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Processo n.º 1055/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.O presente recurso de constitucionalidade foi interposto pelo representante do 
 Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Bragança, ao abrigo dos 
 artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3 da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, da decisão do Juiz do 
 Tribunal do Trabalho de Bragança de 25 de Novembro de 2005, que, no âmbito do 
 processo por acidente de trabalho n.º 99/1960 – no qual figura como sinistrado 
 A., como beneficiária da pensão B. (mãe), e como entidade responsável a 
 Companhia de Seguros C., S.A. –, julgou inconstitucional a norma do artigo 56.º, 
 n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, por entender que 
 essa norma, quando interpretada no sentido de prever uma remição obrigatória 
 total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas 
 por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, viola o 
 princípio da justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, 
 consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República 
 Portuguesa. Tal decisão tem o seguinte teor:
 
 «(…)
 
 2. Nos termos dos artigos 33.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 
 
 56.°, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, 
 aplicável às pensões resultantes de acidentes ocorridos antes da sua entrada em 
 vigor, por força do disposto no artigos 41.º, n.º 2, alínea a), da Lei, passaram 
 a ser obrigatoriamente remíveis as pensões anuais devidas a sinistrados e a 
 beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes 
 a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão e 
 as devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por 
 incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
 Alinhamos com a posição expressa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 
 
 13 de Julho de 2004 (n.º convencional JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no 
 sentido de que a data da fixação da pensão não pode ser entendida como a data da 
 decisão judicial que a fixou, mas antes a data a partir da qual a pensão é 
 devida. Esta tese não colide, salvo melhor entendimento, com a uniformização de 
 jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão n.º 
 
 4/2005, publicado no Diário da República, I Série-A, de 2 de Maio de 2005.
 Ora, a pensão em causa é devida à beneficiária desde 16/11/1960. Por sua vez, o 
 seu valor inicial era de 826$00 (€ 4,12), ou seja, era inferior a seis vezes a 
 remuneração mínima mensal garantida mais elevada estabelecida pela primeira vez 
 pelo Decreto-Lei n.º 217/74, de 27/05, que era de 3.300$00 (€ 13,64).
 Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à remição 
 obrigatória da pensão.
 
 3. Contudo, tal como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional 
 relativamente às pensões emergentes de incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30%, também no caso de pensões vitalícias por morte devidas aos 
 beneficiários legais, as normas dos artigos 56.º, n.º 1, alínea a), e 74.º do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, estão feridas de inconstitucionalidade 
 por violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença 
 profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, 
 quando interpretadas no sentido de imporem a remição obrigatória total dessas 
 pensões vitalícias, independentemente da vontade do pensionista.
 Transcreve‑se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n.º 56/2005 do 
 Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II Série, n.º 44, de 
 
 3 de Maio de 2005, doutamente relatado pelo Ex.mo Conselheiro Paulo Mota Pinto, 
 no qual se apreciou a inconstitucionalidade material do citado artigo 74.º do 
 Decreto-Lei n.º 143/99, quando interpretado no sentido de abranger no conceito 
 de pensões de reduzido montante todas as pensões infortunísticas laborais, 
 incluindo nelas as situações de total ou elevada incapacidade permanente:
 
 «5. No Acórdão n.º 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 54.º, págs. 313‑321) escreveu‑se, a propósito, então, do artigo 56.º do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, que a ‘filosofia subjacente’ à remição obrigatória de 
 pensões prevista no seu n.º 1, segundo dois diferentes critérios – o do montante 
 diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de incapacidade laboral, 
 nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de pensões, prevista no seu 
 n.º 2, era:
 
 ‘[...] a de permitir que a compensação correspondente à pensão fixada ao 
 trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, não 
 impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter‑se em 
 capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a 
 permitida pela mera percepção de uma renda anual.
 Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma incapacidade diminuta, 
 a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o será em casos de maior 
 gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada a álea inerente, a 
 aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de incapacidade de 
 trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no montante da 
 pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir ou não a 
 remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.’
 Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela salvaguarda, no 
 n.º 2 do artigo 33.° da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, de um limite máximo à 
 remição parcial em situações de ‘incapacidade igual ou superior a 30%’ (‘desde 
 que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da remuneração 
 mínima mensal garantida mais elevada’), e pela inexistência de previsão de ‘um 
 capital de remição’, no artigo 17.° da Lei n.º 100/97, para situações em que a 
 incapacidade fosse superior a 30%. (...).
 Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão recorrida 
 contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74.° do Decreto‑Lei n.º 
 
 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2.° do Decreto‑Lei n.º 382-A/99, e na 
 interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o Tribunal 
 Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, justamente, 
 o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade elevada, ‘só 
 a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o 
 destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória, 
 em casos como o sub judice’.
 Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da ponderação reiterada 
 pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/99 (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 43.º, págs. 597‑603), no qual se pode ler:
 
 “O estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela 
 perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que 
 foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
 E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o 
 que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não 
 implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador 
 
 (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição 
 por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total 
 capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão 
 que lhe foi fixada – e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é 
 de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar 
 do tempo – possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em 
 finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção 
 de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência 
 digna a quem quer que seja.
 Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade 
 responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da 
 própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o 
 montante da pensão for reduzido.
 Outro tanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou 
 doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente 
 diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de 
 auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas 
 situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, 
 servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em 
 consequência da reduzida capacidade de trabalho.
 Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou actuaria 
 desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência então 
 compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral 
 Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de 
 aplicação do capital de remição”.
 Efectivamente, a aplicação de um capital – ainda que no momento em que essa 
 intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser 
 aleatória, comporta riscos. 
 E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em 
 maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador, 
 para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize 
 a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao 
 poder do trabalhador de pedir ou não a remição.”
 Neste Acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou‑se sobre a 
 conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas pensões 
 
 ‘a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis’, e julgou‑as 
 inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.°, n.º 
 
 1, 59.°, n.º 1, alínea f), e 63.°, n.º 3, da Constituição.
 No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está em causa a 
 limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo 
 da pensão, não seria mais compensador a efectivação da remição (que redundava – 
 disse-se –, ‘verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente 
 infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social 
 proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa reparação, 
 quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional [artigo 59.°, 
 n.º 1, alínea f), do diploma básico]’), mas antes a limitação a continuar a 
 receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para todas as 
 pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais 
 permanentes que excedam 30%.
 Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda numa limitação 
 do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar a receber a 
 pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a receber –, a 
 qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tornaria precário e 
 limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de 
 acidente de trabalho ou doença profissional.
 
 6. (…)
 Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a remição total 
 obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma 
 pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 
 
 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição.»
 
 4. Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada, embora 
 se refiram ao artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, valem 
 igualmente para o artigo 56.º, n.º 1, alínea a), quando interpretado no sentido 
 de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do 
 titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores 
 a 30%, na medida em que, ao impor uma limitação ao direito do sinistrado poder 
 optar, ou pela remição, ou, antes, pelo recebimento da sua pensão sob a forma de 
 renda anual, tal interpretação põe em causa o princípio constitucional do 
 direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional 
 estabelecido no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
 E valem também, salvo melhor entendimento, nos casos em que o pensionista não é 
 o trabalhador sinistrado, mas antes um seu beneficiário legal.
 Com efeito, a lei estende o regime especial da reparação dos acidentes de 
 trabalho aos familiares dos trabalhadores, como decorre do disposto no artigo 
 
 1.º da Lei n.º 100/97, o que se justifica, na medida em que aqueles familiares 
 beneficiam, se não mesmo dependem, dos rendimentos do trabalho por estes 
 auferidos. Como decorre do disposto no artigo 20.º da referida lei, o direito 
 desses familiares é reconhecido, nuns casos, independentemente de estes terem ou 
 não rendimentos próprios (cônjuge ou pessoa em união de facto e filhos até aos 
 
 25 anos enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de 
 doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho) e, 
 noutros casos, porque o trabalhador contribuía regularmente para o seu sustento 
 
 (ascendentes ou quaisquer parentes sucessíveis à data da morte até aos 25 anos 
 enquanto frequentarem ensino médio ou superior ou quando afectados de doença 
 física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho). Em todas as 
 situações, o pressuposto da atribuição ao beneficiário legal de uma pensão por 
 morte do trabalhador sinistrado é o da contribuição deste, presumida ou 
 efectiva, para o sustento daquele. Daí que a pensão por morte atribuída aos 
 beneficiários legais tenha a natureza de uma prestação de carácter alimentício, 
 que, se para uns funcionará como um complemento aos seus meios de subsistência, 
 para outros será o principal, se não mesmo o único meio de assegurar uma 
 subsistência condigna.
 Em qualquer caso, o direito constitucional à justa reparação dos danos 
 emergentes de acidente de trabalho postula que, à semelhança do que sucede no 
 caso do pensionista ser o próprio trabalhador sinistrado, seja o beneficiário 
 legal, no seu livre arbítrio, a decidir qual a forma de reparação que melhor lhe 
 convém, isto é, a optar entre o recebimento da sua pensão em duodécimos e o 
 recebimento de um capital de remição, ponderando os riscos inerentes à sua 
 aplicação.
 Em abono de tal entendimento, transcreve‑se uma passagem do douto Acórdão do 
 Tribunal Constitucional n.º 379/2002, proc. n.º 172/02, de 26 de Fevereiro de 
 
 2002, publicado no Diário da República, II Série, n.º 290, de 16 de Janeiro de 
 
 2002 (citado, aliás, no Acórdão n.º 56/2003 supra referido), que, embora se 
 tivesse pronunciado pela conformidade constitucional da remição de pensões por 
 morte de reduzido montante perspectivada sob o prisma do princípio da igualdade 
 quando comparadas com outras pensões por morte que não sejam consideradas de 
 reduzido montante, não deixou de adiantar a desconformidade constitucional da 
 remição das mesmas pensões à luz do principio da justa reparação dos acidentes 
 de trabalho:
 
 «5. (...).
 No caso sub judice o beneficiário da pensão não é o próprio sinistrado, uma vez 
 que este morreu, mas poder‑se‑á defender que, também aqui, haverá que proceder a 
 idêntica ponderação: se, face a um quadro em que as pensões tendem 
 inevitavelmente a degradar‑se, se consideraram inconstitucionais as normas que 
 estabelecem ‘uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição’, 
 justificar-se-ia também um juízo de inconstitucionalidade para uma interpretação 
 normativa que, por morte do trabalhador, impõe a remição obrigatória das 
 pensões, sujeitas a actualizações anuais e ajustes por idade dos beneficiários, 
 para assim se salvaguardar a liberdade de o beneficiário correr os riscos do 
 capital de remição (...).»
 A mesma ponderação é feita, num caso semelhante, no Acórdão n.º 21/2003, do 
 Tribunal Constitucional, de 15 de Janeiro de 2003, publicado no Diário da 
 República, II Série, n.º 42, de 19 de Fevereiro de 2003, no qual se refere, a 
 dado passo, que «tal como naquelas [Acórdãos n.ºs 302/99 e 482/99] anteriores 
 decisões (face a um quadro em que as pensões tendiam inevitavelmente a 
 degradar-se) se consideraram inconstitucionais as normas que estabeleciam ‘uma 
 limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição’, dir-se-ia que 
 haveria que chegar agora a um juízo de inconstitucionalidade da interpretação da 
 norma (...) que impõe a remição obrigatória de pensões, por morte do 
 trabalhador, sujeitas a actualizações anuais e reajustes por idade dos 
 beneficiários, desde que tenham a oposição destes, para se salvaguardar a 
 liberdade de o beneficiário ‘correr os riscos de aplicação do capital de 
 remição’, como naquelas decisões.»
 Conclui-se, pois, que a interpretação do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, no sentido de impor a remição 
 obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões 
 vitalícias atribuídas por morte aos beneficiários legais do sinistrado falecido, 
 defendida pela seguradora responsável e pela Digna Procuradora da República, põe 
 em causa o princípio constitucional do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, estabelecido no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), 
 da Constituição, na medida em que impõe uma limitação ao direito do 
 beneficiário‑pensionista poder optar, ou pela remição, ou, antes, pelo 
 recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual. 
 
 5. Pelo exposto, considerando que a beneficiária nestes autos, pelo seu 
 silêncio, se opôs à remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por 
 inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição, a norma resultante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quando interpretada no sentido de impor 
 a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de 
 pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou 
 por morte, e, consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória da 
 pensão fixada nestes autos à beneficiária B..»
 
 2.Admitidos os autos no Tribunal Constitucional as partes foram notificadas para 
 alegar.
 O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 apresentou alegações, concluindo pela seguinte forma:
 
 «1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no 
 acórdão n.º 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa 
 reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo 
 
 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa o regime que se 
 traduz em impor ao trabalhador/sinistrado ou, no caso de morte, ao 
 familiar/beneficiário – contra a sua vontade, tida por manifestada no processo – 
 a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente do seu 
 montante pecuniário – visam compensar graus elevados – superiores a 30% – de 
 incapacidade laboral. 
 
 2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas anteriormente 
 
 à vigência do Decreto-Lei n.º 143/99 (previstas no artigo 74.º), como às pensões 
 decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma legal, cuja 
 remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56.º. 
 
 3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência da 
 remição da pensão – certos trabalhadores ou beneficiários receberem um capital 
 indemnizatório, que passam a administrar livremente, enquanto os restantes 
 continuam a receber uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não 
 objecto de remição. 
 
 4 – Porém, a norma constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 
 n.º 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador ou 
 beneficiário, a remição obrigatória total de pensões atribuídas por 
 incapacidades parciais permanentes superiores a 30%, ou por morte do sinistrado, 
 ofende o princípio constitucional da justa reparação de danos causados por 
 acidentes laborais. 
 
 5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante 
 da decisão recorrida.»
 A recorrida não apresentou contra-alegações.
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.A única questão em causa no presente recurso é a da conformidade com o artigo 
 
 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa – que consagra o 
 direito à justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais –, do 
 artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quando 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes superiores a 30% ou por morte.
 Esta mesma norma foi recentemente julgada inconstitucional pelo acórdão n.º 
 
 457/2006, tirado na 2.ª Secção em 18 de Julho de 2006 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), e proferido no processo n.º 126/06, por se 
 considerar ser, na interpretação questionada, violadora do artigo 59.º, n.º 1, 
 alínea f), da Constituição da República Portuguesa. Pode ler-se nesse aresto:
 
 «(…)
 Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face à 
 situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de 
 trabalho ocorrido em 1986 – que se considerasse aplicável o disposto no artigo 
 
 74.º, e não directamente o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
 No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi expressamente recusada, 
 com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela decisão recorrida, pelo que é 
 a questão da sua conformidade constitucional que constitui objecto do presente 
 recurso, embora circunscrita à dimensão delimitada pela situação subjacente à 
 decisão. Isto é: constitui objecto do presente recurso a norma constante do 
 artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões devidas por 
 acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse 
 diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a 
 seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação 
 da pensão, opondo‑se o beneficiário à remição.
 São numerosas as decisões deste Tribunal sobre a presente problemática, embora 
 incidindo em casos em que beneficiário da pensão é o próprio sinistrado e do 
 acidente haja resultado incapacidade parcial permanente superior a 30%.
 Pelo Acórdão n.º 34/2006, na sequência do Acórdão n.º 56/2005 e das Decisões 
 Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, foi declarada “a inconstitucionalidade, com 
 força obrigatória geral, da norma constante do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de 
 Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de 
 pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do 
 trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, por 
 violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República 
 Portuguesa”. Esse juízo de inconstitucionalidade foi reiterado no Acórdão n.º 
 
 73/2006 e da aludida declaração de inconstitucionalidade foi feita aplicação nos 
 Acórdãos n.ºs 82/2006 e 112/2006 e nas Decisões Sumárias n.ºs 34/2006, 36/2006, 
 
 38/2006, 39/2006, 48/2006, 76/2006, 180/2006, 219/2006 e 234/2006.
 E, relativamente à norma, ora em causa, do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do 
 Decreto‑Lei n.º 143/99, cuja aplicação fora recusada, com fundamento em 
 inconstitucionalidade, pelas decisões recorridas (embora se tratasse de 
 acidentes ocorridos antes da entrada em vigor desse diploma), o Tribunal 
 Constitucional, considerando transponível a fundamentação desenvolvida a 
 propósito do artigo 74.º, julgou‑a inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 58/2006, 
 
 118/2006, 204/2006, 292/2006, 322/2006 e 323/2006. Este juízo de 
 inconstitucionalidade foi reiterado nas Decisões Sumárias n.ºs 87/2006, 
 
 102/2006, 110/2006, 111/2006, 128/2006, 129/2006, 131/2006, 144/2006, 145/2006, 
 
 148/2006, 159/2006, 160/2006, 195/2006, 207/2006, 261/2006 e 262/2006, na 
 generalidade das quais nenhuma alusão se faz à data do acidente. Constituiu 
 fundamento do juízo de inconstitucionalidade constante de todos os Acórdãos e 
 Decisões Sumárias acabados de citar a violação do artigo 59, n.º 1, alínea f), 
 da Constituição da República Portuguesa, e, nos Acórdãos n.ºs 322/2006 e 
 
 323/2006 (embora com votos dissidentes quanto a este fundamento), ainda a 
 violação do princípio da confiança.
 Recentemente, pelo Acórdão n.º 438/2006, o Tribunal Constitucional apreciou, 
 pela primeira vez, embora reportada ao artigo 74.º do citado diploma, a mesma 
 questão de inconstitucionalidade ora em causa, em que beneficiário da pensão não 
 era o sinistrado, já que do acidente resultou a sua morte, mas sim a sua viúva, 
 e decidiu “julgar inconstitucional, por violação conjugada do disposto na alínea 
 f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e do princípio da confiança, inerente 
 ao princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição, a 
 norma constante do artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (na 
 redacção emergente do Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro), interpretada 
 no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas 
 por morte, opondo‑se o titular à remição, pretendida pela seguradora”.
 Como nesse Acórdão se reconhece, “pese embora a circunstância de o titular (por 
 direito próprio, não por sucessão) do direito à pensão não ser, aqui, o 
 trabalhador, não se afasta o critério da tutela constitucional do direito à 
 
 «assistência e justa reparação» por «acidentes de trabalho» para aferir a 
 validade constitucional da norma em apreciação, já que o direito a pensão 
 desempenha, no fundo, uma função de substituição da contribuição que o 
 vencimento do trabalhador significava para a subsistência do beneficiário”.
 Na verdade, apesar da formulação literal do preceito constitucional (“1. Todos 
 os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de 
 origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: (…) f) A 
 assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de 
 doença profissional.”), não parece sustentável que o direito à justa reparação 
 de acidente de trabalho fique circunscrito à pessoa do trabalhador. Nenhuma 
 razão material justificaria que, exactamente nos casos em que o sinistro laboral 
 teve mais graves consequências – a morte do trabalhador –, se tornasse mais 
 ténue a exigência constitucional da justiça da reparação.
 
 É certo que para as situações em que o beneficiário da pensão não é o 
 trabalhador sinistrado não valem todos os argumentos aduzidos na jurisprudência 
 deste Tribunal atrás citada, em especial o que apela à maior ou menor valia do 
 salário que o trabalhador poderá continuar a auferir de acordo com a sua 
 capacidade residual de trabalho.
 No entanto, o cerne do juízo de inconstitucionalidade radica em que a imposição 
 da remição de pensões, que o beneficiário já vinha auferindo e que não são de 
 reduzido montante, apesar da oposição desse beneficiário a essa remição (e, 
 assim, com desrespeito da autonomia da sua vontade), atenta a maior 
 aleatoriedade dos proventos que se poderão obter com a aplicação do capital face 
 
 à percepção regular da pensão, não assegura a “justa reparação” 
 constitucionalmente imposta.
 Neste contexto, assume relevância a consideração, exposta na passagem transcrita 
 do Acórdão n.º 438/2006, da função, que a pensão tem, de substituição da 
 contribuição que o vencimento do trabalhador significava para a subsistência do 
 beneficiário.
 Consideração que é assim desenvolvida:
 
 “Essa função é, aliás, revelada pelos termos em que o artigo 20.º da Lei n.º 
 
 100/97 define, quer o círculo dos titulares, quer as condições da sua 
 atribuição.
 Basta verificar que o direito é reconhecido a pessoas a quem o sinistrado, em 
 vida, estava legalmente obrigado a prestar alimentos ou, em certos casos, os 
 prestava de facto: cônjuge (cfr. artigos 1672.º, 1675.º, 2009.º, n.º 1, alínea 
 a), e 2015.º do Código Civil), ex‑cônjuge ou cônjuge judicialmente separado de 
 pessoas e bens com direito a alimentos (cfr. artigos 2009.º, n.º 1, alínea a), e 
 
 2016.º do Código Civil), filhos (cfr. artigos 1874.º, 1880.º, 2009.º, n.º 1, 
 alínea b), do Código Civil), ascendentes (cfr. artigo 2009.º, n.º 1, alínea b), 
 do Código Civil) e quaisquer parentes sucessíveis, desde que o sinistrado 
 
 «contribuísse com regularidade para o seu sustento». No último caso, há um 
 alargamento (subjectivo) em relação ao que consta do artigo 2009.º, alíneas d) e 
 e), do Código Civil, todavia contrabalançado com a exigência acabada de referir.
 Quanto ao direito a pensão reconhecido ao unido de facto, há que ter em conta 
 que o artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, exige, como condição de 
 atribuição da pensão, a reunião das condições constantes do artigo 2020.º do 
 Código Civil, ou seja, para que o agora interessa, a titularidade do «direito a 
 exigir alimentos da herança do falecido».”
 Concluindo‑se, como se conclui, que a dimensão normativa ora em apreço viola o 
 disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP, torna‑se desnecessário 
 apreciar se também ocorre violação do princípio da confiança.»
 No presente caso, a dimensão normativa em questão é precisamente aquela que foi 
 objecto do julgamento do citado acórdão n.º 457/2006, pelo que, não se 
 suscitando qualquer questão nova, há apenas que reiterar esse juízo, remetendo 
 para os fundamentos do referido aresto, consequentemente negando provimento ao 
 recurso.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
 a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), 
 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de 
 pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou 
 por morte; 
 b) Confirmar a decisão recorrida, na parte impugnada.
 Sem custas.
 Lisboa, 18 de Outubro de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Benjamim Rodrigues
 Mário José de Araújo Torres
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos