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Processo n.º 654/06                                         
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I
 
  
 
  
 
 1.               Por decisão sumária de fls. 412 e seguintes, não se tomou 
 conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A. e outras, quanto à 
 norma do artigo 238º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, e negou-se 
 provimento a esse recurso, quanto às normas do artigo 238º, n.º s 1, 2 e 3, do 
 mesmo Código.
 
  
 
    Relativamente a esta segunda parte da referida decisão sumária, foi a 
 seguinte a respectiva fundamentação:
 
  
 
 “[…]
 
 5. Quanto às normas do artigo 238º, n.º s 1, 2, e 3, do Código de Processo Civil 
 
 – cuja apreciação também é pretendida pelos recorrentes –, verifica-se que as 
 mesmas foram aplicadas, pelo tribunal recorrido, numa interpretação que já foi 
 julgada não inconstitucional pelo Tribunal Constitucional: a de que, antes da 
 citação por via postal simples (e depois do insucesso da citação por carta 
 registada com aviso de recepção), deve haver uma indagação oficiosa junto das 
 bases de dados enumeradas no n.º 1 do mesmo artigo, com vista à comprovação da 
 exactidão do domicílio do réu, por forma a que este possa tomar conhecimento da 
 acção contra si deduzida e se possa defender.  
 Na verdade, no Acórdão n.º 91/04, de 10 de Fevereiro (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt e citado, aliás, no texto do aresto ora 
 recorrido), foi julgada não inconstitucional tal interpretação – reportada 
 embora unicamente ao n.º 2 do artigo 238º do Código de Processo Civil –, nos 
 seguintes termos:
 
 «[…] é manifesto que, no caso concreto, em que foram efectuadas todas as 
 diligências previstas na lei – nomeadamente a consulta das bases de dados nela 
 citadas –, remetidas cartas não só para a morada correspondente ao local onde 
 alegadamente foram prestados os serviços de construção civil geradores do 
 crédito reclamado, mas também para todas as outras moradas conhecidas e em que 
 se não vislumbra, no processo, qualquer indicação de que a recorrente tenha um 
 qualquer outro domicílio, ponderando os princípios referidos no acórdão 
 transcrito, a solução legislativa em causa, tal como foi interpretada, não 
 ofende desproporcionadamente os direitos de defesa do demandado. 
 Não se verifica, assim, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 
 
 238º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada nos 
 autos, pois foi garantido o direito de acesso aos tribunais e não houve violação 
 da proibição da indefesa. 
 
 […]».
 
 É esta orientação – que foi entretanto seguida noutras decisões deste Tribunal, 
 nomeadamente no Acórdão n.º 243/05, de 5 de Maio – que agora também se perfilha 
 e para cuja fundamentação se remete, conforme permite o artigo 78º-A, n.º 1, da 
 Lei do Tribunal Constitucional: na verdade, a questão a decidir é simples, uma 
 vez que já foi objecto de decisão anterior do Tribunal.
 Nega-se, consequentemente, provimento ao presente recurso, remetendo-se, quanto 
 
 à questão de constitucionalidade colocada pelos recorrentes, para a 
 fundamentação do citado Acórdão n.º 91/04, de 10 de Fevereiro.
 
 […]”.
 
  
 
 2.               A. e outras vieram, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 
 
 3, da Lei do Tribunal Constitucional, reclamar para a conferência, da parte da 
 decisão sumária que negou provimento ao recurso e que acima se transcreveu, nos 
 seguintes termos (fls. 426 e seguintes):
 
  
 
 “[…]
 Entendem as Reclamantes que a questão a decidir não pode ser considerada 
 simples, não tendo assim aplicação o n.º 1 do art. 78°-A da LTC, uma vez que as 
 anteriores decisões do TC invocadas na decisão em crise a propósito desta 
 questão não são directamente aplicáveis ao caso dos autos. 
 Na realidade, e como decorre do conjunto das anteriores decisões (entre as quais 
 as referidas na decisão de que ora se reclama) no que diz respeito à 
 constitucionalidade das normas em apreço, sempre procurou o TC, nos seus 
 anteriores arrestos, equilibrar o princípio da proibição da indefesa, decorrente 
 do artigo 20°, n.º 1 e 4, da CRP, com o princípio da segurança jurídica, tendo o 
 TC optado por considerar como inconstitucional a norma constante de n.º do art. 
 
 238° no Acórdão 287/2003, bem como a norma constante do n.º 238°-A, do CPC 
 
 (embora não seja esta a norma em apreciação no caso dos autos, os argumentos ali 
 expostos são integralmente aplicáveis ao caso dos autos). 
 Tendo optado por considerar a norma como inconstitucional nos casos concretos em 
 que da aplicação da lei resultava num desequilibro grave em prejuízo do 
 princípio da proibição da indefesa, e sempre em face do caso concreto. 
 Assim, considera a Reclamante que a decisão a ser tomada está longe de ser 
 simples, atenta a circunstância de o próprio TC ter, nesta matéria, tomado 
 decisões em sentido diverso (embora, reconheça-se, com base em circunstâncias de 
 facto diferentes). 
 Nos acórdãos em questão sempre se procurou balancear de forma adequada o 
 princípio da proibição da indefesa com os prejuízos decorrentes da circunstância 
 de um processo judicial poder ficar parado por inércia das partes envolvidas. 
 No caso em apreço (dando-se aqui por reproduzidas, brevitatis causa, as 
 alegações do recurso apresentado para o STJ no que diz respeito à tramitação 
 processual), são inteiramente aplicáveis as considerações constantes do Acórdão 
 
 104/2006: «Não se trata, pois, apenas – como sucedeu no âmbito do Decreto-Lei 
 n.º 383/99 – de tolerar, como ‘ultima ratio’, uma citação por via postal simples 
 
 (assente na mera ‘certificação’ pelo carteiro do depósito da carta no 
 receptáculo postal do citando) nas acções ‘de massa’ (que estatisticamente 
 
 ‘afogam’ os tribunais) e de ‘reduzido valor’ (que no nosso sistema adjectivo se 
 convencionou coincidir com a alçada da 1ª instância) – e em que obviamente os 
 riscos – e as consequências, para o citando de uma improcedência da arguição do 
 vício de falta de citação são naturalmente bem menores do que a procedência de 
 uma acção atinente a bens ou direitos pessoais ou à condenação em invocado 
 débito de dezenas (ou centenas) de milhares de contos, comprometendo 
 irremediável e definitivamente a sobrevivência económica do réu e seu agregado 
 familiar». 
 Deste aresto (último conhecido da Reclamante sobre esta questão), que versava 
 sobre o art. 238°-A, n.º 4, do CPC, aplicado a um caso de intervenção provocada, 
 mas cuja fundamentação é aplicável, mutatis mutandis, ao caso dos autos, 
 resulta, com clareza, porque é que as normas em questão são inconstitucionais, 
 quando aplicadas a este caso em concreto: porque da sua aplicação resulta que é 
 possível, em abstracto, condenar determinada pessoa a pagar uma quantia avultada 
 
 (no caso, €53.837,66), sem que tal processo possa ser considerado um «processo 
 de massa» (na medida em que o pedido não diz respeito à cobrança de facturas, a 
 um caso de responsabilidade contratual com fixação de domicílio ou a qualquer 
 outro tipo de questão simples do ponto de vista dos factos), sem que esta tenha, 
 em concreto, conhecimento do respectivo processo. 
 Se tal consequência poderia ser tolerável, por razões de segurança jurídica, nos 
 casos em que o valor do processo seja reduzido ou nos processos «de massa», não 
 pode ser tolerado num caso como o dos autos, em que o princípio da segurança 
 jurídica não pode prevalecer sobre o que é um caso gritante de indefesa, em 
 virtude de a lei, à data dos factos, prever uma forma de citação que não 
 assegurava, com um mínimo de certeza, que determinada citação chegava ao 
 conhecimento do seu destinatário (circunstância à qual não é, certamente, 
 alheia, a alteração legislativa ao preceito em análise). 
 
 É, assim, necessário proceder a uma cuidada análise do caso em concreto 
 
 (dando-se aqui por integralmente reproduzido o que consta das alegações para o 
 STJ), antes de decidir, de forma sumária, por remissão para a anterior 
 jurisprudência do TC, pois é esta mesmo que impõe que se realize um cuidadoso 
 equilíbrio dos interesse em jogo aplicados ao caso concreto. 
 Entende a Reclamante que a decisão sumária não resistirá a uma mais exaustiva 
 análise dos factos em questão, e dos quais resulta, com clareza, que o princípio 
 da proibição da indefesa deverá ter mais força do que o princípio da segurança 
 jurídica. 
 Considera, assim, a Reclamante que a questão a decidir não é simples, tendo já 
 suscitado diversos entendimentos do Tribunal Constitucional (embora quanto a 
 normas diferentes, mas quanto à mesma questão substancial), pelo que não era 
 passível de decisão sumária como a que ocorreu. 
 
 […].”.
 
    
 O recorrido não respondeu (fls. 433).
 
  
 
    Cumpre apreciar e decidir.
 II
 
  
 
 3.               Na decisão sumária ora reclamada considerou-se que a 
 interpretação normativa perfilhada pelo tribunal recorrido a propósito do artigo 
 
 238º, n.º s 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil – a de que, antes da citação 
 por via postal simples (e depois do insucesso da citação por carta registada com 
 aviso de recepção), deve haver uma indagação oficiosa junto das bases de dados 
 enumeradas no n.º 1 do mesmo artigo, com vista à comprovação da exactidão do 
 domicílio do réu, por forma a que este possa tomar conhecimento da acção contra 
 si deduzida e se possa defender – já havia sido apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional, sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional 
 
 (concretamente, no Acórdão n.º 91/04, de 10 de Fevereiro), pelo que se afigurava 
 simples a questão colocada pelas recorrentes e, consequentemente, era possível 
 proferir decisão sumária nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 
  
 
    As reclamantes discordam deste entendimento, porque “as anteriores decisões 
 do TC invocadas na decisão em crise a propósito desta questão não são 
 directamente aplicáveis ao caso dos autos”.
 
  
 
    E indicam depois os motivos pelos quais tais anteriores decisões do Tribunal 
 Constitucional não seriam directamente aplicáveis ao caso dos autos: 
 a)              Porque “sempre procurou o TC, nos seus anteriores arestos, 
 equilibrar o princípio da proibição da indefesa […] com o princípio da segurança 
 jurídica”; 
 b)              Porque o Tribunal Constitucional considerou “a norma como 
 inconstitucional nos casos concretos em que da aplicação da lei resultava um 
 desequilíbrio grave em prejuízo do princípio da proibição da indefesa, e sempre 
 em face do caso concreto”; 
 c)              Porque do Acórdão n.º 104/2006 do Tribunal Constitucional 
 resulta que “as normas em questão são inconstitucionais, quando aplicadas a este 
 caso em concreto”, pois que elas tornam “possível, em abstracto, condenar 
 determinada pessoa a pagar uma quantia avultada (no caso, €53.837,66), sem que 
 tal processo possa ser considerado um «processo de massa» (na medida em que o 
 pedido não diz respeito à cobrança de facturas, a um caso de responsabilidade 
 contratual com fixação de domicílio ou a qualquer outro tipo de questão simples 
 do ponto de vista dos factos), sem que esta tenha, em concreto, conhecimento do 
 respectivo processo”;
 d)              Porque é “necessário proceder a uma cuidada análise do caso em 
 concreto […] antes de decidir, de forma sumária, por remissão para a anterior 
 jurisprudência do TC, pois é esta mesmo que impõe que se realize um cuidadoso 
 equilíbrio dos interesses em jogo aplicados ao caso concreto”.
 
  
 
 4.               Não é procedente a argumentação das reclamantes. 
 
  
 
    Desde logo, porque as reclamantes não impugnam os pressupostos de que partiu 
 a decisão sumária reclamada: o de que o objecto do presente recurso seria 
 constituído pela interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido (e acima 
 identificada) e o de que o tribunal a quo teria perfilhado a interpretação que 
 foi julgada não inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 
 
 91/04, de 10 de Fevereiro (e, posteriormente, noutras decisões deste Tribunal, 
 nomeadamente no Acórdão n.º 243/05, de 5 de Maio).
 
  
 
    Ao primeiro pressuposto não se faz directa referência na decisão sumária 
 reclamada, mas ele está implícito em toda a sua fundamentação (supra, 1.), até 
 porque se o objecto do recurso não fosse constituído pela interpretação 
 perfilhada pelo tribunal recorrido não poderia conhecer-se desse objecto (cfr. o 
 artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional); o segundo 
 pressuposto está nela claramente mencionado.
 
  
 
    Ora, na reclamação deduzida, as reclamantes não contestam estes pressupostos 
 da decisão sumária reclamada; mais precisamente, não demonstram que a 
 interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido não corresponde à interpretação 
 já apreciada pelo Tribunal Constitucional e considerada não inconstitucional. 
 Assim sendo, a única razão pela qual poderia eventualmente ponderar-se a 
 revogação dessa decisão sumária seria uma razão de mérito, relacionada com o 
 próprio conteúdo da decisão constante do Acórdão n.º 91/04, de 10 de Fevereiro.
 
  
 
    Sucede, porém, que as reclamantes não se insurgem contra esta decisão nem 
 avançam qualquer argumento susceptível de pôr em causa a doutrina perfilhada no 
 Acórdão n.º 91/04, de 10 de Fevereiro.
 
  
 
    Não incidindo a argumentação das reclamantes sobre os pressupostos de que 
 partiu a decisão sumária reclamada nem sobre o mérito da doutrina nela aplicada, 
 há que concluir que a fundamentação da reclamação em nada a pode abalar.
 
  
 
    A argumentação das reclamantes é, na verdade, irrelevante para a questão de 
 saber se a decisão sumária deve ou não ser mantida: nem da circunstância de o 
 Tribunal Constitucional ter procedido a uma ponderação de interesses em 
 anteriores arestos (supra, a) e b)) se retira que a interpretação normativa que 
 constitui o objecto do presente recurso não é a mesma que foi apreciada no 
 Acórdão n.º 91/04, de 10 de Fevereiro, ou que neste último acórdão pura e 
 simplesmente não se procedeu a tal ponderação de interesses; nem o Acórdão n.º 
 
 104/2006, citado pelas reclamantes em seu abono (supra, c)), se pronunciou sobre 
 a interpretação normativa que constitui o objecto do presente recurso, de modo a 
 poder concluir-se que a doutrina aplicada pela decisão sumária reclamada está 
 ultrapassada; nem, finalmente, a necessidade de análise do caso concreto 
 inviabiliza a aplicação da doutrina estabelecida no Acórdão n.º 91/04, de 10 de 
 Fevereiro (supra, d)), pois que a possibilidade de remissão para anterior 
 jurisprudência, prevista no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, não está – desde logo porque a competência do Tribunal 
 Constitucional se cinge à apreciação de normas ou interpretações normativas – 
 condicionada pela identidade de casos concretos, mas sim pela identidade de 
 normas ou interpretações normativas já apreciadas pelo Tribunal sob o ponto de 
 vista da sua conformidade constitucional. Sublinhe-se aliás que é o próprio 
 acórdão invocado pelas reclamantes – o citado Acórdão n.º 104/06, de 7 de 
 Fevereiro – a afirmar expressamente que “aqueles acórdãos em que o Tribunal não 
 concluiu pela inconstitucionalidade (acórdãos n.ºs 91/2004 e 243/2005) não 
 apresentam identidade de elementos essenciais com o que aqui se discute”.
 
  
 
    Não infirmando a reclamação os pressupostos de que partiu a decisão sumária 
 nem lançando essa reclamação qualquer dúvida sobre a razoabilidade da doutrina 
 aplicada por essa decisão quanto à questão de inconstitucionalidade normativa a 
 apreciar, há que concluir pela respectiva improcedência.
 
  
 III
 
  
 
 5.               Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a 
 presente reclamação, confirmando-se a decisão sumária de fls. 412 e seguintes, 
 na parte ora impugnada, que negou provimento ao recurso.
 
  
 
    Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades 
 de conta
 
  
 Lisboa, 24 de Outubro de 2006
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Rui Manuel Moura Ramos