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Processo n.º 221/07
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
 
   
 
 1.            Por decisão sumária proferida a fls. 397 do processo, entendeu o 
 relator não conhecer do presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC) por A., LDA, a 
 impugnar o acórdão proferido em 12 de Outubro de 2006 no Supremo Tribunal de 
 Justiça. A decisão tem o seguinte fundamento:
 
  
 
 [...] Com efeito, a recorrente pretende incluir no objecto do recurso 
 directamente a decisão recorrida, na tarefa de aplicação concreta do direito, em 
 lugar de definir a norma geral e abstracta que, aplicada na decisão recorrida 
 como sua ratio decidendi, padeceria de desconformidade constitucional. Para além 
 disso, não foi suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa de que coubesse conhecer – 
 artigo 72º n.º 2 da LTC.
 Assim, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não 
 conhecer do recurso.[...]
 
  
 
  
 
 2.            Contra esta decisão reclama A., LDA, nos seguintes termos:
 
  
 
  
 I
 
 1.         Baseia-se a decisão de V.Exa em dois considerandos: 
 
  
 
 – pretender a recorrente «incluir no objecto do recurso directamente a decisão 
 recorrida, na tarefa de aplicação concreta do direito, em lugar de definir norma 
 geral e abstracta que, aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi, 
 padeceria de desconformidade constitucional»; e 
 
 – «não [ter sido] suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa de que coubesse conhecer». 
 
  
 
 2.         Salvo o devido respeito, crê convictamente a recorrente que não é 
 assim — e que uma reanálise do teor das alegações por si produzidas por último 
 
 (neste tão longo e penoso processo que se viu forçada a pleitear), quer para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, quer para o Supremo Tribunal de Justiça, assim 
 como do acórdão sob recurso e do proferido por aquele outro Tribunal, bem o 
 permitirão mostrar. É essa reanálise, pois, que a recorrente vem solicitar a 
 V.EXª e à Conferência. 
 
  
 II
 
 3.         Começando pelo segundo dos mencionados considerandos, quer a 
 reclamante sublinhar, antes de mais, que está bem consciente da clara exigência 
 que a lei faz, como pressuposto específico do recurso para o Tribunal 
 Constitucional previsto na alínea b) do nº 1 da respectiva Lei (como é o caso do 
 presente recurso) — e exigência cujo cumprimento esse Venerando Tribunal 
 rigorosamente escrutina —, de que a inconstitucionalidade de uma norma há-de ter 
 sido invocada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este ser obrigado a dela conhecer (artigo 72º, 
 nº 3). 
 Mas foi justamente isso o que, no caso, a recorrente fez. 
 
  
 
 4.         Com efeito, no nº 5 da sua alegação para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, e, portanto, no momento processual adequado, não deixou a ora 
 reclamante — apesar de estar colocada então na situação de recorrida e de, 
 portanto, não lhe ser exigível que figurasse todos os possíveis argumentos 
 contra uma decisão que lhe fora favorável, para os antecipadamente os 
 contrabater — apesar disso, não deixou a ora reclamante de acautelar que, a 
 decidir o Supremo Tribunal de Justiça de modo diverso do que fizera o Tribunal 
 da Relação de Lisboa, então (e transcreve-se) 
 
  
 sempre estaríamos perante a inconstitucionalidade invocada na Conclusão XXIII 
 das referidas alegações da ora Recorrida, que aqui se dá por reproduzida. 
 
  
 As alegações referidas no passo transcrito eram as apresentadas pela ora 
 reclamante ao Tribunal da Relação de Lisboa, em cuja Conclusão XXIII se lê 
 efectivamente, e por sua vez, o seguinte: 
 
  
 E interpretar o nº 1 do artigo 45º do Código de Processo Civil como pretendem o 
 digno Agente do Mº. Pº. e o Mº. Juiz “a quo” no sentido de que o título 
 executivo ter de ser cumprido à risca, sem possibilidade de recurso ao seu 
 espírito, e assim ser válida a cláusula 4º, parágrafo 1º, do contrato (só por 
 decisão unilateral do credor a taxa de juro remuneratória podia ser alterada) é 
 nitidamente INCONSTITUCIONAL, por ofensa àqueles aludidos preceitos da Lei 
 Fundamental, DESIGNADAMENTE QUANDO AS TAXAS BAIXASSEM. 
 
  
 
 5.         Ora, é certamente incontroverso que se está aqui — nesta Conclusão da 
 alegação para o Tribunal da Relação — perante a invocação de uma 
 inconstitucionalidade normativa, já que a mesma se reporta inquestionavelmente a 
 uma norma — que se situa no art. 45º, nº 1, do Cód. Proc. Civil — numa dada 
 interpretação, interpretação que se enuncia e explicita. E não deixam, além 
 disso, de referir-se os fundamentos de tal inconstitucionalidade, ao remeter-se 
 para os preceitos constitucionais citados na Conclusão imediatamente anterior da 
 alegação, preceitos dos quais se retira a proibição do «abuso do direito» por 
 parte também do Estado. 
 Mas, se assim se está perante a invocação de uma inconstitucionalidade normativa 
 
 (e mais não será necessário acrescentar para mostrá-lo), então não poderá deixar 
 de concluir-se que também essa invocação foi feita perante o Supremo Tribunal de 
 Justiça — ou seja, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida — quando 
 a ora reclamante a retoma (a essa invocação) no passo supra transcrito da 
 alegação apresentada ao mesmo Supremo Tribunal, e expressamente a dá como aí 
 reproduzida. 
 E é assim, porque seguramente a «remissão» — uma remissão clara e precisa no seu 
 objecto, como no caso — para o que foi dito numa alegação anteriormente feita 
 nos autos e deles constante (alegação, por conseguinte, perfeita e facilmente 
 acessível ao tribunal ad quem) não pode deixar de constituir modo adequado de 
 suscitar uma certa questão perante esse tribunal, e de colocá-lo, 
 consequentemente, perante a obrigação de conhecer dela. 
 
  
 
 6.         Eis por que a reclamante não pode deixar de concluir que suscitou de 
 modo processualmente adequado perante o Supremo Tribunal de Justiça — ou seja, 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida — a inconstitucionalidade da 
 norma jurídica referida na Conclusão XXIII da sua contra-alegação para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, na interpretação aí enunciada e explicitada. 
 
  
 III
 
 7.         Passando agora ao primeiro dos considerandos da Decisão Sumária 
 reclamada, é antes de mais necessário — para sua completa apreciação — recordar 
 a questão de fundo que neste momento se discute no processo a que respeita o 
 presente recurso, pois tudo, naturalmente, aí radica: o que a recorrente e ora 
 reclamante põe em causa, na verdade, é a conformidade constitucional da norma do 
 ordenamento jurídico que permitiu ao Supremo julgar essa questão num certo 
 sentido, que lhe foi desfavorável. Pois bem: 
 
  
 
 8.         Essa questão — cujo perfil e cujos termos podem ver-se sintetizados, 
 por último, no esclarecedor Parecer do Prof. Doutor M. Henrique Mesquita, junto 
 a fls.... dos autos — consiste em saber como devem ser calculados os juros 
 relativos à dívida de capital que o Estado, pela Direcção-Geral do Tesouro, 
 actuando como gestora do «Fundo de Apetrechamento da Indústria da Pesca» (em 
 liquidação), pretende cobrar da recorrente. 
 Tal dívida provém de um contrato de mútuo com hipoteca, celebrado entre o dito 
 Fundo e a «B., Lda», em 1979, cujo montante era destinado a custear as despesas 
 com as obras de transformação do navio «…». 
 Entretanto, em 1982, este navio — sobre o qual ficara justamente constituída a 
 hipoteca para garantia do Fundo mutuante — foi vendido à sociedade «A.», ora 
 recorrente, donde que, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 50º do Código de 
 Processo Civil, haja sido contra ela que foi instaurada (em 1990!) e que (ainda) 
 corre a execução para cobrança da dívida do capital e juros emergente do 
 mencionado contrato de mútuo (que é exactamente o processo sub judice, no qual 
 está em causa agora a «liquidação» dos juros, da qual a recorrente oportunamente 
 reclamou). 
 
  
 
 9.         Ora, quanto aos juros, estabelecera-se na cláusula 4ª do contrato de 
 mútuo (e restringindo-nos ao que ora aqui interessa) que eles se venceriam à 
 taxa anual de 21% — «equivalente à taxa de um quarto por cento adicionada à taxa 
 de juro da Caixa Geral de Depósitos» —, mas acrescentou-se, no § 1º dessa 
 cláusula, o seguinte. 
 
  
 
 «A taxa poderá vir a ser alterada de acordo com os limites legais em vigor à 
 data do ajustamento, por decisão unilateral do credor, bastando para tal uma 
 simples comunicação escrita à devedora». 
 
  
 E mais se acrescentou depois, no § 2º da mesma cláusula, que «em caso de mora 
 serão devidos juros à mesma taxa que ao tempo vigorar para o contrato». 
 
  
 Por outro lado, e por força do artigo 7º do Decreto-lei nº 344/78, de 17 de 
 Novembro, em caso de mora acresceria a sobretaxa de 2%. 
 
  
 Como se sabe, as taxas de juro sofreram, desde 1979 para cá, acentuadas 
 variações, subindo até ao ano de 1983, e começando, dai em diante, a descer. 
 Em conformidade com essas variações, o Fundo mutuante foi promovendo, ao abrigo 
 da cláusula transcrita, sucessivas modificações da taxa de juro do contrato, 
 quer subindo-a sucessivamente, até Setembro de 1983, em que atingiu o valor de 
 
 31,75%, quer passando a descê-la, depois, também sucessivamente, e até 6 de 
 Março de 1988, em que a taxa foi fixada em 17,25%. 
 Só que, depois desta última data, e apesar de a taxa de juro ter continuado a 
 descer — e a descer abissalmente, de tal sorte que a taxa legal de juros, a que 
 se reporta o artigo 559º do Código Civil, está hoje em 4% (Portaria nº 291/2003, 
 de 8 de Abril —, apesar disso, não mais o mutuante accionou a cláusula do 
 contrato relativa à modificação da taxa de juro. 
 
  
 
 10.   E aqui, justamente, radica a divergência central que nos autos vem opondo, 
 por último, a ora reclamante e o Estado, representado pelo Ministério Público: 
 
 — este último, fundado na circunstância de não mais haver sido accionada a 
 cláusula contratual relativa à alteração dos juros, entende que os mesmos juros 
 devem calcular-se à referida taxa de 17,5% (acrescida da sobretaxa moratória de 
 
 2% e perfazendo, assim, 19,5%), até integral pagamento da dívida; 
 
 — a ora reclamante, diversamente, sustenta que, pese essa inércia do mutuante, a 
 taxa de juro do contrato deve ter-se como automaticamente modificada e reduzida, 
 
 à medida que, depois de Março de 1988, foram sendo alteradas e reduzidas as 
 taxas de juro, e com base nessas sucessivas reduções (que, quanto à taxa legal, 
 foram de 15% para 10%, pela Portaria nº 1171/95, de 25 de Setembro, depois para 
 
 7%, pela Portaria nº 263/99, de 12 de Abril, e, por último, para os já 
 mencionados 4%, pela também já mencionada Portaria nº 291/2003). Doutro modo, 
 estar-se-ia perante um negócio usurário, cujo beneficiário seria o próprio 
 Estado, e negócio contrário ao próprio fim do contrato em causa — já que este, 
 em vez de se traduzir num instrumento de promoção e auxílio às empresas de 
 pesca, se volveria assim num obstáculo adicional à actividade destas. 
 Foi precisamente a questão jurídica traduzida nesta divergência que foi 
 decidida, como questão principal, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 
 de 15 de Dezembro de 2005, e, depois, pelo acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 12 de Outubro de 2006, de que agora se está a recorrer. 
 O Tribunal da Relação — em acórdão que só pode ilustrar os distintos 
 Desembargadores que o subscreveram, pela cuidada análise que nele é feita da 
 questão, pelo decidido abandono de qualquer literalismo e pelo apurado sentido 
 prudencial e de justiça nele revelado — acolheu a tese da ora reclamante, e 
 determinou o cálculo dos juros pela forma por ela defendida. Diversamente, o 
 Supremo Tribunal de Justiça — em acórdão que (perdoe-se o desabafo da 
 recorrente) não pode deixar de surpreender justamente pelo seu literalismo e 
 pela sua ligeireza — decidiu em contrário, revogando o entendimento da Relação. 
 E isso, pese mesmo o esclarecido e esclarecedor Parecer jurídico, atrás 
 referido, do ilustre Prof. Doutor Henrique Mesquita, convergente com o 
 entendimento da Relação, e posterior à decisão por esta proferida. 
 
  
 
 11.   É assim nesta questão — que, nesta fase, é a «questão principal» posta nos 
 autos — que se enxerta a questão de constitucionalidade neles suscitada pelo ora 
 recorrente. Daí que o excurso antecedente — que se procurou limitar tão-só ao 
 essencial — fosse necessário para exactamente a apreender nos seus contornos. 
 
  
 
 12.   Ora, a inconstitucionalidade que, no contexto descrito, a reclamante 
 suscitou foi a de uma interpretação das normas legais relativas à eficácia dos 
 títulos executivos — e, muito concretamente do artigo 45º, nº 1, do Código de 
 Processo Civil — que impusesse um entendimento absolutamente literal e estrito 
 dos mesmos títulos executivos, e de tal sorte que, na espécie, e face ao teor do 
 
 § 1º da cláusula 4ª do contrato, impedisse a redução da taxa de juro fora do 
 caso em que o mutuante tomasse a correspondente iniciativa (ut supra, II). 
 
  
 Note-se, pois, que não foi qualquer eventual inconstitucionalidade da própria 
 cláusula contratual que se questionou — nem é ela que está em causa agora. De 
 resto, a reclamante não desconhece a orientação, há muito firmada na 
 jurisprudência desse Venerando Tribunal, de que uma semelhante questão 
 extravasaria o seu poder de jurisdição. 
 
  
 O que questionou, e o que está em causa, foi — insiste-se — a 
 inconstitucionalidade de uma norma (geral e abstracta) do ordenamento jurídico, 
 sediada em certo preceito legal, numa sua determinada interpretação. 
 Exactamente, pois, o que, segundo essa mesma jurisprudência, cabe ao Tribunal 
 Constitucional conhecer. 
 
  
 A única especialidade ou particularidade que pode aqui ocorrer é o facto de tal 
 norma legal se reportar à eficácia e, consequentemente, também à interpretação 
 de certos títulos: mas é claro que isso nada retira ao que antes se acabou de 
 dizer. Seguramente que é passível de exame pelo Tribunal Constitucional a 
 eventual (e aqui alegada) inconstitucionalidade dos critérios legais, explícita 
 ou implicitamente estabelecidos, de interpretação de cláusulas contratuais. 
 O que, relativamente a tais normas ou a tais critérios pode acontecer, é 
 simplesmente que o entendimento dado à cláusula legal, no caso, denuncie quais 
 foram esses critérios, qual foi a interpretação dada à norma que os contém 
 
 (explícita ou implicitamente) — e que, por aí, denuncie a inconstitucionalidade 
 dos mesmos critérios ou da mesma interpretação. 
 Mas, então, a esta função ou a este valor «heurístico» da interpretação da 
 cláusula, para a dilucidação da questão da inconstitucionalidade normativa, não 
 pode deixar de reconhecer-se toda a pertinência e toda a relevância. 
 E é isso o que também sucede no caso. 
 
  
 
 13.   Na verdade — e como atrás se recordou — a ora reclamante começou por 
 suscitar a inconstitucionalidade da norma legal condicionadora do entendimento 
 dos títulos executivos em geral e, em particular, da cláusula contratual 
 relevante na espécie na sua alegação para o Tribunal da Relação de Lisboa. 
 E fê-lo — como expressamente diz no nº 38 da mesma alegação — por haver 
 concluído ser a interpretação estrita dessa norma que estava na base das 
 posições assumidas na 1ª instância, pelo Mº Pº e pelo Mº Juiz, relativamente à 
 liquidação de juros de que reclamava. 
 
  
 No Tribunal da Relação de Lisboa obteve a reclamante o vencimento da sua tese, 
 pois que o mesmo Venerando Tribunal não se teve por vinculado — por qualquer 
 critério legal, nomeadamente pelo artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil 
 
 — a fazer uma interpretação literal da cláusula contratual questionada.. E isso, 
 não deixando — antes ao contrário — de levar em conta a alegação da recorrente 
 de que uma solução diversa constituiria «claro abuso do direito» (cfr. nº 11-4 
 do acórdão, último paragrafo), alegação essa em que ela alicerçara a arguição de 
 inconstitucionalidade. 
 
  
 O Representante de Mº Pº no Tribunal da Relação recorreu do assim decidido por 
 este Tribunal. 
 E — certamente não por acaso — invocou na respectiva alegação (n.º 4) justamente 
 o art. 45º, n.º1, do Código de Processo Civil, como fundamento da solução, por 
 que pugnava, da manutenção da taxa de juros de 19,5%, uma vez que nenhuma 
 alteração dessa taxa fora entretanto comunicada pelo mutuante. Textualmente. 
 
  
 
 «Assim, não comunicada qualquer alteração quanto à taxa de 19,25%, que era a 
 vigente aquando da instauração da acção executiva, e em obediência ao 45º- 1 do 
 C.P.C., esta mesma permanece como válida». 
 
  
 Isto, para depois concluir (nº 6), que «o douto acórdão carece, pois, de 
 revogação por violação dos referidos preceitos legais» [sublinhou-se] — entre 
 eles, por seguinte, a disposição citada da lei processual civil — «em conjugação 
 com a referida cláusula contratual». 
 
  
 Confrontado com este recurso, contra-alegou naturalmente a ora recorrente e 
 reclamante — e nessa peça processual não deixou de retomar (como acima se viu: 
 supra, nº II) a questão de constitucionalidade antes suscitada. 
 E tinha tanto mais de retomá-la — e de retomá-la nos termos em que inicialmente 
 a havia colocado —, quanto a sua contra-parte (o Mº Pº) também entendia (como 
 acabou de mostrar-se) que a norma sobre a eficácia e a definição do alcance dos 
 títulos executivos, sediada no artigo 45º, nº 1, do Código do Processo Civil, e 
 a respectiva interpretação, era determinante para a decisão: 
 
 — o Mº Pº, ao considerar que a decisão de que recorria violara essa norma, 
 sustentava, pois, que a interpretação que dela implicitamente fizera o Tribunal 
 da Relação devia ser rejeitada; 
 
 — a isto contrapôs a reclamante, de novo, que a adoptar-se outra interpretação 
 
 (a dita interpretação literalista e estrita) da mesma norma (com um diferente 
 reflexo sobre a cláusula contratual), essa outra interpretação seria 
 inconstitucional. 
 
  
 A dialéctica processual ficou, pois, claramente centrada, neste ponto decisivo, 
 sobre a interpretação de uma norma legal e a questão da sua conformidade 
 constitucional. 
 
  
 
 14.   E o facto é que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu subsequente acórdão, 
 de 12 de Outubro de 2006, não equacionou diferentemente o problema jurídico que 
 tinha diante de si — colocando-o clara e decisivamente também sob a égide do 
 artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil. 
 
  
 
 É isso insofismável, como o mostra a invocação de tal preceito logo no início da 
 fundamentação decisória do aresto — e o confirma o discurso dessa fundamentação. 
 De sorte que não pode deixar de concluir-se que, no plano normativo, a ratio 
 decidendi do acórdão foi esse preceito legal, num seu dado entendimento. 
 
  
 
 É certo que, a seguir, o colendo Tribunal a quo ressalva que o disposto no 
 preceito em causa «não significa que a disposição que o integra [o título 
 executivo] não seja susceptível de interpretação nos termos do art. 236º nº 1 do 
 C.Civil» 
 
  
 Mas a verdade é que, apesar dessa afirmação, o Supremo não faz qualquer 
 interpretação mais flexível da cláusula contratual em causa. 
 A verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça se ateve a uma interpretação 
 estritamente literal daquela cláusula contratual — o que é efectivamente 
 esclarecedor e iluminador. É que, com isso, o Supremo denotou que, apesar da 
 citada afirmação, considerou adstrito a adoptar um critério orientador dessa 
 interpretação em que a «letra» dos títulos é determinante. 
 E adstrito a isso, naturalmente, a partir e por força do disposto no artigo 45º, 
 n.º 1, do Código Processo Civil — que é (repete-se) a norma à luz da qual 
 decorre toda a fundamentação da decisão. 
 O que significa que, ratio decidendi do acórdão do Supremo foi, não apenas essa 
 norma processual civil, mas essa norma na interpretação segundo a qual os 
 títulos executivos têm de ser tomados literalmente — têm de ser «cumpridos à 
 risca», como, por outras palavras, mas significando exactamente o mesmo, a 
 reclamante disse ao suscitar a inconstitucionalidade dessa interpretação perante 
 o Tribunal da Relação, depois retomada perante o Supremo. 
 
  
 E tanto o foi, que, quase a concluir a fundamentação do seu aresto — e como que 
 o confessando — o Supremo Tribunal de Justiça não deixa justamente de dizer que 
 
 «o estipulado no título executivo em apreço deve ser interpretado e valer nos 
 seus precisos [termos]». 
 
 (Note-se que esta última palavra está omissa no acórdão — o que motivou um 
 pedido de aclaração do mesmo, que não foi atendido. Obrigada a reclamante, 
 assim, a suprir, ela própria, a ininteligibilidade de que, de outro modo, a 
 frase transcrita padeceria, não vê caiba fazê-lo senão nos termos em que a 
 completou). 
 
  
 
 15.   Pois bem: 
 
  
 
 É a questão da validade constitucional — oportuna, reiterada e adequadamente 
 suscitada no processo — da interpretação da «norma geral e abstracta» do artigo 
 
 45º, nº 1, do Código de Processo Civil, assim feita (assim, ainda que só 
 implicitamente, insofismavelmente feita) na decisão recorrida, que a reclamante 
 pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. 
 
  
 Com a devia vénia e respeito — e ao contrário do que se considerou na Decisão 
 Sumária reclamada — não quer, pois, «incluir no objecto do recurso directamente 
 a decisão recorrida, na tarefa de aplicação concreta do direito» (sublinhado 
 agora). O que inclui nesse objecto é tão-só a inconstitucionalidade da 
 interpretação da norma legal que foi ratio decidendi do aresto sob recurso. E o 
 que acontece — mas igualmente tão-só isso — é que a aplicação concretamente 
 feita dessa norma no caso revela de que interpretação se trata. 
 
  
 IV
 Uma última nota: 
 
  
 
 16.   Nas suas alegações, tanto para Tribunal da Relação do Porto como para o 
 Supremo Tribunal de Justiça, a questão de inconstitucionalidade suscitada pela 
 reclamante cingiu-se ao artigo 45º, n.º1, do Código de Processo Civil. 
 Continua ela a pensar — atento tudo quanto acabou de referir — que é essa a 
 questão de constitucionalidade que é relevante e que importa apreciar. 
 
  
 Não obstante, no requerimento de interposição do recurso para esse Venerando 
 Tribunal, não deixou a reclamante de alargar essa questão a uma interpretação do 
 artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro, no mesmo sentido em que 
 foi interpretada aquele preceito processual civil — ou seja, impondo, também 
 ela, um entendimento estrito e literal (como diz a reclamante: «o cumprimento à 
 risca») de convenções ou cláusulas contratuais. 
 Isto, aceitando que também uma interpretação em tais termos dessa norma haja 
 sido feita pelo Supremo, complementar ou adjuvantemente, no seu acórdão. 
 
  
 
 17.   Continuando a admitir que — pese a ratio decidendi determinante do citado 
 artigo 45º, nº 1 — essa outra norma haja sido também directamente tida em conta 
 na decisão recorrida, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça terá feito 
 dela, então, uma interpretação absolutamente insólita e inesperada para a 
 recorrente, nomeadamente à luz do entendimento que dela tivera o Tribunal da 
 Relação. 
 
  
 De facto, no artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/78, veio dizer-se que «Quando no 
 decurso do prazo da convenção ocorra alteração legal da taxa de juro, 
 aplicar-se-á a nova taxa a partir da próxima contagem de juros, excepto quando 
 as partes hajam convencionado diversamente por escrito» (sublinhou-se agora, 
 evidentemente). 
 Ora, o Tribunal da Relação interpretou o inciso destacado como excluindo apenas 
 da obrigação de alterar os juros «os casos de acordo de vontades entre mutuante 
 e mutuário sobre a imodificabilidade da taxa de juros» (fls...). E é de facto a 
 
 única interpretação racional e razoável do preceito. Não faz nenhum sentido (e 
 muito menos no contexto que é o do respectivo diploma) que exclua também dessa 
 obrigação casos, como o da espécie, em que a cláusula contratual já prevê 
 justamente a alteração da taxa de juro por iniciativa e comunicação do credor. 
 Esta seria uma interpretação do preceito tomando em conta apenas — e mal — a sua 
 letra.
 
  
 Só que, havendo a Relação ido buscar essa norma para a sua argumentação, tendo a 
 sua decisão sido favorável à ora reclamante, e ficando esta colocada na posição 
 de «recorrida», no recurso interposto pelo Mº Pº para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, não lhe era razoavelmente exigível que antecipasse, não propriamente um 
 qualquer outro entendimento da norma ora em causa, mas um seu entendimento 
 perfeitamente implausível. 
 Exigível era que continuasse a acautelar e a questionar — como fez (e bem, pois 
 que essa foi a norma determinante para o Supremo) — a eventualidade de uma 
 interpretação do artigo 45º, nº 1, da lei de processo civil que «bloqueasse», 
 não apenas o entendimento flexível da cláusula contratual, mas também o 
 entendimento racional dessa outra norma legal. 
 
  
 Ou seja: na medida em que deva também considerar-se relevante para a decisão do 
 Supremo a norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/77 — insiste-se: sem prejuízo 
 da relevância do artigo 45º, nº1, do Código de Processo Civil, mas ainda mesmo 
 que a prejudicasse — então, em face do que precede, e à luz de bem sedimentada 
 jurisprudência desse Venerando Tribunal, há-de considerar-se tempestivamente 
 suscitada pela recorrente, ainda que só no próprio requerimento de recurso sub 
 judicio, a questão da inconstitucionalidade dessa outra norma, na interpretação 
 que dela fez o Supremo Tribunal de Justiça. 
 
 À reclamante não era exigível, neste ponto, nenhuma diversa estratégia 
 processual: a que adoptou era a adequada. 
 
  
 
 18.   De resto — e por último — a questão de inconstitucionalidade normativa 
 suscitada pela reclamante é essencialmente a mesma: é a inconstitucionalidade de 
 uma norma — ou da sua interpretação — que obsta a um entendimento, para além da 
 sua letra, de certos títulos ou das cláusulas deles constantes, mesmo quando daí 
 decorra uma situação de «abuso de direito». Qualquer que seja o preceito legal 
 onde essa norma se situe, trata-se sempre da mesma questão. 
 
  
 Ora, como esse Venerando Tribunal já decidiu — v., nomeadamente, o Acórdão nº 
 
 255/98 e, também, o Acórdão nº 239/02 (ambos em www.tribunalconstitucional.pt) — 
 importante e decisivo, ao menos em determinadas situações, é a norma e a questão 
 de inconstitucionalidade a ela respeitante, identificadas pelos recorrentes, e 
 não o preceito em que, em último termo, o tribunal a quo a tenha situado. 
 A presente situação — dado o perfil com que se apresenta — é certamente uma 
 dessas. 
 
  
 Assim, também por aqui, e em qualquer caso, se há-de ter como atempadamente 
 suscitada, mesmo com referência ao artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/77, a questão 
 de inconstitucionalidade que a reclamante pretende ver examinada pelo Tribunal 
 Constitucional. 
 
  
 V
 Em conclusão: 
 
  
 
 — porque o presente recurso tem por objecto, não a pura «decisão judicial», mas 
 a questão da inconstitucionalidade de uma norma jurídica por ela aplicada, 
 recte, da inconstitucionalidade dessa norma numa certa interpretação, 
 
 — e porque essa questão de inconstitucionalidade normativa foi adequadamente e 
 atempadamente suscitada no processo, 
 
  
 deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência, 
 substituída a decisão reclamada por acórdão que ordene o prosseguimento do 
 recurso. 
 
  
 
  
 O representante do Ministério Público neste Tribunal sustenta, em resposta, que 
 a reclamação é manifestamente improcedente.
 
  
 
 3.            Cumpre decidir.
 
  
 
  
 O acórdão recorrido diz:
 
  
 
  
 
 [...] I 
 Na execução ordinária para pagamento de quantia certa que o Fundo de Renovação e 
 de Apetrechamento da Indústria de Pesca moveu contra A. Lda., foi determinado 
 que se procedesse à liquidação da quantia exequenda, para tanto fazendo o 
 cálculo dos respectivos juros. Ordenou-se que a taxa para efeitos dessa 
 liquidação seria aquela constante do próprio título executivo 
 Recorreu a executada, tendo o Tribunal da Relação dado provimento ao agravo, 
 determinando que fosse proferido despacho que ordenasse a liquidação, tendo em 
 conta as taxas de juro aplicáveis, de acordo com as modificações legais 
 entretanto ocorridas em matéria de juros do tipo daqueles em causa. 
 Recorre agora o Mº Pº, o qual, nas suas alegações de recurso, apresenta as 
 seguintes conclusões: 
 
 1 A cláusula 4ª e seus §§, do contrato de mútuo, prevê a mera possibilidade de 
 alteração da taxa contratualizada (...poderá...). 
 
 2 Do que, à luz do artº 6º do DL 344/78 de 17.11, se infere a possibilidade de o 
 credor não alterar a taxa contratual em caso de alteração da taxa legal. 
 
 3 E, decorrentemente a sua imodificabilidade em caso de não comunicação escrita. 
 
 
 
 4 Assim, não comunicada qualquer alteração quanto à taxa de 19,25%, que era a 
 vigente aquando da instauração da acção executiva e em obediência ao artº 45º nº 
 
 1 do CPC, esta mesma permanece como válida. 
 
 5 Daí que a Decisão revogada pelo douto Acórdão agora recorrido se afigure não 
 ter violado qualquer preceito legal. 
 
 6 O douto Acórdão carece, pois, de revogação por violação dos referidos 
 preceitos legais em conjugação com a referida cláusula contratual. 
 
 7 Mostrando-se, assim, a liquidação efectuada com a taxa de juro efectivamente 
 aplicável. 
 Corridos os vistos legais, cumpre decidir. 
 II 
 Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos dados por 
 assentes, remetendo para o que consta de fls. 314 a 319. 
 III 
 Apreciando 
 A questão única a decidir é a de saber se a taxa de juros fixada no documento 
 que serve de título à execução é aquela que deve ser observada na liquidação da 
 quantia exequenda, ou se não se deverá atender antes às sucessivas modificações 
 das taxas dos juros legais. 
 Tendo em conta o que estipula o artº 45º n.º 1 do C. P. Civil quanto à 
 literalidade do título executivo, dir-se-ia, prima facie, que as taxas a atender 
 são aquelas ali fixadas. 
 Isto não significa que a declaração que o integra não seja susceptível de 
 interpretação nos termos do artº 236º nº 1 do C. Civil. 
 O Tribunal da Relação entendeu que o § 1º do artº 4º do contrato de mútuo em 
 causa, ao estipular que “A taxa poderá vir a ser alterada de acordo com os 
 limites legais em vigor à data do ajustamento, por decisão unilateral do credor, 
 bastando para tal uma simples comunicação escrita à devedora”, não podia ser 
 tido como consagrando a imodificabilidade da taxa de juro. 
 No essencial refere que isso iria contra a finalidade de fomento prosseguida 
 pelo Fundo. 
 Invoca ainda que o entendimento contrário estaria em desacordo com o artº 6º do 
 DL 344/78 que determina: “Quando no decurso do prazo da operação ocorra 
 alteração legal da taxa de juro, aplicar-se-á a nova taxa a partir da próxima 
 contagem de juros, excepto quando as partes hajam convencionado diversamente por 
 escrito”. 
 Quanto à questão de o Fundo estar a realizar com o empréstimo uma função de 
 apoio económico às pescas nacionais e não a exercer uma actividade lucrativa, há 
 a dizer que nas condições económicas concretas em que ocorreu o empréstimo ambas 
 as partes aceitaram, designadamente a executada, que o mesmo, com as taxas aí 
 clausuladas servia os interesses desta última, ou seja o desenvolvimento da sua 
 actividade. É este o momento que releva para considerar a realização pelo Fundo 
 da sua função de fomento e não aquele em que se põe o problema do não 
 cumprimento do contrato e da consequente execução do devido, quando já são 
 despiciendas quaisquer considerações sobre o bom efeito económico da operação de 
 financiamento realizada. 
 Por outro lado, não nos parece decisivo o apelo ao disposto no aludido artº 6º 
 do DL 344/78, dado que este ressalva a convenção em contrário, que no caso 
 existe. 
 Assim, o estipulado no título executivo em apreço deve ser interpretado e valer 
 nos seus precisos. 
 Nem se diga, como no Parecer junto aos autos, que atender às taxas fixadas no 
 contrato integraria um negócio usurário. 
 Esquece-se, salvo o devido respeito, que a usura determina-se face ao momento em 
 que é celebrado o respectivo negócio. Se este não era abusivo aquando da sua 
 celebração, não é o facto de os seus valores, posteriormente, poderem ser 
 considerados como usurários, que o vai penalizar retroactivamente. 
 Termos em que procede o recurso. 
 Pelo exposto, acordam em dar provimento ao agravo e revogam o acórdão recorrido, 
 determinando que a liquidação, da quantia executiva, quanto às taxas de juro, se 
 faça como determinado em 1ª instância.[...]
 
  
 
 É  contra esta decisão que a recorrente reage em requerimento assim formulado:
 
  
 
 [...] não se conformando com o douto Acórdão de 12/10/2006, que concedeu 
 provimento ao agravo interposto pelo Estado (ex-Fundo de Renovação e de 
 Apetrechamento da Indústria de Pesca), pretende dele interpor para o Venerando 
 Tribunal Constitucional o competente recurso, que sobe imediatamente nos 
 próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 6º., 49º., nº. 3, 
 
 69º., 70º., nº. 1,al. b), 75º., 75º-A, nºs. 1 e 2, 76º., nº. 1, e 78º da Lei do 
 Tribunal Constitucional (Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro), porquanto: 
 
 1)- O presente recurso, como se viu, é interposto ao abrigo da alínea b) do nº. 
 
 1 do Artigo 70º da referida Lei. 
 
 2)- A inconstitucionalidade foi suscitada na conclusão XXIII das alegações 
 proferidas pela ora Recorrente perante o Venerando Tribunal da Relação que 
 revogou a decisão de 1ª Instância e que veio, por sua vez, a ser revogado pela 
 decisão ora recorrida: “E interpretar-se o n.º 1 do artigo 45º do Código de 
 Processo Civil como pretendem o digno Agente do Mº. Pº e o Mº. Juiz “a quo” no 
 sentido de que o título executivo tem de ser cumprido à risca, sem possibilidade 
 do recurso ao seu espírito, e assim ser válida a cláusula 4ª parágrafo 1º., do 
 Contrato (só por decisão unilateral, do credor a taxa do juro remuneratório 
 podia ser alterada) é nitidamente inconstitucional, por ofensa aos preceitos da 
 Lei Fundamental citados na Conclusão XXII e aos demais invocados nessa Conclusão 
 e na XXI, designadamente quando as taxas baixassem. 
 
 3)- Tal invocação de inconstitucionalidade voltou a ser repetida no nº. 5 da 
 resposta da ora Recorrente às doutas alegações do Digníssimo Mº. Pº no recurso 
 interposto por este para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça que deu lugar à 
 decisão ora recorrida. – invocação que não tinha, aliás, que ser feita, pois a 
 ora Recorrente era ali simples recorrida, pelo que não era de prever tal 
 interpretação, mormente a tão radicalmente feita do artigo 6º do D.L. nº. 
 
 344/78, de 17 de Novembro, de que a referida cláusula 4ª., parágrafo 1º, do 
 contrato, é a concretização – (“Quando no decurso do prazo da operação ocorra 
 alteração legal da taxa de juros, aplicar-se-á a nova taxa a partir da nova 
 contagem de juros, excepto quando as partes hajam convencionado diversamente por 
 escrito”). Portanto, 
 
 4)- Tal como se invocou quanto ao nº. 1 do Artigo 45º do C.P.C. o mesmo se dirá 
 em relação ao Artigo 6º do D.L. nº. 344/78 quando interpretada naquele mesmo 
 sentido, como se fez no douto Acórdão recorrido, isto é, que a convenção em 
 contrário é absoluta e tem que ser cumprida à risca, mesmo que estejamos perante 
 abuso de direito ou enriquecimento sem causa, ou negócio usurário, nos termos 
 dos Artigos 334º., 1.146º., 282º., 283º., e 284º., do Código Civil e 226º do 
 Código Penal – interpretações, estas e aquelas, violadoras dos invocados 
 preceitos da Constituição da República, tais como os princípios da igualdade dos 
 cidadãos entre si e com o Estado, e o da proporcionalidade dos direitos e das 
 obrigações.
 
  
 
 4.            Neste requerimento de interposição de recurso a recorrente 
 circunscreve a 'questão de constitucionalidade' que quer ver apreciada no 
 Tribunal Constitucional ao n.º 1 do artigo 45º do Código de Processo Civil e ao 
 artigo 6º do Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro, ambos interpretados num 
 
 único sentido: o de que 'a convenção em contrário é absoluta e tem que ser 
 cumprida à risca, mesmo que estejamos perante abuso de direito, ou 
 enriquecimento sem causa, ou negócio usurário, nos termos dos artigos 334º, 
 
 1146º, 282º, 283º e 284º do Código Civil e 226º do Código Penal'.
 
  
 Ora, colocada assim a questão, é patente que ela se reconduz directamente à 
 decisão recorrida, pois implica não só uma análise crítica do processo lógico de 
 aplicação concreta do direito aos factos, mas também a tarefa de apurar da 
 verificação, no caso em análise, 'do abuso de direito, ou enriquecimento sem 
 causa, ou negócio usurário, nos termos dos artigos 334º, 1146º, 282º, 283º e 
 
 284º do Código Civil e 226º do Código Penal', como alega a recorrente. 
 Além disso, a questão que é colocada ao Tribunal Constitucional só tem sentido 
 se o Tribunal puder determinar que, ao contrário do que decidiu o Supremo 
 Tribunal de Justiça, ocorre abuso de direito, ou enriquecimento sem causa, ou 
 negócio usurário, nos termos das citadas disposições legais. 
 Impor-se-ia, por isso, ao Tribunal verificar se o Supremo Tribunal de Justiça 
 decidira bem ao julgar que, no caso, era irrelevante o disposto no artigo 6º do 
 Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro, ou que se não estava perante um 
 negócio usurário.
 Ora, é justamente esta a actividade que ao Tribunal Constitucional é vedado 
 exercer no âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da 
 LTC.
 
  
 Acresce que para determinar a natureza normativa da questão que é colocada no 
 recurso não basta a referência feita pela recorrente a determinados preceitos de 
 lei, quando essa menção, ainda que sirva para identificar as disposições legais 
 que fundamentam a concreta solução jurisdicional perfilhada, é insuficiente ou 
 desadequada para retirar a determinação jurídica que se pretende que constitua o 
 objecto do recurso.
 
  
 Aliás, o carácter não normativo da questão submetida a julgamento neste recurso 
 sobressai com plena evidência da identidade da 'norma' que é simultaneamente 
 retirada de dois preceitos distintos, quando se compara essa determinação 
 jurídica com o teor dos invocados n.º 1 do artigo 45º do Código de Processo 
 Civil e artigo 6º do Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro (diploma que 
 estabelece os critérios de classificação de prazos de vencimento de créditos 
 bancários).
 
  
 O primeiro preceito diz: 'Toda a execução tem por base um título, pelo qual se 
 determinam o fim e os limites da acção executiva.' 
 O dito artigo 6º é do seguinte teor: 'Quando no decurso do prazo da operação 
 ocorra alteração legal da taxa de juro, aplicar-se-á a nova taxa a partir da 
 próxima contagem de juros, excepto quando as partes hajam convencionado 
 diversamente por escrito.'
 Ora, afirmar que se pretende simultaneamente impugnar estas duas distintas 
 normas, aplicadas com o mesmo e único sentido 'de que o título executivo tem de 
 ser cumprido à risca, sem possibilidade do recurso ao seu espírito, e assim ser 
 válida a cláusula 4ª parágrafo 1.º do Contrato', é pretender contornar a 
 dificuldade criada pela exigência legal quanto ao carácter normativo do recurso; 
 com efeito, ao isolar uma determinação jurídica que não se reporta já ao valor 
 dogmático das normas em referência, mas a uma consequência que alegadamente 
 delas se extraiu, o que se está a impugnar é a solução do caso concreto.
 
  
 
 5.            Quer isto dizer, em suma, duas coisas: a primeira, é que o objecto 
 do recurso é constituído pela decisão recorrida e não por uma norma supostamente 
 nela aplicada; a segunda, é que a forma como a questão foi colocada ao Tribunal 
 recorrido não permite dar por verificado o requisito da prévia suscitação 
 adequada da questão, constante do n.º 2 do artigo 72º da LTC,   pois a 
 recorrente não colocou ao Supremo Tribunal de Justiça um problema relacionado 
 com uma norma inconstitucional, mas, tal como agora, um problema que radica numa 
 solução jurisdicional alegadamente desconforme com a Constituição.
 Improcede, nestes termos, a reclamação.
 
  
 
 6.            Em consequência, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a 
 decisão sumária de não conhecimento do recurso.
 Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
 
  
 Lisboa, 30 de Março de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos