e “proporcionalidade”, 
 pelo que qualquer diferente interpretação viola o referido artigo 18.° da C. 
 Rep., como ensinam Prof. F. Dias, in “Direito Processual Penal”, ed. de 1974, 
 págs. 96 e 97, e Gil Moreira dos Santos, in “O Direito Processual Penal”, pág. 
 
 38.
 b) – Se se entende que dadas fotos ou documentos devem ficar apensos a um 
 processo em fase de inquérito, ou temos um caso de “apreensão para servir de 
 prova” – artigo 178.°, n.º 1 – in fine, do C.P.P.,
 ou um meio de prova, e temos que aferir da sua legalidade – artigo 125.° do 
 C.P.P.
 b.1) – Se era apreensão, desde que se concluiu que “nada têm a ver com os 
 factos” e o processo a que respeita fica aberto à consulta de todos, nos autos, 
 haveria que fazer cessar a exposição da “imagem” de que poderia advir lesão do 
 bom nome”.
 b.1.1) – E isto é mais exigível se a manutenção visa só “garantir que o 
 exercício da acção dos agentes do Estado ... na prossecução daqueles valores, 
 nomeadamente a justiça, possa ser sindicado em termos de se aferir da sua 
 conformidade legal”, e já não, como “um meio de prova, “activo” ...da/s 
 conduta/s criminalmente perseguidas nos autos”,
 Viola o regime dos artigos 186.° n.º 1, e 125.° do C.P.P., por ofensa dos 
 artigos 18.° n.º 2, e 26.°, n.ºs 1 e 2, da C. Rep, uma tal interpretação.
 c) – Se, relativamente à inserção de vários nomes, o critério é o de que 
 
 “Figuras públicas há muitas”, mas não explica nem fundamenta a razão por que 
 dentre nada menos de 230 deputados na Assembleia da República, mais 25 deputados 
 portugueses no Parlamento Europeu, só foram escolhidas as personalidades que 
 constam do apenso,
 ou dentre os responsáveis políticos com alguma notoriedade e militância 
 partidária, não se encontra ninguém do Partido Comunista Português ou da 
 coligação CDU/Os Verdes, enquanto foram incluídas personalidades de todos os 
 outros partidos com assento parlamentar,
 ou ainda por que razão, de entre os escritores, analistas, comentadores e 
 colaboradores regulares da comunicação social, só foram escolhidos os que alguma 
 vez tiveram oportunidade de se pronunciar sobre o segredo de justiça, as escutas 
 telefónicas, a prisão preventiva ou mesmo aspectos ligados ao processo Casa Pia, 
 ali não figurando nenhuma “quota” de outras categorias de figuras públicas 
 
 (directores de órgãos de comunicação social, banqueiros, empresários, 
 magistrados, etc., etc.),
 
 é violar o princípio da proibição do arbítrio, segundo o qual se consideram 
 
 “inadmissíveis as diferenciações de tratamento desprovidas de justificação 
 razoável segundo critérios objectivos e a identidade de tratamento para 
 situações manifestamente desiguais” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e 
 Teoria da Constituição, 7.ª edição, p. 1298, com referência ao Ac. TC. 644/94, 
 DR, II, 1.2.95),
 ou seja, inconstitucionalidade material, por ofensa do regime dos artigos 13.°, 
 n.ºs 1 e 2, da C. Rep.
 d) – Fundamentar em “exigências de polícia ou de justiça”, tuteladas no n.º 2 do 
 art.º 79.º do Código Civil, a manutenção da fotografia do recorrente nos autos,
 e admitir manter esse elemento probatório por entender que “a um direito 
 fundamental como é o direito à imagem – “direito pessoal em causa”, se reconhece 
 no douto aresto –, se deve sobrepor um outro interesse quando, in casu, se 
 reconhece que não é de polícia nem de justiça,
 
 é interpretar o regime dos artigos 125.° e 147.° do C.P.P. em colisão com o 
 regime dos artigos 26.°, n.º 1, e 18.°, n.º 3, da C. Rep.
 Termos em que deve ser declarada a inconstitucionalidade dos artigos 147.°, 
 
 186.°, n.º 1, e 125.° do C.P.P., por ofensa do regime dos artigos 26.°, n.º 1, e 
 
 18.°, n.º 3, da C. Rep., quando interpretados, como no caso, no sentido de que 
 devem manter-se nos autos, ainda que agora para “prova ... da “transparência e 
 rigor” “da ... investigação” e “exercício da legalidade democrática contra o 
 livre arbítrio policial” (sic), elementos indiciários utilizados na fase de 
 inquérito e relativos à imagem e bom nome de cidadão que ali é descrito como 
 
 “mero figurante da fase da identificação” (sic), demais se a recolha da sua 
 imagem não tem nada a ver com a notoriedade do retratado e da manutenção desse 
 elemento no processo, atenta a tendencial publicidade do processo, pode advir 
 lesão desses direitos fundamentais, direitos cuja garantia é para o próprio 
 Estado “tarefa fundamental” – artigo 9.°, alínea b), da lei “mãe”, na expressão 
 da douta decisão que suscitou este recurso.
 Pensa que, na procedência deste recurso,
 se fará
 JUSTIÇA»
 Por seu turno, o Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
 
 «1.º – O objecto dos recursos de constitucionalidade, tipificados na alínea b) 
 do n.º 1 do artigo 70.° da Lei n.º 28/82, tem carácter necessariamente 
 normativo, cabendo ao recorrente o ónus de suscitar, durante o processo e em 
 termos processualmente adequados, uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, indicando os preceitos legais, integradores da “ratio decidendi”, e 
 especificando a concreta interpretação normativa que deles foi feita e padece da 
 apontada inconstitucionalidade.
 
 2 – Limitando-se o recorrente, durante o processo, a questionar a legalidade e 
 conformidade a certos princípios constitucionais de um concreto acto processual 
 
 – a manutenção nos autos da respectiva fotografia, utilizada para o efeito de 
 identificação de possíveis suspeitos de práticas criminosas – sem questionar a 
 constitucionalidade da norma que verdadeiramente constitui “ratio decidendi” do 
 acórdão recorrido – que consta do artigo 79.°, n.º 2, do Código Civil – não se 
 verificam os pressupostos do recurso interposto, pelo que não se deverá dele 
 conhecer.»
 O recorrente respondeu à questão prévia suscitada pelo Ministério Público do 
 seguinte modo:
 
 «1.º A asserção suscitada agora, já o fora anteriormente pela MMª 
 Conselheira-Relatora, antes de mandar produzir alegações,
 
 2.° que, face ao esclarecimento-aperfeiçoamento, mandou prosseguir o processo.
 
 3.° Reconhecendo o brilho da argumentação que sustenta a arguição da “questão 
 prévia”, a que nos habituou o seu Ilustre subscritor,
 
 4.° cremos que não deixou de se observar os princípios que permitem e legitimam 
 o controlo da constitucionalidade.
 De facto,
 
 5.° na fundamentação do recurso interposto para a Veneranda Relação, analisando 
 os pontos 9 a 15 dessa peça, parece ter que se concluir que se reagia contra uma 
 interpretação do artigo 79.°, n.º 2, do C.C. que, aproveitando a sua 
 interpretação face às exigências do processo penal, permitisse uma limitação a 
 um direito de personalidade,
 
 6.° onde se viole a regra da “proibição do arbítrio” – n.ºs 37 e 38 dessa peça,
 
 7.° ou fazendo prevalecer o regime dos artigos 186.º e 188.º do C.P.P. – n.ºs 
 
 56, 57 e conclusão c) –, mas aqui, violando a regra da “necessidade e 
 proporcionalidade”.
 
 8.° A questão central é a interpretação do n.º 2 do artigo 79.º do C.C., quando 
 em confronto com o artigo 18.º da C.Rep.,
 
 9.° ou, o que é o mesmo, se o regime do n.º 2 do artigo 79.º do C.C. consagra, 
 em termos constitucionais, a interpretação que faça prevalecer às regras da 
 
 “necessidade” e “proporcionalidade”, meios de prova, se estes forem colhidos com 
 base em critérios de “livre arbítrio”.
 
 10.° Isso parece ser claro no requerimento de interposição de recurso para o 
 Venerando Tribunal Constitucional,
 
 11.º como na seriação das “questões fundamento”, que antecedem a formulação da 
 
 “questão-resolução” – alínea c) das conclusões das alegações neste Tribunal:
 viola – ou não – a Constituição – artigo 26.º, n.º 1 – fundamentar no n.º 2 do 
 artigo 79.º do C.C., com apelo a “exigências de justiça ou de polícia”, o 
 direito à imagem, se a situação nada tem a ver com necessidades de polícia nem 
 de justiça, porque o recurso a regras do processo penal que para tal se 
 invocavam nunca tal podia legitimar, tendo em conta as regras constitucionais da 
 
 “proibição do livre arbítrio” e da “necessidade” e “proporcionalidade” – artigo 
 
 18.°, n.º 3, da C.Rep.?
 
 12.° Esta a conclusão que parece inferir-se da formulação da síntese conclusiva, 
 e que parece ter sido entendida como tal aquando do douto despacho notificado ao 
 recorrente, em 15 de Dezembro p.p., quando, suscitada a questão do objecto do 
 recurso, se mandou prosseguir para alegações.
 Termos em que se requer que, junto este aos autos, se conheça da 
 inconstitucionalidade – imoralidade da questão que se traduz numa “tranquila” 
 exposição de um qualquer cidadão a “linchamento moral”.»
 Cumpre decidir (após inscrição do processo em tabela, discussão com base num 
 
 “memorando” apresentado pela primitiva relatora e mudança de relator por 
 vencimento).
 II. Fundamentos
 A) Questão prévia
 
 3.Há que começar por tratar da questão prévia suscitada pelo Ministério Público 
 nas suas contra-alegações, a qual, a proceder, conduziria ao não conhecimento do 
 recurso.
 Segundo o Ministério Público, o recorrente limitou-se a, durante o processo, 
 
 “questionar a legalidade e conformidade a certos princípios constitucionais de 
 um concreto acto processual – a manutenção nos autos da respectiva fotografia, 
 utilizada para o efeito de identificação de possíveis suspeitos de práticas 
 criminosas”, sem, porém, suscitar a inconstitucionalidade da norma que teria 
 constituído ratio decidendi do acórdão recorrido – o artigo 79.°, n.º 2, do 
 Código Civil.
 O requerimento do presente recurso de constitucionalidade define, porém, como 
 objecto do recurso a apreciação de uma questão de constitucionalidade normativa, 
 mais precisamente, a apreciação da
 
 «inconstitucionalidade material decorrente da aplicação das normas dos artigos 
 
 186.º do C.P.P. – “logo que se tornar desnecessário para efeitos de prova” – e 
 n.º 2 do art.º 79.º do Código Civil, quando interpretadas estas no sentido de 
 permitir “manter nos autos ‘retratos’ que, no momento da acusação, deixaram de 
 ter relevo para qualquer identificação”, na medida em que assim se “contraria o 
 regime do artigo 18° da C.Rep.”, por ofensa da ideia de “necessidade” e 
 
 “proporcionalidade”, bem como se “violar o princípio da proibição do arbítrio, 
 segundo o qual se consideram “inadmissíveis as diferenciações de tratamento 
 desprovidas de justificação razoável segundo critérios objectivos e a identidade 
 de tratamento para situações manifestamente desiguais”».
 Consultando as alegações produzidas pelo recorrente junto do Tribunal da Relação 
 de Lisboa, verifica-se que estas invocam, desde o seu início, também o artigo 
 
 79.º do Código Civil, e a interpretação que o recorrente considera mais 
 correcta, no sentido de impor a eliminação dos autos da sua fotografia. Nas 
 conclusões das alegações, por sua vez, pode ler-se que
 
 «manter “junto aos autos”, para a prevista “devassa” e “deleite da maledicência” 
 de uns quantos, é violar o princípio da proibição do arbítrio, segundo o qual se 
 consideram “inadmissíveis as diferenciações de tratamento desprovidas de 
 justificação razoável segundo critérios objectivos e a identidade de tratamento 
 para situações manifestamente desiguais”.
 
 (…)
 manter nos autos “retratos” que, no momento da acusação, deixaram de ter relevo 
 para qualquer identificação (?), contraria o regime do artigo 18.° da C.Rep.».
 E ainda:
 
 «Fundamentar em “exigências de polícia ou de justiça”, tuteladas no n.º 2 do 
 art.º 79.º do Código Civil, a manutenção da fotografia do recorrente nos autos,
 
 é fazer errada interpretação daquele preceito,
 bem como da noção de Offentlichkeit, que envolve a aparição ou utilização da 
 imagem de alguém no espaço público, incluindo o da comunicação social, e não 
 para quaisquer outros, já que, como ensinam Vital Moreira e Gomes Canotilho:
 
 “O direito à imagem tem um conteúdo assaz rigoroso, abrangendo, primeiro, o 
 direito de cada um de não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em 
 público sem o seu consentimento (...)” (Constituição da República Portuguesa, 
 
 3.ª ed., p. 181, itálico nosso).
 Isto porque a compressão da privacidade apenas atinge “os factos ou a actividade 
 que tem que ver com a notoriedade da pessoa”. (Cunha Rodrigues, Lugares do 
 Direito, p. 36), o que não é nunca o caso de Quem “nada tem a ver com os 
 factos”.»
 Está fora de dúvida que o recorrente, ao invocar, perante o tribunal a quo, a 
 desconformidade com a Constituição, não chega a efectuar uma enunciação expressa 
 do critério normativo, recondutível a determinado (e apenas a um) preceito 
 legal, que considerava violador da Constituição. Entende-se, porém, que resulta 
 das expressões transcritas ainda a indicação de um critério normativo, e que, 
 confrontado com essas alegações, o tribunal recorrido foi posto em condições de 
 saber que lhe era posta uma questão de conformidade com a Constituição, não 
 apenas do concreto acto de manutenção dos autos da fotografia do recorrente, mas 
 dos critérios normativos (da “interpretação daquele preceito”, que é o artigo 
 
 79.º do Código Civil) que a permitiam – isto é, com uma questão de 
 constitucionalidade normativa.
 Improcede, pois, a questão prévia do não conhecimento do recurso por falta de 
 suscitação da questão de constitucionalidade da dimensão normativa que se 
 pretende ver apreciada.
 
 É certo que se regista, mesmo posteriormente, alguma flutuação do recorrente na 
 identificação precisa das disposições legais a que imputa essa dimensão 
 interpretativa. Designadamente, na fórmula com que encerrou as suas alegações 
 refere-se ao julgamento de inconstitucionalidade “dos artigos 147.°, 186.°, n.º 
 
 1, e 125.° do C.P.P., por ofensa do regime dos artigos 26.°, n.º 1, e 18.°, n.º 
 
 3, da C. Rep., quando interpretados, como no caso, no sentido de que devem 
 manter-se nos autos, ainda que agora para “prova ... da “transparência e rigor” 
 
 “da ... investigação” e “exercício da legalidade democrática contra o livre 
 arbítrio policial” (sic), elementos indiciários utilizados na fase de inquérito 
 e relativos à imagem e bom nome de cidadão que ali é descrito como “mero 
 figurante da fase da identificação” (sic), demais se a recolha da sua imagem não 
 tem nada a ver com a notoriedade do retratado e da manutenção desse elemento no 
 processo, atenta a tendencial publicidade do processo, pode advir lesão desses 
 direitos fundamentais, direitos cuja garantia é para o próprio Estado “tarefa 
 fundamental” – artigo 9.°, alínea b), da lei “mãe”, na expressão da douta 
 decisão que suscitou este recurso”.
 Mas, além de já não estar então em causa o requisito da suscitação da questão de 
 inconstitucionalidade “durante o processo”, a verdade é que resulta dessas 
 alegações (v. os n.ºs 22 a 27) que o recorrente impugna a conformidade com a 
 Constituição da interpretação do artigo 79.º, n.º 2, do Código Civil segundo a 
 qual pode manter-se nos autos a sua fotografia, devido a “exigências de polícia 
 ou de justiça”. E a mesma referência a esta norma encontra-se, aliás, 
 posteriormente, na resposta à questão prévia suscitada pelo Ministério Público. 
 Deixar-se-á, pois, de lado o conjunto de disposições do Código de Processo Penal 
 relativas à prova (aos meios de prova, e, designadamente, às apreensões) a que o 
 recorrente imputa a interpretação a apreciar, no final das suas alegações (os 
 artigos “125.º, 147.º e 186.º, com referência à parte final do artigo 178.º, 
 n.ºs 1, in fine, e 2, todos do Código de Processo Penal”). Substancialmente, a 
 questão de constitucionalidade é, aliás, a mesma, reportando-se à interpretação 
 do n.º 2 do artigo 79.º do Código Civil no sentido de permitir manter nos autos 
 
 “retratos” de “figuras públicas” utilizados na fase de inquérito sem 
 consentimento do retratado, para identificação dos arguidos em processo penal 
 que ainda não tem decisão transitada em julgado.
 Tomar-se-á, pois, conhecimento do recurso com tal objecto.
 
 4.Antes de prosseguir importa, porém, precisar alguns pontos relativos à 
 delimitação da dimensão normativa em apreciação, que tem de corresponder, quer à 
 que foi definida pelo recorrente no requerimento de recurso, quer à norma 
 aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido.
 Em primeiro lugar, não está em causa (pelo menos directamente) a apreciação da 
 legalidade da recolha e utilização da fotografia do recorrente, em si mesma, ou 
 do meio de identificação ou de prova que com ela se pretendeu obter. A eventual 
 ilicitude do emprego da fotografia do recorrente – utilizada sem o seu 
 consentimento, recorde-se – apenas pode relevar enquanto pressuposto da dimensão 
 normativa em análise, para a consequência jurídica pretendida pelo recorrente, e 
 que é a sua eliminação dos autos e devolução ao recorrente.
 Da mesma forma, com a apreciação da dimensão normativa indicada não está o 
 Tribunal Constitucional a pronunciar-se, directa ou indirectamente, sobre a 
 legalidade, e possibilidade de utilização no processo, do meio de identificação 
 e de prova – um “álbum” de fotografias de “figuras públicas” – para o qual foi 
 utilizada a fotografia do requerente, ou sobre a manutenção da necessidade de 
 identificação, e prova da identidade dos arguidos em julgamento (isto é, a 
 afirmação de que, alegadamente, as fotografias “deixaram de ter relevo para 
 qualquer identificação”). E também não está em causa no presente recurso a 
 apreciação do critério – aleatório ou alegadamente “arbitrário” – que presidiu à 
 elaboração do meio de identificação e prova em causa, consistente na busca de 
 pessoas pertencentes ao universo de “figuras públicas”, identificado pelas 
 vítimas.
 Estas questões terão de ser apreciadas no local próprio, que é, designadamente, 
 o processo penal em que a imagem do recorrente, constante da sua fotografia, foi 
 utilizada.
 O que está em causa é, apenas, como resulta do pedido efectuado pelo recorrente, 
 a existência de uma obrigação, para protecção do seu direito à imagem, de 
 eliminação da fotografia dos autos e sua devolução ao recorrente, 
 independentemente da valoração que a sua recolha e utilização possa ter, quer no 
 processo penal em questão quer até noutros processos. E pode, mesmo, dizer-se 
 que a manutenção da possibilidade de um juízo sobre tal recolha e emprego, para 
 identificação e prova, não são irrelevantes para o juízo a fazer sobre a 
 conformidade com a Constituição da dimensão normativa em análise.
 Por fim – mas não por último –, tem de deixar-se bem vincado o facto de também 
 não estar em causa qualquer juízo sobre condutas que se tenham referido à 
 presença da fotografia do recorrente nos autos, ou, mesmo, sobre apreciações 
 relativas ao sentido dessa presença, designadamente em confronto com o direito à 
 honra (quer à “honra propriamente dita”, quer ao bom nome e reputação 
 profissional, ao crédito pessoal ou ao simples decoro) do recorrente. É óbvio – 
 deveria mesmo ser desnecessário referir – que, objectivamente, do emprego da 
 fotografia em causa, inserindo-a no referido “álbum” de fotografias de “figuras 
 públicas” que foi utilizado para identificação de futuros arguidos no processo, 
 não resulta, por si só, a imputação de qualquer facto ou a formulação de 
 qualquer juízo de valor, sequer sob a forma de suspeita, relativo ao recorrente 
 ou a qualquer outra das muitas e respeitadas “figuras públicas” que aí se 
 encontram. Se tal utilização foi objecto de explorações, designadamente 
 jornalísticas, em notícias, títulos ou artigos de opinião, lesivos da honra do 
 recorrente pela sua associação à matéria em causa no processo penal em questão, 
 então tais condutas deverão ser igualmente objecto de valoração e julgamento na 
 sede própria, eventualmente como caluniosas ou difamatórias, com relevância 
 civil e/ou penal. E não está também excluído que, se o emprego da fotografia do 
 recorrente pelos órgãos de polícia criminal ou pelo Ministério Público tiverem 
 sido ilícitos, e lhe tiver causado danos, tais condutas lesivas fundamentem uma 
 correspondente acção, intentada pelo lesado.
 Não é, porém, este julgamento que pode estar agora em questão no presente 
 recurso, limitado, como é, à apreciação de questões de constitucionalidade, e, 
 no presente caso, de constitucionalidade de uma norma que apenas se refere à 
 manutenção nos autos, ou eliminação e devolução ao recorrente, da sua 
 fotografia.
 Não pode, aliás, considerar-se que a norma a que o recorrente se refere no 
 requerimento de recurso, na parte em que se refere ao facto de “dessa manutenção 
 nos autos, passada a fase de secretismo, [poder] resultar prejuízo para a honra, 
 reputação ou simples decoro da pessoa retratada”, tenha sido aplicada pelo 
 tribunal recorrido. Este concluiu, antes, que por lamentar “eventuais 
 consequências desagradáveis que as referências feitas pela comunicação social 
 
 (decerto desacompanhadas das justificações necessárias à compreensão do seu 
 exacto alcance e das motivações legais que a determinaram) à inclusão da sua 
 fotografia no Apenso”, dizendo que “tais consequências decorrerão do tratamento 
 que haja sido dado ao facto”, mas não de “ilegalidade do uso da dita fotografia 
 no processo em causa”, que considerou legítimo.
 
 5.Tomar-se-á, pois, conhecimento do recurso de constitucionalidade, tendo por 
 objecto a apreciação da conformidade com a Constituição da norma do artigo 79.º, 
 n.º 2, do Código Civil, na interpretação segundo a qual pode ser mantida nos 
 autos, por “exigências de polícia ou de justiça”, a imagem de terceiro, não 
 indiciado como suspeito, que foi, conjuntamente com outras fotografias de 
 figuras públicas, utilizada sem seu consentimento, durante o inquérito, para 
 identificação pelas vítimas de suspeitos que são arguidos em processo penal, 
 ainda sem decisão transitada em julgado.
 B) Questão de constitucionalidade
 
 6.O recorrente entende que a norma em questão viola os artigos 26.º, n.º 1, e 
 
 18.º da Constituição, este último na medida em que consagra a exigência de 
 necessidade e de proporcionalidade para as restrições a direitos, liberdades e 
 garantias – no caso, o direito à imagem.
 Ora, é sem dúvida correcta a conclusão de que a norma em causa contende com um 
 direito fundamental submetido ao regime dos direitos, liberdades e garantias, 
 que é o direito à imagem. Já a invocação do direito à honra – enquanto ideia ou 
 
 “imagem” moral externa da pessoa –, essa, está deslocada na medida em que, como 
 se referiu, da mera inclusão da imagem ou retrato do recorrente no “álbum” 
 constante dos autos não resulta objectivamente qualquer imputação de facto ou 
 formulação de juízo de valor (para além da qualificação como “figura pública”) 
 que sejam depreciativos, mesmo apenas para o “simples decoro” (artigo 79.º, n.º 
 
 3, do Código Civil) do retratado, e em que – repete-se – a “exploração” dessa 
 inclusão em termos difamatórios ou caluniosos deverá ser objecto de apreciação 
 noutra sede.
 O direito à imagem é afectado pela dimensão normativa em apreciação, na medida 
 em que se possa configurar como direito a controlar a captação, recolha e 
 utilização de sinais visualmente identificadores da pessoa, e em particular do 
 retrato (o Código Civil, no artigo 79.º, n.º 1, apenas se refere, aliás, ao 
 retrato, que é o que está em questão no presente caso). Com efeito, a manutenção 
 nos autos do retrato do recorrente, contra a sua vontade (depois, aliás, de a 
 sua inclusão ter ocorrido também sem consentimento, ou, sequer, conhecimento), 
 configura uma restrição a essa possibilidade de controlo da utilização do 
 retrato, e, portanto, uma limitação ao direito à imagem.
 
 7.O facto de a manutenção do retrato do recorrente nos autos, contra a sua 
 vontade, afectar o “âmbito de protecção” do direito à imagem não legitima, 
 porém, a conclusão imediata, sem mais, de que qualquer solução normativa que a 
 permita será inconstitucional.
 Com efeito, além dos limites a que, em abstracto, o direito à imagem está 
 submetido – como os decorrentes das necessidades de polícia ou de justiça, ou, 
 para as figuras públicas, da compatibilização com outros direitos fundamentais, 
 como o direito à informação (situação, esta última, que não está em causa no 
 presente recurso) – há que ter em conta a necessidade de compatibilização, na 
 situação concreta, entre o direito à imagem e outros direitos ou interesses 
 constitucionalmente protegidos, alguns igualmente elevados pelo legislador 
 constitucional ao estatuto de “direitos, liberdades e garantias”.
 Não está aqui em causa apenas, nem é aqui relevante de modo decisivo – note-se 
 bem – a necessidade de um controlo, público (pela opinião pública) ou pelos 
 
 órgãos superiores de administração da policia e das magistraturas, do desempenho 
 dos sujeitos processuais que levou à inclusão da fotografia do recorrente nos 
 autos, ou, em geral, do inquérito em que esta se inseriu. Nem é necessário tomar 
 posição na questão de saber se o emprego e utilização da fotografia do 
 recorrente foram ilícitos – questão que se deixa em aberto, por não competir a 
 este Tribunal a sua apreciação.
 Mesmo supondo tal ilicitude, a referida compatibilização com outros direitos ou 
 interesses constitucionalmente relevantes apresenta-se especialmente delicada 
 quando, como é o caso, o retrato do recorrente foi já utilizado no processo 
 penal, com consequências processuais significativas para terceiros – 
 designadamente, para os arguidos em processo ainda sem decisão transitada em 
 julgado, que tenham sido identificados com base no conjunto das fotografias, 
 entre as quais se contou a do recorrente. Devido a tal utilização (e tenha ela 
 sido, ou não, legalmente permitida), passa a perfilar-se um conflito de 
 interesses tutelados como direitos fundamentais (cf., a propósito da destruição 
 de elementos obtidos mediante a intercepção de telecomunicações, recentemente, o 
 Acórdão n.º 660/2006, in www.tribunalconstitucional.pt), entre os arguidos e os 
 titulares do direito à imagem utilizada, que não é eliminado apenas pela simples 
 proibição de valoração do “álbum” como elemento de prova. Com efeito, a 
 eliminação, com devolução ao recorrente, das imagens (no caso, do “álbum”) 
 utilizadas para identificação dos arguidos, que estes poderiam pretender invocar 
 também em seu benefício, para contestar a identificação efectuada, e, até, para 
 invocação e prova da ilegalidade de actos do inquérito, constitui, também, uma 
 compressão das garantias de defesa do arguido, particularmente notória na 
 comparação da sua posição com a da acusação, que elaborou o meio de 
 identificação em causa e se baseou nele para a acusação.
 Nestas circunstâncias, a eliminação da fotografia dos autos e sua devolução ao 
 recorrente, com a consequente destruição (total ou parcial, mas possivelmente na 
 parte relevante) do meio que serviu para a identificação de arguidos sem decisão 
 transitada em julgado (antes ainda a ser julgados), afectaria sem dúvida também 
 as possibilidades de defesa dos arguidos. Independentemente da legalidade do 
 emprego da fotografia em causa e do meio de identificação a que se recorreu, o 
 que é certo é que a impossibilidade de o analisar e contraditar, na sua versão 
 originária (incluindo a fotografia do recorrente), limitaria agora as “garantias 
 de defesa” dos arguidos (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição) ainda sem decisão 
 transitada em julgado. E tal eliminação inviabilizaria, ainda, as possibilidades 
 de prova e de controlo da ilegalidade do inquérito, em acção intentada contra o 
 Estado pelos arguidos que tenham sido lesados pela utilização de meios ilegais 
 de identificação.
 Não está em causa a necessidade, ou a possibilidade, de cometimento de novos 
 ilícitos, ou de prolongamento dos efeitos de ilícitos passados (isto, mesmo 
 supondo que o emprego e utilização da fotografia do recorrente foram ilícitos – 
 questão que se deixa em aberto, por não competir a este Tribunal a sua 
 apreciação), mediante a manutenção da fotografia do recorrente nos autos. Antes 
 a necessidade (ou melhor, a possibilidade) dessa manutenção, para tutela de 
 interesses dos terceiros afectados, igualmente elevados ao estatuto de 
 
 “direitos, liberdades e garantias”, se compreenderá, se tal for o caso, ainda 
 como um efeito causado pela utilização ilícita da fotografia, que pode 
 igualmente ser invocado pelo titular do direito à imagem que nessa medida sofra 
 prejuízos.
 Já se vê, pois, que, ainda que se reconheça que a manutenção da imagem do 
 recorrente nos autos afecta o direito à imagem deste, que nessa medida não 
 controla o seu emprego – como não controlou a sua utilização no inquérito –, tal 
 manutenção pode ser justificada no caso concreto, à luz de um juízo de 
 ponderação, pela protecção dos interesses dos arguidos “contra os quais” ela foi 
 utilizada, para sua identificação (e, em particular, das suas garantias de 
 defesa) e pelo próprio controlo e prova da eventual ilegalidade do meio de 
 identificação e de prova, pelo menos, enquanto o processo penal em que este foi 
 utilizado ainda não tiver decisão transitada em julgado.
 Não pode, aliás, dizer-se que a afectação da imagem do recorrente, enquanto 
 direito ao controlo da recolha e utilização do retrato (à “auto-determinação” em 
 relação à informação pessoal em que consiste a imagem), seja, no presente caso, 
 um efeito desproporcionadamente gravoso, mesmo para um terceiro, designadamente, 
 considerando a ausência de um seu objectivo sentido depreciativo – e 
 desconsiderando, por isso, eventuais atentados à honra ou ao decoro, e a 
 responsabilidade dos seus autores (ou mesmo de quem utilizou a fotografia, por 
 ter indirectamente causado tais ofensas) –, designadamente em confronto com a 
 posição dos arguidos no processo penal, que podem ter de recorrer às fotografias 
 em causa para se defender, ou aos lesados por actos de investigação processual 
 penal violadores da lei (incluindo, até, outros titulares de fotografias 
 incluídas no processo).
 Conclui-se, assim, ponderando com o direito à imagem do requerente os 
 interesses, também constitucionalmente tutelados, que pode servir a preservação 
 da fotografia em questão, constante dos autos, que a norma em apreciação não é 
 inconstitucional, pelo que é de negar provimento ao presente recurso.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)      Não julgar inconstitucional a norma do artigo 79.º, n.º 2, do Código 
 Civil, na interpretação segundo a qual pode ser mantida nos autos, por 
 
 “exigências de polícia ou de justiça”, a imagem de terceiro, não indiciado como 
 suspeito, que foi, conjuntamente com outras fotografias de figuras públicas, 
 utilizada sem seu consentimento, durante o inquérito, para identificação pelas 
 vítimas de suspeitos que são arguidos em processo penal ainda sem decisão 
 transitada em julgado.
 b)      Consequentemente, negar provimento ao presente recurso e condenar o 
 recorrente em custas, com 20  (vinte  ) unidades de conta de taxa de justiça.
 Lisboa,6 de Fevereiro de 2007
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues (vencido quanto à questão prévia do conhecimento, pois 
 entendo que o recorrente não suscitou em termos adequados, ou seja, em termos 
 tais que dessem suficientemente a entender ao Tribunal da Relação - que se 
 postava uma questão de constitucionalidade de uma certa dimensão normativa do 
 art.º 79.º, n.º 2 do Cód. Civil que se lhe impunha conhecer).
 Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta).
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 Tendo sido a primeira relatora do Acórdão, voto vencida pelas razões constantes 
 do Memorando que, então, apresentei e que aqui reproduzo, por corresponder ainda 
 
 à minha posição actual.
 Assim, resulta da solução dada à questão prévia que o problema de 
 constitucionalidade normativa objecto do presente recurso consiste na norma 
 segundo a qual se permite manter nos autos elementos que já não funcionam como 
 material probatório, por deixarem de ter relevo para a prova no momento da 
 acusação (isto é, no caso concreto, fotografias que já não relevam para qualquer 
 identificação).
 O problema que se coloca é, portanto, o de saber se tal norma, ancorada pelo 
 tribunal recorrido no artigo 79º, nº 2, do Código Civil, e nos artigos 29º e 
 
 340º, nº 4, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal, restringe de modo 
 injustificado algum direito fundamental, tal como o direito à imagem ou se os 
 valores constitucionais do Processo Penal ainda justificarão aquele critério 
 normativo.
 A resposta a tal questão tem de considerar o seguinte:
 a)  Os valores constitucionais do Processo Penal visam proteger um processo 
 justo e equitativo, o que abarca a salvaguarda de garantias de defesa e a 
 preservação de um núcleo irredutível de protecção da pessoa do arguido, mas 
 também a realização do Direito e a realização da justiça penal. 
 Assim, da conjugação dos artigos 32º, nº 1, 2º, e 20º, da Constituição, 
 extrai‑se, para o que aqui nos interessa, que a restrição de direitos 
 fundamentais pelo Processo Penal tem limitações irredutíveis, derivadas de um 
 princípio de justiça processual e da própria preservação no Processo Penal da 
 dignidade da pessoa humana.
 b)  Do enquadramento constitucional do Processo Penal resulta também que as 
 restrições aos direitos fundamentais são orientadas pelas necessidades inerentes 
 a um Processo Penal justo, segundo uma lógica de adequação e de 
 proporcionalidade.
 De acordo com estas considerações, a conclusão que se impõe é a de que as 
 restrições ao direito à imagem inerentes às necessidades de investigação no 
 inquérito são justificáveis no plano de uma ponderação de valores que se 
 aproxime da lógica de um estado de necessidade de investigação, admitindo‑se, 
 eventualmente, que o visado pelas medidas investigatórias possa não ser 
 suspeito.
 Porém, a manutenção no processo da imagem de um não suspeito sem qualquer 
 directa relação com a matéria da acusação levanta um nítido problema de 
 necessidade e de adequação.
 Com efeito, a razão invocada pelo Ministério Público – o controlo e 
 transparência da investigação – como justificação para manter nos autos 
 fotografias de um não suspeito apenas utilizadas para fins como confirmar a 
 plausibilidade da identificação dos arguidos ou tornar compreensíveis os métodos 
 de investigação, consubstancia uma restrição do direito à imagem (no caso de não 
 existir consentimento mesmo que presumido) em que qualquer lógica de um estado 
 de necessidade investigatório não tem cabimento.
 Somente a atribuição de um valor absoluto a quaisquer fins de utilidade 
 processual justificaria que estes se pudessem sobrepor à restrição de direitos 
 fundamentais de pessoas não suspeitas e não arguidas. Uma tal visão, que 
 envolveria e sacrificaria os direitos fundamentais de todas as pessoas não 
 suspeitas e não arguidas na realização dos fins do Processo Penal, pressuporia 
 que a realização da justiça penal deveria ser colocada num patamar de valor 
 absoluto que admitiria a instrumentalização utilitarística dos direitos de 
 terceiros à realização não só dos fins principais do Processo Penal como também 
 de fins colaterais e puramente instrumentais. 
 Sendo, sobretudo, esta última situação a que se revela nos presentes autos, 
 entendo que deveria ser julgada inconstitucional a norma sub judice, por 
 violação dos artigos 18º, nº 2, e 26º, da Constituição, relativamente à qual o 
 Tribunal Constitucional entendeu também,  como a primeira relatora já 
 propugnara, não ser atendível a questão prévia.
 
                                                   Maria Fernanda Palma