 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo n.º 109/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
    Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
 1. O relator proferiu a seguinte decisão, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A 
 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC):
 
  
 
 “1. A. (arguido e ora recorrente), interpôs recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, 
 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de 
 Dezembro de 2006, que rejeitou, com fundamento em manifesta improcedência, o 
 recurso que o arguido interpôs do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que 
 manteve a sua condenação na pena de 11 anos e 6 meses de prisão como autor de um 
 crime de homicídio previsto e punido nos termos do artigo 131.º do Código Penal. 
 
 
 O despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 
 
 76.º, n.º 3), entendendo-se dever proferir imediata decisão de não conhecimento 
 do seu objecto, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
 
 2. Relevam, para tanto as seguintes ocorrências processuais:
 a)           O recorrente foi condenado, no Tribunal Judicial do Sabugal 
 
 (acórdão do tribunal colectivo de 24 de Abril de 2006), na pena de 11 anos e 6 
 meses de prisão, como autor material de um crime de homicídio simples, previsto 
 e punido pelo artigo 131.º do Código Penal.
 b)           Por acórdão de 13 de Setembro de 2006, o Tribunal da Relação de 
 Coimbra negou provimento a recurso interposto pelo arguido do acórdão 
 condenatório.
 c)            O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, tendo sustentado na motivação do recurso, além do mais, as 
 seguintes conclusões:
 
 “A) Ao mandatário do recorrente não foi dado conhecimento da transcrição da 
 prova, nem, tão pouco, de que a mesma acompanhou e instruiu o recurso, sendo 
 inquestionável que, tal facto veio diminuir, indubitavelmente, as garantias de 
 defesa do arguido. 
 B) Ainda que se entenda que ao mandatário do arguido não deva ser enviada cópia 
 das transcrições, no mínimo deve ser-lhe comunicado que se encontram efectuadas 
 e juntas aos autos e que acompanham o recurso. 
 C) Diferente interpretação do disposto no artigo 101º, em conjugação com os 
 artigos 412°, n° 3 e 4 do C. P. Penal, como a que vem vertida no Acórdão 
 recorrido, não se mostra conforme o disposto no artigo 32°, n° 1 da C.R.P. 
 
 […].”
 d)           Por acórdão de 14 de Dezembro de 2006, o Supremo Tribunal de 
 Justiça rejeitou o recurso, por manifesta improcedência, com a seguinte 
 fundamentação (na parte pertinente):
 
  
 
 “1. Quanto aos três primeiros items. [A, B e C] das conclusões do recurso. 
 Alega o recorrente que lhe não foi dado conhecimento da transcrição da prova, 
 nem de que a mesma acompanhou e instruiu o recurso, o que lhe diminuiu as 
 garantias de defesa. 
 Trata-se de questão nova. 
 Como se colhe expressamente das [supra transcritas] conclusões da motivação do 
 recurso para a Relação de Coimbra, que delimitavam o objecto do mesmo, não foi 
 aí suscitada a questão em epígrafe, não tendo, pois, aquela Instância de 
 conhecer de tal questão. 
 Aliás, a ter havido — em seu entendimento - alguma irregularidade, deveria o 
 recorrente ter arguido a mesma nos termos do artigo 123°, n° 1, do CPP, e 
 impugnado validamente uma eventual decisão desfavorável, o que se não mostra ter 
 acontecido[…] 
 De qualquer modo, perfila-se, repetindo-nos, questão nova, cujo conhecimento, 
 enquanto tal, está vedado a este Supremo Tribunal em recurso 
 
 — que incide sobre o acórdão da Relação -‘ que, como se sabe é um meio de 
 corrigir o que foi decidido e, não, um processo de obter decisões novas.” 
 
  
 e)            O recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal 
 Constitucional, por requerimento em que refere:
 
  
 
 “1. O requerente pretende que o Tribunal Constitucional julgue inconstitucional 
 a interpretação e aplicação, efectuada no Acórdão proferido por este Alto 
 Tribunal do disposto nos artigos 101°, em conjugação com aos n°s 3 e 4 do artigo 
 
 414° do CPP, por se deparar violadora do disposto no artigo 32/1 da Constituição 
 da República Portuguesa. 
 
 2. Com efeito, todos os actos processuais devem ser notificados ao arguido 
 
 (artigo 61/1 do CPP), o que não sucedeu, in casu, com a transcrição da prova, 
 apesar de requerido. 
 
 3. Tal inconstitucionalidade e nulidade foi atempadamente invocada nos autos, 
 nomeadamente, no requerimento enviado, em 11 de Setembro de 2006, para o 
 Venerando Tribunal da Relação de Coimbra (ao contrário do que vem referido no 
 Acórdão recorrido — pag. 8) e na Motivação do recurso para o STJ, bem como nas 
 suas conclusões — A), B) e C) -. Tal como se referiu: 
 
 4. Sucede, porém, que ao mandatário do recorrente não foi dado conhecimento da 
 transcrição da prova, nem, tão pouco, de que a mesma acompanhou e instruiu o 
 recurso, sendo inquestionável que, tal facto veio diminuir, indubitavelmente, as 
 garantias de defesa do arguido. 
 
 5. O direito ao recurso em matéria penal, no sentido de direito à reapreciação 
 da declaração de culpabilidade e da condenação por uma segunda jurisdição, está 
 inscrito no artigo 32°, n° 1, da Constituição, como direito fundamental: a lei 
 assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. 
 
 6. O processo penal, por outro lado, tanto na estrutura dos modelos, como em 
 cada situação concreta, deve apresentar e representar a realização de 
 concordâncias práticas entre finalidades e meios, mediadas sempre pela 
 realização, na maior amplitude possível, dos princípios estruturantes e 
 constitucionais. 
 
 7. Entre os princípios estruturantes do processo penal democrático deve 
 salientar-se o princípio do processo equitativo, o qual é integrado por vários 
 elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de 
 conformação ou orientação processual. Os interessados não podem sofrer limitação 
 ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, 
 nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as 
 quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa 
 ordenação processual. 
 
 8. O processo equitativo, como “justo processo”, supõe que os sujeitos do 
 processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em 
 vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa. 
 
 9. Ora, o regime dos recursos em matéria de facto, na perspectiva de tomar 
 compatível, em grau elevado, o recurso como garantia e direito de defesa com as 
 implicações de ordem material, práticas e de organização, relativamente à 
 disponibilidade das transcrições da gravação de audiência, ou seja, um certo 
 modo de tomar efectivo o disposto no artigo 412°, nos 3 e 4, do C. P. Penal. 
 
 10. No entanto, sendo certo que o recorrente apresentou a sua motivação de 
 recurso, o mesmo deveria ter sido notificado da transcrição da prova e, 
 consequentemente ser-lhe concedido um novo prazo para que, em concreto, pudesse, 
 efectivamente, referir os pontos da matéria de facto, por remissão para a 
 transcrição certificada, que pretenderia ver reapreciados. 
 
 11. Ainda quer se entenda que ao mandatário do arguido não deva ser enviada 
 cópia das transcrições, no mínimo deve ser-lhe comunicado que se encontram 
 efectuadas e juntas aos autos e que acompanham o recurso. 
 
 12. Diferente interpretação do disposto no artigo 1010, em conjugação com os 
 artigos 412°, n° 3 e 4, todos do C. P. Penal, não se mostra conforme o disposto 
 no artigo 32°, n° 1 da C. R. P.” 
 
 13. Por outro lado, o Tribunal da Relação de Coimbra, ao não efectuar o exame 
 das provas e reanálise da matéria de facto, apesar do recorrente apresentar 
 recurso da matéria de facto, fez uma interpretação errada e desconforme com as 
 normas e princípios constitucionais, em violação do disposto nos artigos 32/1 e 
 
 205° da CRP. 
 
 14. Entendeu o acórdão da Relação de Coimbra, do qual se recorreu para o STJ que 
 o recorrente não deu cumprimento ao disposto nos artigos 412 n°s 3 e 4, ao 
 recorrer da matéria de facto. A este propósito, requer-se, tão só, que se atente 
 na motivação apresentada no recurso para tal Venerando Tribunal, para se aferir 
 de tal cumprimento, indicando, nomeadamente, os factos que não deveriam ter sido 
 considerados provados e os que não poderiam deixar de o ser. 
 
 […].”
 
  
 f)             Em 11 de Setembro de 2006, na pendência do recurso perante a 
 Relação, o recorrente apresentou um requerimento no sentido de lhe serem 
 notificadas as transcrições da prova gravada ou conferido prazo para as 
 verificar, dando-se sem efeito a audiência de julgamento agendada para 13 de 
 Setembro de 2006.
 g)           O que foi indeferido por despacho do relator (na Relação) do 
 seguinte teor: “Não existe preceito legal, que se conheça, que permita a 
 notificação das transcrições, como pretende o requerente (cfr. arts. 412/3/4 e 
 
 100.º e 101.º do C.P.P.)”.
 
  
 
 3. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70.º da LTC, das decisões dos demais tribunais que apliquem norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. 
 O recorrente pretende, ao abrigo desta norma, que o Tribunal aprecie a 
 
 (in)constitucionalidade da norma do artigo 101.º, em conjugação, com os n.ºs 3 e 
 
 4 do artigo 414.º, todos  do Código de Processo Penal, na interpretação com que 
 diz terem sido aplicados no acórdão recorrido. Refere-se o arguido à questão que 
 condensa nas conclusões A), B) e C) da motivação do recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça e que essencialmente consiste em, segundo alega, não lhe ter 
 sido dado conhecimento do conteúdo da transcrição da prova gravada, nem de que 
 essa transcrição acompanhou e instruiu o recurso para a Relação.
 Sucede, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça não apreciou tal questão, com 
 fundamento em que se tratava de questão nova cujo conhecimento lhe estava vedado 
 no recurso, por não ter sido oportunamente perante a Relação, nem oficiosamente 
 apreciada, no acórdão então em recurso. É o que claramente resulta do n.º 1 dos 
 
 “fundamentos sumários” do acórdão agora recorrido, que se transcreveu [supra 
 
 2.d)]. 
 Assim sendo, é forçoso concluir que o acórdão recorrido não fez aplicação da 
 norma ou normas que o recorrente refere. O Supremo Tribunal de Justiça verificou 
 se podia conhecer da questão a que o recorrente referencia a aplicação das 
 normas cuja inconstitucionalidade quer ver apreciada e foi a essa questão prévia 
 que respondeu negativamente. Não apreciou a questão então colocada pelo 
 recorrente e que, no entender deste, se resolvia ou pressupunha um certo sentido 
 das normas que indicava, sob pena de inconstitucionalidade. Julgou que essa era 
 questão afastada do seu poder cognitivo ou do objecto possível do recurso, por 
 falta de colocação oportuna perante a Relação. 
 Consequentemente, não pode conhecer-se do recurso por não ter por objecto normas 
 de que o acórdão tenha feito aplicação.
 
 4. Nos n.ºs 13 e seguintes do requerimento de interposição o recorrente 
 queixa-se da violação do n.º 1 do artigo 32.º e do artigo 205.º da Constituição 
 pelo Tribunal da Relação de Coimbra ao não efectuar o exame das provas e a 
 reanálise da matéria de facto. Não parece que esta referência vise incluir essa 
 questão no âmbito do recurso para o Tribunal Constitucional. Mas se o recorrente 
 teve tal pretensão, ela é manifestamente inadmissível, quer porque o objecto 
 
 (imediato) do recurso é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, quer porque o 
 recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade visa apreciar a 
 inconstitucionalidade das normas aplicadas e não a directa violação da 
 Constituição pelas decisões judiciais, em si mesmo consideradas.
 
 5. Decisão
 Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar 
 o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de 
 conta.”
 
  
 
  
 
                  2. O recorrente reclamou desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do 
 artigo 78.º-A da LTC, nos termos seguintes:
 
  
 
 “(..)por entender que se deve conhecer do objecto do Recurso apresentado, 
 porquanto, a contrario do que vem vertido na decisão sumária reclamada, a 
 questão da conformidade do artigos 101º do C. P. Penal com o artigo 32º, nº 1 da 
 C.R.P. foi, oportunamente, levantada nos autos.”
 
  
 
  
 
                  O Ministério Público responde que a reclamação é manifestamente 
 improcedente, porque o recorrente nada aduz que possa pôr em causa os 
 fundamentos da decisão reclamada.
 
  
 
  
 
 3. A falta de fundamento da presente reclamação é ostensiva.
 Como na decisão reclamada se demonstra, o acórdão recorrido não fez aplicação 
 das normas cuja constitucionalidade se quer ver apreciada porque qualificou a 
 questão a cuja solução, segundo o recorrente, essas normas interessam como 
 questão nova, cujo conhecimento lhe estava vedado por falta de colocação 
 oportuna perante a Relação. É a falta desse pressuposto relativo ao objecto do 
 recurso (aplicação da norma pela decisão recorrida) e não a falta de colocação 
 oportuna da questão de constitucionalidade que constitui fundamento da decisão 
 sumária, pelo que o protesto do recorrente de que suscitou a questão é 
 irrelevante.
 
  
 
  
 
 4. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 2 de Março de 2007
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Artur Maurício