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Processo n.º 665/07
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
 
  
 Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I – Relatório
 
 1. Por Acórdão de 1 de Abril de 2004, o Conselho dos Oficiais de Justiça 
 deliberou a aplicação da pena única de inactividade pelo período de um ano ao 
 ora Recorrente, A., Técnico de Justiça Principal junto do Tribunal Judicial das 
 Caldas da Rainha.
 Na sequência de recurso hierárquico interposto pelo Recorrente, o Conselho 
 Superior do Ministério Público, em 14 de Dezembro de 2004, confirmou na íntegra 
 a decisão impugnada.
 Ainda inconformado, o Recorrente propôs de seguida acção administrativa 
 especial, nos termos dos artigos 46.º e seguintes do CPTA, pretendendo obter a 
 revogação do acto condenatório. Para tanto alegou o vício de falta de 
 fundamentação da decisão impugnada, bem como a violação dos princípios da 
 proporcionalidade, adequação e subsidiariedade das penas. Subsidiariamente, 
 invocou ainda que a pena deveria ter sido suspensa na sua execução, nos termos 
 do disposto no artigo 33.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da 
 Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 
 
 16 de Janeiro.
 
 2. Em simultâneo, o Recorrente deduziu providência cautelar de suspensão de 
 eficácia do referido acto administrativo, que veio a ser deferida por Acórdão do 
 Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Junho de 2005.
 
 3. Por acórdão de 16 de Fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Administrativo 
 negou provimento à acção proposta, tendo, no que releva para os presentes autos, 
 decidido o seguinte:
 
 “2 – Defende, depois, o autor que o acórdão não valorou explicitamente os factos 
 constantes dos arts. 21° a 56° da matéria de facto provada. 
 
 É verdade. Realmente, nenhuma apreciação expressa foi efectuada a propósito da 
 actuação do autor sobre a sua contribuição para o apaziguamento das tensas 
 relações existentes entre alguns funcionários, da sua preocupação em assegurar o 
 bom funcionamento do serviço e até da correcção do seu comportamento, factos que 
 o próprio acórdão considerou provados. Simplesmente, tal como na generalidade 
 foi referido no acórdão do COJ no capítulo dedicado ao ‘enquadramento jurídico- 
 disciplinar’ (fls. 376 do p.a.; fls. 28 dos autos), não viu a entidade 
 competente razões para os subsumir à noção de circunstância atenuante especial 
 prevista no art. 29.º do ED. 
 De resto, a forma como o autor coloca a questão exprime mais um juízo de censura 
 contra a medida e graduação da pena, atentatória, portanto, dos critérios 
 definidos no art. 28.º do ED. 
 Ora, se ao tribunal é possível analisar da existência material dos factos nos 
 moldes acima referidos e averiguar se eles constituem infracções disciplinares, 
 já lhe não cabe apreciar a medida concreta da pena, salvo em casos de erro 
 grosseiro e manifesto, porque essa é uma tarefa da Administração que se insere 
 na chamada discricionariedade técnica ou administrativa, (Acs. do STA, de 
 
 11/12/86, in BMJ n° 362/434 e de 5/06/90, in BMJ n° 398/355;de 02/10/90, in BMJ 
 n° 400/712; de 03/03/94, Proc. N° 033069, de 23/03/95, Proc. N° 032586; 6/03/97, 
 Proc. n°041112; de 8/01/2000, Proc. n°038605; de 7/02/2004, Proc. n° 048149, 
 entre outros). E não vemos, sinceramente, que tenha havido erro grosseiro nesse 
 aspecto, pois que até mesmo para o acórdão, uma só das infracções (a da alínea 
 b)) bastaria para a aplicação da pena de inactividade. 
 
 3 – Prosseguindo, advoga o autor impugnante que teriam sido violados os 
 princípios da proporcionalidade, adequação e subsidiariedade das penas. 
 Estaria em causa, desta vez, a circunstância de não ter sido relevada 
 factualidade apurada noutro procedimento disciplinar contra si instaurado (Proc. 
 n° 183- D/039), apesar de ter sido a mesma a entidade punitiva (COJ) e, 
 portanto, com conhecimento dos respectivos factos. Factualidade que, acrescida 
 de outros elementos que agora documenta a respeito da sua competência, 
 dedicação, urbanidade, etc, haveria de atestar a inadequação e 
 desproporcionalidade da pena. 
 Ora bem. Em primeiro lugar, a factualidade reportada no art. 33.º da petição 
 inicial não foi considerada provada no relatório do acórdão punitivo de fls. 40 
 v° e sgs. dos autos. O que, por si só, impediria que no procedimento n° 160.D/02 
 
 – que deu origem à pena de que ora recorre – todo esse circunstancialismo 
 pudesse ser ponderado. Em segundo lugar, a argumentação produzida a propósito 
 dos restantes elementos documentados nos autos não poderia servir para o caso 
 presente, uma vez que, como o autor reconhece, foram obtidos já depois da 
 prática dos factos aqui imputados e até mesmo após a aplicação da respectiva 
 medida sancionatória. 
 Em todo o caso, sempre anuiremos que a graduação da sanção disciplinar de 
 suspensão, dentro dos limites legalmente estabelecidos, é uma actividade 
 incluída na discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo 
 sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário, designadamente o 
 desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação 
 
 (Ac. do STA, de 3/11/2004, Proc. n° 0329/04). 
 Contudo, nas hipóteses em que a medida tomada se situa dentro de um círculo de 
 medidas possíveis, deve considerar-se proporcionada e adequada aquela de que a 
 Administração se serviu (Esteves de Oliveira e outros, in Código de Processo 
 Administrativo anotado, pags. l04/l05; tb. cit. Ac. do STA de 3/11/2004). 
 Assim, perante todo o circunstancialismo factual apurado, e não se nos deparando 
 qualquer erro manifesto na dosimetria concreta da pena, não vemos como possa 
 afirmar-se a violação dos princípios da proporcionalidade e adequação ou, 
 tão-pouco, que a pena pudesse, subsidiariamente, ser outra.” 
 O Recorrente interpôs então recurso de apelação para o Pleno da Secção de 
 Contencioso Administrativo daquele Tribunal, tendo concluído as suas alegações, 
 no que ora importa, pela seguinte forma:
 
 “(…)
 
 5.º O tribunal a quo ao não apreciar do mérito da medida, designadamente, quanto 
 
 à culpa do recorrente e sua graduação, violou o princípio constitucional da 
 igualdade e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos artigos 
 
 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. 
 
 6.º Igualmente, o Tribunal a quo violou o artigo 3°, n.º 1 do Código de Processo 
 nos Tribunais Administrativos. 
 
 7.º A interpretação do art° 3°, n.º 1 do CPTA no sentido de que as decisões 
 sobre matéria disciplinar se encontram no âmbito da conveniência ou oportunidade 
 da actuação da administração, estando fora da plena jurisdição dos tribunais 
 administrativos, é inconstitucional por violação dos art°s 13° e 20° da 
 Constituição da República Portuguesa.”
 
 4. Em 29 de Março de 2007, o Pleno negou provimento ao recurso, assim 
 confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
 
 É deste acórdão que surge interposto o presente recurso de constitucionalidade, 
 ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, 
 para apreciação:
 
 “– da inconstitucionalidade do art° 3.º, n.º 1 do CPTA quando interpretado no 
 sentido de que as decisões sobre matéria disciplinar se encontram no âmbito da 
 conveniência ou oportunidade da actuação da administração, estando fora da plena 
 jurisdição dos tribunais administrativos, o que configura uma violação do 
 direito da impugnação contenciosa de quaisquer actos administrativos que lesem 
 direitos ou interesses legalmente protegidos e do princípio da tutela judicial 
 efectiva dos actos da administração consagrados dos artigos 13.º, 20.º e 268.º, 
 n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
 
 – da violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmados nos 
 artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa ao não ser apreciado 
 pelo Tribunal o mérito da medida, designadamente, quanto à culpa do recorrente e 
 sua graduação por parte do acórdão.”
 
 5. Notificado para alegar, o Recorrente concluiu, nomeadamente, nos seguintes 
 termos:
 
 “(…) 
 J) No caso em apreço, o Acórdão não se pronunciou no sentido da apreciação da 
 decisão administrativa de determinação da pena disciplinar a aplicar e sua 
 medida, não se verificando assim, a observância ou não dos princípios da justiça 
 e da proporcionalidade, imposta à Administração; 
 L) De acordo com o entendimento exarado, decorrente do princípio da separação de 
 poderes, concluir-se-á que a falta de controle jurisdicional de decisões 
 administrativas que se encontrem nesta área dúbia, continuará a determinar a 
 lesão de direitos e de interesses legalmente protegidos; 
 M) Concluindo, tendo a norma do artigo 3.°, n.° 1 do Código de Processo nos 
 Tribunais administrativos sido interpretada e aplicada com os condicionalismos e 
 alcances atrás referidos, mostra-se ela ferida de inconstitucionalidade.” 
 O Conselho Superior do Ministério Público, Recorrido, pugnou pela improcedência 
 do recurso.
 
 6. Por despacho de 15 de Janeiro de 2008, o Relator ordenou a notificação do 
 Recorrente para que se pronunciasse sobre a “eventualidade de o recurso não ser 
 objecto de conhecimento pelo facto de a dimensão interpretativa impugnada não 
 corresponder à ratio decidendi do acórdão recorrido bem como pelo facto de a 
 violação dos artigos 13.º e 20.º da Constituição vir assacada à decisão 
 propriamente dita.”
 Na resposta o Recorrente invocou, no essencial, que a concretização da dimensão 
 normativa foi efectivada nas conclusões das alegações, sustentando que “dúvidas 
 não podem haver que a dimensão interpretativa do tribunal a quo em referência ao 
 citado preceito legal está implícita à ratio decidendi, ou seja, é ela o 
 sustentáculo do argumento jurídico subjacente à decisão de considerar 
 improcedente a conclusão do recorrente.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II – Fundamentos
 Questão Prévia
 
 7. A apreciação do presente recurso pressupõe que se encontrem devidamente 
 observados e cumpridos os pressupostos enunciados na Constituição e na Lei do 
 Tribunal Constitucional. Assim, o conhecimento de recursos interpostos ao abrigo 
 do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), já citado, como é o caso, ocorre quando, 
 nomeadamente, a norma impugnada tenha sido aplicada pela instância recorrida 
 como ratio decidendi, isto é, como fundamento da decisão controvertida, na 
 dimensão interpretativa contestada pelo recorrente. 
 No requerimento de interposição de recurso, o Recorrente refere que pretende ver 
 apreciado o artigo 3.º, n.º 1, do CPTA, “quando interpretado no sentido de que 
 as decisões sobre matéria disciplinar se encontram no âmbito da conveniência ou 
 oportunidade da actuação da administração, estando fora da plena jurisdição dos 
 tribunais administrativos (...)”, face a uma eventual violação dos artigos 13.º, 
 
 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição.
 No entanto, e como facilmente resulta da leitura de ambos os Acórdãos do Supremo 
 Tribunal Administrativo, o artigo 3.º, n.º 1, do CPTA não foi aplicado naquela 
 lata interpretação. Vejamos o que a este propósito se escreveu no Acórdão do 
 Pleno, face à questão de inconstitucionalidade suscitada nas alegações de 
 recurso dirigidas àquele Tribunal formulada nos mesmos idênticos termos:
 
 “Ora (…) o tribunal não acolheu a interpretação do preceito referida pelo 
 recorrente, de que as decisões sobre matéria disciplinar se encontram no âmbito 
 da conveniência ou oportunidade da actuação da Administração, estando fora da 
 plena jurisdição dos tribunais administrativos.
 Como se deixou já repetidamente referido, o tribunal apenas reconheceu, na 
 esteira da jurisprudência uniforme deste Tribunal Pleno, em sede de determinação 
 da medida da pena, a existência de uma margem de liberdade de decisão, numa área 
 designada de ‘justiça administrativa’, apenas sindicável se os critérios de 
 graduação utilizados ou o resultado atingido se revelarem grosseiros ou 
 ostensivamente inadmissíveis (o que recupera o patamar da censura jurisdicional 
 em elementos de vinculação).” (assinalado nosso)
 Com efeito, na decisão recorrida (bem como na anterior pronúncia do Supremo 
 Tribunal Administrativo), apenas foi sindicada a “dosimetria concreta da pena”, 
 face à ausência de qualquer “erro manifesto” (cfr. fls. 93 dos autos). Deste 
 modo, o Tribunal recorrido pronunciou-se no sentido de que escaparia à 
 jurisdição administrativa o controle de decisões proferidas em matéria 
 disciplinar e atinentes à determinação da medida concreta da sanção a aplicar 
 sempre que não se verificasse situação de erro ostensivo ou de violação do 
 princípio da proporcionalidade na sua vertente de adequação.
 Aliás, da análise do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 
 
 16 de Fevereiro de 2006 resulta claro que o Tribunal apreciou devidamente todos 
 os outros aspectos que vinham controvertidos relativamente à sanção disciplinar 
 decretada, nomeadamente a fundamentação do Acórdão do Conselho Superior do 
 Ministério Público, a valoração dos factos constantes dos artigos 21.º a 56.º da 
 matéria de facto provada e a questão da não suspensão da pena. 
 Verifica-se, portanto, que a norma objecto do presente recurso não foi aplicada 
 na dimensão interpretativa que vem impugnada o que obsta, nesta parte, ao 
 conhecimento do recurso.
 Invocando o Recorrente na sua resposta que procedeu à especificação da dimensão 
 normativa concretamente aplicada em sede de alegações de recurso de 
 constitucionalidade, cumpre realçar que este não é já momento processual idóneo 
 para o fazer. O objecto do recurso de constitucionalidade, tal como resulta 
 delimitado pelo requerimento de interposição do mesmo, não pode posteriormente 
 vir a ser alargado nas alegações subsequentes (cfr., entre muitos outros, o 
 Acórdão n.º 512/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de 
 Fevereiro de 2007).
 
 8. Por outro lado, ainda no requerimento de interposição de recurso, o 
 Recorrente invoca a violação do princípio da tutela judicial efectiva pelo facto 
 de o Tribunal a quo não ter apreciado o mérito da medida “designadamente quanto 
 
 à culpa do recorrente e sua graduação por parte do acórdão.” Esta matéria foi 
 posteriormente retomada nos pontos 16 a 18 da alegações de recurso. No entanto, 
 esta questão de constitucionalidade surge directamente referida à decisão 
 recorrida e não a qualquer norma ou interpretação normativa. Sendo o recurso de 
 constitucionalidade, em qualquer uma das suas modalidades, um recurso normativo, 
 não competindo ao Tribunal Constitucional, deste modo, proceder à análise e 
 sindicância das decisões proferidas pelos restantes tribunais, falha, nesta 
 parte, outro pressuposto essencial ao conhecimento do recurso.
 Assim, não se verificando os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso 
 não pode o mesmo ser objecto de conhecimento.
 III – Decisão
 
 9. Nos termos e pelos fundamentos expostos acordam, na 1.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional, em não conhecer do objecto do recurso.
 Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) UC.
 Lisboa, 4 de Março de 2008
 José Borges Soeiro
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos