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Processo n.º 992/05
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Gil Galvão
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
 I – Relatório
 
  
 
 1. Por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ora recorrido, de 
 
 16 de Novembro de 1999, foi o ora recorrente, A., condenado na pena disciplinar 
 de “perda de pensão pelo período de 12 meses”.
 
  
 
 2. Inconformado com este despacho o ora recorrente interpôs no Tribunal Central 
 Administrativo recurso contencioso de anulação, a que foi negado provimento por 
 acórdão de 1 de Julho de 2004. 
 
  
 
 3. Novamente inconformado o ora recorrente recorreu desta decisão para o Supremo 
 Tribunal Administrativo tendo, a concluir as suas alegações, formulado as 
 seguintes conclusões:
 
 “1 – Ao recorrente, que é funcionário público aposentado, foi aplicada a pena 
 disciplinar de «perda de pensão pelo período de doze meses», face ao art. 15º, 
 nº 1, do Estatuto Disciplinar.
 
 2 – O acto submetido a juízo de censura contenciosa, quando concretizado (e só 
 ainda não o foi porque está suspensa a sua eficácia), determina a privação total 
 da pensão não deixando ao Recorrente meio de subsistência – contendendo, pois, 
 com a sua sobrevivência. Assim, 
 
 3 – A norma em que se estriba – o art. 15º, nº 1, do Estatuto Disciplinar, é 
 materialmente inconstitucional por colidir com os arts. 1º (princípio da 
 dignidade da pessoa humana) e 63º, nº 1 e 3, da Constituição. Deste modo,
 
 4 – Dever-lhe-ia ter sido recusada aplicação (art. 204º da Constituição e art. 
 
 4º, nº 3 do ETAF de 1984) – pelo que, não tendo assim decidido, o douto acórdão 
 recorrido, não fez boa interpretação e aplicação do direito e, pois, não fez bom 
 julgamento.
 
 5 – A existência de norma de direito público constitucionalmente acomodável é 
 
 «elemento essencial» do acto administrativo. Ora,
 
 6 – A norma inconstitucional é uma «não norma» (se é que não é mesmo uma 
 
 «anti-norma») – o que significa «falta» de «elemento essencial» do acto 
 administrativo e, pois, determina a sua nulidade (cfr. arts. 120º e 133º, nº 1, 
 primeira parte, do Código de Procedimento Administrativo).
 
  
 
 4. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 11 de Outubro de 2005, 
 decidiu negar provimento ao recurso. Para concluir desta forma, e para o que 
 agora importa, fundamentou assim a decisão:
 
 “[...] Nas alegações do recurso jurisdicional ora em apreço, sem dirigir 
 qualquer crítica frontal à matéria ou questões apreciadas e decididas no acórdão 
 do TCA, o recorrente limita-se apenas a sustentar a inconstitucionalidade 
 material do art.º 15° n.° 1 do ED, norma esta em que se fundamentou o acto 
 contenciosamente impugnado e que determina que para os funcionários e agentes da 
 Administração Pública aposentados as penas de “inactividade” ou “suspensão” 
 sejam “substituídas pela perda do direito à pensão por igual tempo”.
 Segundo o recorrente, o art.º 15° n.° 1 do ED, norma em que se fundamentou o 
 acto impugnado para punir o recorrente enquanto aposentado da função pública 
 seria materialmente inconstitucional por colidir com o disposto nos art.º 1 ° 
 
 (princípio da dignidade humana) e 63° n.° 1 e 3 da CRP.
 
 [...]
 Afigura-se-nos no entanto que o art.º 15° nº1 do ED, aprovado pelo DL 24/84, de 
 
 16 de Janeiro, norma em que se fundamentou o acto contenciosamente impugnado, ao 
 permitir ou impor que, na situação, ao recorrente fosse substituída a pena 
 disciplinar de inactividade que inicialmente fora proposta pela pena de “perda 
 de pensão” graduada em doze meses não ofende os preceitos constitucionais 
 indicados pelo recorrente.
 Como resulta da matéria de facto, contra o ora recorrente, na altura 
 desempenhando as funções de chefe de repartição de finanças, em processo 
 disciplinar foi deduzida acusação, tendo sido “proposta, no relatório de 
 
 15.11.96, a pena unitária de inactividade por 20 meses”. Atendendo no entanto ao 
 facto de o recorrente se ter aposentado na pendência do processo disciplinar, a 
 administração acabou por substituir a pena proposta, aplicável aos funcionários 
 em efectividade de serviço, pela pena de “perda de pensão pelo período de 20 
 meses, conforme prevê o n.° 1 do art.º 15° do Estatuto Disciplinar”, pena essa 
 que acabou por ser reduzida para 12 meses por força de Lei da Amnistia 
 entretanto publicada.
 A punição com pena de inactividade inicialmente proposta ao recorrente determina 
 para o funcionário punido, além do mais, “o não exercício do cargo ou função e a 
 perda, para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação, de tantos dias 
 quantos tenha durado a inactividade” – art.º 13 n.° 2, 3 e 5 do E.D.
 Trata-se por conseguinte de uma pena susceptível de ser aplicável a quem se 
 encontre no efectivo exercício de funções. Caso o funcionário na pendência do 
 processo disciplinar venha eventualmente a reforma-se, na prática redundaria em 
 mera inutilidade aplicar a esse funcionário aposentado uma pena de 
 
 “inactividade”, uma vez que o essencial dos efeitos dessa pena já se mostrariam 
 neutralizados atentos os efeitos decorrentes da aposentação e por força da qual 
 fica o funcionário dispensado de exercer funções ou seja inactivo.
 A lei exige no entanto que a pena de inactividade seja sempre executada mesmo 
 que o funcionário passe à situação de aposentado (cfr. art.º 5° n.º 3 do ED).
 Por isso e para que o funcionário não fique na prática por punir quando, no 
 exercício das respectivas funções cometa infracção disciplinar a que corresponda 
 nomeadamente pena disciplinar de “inactividade” como aconteceu na situação em 
 apreço e posteriormente se venha a aposentar antes de a pena ter sido 
 integralmente executada” determina aquela disposição (art.º 15° n.° 1 do ED) que 
 
 “para os funcionários e agentes aposentados as penas de . . . inactividade serão 
 substituídas pela perda da pensão por igual tempo”.
 Daí que e no que respeita ao aspecto remuneratório ambas as penas se equivalem, 
 já que em ambas as situações - perda de “remuneração” correspondente a 12 meses 
 aplicável ao arguido caso se tivesse mantido em exercício de funções, na 
 situação foi substituída pela “perda da pensão” por igual período de tempo (12 
 meses).
 Vistas as coisas por outro prisma, a questão colocada pelo recorrente enquanto 
 aposentado não pode ser vista de forma diversa daquela que se colocaria caso o 
 recorrente tivesse sido punido antes de se ter aposentado ou seja enquanto em 
 efectividade de funções, porque a questão da inconstitucionalidade, nos termos 
 do alegado pelo recorrente residiria no alegado facto de a execução da pena que 
 lhe foi aplicada determinar “a privação total da pensão não deixando ao 
 recorrente meio de subsistência - contendendo, pois, com a sua sobrevivência”.
 O que nos levaria a concluir que, em qualquer situação e acolhendo a invocada 
 inconstitucionalidade, jamais o recorrente poderia ser punido com uma pena de 
 suspensão do exercício da sua actividade, ou com uma pena de inactividade, 
 porque ambas as penas implicam perda total de remuneração durante os dias em que 
 tenha durado a suspensão ou a inactividade o que certamente seria inconcebível 
 num Estado de direito pelas razões que se nos afiguram como óbvias.
 Aliás, acolhendo a invocada inconstitucionalidade nos termos do sustentado pelo 
 recorrente, seria sempre inadmissível a punição de um funcionário com a pena de 
 demissão, independentemente da gravidade da infracção praticada, já que a 
 punição com tal pena deixaria o funcionário punido sem qualquer vencimento.
 Em parte alguma a CRP proíbe que aos funcionários ou agentes da Administração 
 sejam aplicáveis penas de suspensão ou de inactividade, caso a infracção 
 praticada seja punível com essas espécies de penas. O mesmo se diga no que 
 respeita à privação de liberdade em caso da prática de crime cominado com essa 
 espécie de penas (cfr. nomeadamente art.º 27° da CRP).
 Tendo em consideração a relação laboral, o que a Constituição proíbe são apenas 
 os “despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos” - 
 cfr. art.º 53° da CRP - e não a punição do infractor com qualquer das penas 
 disciplinares previstas no art.º 110 do ED, desde que o agente tenha cometido um 
 ilícito disciplinar que, pela sua gravidade, seja merecedor de ser punido com 
 qualquer dessas penas.
 E embora aquelas disposições da CRP possam ser interpretadas “como garantindo a 
 todo o cidadão a percepção de uma prestação proveniente do sistema de segurança 
 social que lhe possibilite uma subsistência condigna...” ou o direito “a um 
 mínimo de sobrevivência” (cfr. ac. T.C. n. 349/91) como se escreveu no Ac. deste 
 STA de 14.06.2005, rec. 108/05 “a garantia a uma existência condigna... não pode 
 ter o alcance pretendido pelo recorrente de o isentar de cumprir determinadas 
 penas disciplinares. Cabe no poder de conformação do legislador ordinário a 
 ponderação dos valores em conflito (direito à segurança social e punição 
 disciplinar}, e a escolha que entenda adequada. A nosso ver só uma manifesta 
 desadequação entre o motivo invocado pelo legislador ordinário e a privação da 
 pensão é inconstitucional. Não é o caso da punição de faltas disciplinares, onde 
 tal punição se justifica por razões retributivas e preventivas. Trata-se, a 
 nosso ver, de um dos casos em que para assegurar um valor comunitário - a 
 disciplina funcional na relação de emprego público - se exige a compressão do 
 direito a uma certa parte da pensão de reforma.”.
 E acrescenta: “Quando a lei admite a punição de infracções disciplinares, 
 puníveis com a perda de pensão, não está a descaracterizar o regime de segurança 
 social. A haver necessidade de protecção social de quem pela prática de actos 
 ilícitos se vê economicamente constrangido, não nos parece viável considerar 
 inconstitucionais as penas, nem limitá-las à possibilidade económica dos 
 arguidos... A solução há-de ser encontrada pelo legislador, num outro plano 
 normativo, garantido um mínimo de subsistência nos termos em que o puder fazer, 
 mas sem nunca pôr em causa a aplicação das penas legalmente previstas”.
 Em suma, a lei constitucional e nomeadamente as disposições legais indicadas 
 pelo recorrente - art.º 1 ° (que caracteriza a República Portuguesa) e art.º 63° 
 n.° 1 e 3 da CRP (que se dirige fundamentalmente ao sistema ou direito à 
 segurança social, cuja realização exige o fornecimento de determinadas 
 prestações por parte do Estado e que se situa fora do âmbito da punição 
 disciplinar) - não impedem que ao recorrente, que por iniciativa própria se 
 colocou em posição de ser punido, tivesse sido sancionado nos termos em que o 
 foi, dada a infracção disciplinar por si praticada.
 Daí que seja de concluir que não assiste qualquer razão ao recorrente no tocante 
 
 às conclusões que formulou e daí a sua improcedência devendo, em conformidade, 
 ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional”.
 
  
 
 5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do 
 artigo 70º da LTC, o presente recurso, através de um requerimento com o seguinte 
 teor:
 
 “[...] vem, ao abrigo do artº 280°, n° 1, b), da Constituição, e do art.º 70°, 
 n.º 1, b), da Lei do Tribunal Constitucional, INTERPÔR RECURSO para o Tribunal 
 Constitucional, porquanto, na interpretação e aplicação que dele foi feita, o 
 art.º 15°, n.° 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da 
 Administração Central, Regional e Local (aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 
 
 16 de Janeiro), é materialmente inconstitucional, por colisão com os artºs 1 ° 
 
 (“princípio da dignidade da pessoa humana”) e 63°, nºs 1 e 3, da Constituição - 
 o que o Recorrente disse em sede de alegações de recurso jurisdicional para o 
 Supremo Tribunal Administrativo”.
 
  
 
 6. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo 
 concluído da seguinte forma:
 
 “1 - O Recorrente é funcionário público aposentado, mercê da sua inserção no 
 
 “sistema de protecção social da função pública”, do qual uma das suas “áreas de 
 protecção” é o regime contributivo de protecção previdencial, que é gerido pela 
 Caixa Geral de Aposentações.
 
 2 - Ao Recorrente foi aplicada a pena disciplinar de “perda de pensão” pelo 
 período de doze meses, arrimando-se o acto sancionatório no artº 15°, nº 1, do 
 Estatuto Disciplinar.
 
 3 - É claro que os factos quando provados com as circunstâncias que permitam a 
 sua qualificação como ilícito disciplinar credenciam punição. Porém,
 
 4 - A punição é que não pode traduzir-se na privação total de meios de 
 subsistência, não sendo inclusivé salvaguardado o montante mínimo considerado 
 necessário para uma subsistência condigna (tomando-se como referência de tal 
 montante o salário mínimo nacional). Sendo certo que,
 
 5 - O Recorrente é aposentado - e, substantivamente, a aposentação é uma nova 
 relação jurídica, configurada como “garantia obrigacional”, fundada e 
 constituída pelo Recorrente a partir dos descontos feitos no seu vencimento, 
 reportada ao valor pecuniário a receber, valor que assume “natureza 
 assistencial”. Assim,
 
 6 - O art.º 15°, n.º 1, do Estatuto Disciplinar, tal como interpretado e 
 aplicado ao Recorrente, é materialmente inconstitucional, por colidir com os 
 artºs 1 ° (princípio da dignidade da pessoa humana) e 63°, nºs 1 e 3, da 
 Constituição. Pelo que,
 
 7- E salvo o merecido respeito, não tendo recusado a sua aplicação (cfr. art.º 
 
 204° da Constituição, e art.º 4°, nº 3, do ETAF de 1984) o douto acórdão 
 recorrido não fez bom julgamento”.
 
  
 
 7. Notificado para responder à alegação do recorrente, disse o recorrido, a 
 concluir:
 
 “A - É disciplinarmente responsável quem serve, enquanto serve a função pública 
 por factos consumados durante o respectivo exercício, pelo que as penas 
 previstas nas alíneas b) a f) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 11° serão executadas 
 desde que os funcionários ou agentes voltem à actividade ou passem à situação de 
 aposentados (art. 5° do Estatuto Disciplinar).
 B - O aposentado não perde a qualidade de funcionário pois, embora não ocupe 
 lugar nos quadros e esteja dispensado definitivamente de exercer funções, não 
 tenha direito ao lugar nem a outros direitos decorrentes do seu exercício, pode 
 conservar os que deste sejam separáveis (v .g. honras, assistência na doença) e 
 mantém o tratamento do lugar por que foi aposentado.
 C - Para além disso, apesar de o aposentado deixar de estar sujeito aos deveres 
 profissionais, o vínculo que o liga à Administração mantém-se, dado continuar 
 adstrito. ao cumprimento de certos deveres de conduta na vida privada e de 
 natureza política, embora reduzidos, dada a sua condição de dispensado do 
 exercício de funções.
 D - Indubitavelmente, o Recorrente praticou o ilícito disciplinar no exercício 
 activo das suas funções e por causa das mesmas, Daí a necessidade de ser 
 sancionado disciplinarmente.
 E - Mas, uma vez que entretanto, o Recorrente se aposentou, então há que aplicar 
 a sanção pelo modo previsto no art. 15° do Estatuto Disciplinar. E foi o que se 
 fez, nisso concordando os M.mos Juízes recorridos.
 F - Aceitar-se a tese do Recorrente significaria que qualquer ilícito 
 disciplinar ficaria impedido de ser sancionado, o que não deixa de ser uma 
 incongruência, no mínimo.
 F. 1 Até porque, se o Recorrente estivesse no activo de funções, também aí 
 deixaria de ser remunerado pelo período previsto na respectiva sanção.
 F.2 Aliás, como sucede com as penas disciplinares em sede de Direito do Trabalho 
 e, em último caso, com as penas de prisão, onde estas, que além de privarem a 
 angariação do sustento diário, privam cumulativamente as pessoas da sua 
 liberdade.
 G – Por conseguinte não se verifica a “pretensa” inconstitucionalidade alegada 
 pelo Recorrente, pelo que o Douto Acórdão recorrido não merece qualquer 
 censura.[...]”
 
  
 Corridos os vistos, cumpre decidir.
 
  
 
  
 II. Fundamentação.
 
  
 
 8. O presente recurso tem por objecto a norma constante do artigo 15º, nº 1, do 
 Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, 
 Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, na 
 parte em que permite que aos funcionários e agentes aposentados abrangidos por 
 esse Estatuto possa ser aplicada, em caso de infracção disciplinar, a pena de 
 perda da pensão por tempo igual à pena de inactividade que seria de aplicar não 
 fora a situação de aposentação. É o seguinte, na parte que agora importa 
 considerar, o teor daquele artigo 15º, n.º 1: “para os funcionários e agentes 
 aposentados as penas de suspensão ou inactividade serão substituídas pela perda 
 de pensão por igual tempo […]”.
 
  
 No entendimento do recorrente, que se aposentou voluntariamente no decurso do 
 processo disciplinar, tal preceito, na medida em que pode conduzir à “privação 
 total de meios de subsistência, não sendo inclusive salvaguardado o montante 
 mínimo considerado necessário para uma subsistência condigna”, é 
 inconstitucional, por alegada violação do disposto no artigo 1º e nos nºs 1 e 3 
 do artigo 63º da Constituição.
 
  
 Vejamos se é assim.
 
  
 
 9. O Tribunal Constitucional - e, antes, a própria Comissão Constitucional – já 
 se pronunciou, por diversas vezes, sobre a constitucionalidade de normas que 
 permitem a penhora de rendimentos provenientes de pensões sociais ou rendimentos 
 do trabalho de montante não superior ao salário mínimo nacional. 
 
  
 Assim, a Comissão Constitucional, no seu acórdão n.º 479 (publicado em Apêndice 
 ao Diário da República, de 23 de Agosto de 1983), chamada a pronunciar-se sobre 
 a constitucionalidade de duas normas, extraídas da base XXVI da Lei nº 2115, de 
 
 18 de Junho de 1962 e do artigo 30º do Decreto nº 45266, de 23 de Setembro de 
 
 1963, na parte em que consideravam absolutamente impenhoráveis as prestações 
 devidas aos sócios das instituições de previdência social e seus familiares, 
 concluiu pela sua não inconstitucionalidade.
 
  
 A conclusão idêntica chegou igualmente o Tribunal Constitucional em vários 
 acórdãos tirados a propósito de norma equivalente constante do n.º 1 do artigo 
 
 45º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto (cfr., designadamente, os acórdãos nºs 
 
 349/91 e 411/93, disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional no 
 endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Em síntese, 
 considerou-se nesses arestos que o regime de impenhorabilidade que naqueles 
 preceitos se previa não era inconstitucional, na parte em que a pensão auferida 
 pelo beneficiário da segurança social, tendo em conta o seu montante, reportado 
 a um determinado momento histórico, visava cumprir a função inilidível de 
 garantia de uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista. 
 
  
 Mais recentemente, através do Acórdão n.º 177/2002 (igualmente disponível em 
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional 
 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que 
 resulta da conjugação do disposto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 
 
 824º do Código de Processo Civil, na parte em que permite a penhora até 1/3 das 
 prestações periódicas, pagas ao executado que não é titular de outros bens 
 penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, a título de regalia 
 social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário mínimo 
 nacional.
 
  
 Finalmente, o Tribunal julgou ainda inconstitucional a norma que resulta da 
 conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 824.º do 
 Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), na parte 
 em que permite a penhora de uma parcela do salário do executado, que não seja 
 titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida 
 exequenda, na medida em que priva o executado da disponibilidade de rendimento 
 mensal correspondente ao salário mínimo nacional (Acórdão nº 62/2002) e, mais 
 recentemente ainda, decidiu julgar inconstitucional a norma da alínea c) do n.º 
 
 1 do artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei 
 n.º 314/78, de 27 de Outubro, interpretada no sentido de permitir a dedução, 
 para satisfação de prestação alimentar a filho menor, de uma parcela da pensão 
 social de invalidez do progenitor que prive este do rendimento necessário para 
 satisfazer as suas necessidades essenciais (Acórdão nº 306/2005).
 
  
 
 10. A questão de constitucionalidade que está colocada nos presentes autos é, 
 porém, diferente da que foi objecto daqueles arestos. É que, neste caso, a 
 afectação da pensão de aposentação não resulta de um acto de penhora, visando a 
 satisfação coerciva de um direito de crédito não satisfeito voluntariamente pelo 
 devedor, traduzindo-se antes numa forma de pena disciplinar que visa punir uma 
 infracção da mesma natureza praticada pelo titular da pensão. Cabe, porém, 
 perguntar: uma vez que a aplicação da pena disciplinar de perda da pensão é 
 também ela susceptível de pôr em causa a possibilidade de satisfação das 
 necessidades básicas do respectivo titular, não valerão igualmente, não obstante 
 a diferença que se apontou no início, as razões que conduziram ao juízo de 
 inconstitucionalidade que naqueles arestos se formulou?
 
  
 A esta questão há que responder negativamente. Com efeito, como se verá já de 
 seguida, além da diferença já assinalada entre as duas situações, outras existem 
 ainda que impedem que o juízo de inconstitucionalidade que se formulou em alguns 
 dos arestos supra referidos seja directamente transponível para a situação que 
 agora nos ocupa. 
 
  
 Vejamos.
 
  
 
 10.1. Em primeiro lugar, verifica-se que, enquanto que a finalidade que a 
 penhora visa alcançar - a satisfação integral de um crédito não voluntariamente 
 satisfeito - não é, em circunstâncias normais, afectada, de modo definitivo, 
 pela impossibilidade de atingir uma parte - considerada necessária à garantia de 
 uma sobrevivência minimamente condigna - da pensão do respectivo titular -, uma 
 vez que, em princípio, o crédito poderá ser ainda integralmente satisfeito, 
 embora ao longo de um período de tempo mais dilatado -, as legítimas finalidades 
 de natureza repressiva e preventiva que fundamentam a pena disciplinar, ao 
 invés, seriam sempre, ao menos em parte, definitivamente prejudicadas pela 
 inaplicabilidade, decorrente de um eventual juízo de inconstitucionalidade da 
 norma que agora vem questionada. E, no presente caso, numa situação em que, além 
 do mais, foi o próprio trabalhador que, voluntariamente, optando pela reforma 
 antecipada ainda no decurso do processo disciplinar, se colocou na situação de 
 pensionista.
 
  
 Com efeito, não sendo possível aumentar o número de meses de perda de pensão em 
 que o recorrente foi condenado (para eventualmente compensar, do ponto de vista 
 do mero equilíbrio financeiro, o facto de não ser porventura suspensa a 
 totalidade da pensão), o sacrifício económico que o mesmo teria de suportar caso 
 a pena prevista no artigo 15º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes 
 da Administração Central, Regional e Local não pudesse ser integralmente 
 cumprida seria sempre inferior àquele que, no momento da decisão, foi 
 considerado necessário para a satisfação daquelas legítimas finalidades 
 retributivas e preventivas que a sanção visa prosseguir.
 
  
 Ora, uma tal diferença intrínseca das situações justifica que seja dada, a nível 
 do juízo de constitucionalidade sobre as normas relevantes, uma diferente 
 solução.
 
  
 
 10.2. Por outro lado, para o juízo de inconstitucionalidade que se formulou em 
 alguns dos arestos supra citados, foi sempre essencial a consideração de que 
 estaria já demonstrado nos autos que o devedor não possuía outros bens 
 susceptíveis de lhe garantir o rendimento mínimo indispensável à satisfação das 
 suas necessidades essenciais. Não é, porém, isso que se verifica nos presentes 
 autos, em que nada se demonstrou acerca da existência ou inexistência, no 
 património do recorrente, de outros bens capazes de garantir uma sobrevivência 
 minimamente condigna do agora pensionista.
 
  
 
 10.3. Acresce, finalmente, que mesmo naquelas hipóteses em que isso aconteça - 
 isto é, nos casos em que da aplicação do preceito cuja constitucionalidade vem 
 questionada resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de 
 uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista - sempre este poderá 
 recorrer aos mecanismos assistenciais normais, previstos no ordenamento jurídico 
 português, para fazer face a situações de inaceitável carência social, fazendo 
 aí a prova da alegada situação de necessidade. Ora, estando disponíveis no 
 sistema mecanismos que visam, no limite, assegurar uma sobrevivência minimamente 
 condigna do pensionista, não se poderá concluir, no caso, ponderados os diversos 
 valores em presença, que fica violado o princípio fundamental da dignidade da 
 pessoa humana – “vector axiológico estrutural da própria Constituição”, como se 
 escreveu no acórdão nº 306/2005, já citado.
 
  
 
 11. Nestas circunstâncias, em face do que se expôs, resta apenas concluir, no 
 presente caso, pela não desconformidade constitucional da norma constante do 
 artigo 15º, nº 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da 
 Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 
 
 16 de Janeiro, na parte em que permite que aos funcionários e agentes 
 aposentados abrangidos por esse Estatuto possa ser aplicada, em caso de 
 infracção disciplinar, a pena de perda da pensão por tempo igual à pena de 
 inactividade que seria de aplicar não fora a situação de aposentação.
 
  
 
  
 III - Decisão
 
  
 Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de 
 conta.
 Lisboa, 12 de Julho de 2006
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Artur Maurício