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Processo n.º 113/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                            Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                            1. Relatório
 
                            Nos autos de execução pendentes no 1.º Juízo Cível do 
 Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, em que são exequente a Caixa de 
 Crédito Agrícola Mútuo de … e executados A. e outros, no acto de abertura das 
 propostas relativas à venda de prédio misto, propriedade de A. e de B., 
 realizado em 21 de Setembro de 2005, após ter sido aceite, por despacho 
 judicial, por ser a de valor mais elevado e superior ao valor anunciado para a 
 venda, a proposta apresentada por C., L.da, no valor de € 481 350,00, foi 
 perguntado às filhas do executado A., presentes ao acto, se pretendiam exercer 
 o direito de remição, ao que D. respondeu afirmativamente, “declarando contudo 
 que não tem condições para efectuar o depósito da totalidade de imediato, vindo 
 preparada com um cheque visado no valor de € 51 840,00” (correspondente a 20% do 
 valor base da venda – € 259 200,00), na sequência do que foi proferido o 
 seguinte despacho:
 
  
 
     “Uma vez que nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 912.º do Código de 
 Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março 
 
 (aplicável a estes autos, uma vez que os mesmos deram entrada em juízo no dia 28 
 de Outubro de 2002), «o preço há‑de ser depositado no momento da remição», 
 considera‑se, e face ao que foi declarado por D., não validamente exercido o 
 direito de remição.”
 
                            A remidora interpôs recurso deste despacho para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, nas respectivas alegações, para além do 
 mais, suscitado a questão da inconstitucionalidade, por violação do artigo 
 
 67.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa (CRP), da 
 redacção do artigo 912.º do Código de Processo Civil (CPC) anterior ao 
 Decreto‑Lei n.º 38/2003. Essas alegações terminam com a formulação das seguintes 
 conclusões:
 
     “1 – De acordo com o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, incumbe 
 ao Estado proteger a família, promovendo a independência social e económica dos 
 agregados familiares.
 
     2 – No âmbito desta obrigação, está instituído o regime legal de remição de 
 bens familiares nas vendas judiciais dos mesmos.
 
     3 – O artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na versão anterior à redacção 
 introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, obrigava o remidor a 
 depositar o preço no acto da remição.
 
     4 – Esta obrigação não era exigida de nenhum dos concorrentes à compra do 
 bem, ficando assim o remidor em situação de tal inferioridade que muitas vezes 
 se tornava impossível o exercício dessa remição.
 
     5 – Foi o que aconteceu no presente caso, em que a praça, através da 
 abertura das propostas em carta fechada, marcada para as 14 horas, 
 impossibilitou à remidora a hipótese de conseguir obter um cheque visado do 
 valor do preço num banco e o depositar na Caixa Geral de Depósitos.
 
     6 – Além disso, a dificuldade da remidora, no presente caso, aumentava ainda 
 pela surpresa que foi a apresentação de um preço, que venceu a praça, muito 
 superior ao valor da avaliação do bem, que constava nos autos.
 
     7 – Por tudo isto, considera‑se que a redacção do artigo 912.º, n.º 2, do 
 CPC, anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ofende o citado artigo 
 
 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, já que tira por um lado as 
 oportunidades que, de outro lado, se pretendem dar aos elementos da família.
 
 8 – E na medida em que esse artigo 912.º deveria ter sido considerado 
 inconstitucional pela Meritíssima Juíza, esta deveria considerar a nova 
 redacção dos artigos 912.º e 913.º do CPC dada pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003 a 
 aplicada ao caso.
 
 9 – Esta nova redacção do CPC, que, no regime da remição, concede ao remidor os 
 mesmos direitos quanto ao depósito do preço que concede aos demais concorrentes 
 
 à praça é que deveria ter sido aplicada ao caso pela Meritíssima Juíza, pelo 
 regime definido pelo artigo 13.º do Código Civil (leis interpretativas).
 
 10 – Conforme se verifica pela acta respectiva, a ora recorrente apresentou‑se 
 na praça com um cheque visado no valor de 20% do valor base do bem como exigido 
 pelo artigo 897.º do CPC (redacção actual), aplicável pelo artigo 913.º, n.º 2 
 
 (actual redacção).
 
 11 – A Meritíssima Juíza deveria ter aceitado o depósito do cheque dos 20% e dar 
 
 à remidora o prazo de 15 dias para fazer o depósito do restante do preço, como 
 ordenam os normativos referidos na conclusão anterior.
 
 12 – Não aceitando a remição oferecida nas condições citadas, a Meritíssima 
 Juíza violou nomeadamente o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
 
 13 – A recorrente pediu que fosse dado ao recurso efeito suspensivo, uma vez que 
 o prédio vendido é casa de morada de família e a entidade que venceu a praça é 
 uma sociedade de materiais de construção, transportes e máquinas, que pode 
 causar graves prejuízos à habitação se entrar na posse do prédio.
 
 14 – O agravado não se pronunciou sobre esta alegação e pedido da recorrente, 
 pelo que, nos termos do artigo 740.º, n.º 2, alínea d), e n.º 3, do CPC, deveria 
 a Meritíssima Juíza ter atribuído o efeito suspensivo ao recurso e não efeito 
 devolutivo, como ficou determinado.
 
 15 – Deve assim revogar‑se o douto despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal de 
 Vila Franca de Xira, de não aceitação da remição, por ter violado o artigo 67.º, 
 n.º 2, alínea a), da Constituição e dar‑se como válido o exercício do direito de 
 remição do bem vendido nos autos pela recorrente, ordenando‑se que esta deposite 
 o preço nos termos do artigo 897.º do CPC (redacção actual) e deve revogar‑se 
 também o douto despacho que atribuiu ao presente recurso efeito devolutivo, por 
 ter violado o artigo 740.º, n.º 2, alínea d), e n.º 3, do CPC, devendo dar‑se ao 
 recurso o efeito suspensivo.”
 
  
 
                            O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 19 de 
 Outubro de 2006, negou provimento a esse recurso, com a seguinte fundamentação:
 
 “Quanto ao exercício do direito de remição exercido pela recorrente:
 A recorrente, Senhora D., com o objectivo de exercer o direito de remição, 
 quanto ao imóvel em venda nos autos, apresentou, no termo da abertura das 
 propostas, um cheque visado no montante de 20% do valor base do bem e informou 
 simultaneamente o Tribunal que não possuía condições para efectuar o depósito 
 imediato da totalidade do preço.
 A sua pretensão foi indeferida, por o tribunal a quo não considerar válido o 
 direito de remição exercido pela agravante, visto não ter a requerente cumprido 
 o estipulado no artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na redacção anterior ao Decreto‑Lei 
 n.º 38/2003, de 8 de Março, que dispunha que o preço tinha de ser depositado no 
 momento da remição.
 Não se suscita dúvida de que ao caso sob recurso se aplica a lei na redacção 
 antiga, uma vez que a presente acção deu entrada em juízo em 28 de Outubro de 
 
 2002 e, nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 38/2003, as 
 alterações ao Código de Processo Civil só se aplicam relativamente aos processos 
 instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003.
 De resto, nem a agravante parece colocar em causa este entendimento.
 O que a agravante considera é que a redacção do artigo 912.º, n.º 2, do CPC, 
 anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ofende o artigo 67.º, n.º 2, 
 alínea a), da Constituição da República, já que, em seu entender, tira por um 
 lado as oportunidades que, de outro lado, se pretendem dar aos elementos da 
 família e, deste modo, esse artigo deveria ter sido considerado 
 inconstitucional e deveria considerar‑se a nova redacção do artigo 912.º do CPC 
 a aplicada ao caso, uma vez que esta nova redacção concede ao remidor os mesmos 
 direitos quanto ao depósito do preço que concede aos demais concorrentes à 
 praça.
 Assim, diz a recorrente, a meritíssima Juíza deveria ter aceitado o depósito do 
 cheque dos 20% e dar à remidora o prazo de 15 dias para fazer o depósito do 
 restante do preço, como ordenam os normativos referidos, e, não aceitando a 
 remição oferecida nas condições citadas, a meritíssima Juíza violou nomeadamente 
 o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
 Ora, o preceito constitucional citado diz apenas que incumbe, designadamente, 
 ao Estado, para protecção da família, «promover a independência social e 
 económica dos agregados familiares».
 Como se vê, trata‑se de uma norma de natureza meramente programática dirigida 
 ao Estado, erigindo em dever constitucional o de o mesmo Estado impulsionar a 
 independência, social e económica, da família, obviamente mediante a criação de 
 condições e incentivos que conduzam à realização de tal desiderato.
 Contendo a norma tal cariz, não se vislumbra que o artigo 912.º, n.º 2, do CPC, 
 na redacção anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ofenda a mesma 
 norma e, por isso, se possa falar em relação ao mesmo de inconstitucionalidade.
 
 É certo que a nova versão do citado artigo 912.º, n.º 2, do CPC, poderá 
 constituir um aperfeiçoamento da lei, tornando‑a mais justa e equitativa em 
 relação à versão anterior, mas isso não é bastante para que não deva continuar a 
 aplicar‑se a lei antiga relativamente aos processos instaurados antes de 15 de 
 Setembro de 2003.
 Não está em causa no caso vertente o exercício do direito à remição, pois que à 
 agravante estava facultado exercê‑lo, exercício que apenas foi indeferido por 
 não dispor aquela de meios necessários para preencher os pressupostos da 
 remição, exigidos pelo artigo 912.º, n.º 2, do CPC, [na redacção anterior ao] 
 Decreto‑Lei n.º 38/2003.
 Como não estaria em causa o exercício do direito à remição e, consequentemente, 
 também a violação do invocado preceito constitucional, caso a agravante se 
 apresentasse a requerer a remição sem pretender depositar, por falta de meios, a 
 importância exigida na nova versão da lei.
 A remição só pode ser autorizada, tanto em face da lei antiga como em face da 
 lei moderna, mediante a condição de certo depósito imediato: integral do valor 
 da venda do bem na lei antiga e de 20% na lei moderna.
 Não dispondo a agravante de meios para depositar o preço integral do valor da 
 venda, não podia a remição ser autorizada, mesmo que tivesse oferecido um valor 
 que seria bastante perante a nova versão da lei, por esta não ser susceptível de 
 aplicação ao caso, como se demonstrou.
 E isto mesmo a admitir‑se que o artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na redacção 
 anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, traduzia uma situação de desfavor para a 
 remidora, pois que era essa a lei que existia, sendo por isso aplicável, sem 
 qualquer excepção, quer aos presentes autos, quer a todos os processos 
 anteriores a 15 de Setembro de 2003.
 Pelo exposto, e ao contrário do que a agravante procura demonstrar, não houve 
 qualquer violação constitucional, designadamente da norma invocada, pelo que se 
 entende que bem se decidiu no despacho recorrido ao não se admitir a agravante 
 a exercer o direito de remição nos termos em que se propôs fazê‑lo.
 Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter os despachos 
 recorridos.”
 
  
 
                            É contra este acórdão que por D. vem interposto o 
 presente recurso, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por 
 violação do artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da CRP, da norma do artigo 912.º, n.º 
 
 2, do CPC, “na versão anterior à redacção introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 38/2003, de 8 de Março, que obrigava o remidor a depositar o preço no acto da 
 remição”.
 
                            Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, 
 concluindo:
 
  
 
     “1 – De acordo com o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, incumbe 
 ao Estado proteger a família, promovendo a independência social e económica dos 
 agregados familiares.
 
     2 – No âmbito desta obrigação, está instituído o regime legal de remição de 
 bens familiares nas vendas judiciais dos mesmos.
 
     3 – O artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na versão anterior à redacção 
 introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, obrigava o remidor a 
 depositar o preço no acto da remição.
 
     4 – Esta obrigação não era exigida de nenhum dos concorrentes à compra do 
 bem, ficando assim o remidor em situação de tal inferioridade que muitas vezes 
 se tornava impossível o exercício dessa remição.
 
     5 – Foi o que aconteceu no presente caso, em que a praça, através da 
 abertura das propostas em carta fechada, marcada para as 14 horas, 
 impossibilitou à remidora a hipótese de conseguir obter um cheque visado do 
 valor do preço, num banco e o depositar na Caixa Geral de Depósitos.
 
     6 – Por tudo isto, considera‑se que a redacção do artigo 912.º, n.º 2, do 
 CPC, anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, ofende o citado artigo 
 
 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição, já que tira por um lado as 
 oportunidades que, de outro lado, se pretendem dar aos elementos da família.
 
     7 – E na medida em que esse artigo 912.º deveria ter sido considerado 
 inconstitucional pela Meritíssima Juíza, esta deveria considerar a nova 
 redacção dos artigos 912.º e 913.º do CPC dada pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003 a 
 aplicada ao caso.
 
     8 – Esta nova redacção do CPC, que, no regime da remição, concede ao remidor 
 os mesmos direitos quanto ao depósito do preço que concede aos demais 
 concorrentes à praça é que deveria ter sido aplicada ao caso pela Meritíssima 
 Juíza, pelo regime definido pelo artigo 13.º do Código Civil (leis 
 interpretativas).
 
     9 – Conforme afirma o douto acórdão recorrido, este novo regime é mais justo 
 e equitativo.
 
     10 – Conforme se verifica pela acta respectiva, a ora recorrente 
 apresentou‑se na praça com um cheque visado no valor de 20% do valor base do 
 bem, como exigido pelo artigo 897.º do CPC (redacção actual), aplicável pelo 
 artigo 913.º, n.º 2 (actual redacção).
 
     11 – A Meritíssima Juíza deveria ter aceitado o depósito do cheque dos 20% e 
 dar à remidora o prazo de 15 dias para fazer o depósito do restante do preço, 
 como ordenam os normativos referidos na conclusão anterior.
 
     12 – Não aceitando a remição oferecida nas condições citadas, a Meritíssima 
 Juíza violou nomeadamente o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
 
     13 – O douto acórdão da Relação de Lisboa indeferiu a pretensão da 
 recorrente, e, embora julgando a nova redacção do normativo processual mais 
 justa e equitativa, relativamente à anterior, decidiu manter a decisão da 1.ª 
 Instância, por tomar o princípio constitucional em causa meramente programático 
 para o Estado.
 
     14 – Ora, os normativos processuais devem em tudo conformar‑se com o 
 programa constitucional e têm de ser considerados ilegais quando não se 
 conformem com esse programa.
 
     15 – Deve assim revogar‑se o douto acórdão da Relação de Lisboa, assim como 
 o douto despacho da Meritíssima Juíza do Tribunal de Vila Franca de Xira, de não 
 aceitação da remição, por ter violado o artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da 
 Constituição e dar‑se como válido o exercício do direito de remição do bem 
 vendido nos autos pela recorrente, ordenando‑se que esta deposite o preço nos 
 termos do artigo 897.º do CPC (redacção actual).”
 
                            A recorrida C., L.da, contra‑alegou, concluindo:
 
     “A. Considera a recorrente que o artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na redacção 
 anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, viola o princípio 
 constitucional definido pelo artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da 
 Republica Portuguesa, na medida em que, por um lado, retira as oportunidades 
 que, de outro lado, se pretendem dar aos elementos da família.
 
     B. O artigo 67.º, n.º 2 alínea a), da Constituição da Republica Portuguesa 
 diz apenas que incumbe, designadamente ao Estado, para protecção da família, 
 
 «promover a independência social e económica dos agregados familiares».
 
     C. Tal norma, por ser de natureza programática, é dirigida unicamente ao 
 Estado, incumbindo ao mesmo o dever constitucional de promover a independência 
 social e económica dos agregados familiares, através da criação de condições que 
 propiciem a realização de tal objectivo.
 
     D. Contendo a referida norma apenas natureza programática, não se vislumbra 
 qualquer inconstitucionalidade no que concerne ao artigo 912.º, n.º 2, do CPC, 
 na redacção anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
 
     E. No entanto, sempre foi permitido à recorrente exercer o direito de 
 remição. Tal faculdade é que não foi devidamente exercida por esta.
 
     F. Isto porque o artigo 897.º, n.º 1, do CPC, com a redacção dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, não é susceptível de aplicação ao caso 
 presente.
 
     G. Sendo, nos termos da legislação em vigor, aplicável o artigo 912.º do 
 CPC, na redacção anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.
 
     H. O qual, mesmo que consubstanciasse uma situação de desfavor para a 
 remidora, era a lei que existia, sendo, por isso, aplicável, sem qualquer 
 excepção, quer aos presentes autos, quer a todos os processos anteriores a 15 
 de Setembro de 2003.”
 
                            Por seu turno, a recorrida Caixa de Crédito Agrícola 
 Mútuo de … sintetizou o expendido nas suas contra‑alegações nas seguintes 
 conclusões:
 
     “1. A acção executiva permite o ataque directo ao património do executado;
 
     2. O processo executivo foi alvo de reforma legislativa;
 
     3. Para salvaguardar os casos pendentes, o legislador estabeleceu, no n.º 1 
 do artigo 21.º do Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que as alterações 
 legislativas só se aplicarão aos processos propostos a partir de 15 de Setembro 
 de 2003;
 
     4. A acção executiva da qual se recorre foi proposta em 28 de Outubro de 
 
 2002, pelo que não têm aplicação as novas disposições do Código de Processo 
 Civil;
 
     5. O Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, não alterou substancialmente o 
 direito de remição;
 
     6. A recorrente não exerceu o direito de remição, não obstante a M.ma Juiz a 
 quo ter‑lhe conferido tal direito, porque não dispunha de meios económicos para 
 o fazer, tal como reconheceu na abertura e aceitação de propostas;
 
     7. Não foi violado o artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa, 
 norma programática, dado que o exercício do direito de remição sempre esteve 
 garantido.
 
     8. O presente recurso não passa de um expediente dilatório.
 
     Termos em que requer‑se a V. Ex.as se dignem manter a interpretação de 
 constitucionalidade proferida em douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 
 não declarando o artigo 912.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior 
 ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, inconstitucional, por não violar a 
 alínea a) do n.º 2 do artigo 67.º da Constituição da República Portuguesa.”
 
                            Tudo visto, cumpre apreciar e decidir:
 
                                                2. Fundamentação
 
                            2.1. O direito de remição ora em causa – que 
 
 “consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de 
 adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de 
 execução” (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, reimpressão, 
 Coimbra, 1982, p. 476) – “tem raízes profundas no nosso sistema jurídico”, que 
 remontam às Ordenações e que, com ligeiras variações quanto ao leque dos 
 familiares em que era encabeçado e à natureza dos bens sobre que podia ser 
 exercitado, foi mantido desde o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832 (artigo 
 
 153.º), passando pela Reforma Judiciária de 1837 (artigo 248.º), pela Novíssima 
 Reforma Judiciária (artigo 602.º), pela Lei de 16 de Junho de 1855 (artigo 
 
 16.º), até aos Códigos de Processo Civil de 1876 (artigo 888.º), de 1939 (artigo 
 
 912.º) e de 1967 (artigo 912.º) – cf. autor e obra citados, p. 477, e Eurico 
 Lopes‑Cardoso, Manual da Acção Executiva, Lisboa, 1987, pp. 660‑662.
 
                            Embora na sua actuação prática o direito de remição 
 funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito 
 relativamente aos compradores ou adjudicatários, “os dois direitos têm natureza 
 diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam”. Quanto à 
 diversidade de fundamento, “ao passo que o direito de preferência tem por base 
 uma relação de carácter patrimonial”, sendo a razão da titularidade o condomínio 
 ou o desdobramento da propriedade, já “o direito de remição tem por base uma 
 relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar 
 criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de 
 descendente ou de ascendente)”. Quanto à diversidade de fim, enquanto “o 
 direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum 
 em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favorecer a 
 passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita”, já “o direito 
 de remição inspira‑se no propósito de defender o património familiar, de obstar 
 a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas” 
 
 (José Alberto dos Reis, obra citada, pp. 477‑478).
 
                            A protecção da família, através da preservação do 
 património familiar, evitando a saída dos bens penhorados do âmbito da família 
 do executado, é objectivo da consagração do direito de remição unanimemente 
 reconhecido pela jurisprudência e pela doutrina (cf., além dos autores já 
 citados, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, p. 
 
 381; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, 
 Coimbra, 2004, p. 341; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra, 1993, 
 p. 272; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil 
 Anotado, vol. 3.º, Coimbra, 2003, p. 621; e J. P. Remédio Marques, Curso de 
 Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, Porto, 1998, p. 357).
 
                            Como refere José Alberto dos Reis (obra citada, pp. 
 
 488‑489):
 
  
 
 “Com a atribuição deste direito não se prejudicam os credores, pois que a estes 
 pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma 
 pessoa estranha. O que aos credores interessa é o preço por que os bens são 
 vendidos; ora os remidores hão‑de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um 
 comprador alheio à família do devedor.
 Desta maneira, o direito de remição representa uma homenagem prestada à família 
 do devedor. Homenagem justa, porque evita a desagregação do património familiar; 
 homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores.”
 
  
 
                            Ao direito de remição sempre (cf. artigo 914.º, n.º 
 
 1, do CPC de 1967, norma inalterada desde a redacção inicial até aos nossos 
 dias, e correspondente à primeira parte do artigo 914.º do CPC de 1939) foi 
 atribuída prevalência sobre o direito de preferência (embora, naturalmente, se 
 houver vários preferentes e se abrir licitação entre eles, a remição tenha de 
 ser feita pelo preço correspondente ao lanço mais elevado), o que levou certos 
 autores a qualificar o direito de remição como um “direito de preferência 
 qualificado” (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, cit., p. 272) ou um 
 
 “direito de preferência reforçado” (J. P. Remédio Marques, obra e local 
 citados).
 
                            O artigo 913.º do CPC, na redacção posterior à 
 reforma de 1995/1996 (operada pelos Decretos‑Leis n.ºs 329‑A/95, de 12 de 
 Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro) mas anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, 
 de 8 de Março – versão considerada pelas instâncias como a aplicável ao caso dos 
 presentes autos –, regulava o momento até ao qual o direito de remição podia ser 
 exercido, momento que variava consoante a modalidade da venda [deixando em 
 aberto a questão de saber se o direito de remição é exercitável em todas as 
 modalidades de venda ou se será incompatível com a “venda directa a entidades 
 que tenham direito a adquirir determinados bens” e com a “venda em 
 estabelecimentos de leilões”, como sustentava Eurico Lopes‑Cardoso, obra 
 citada, p. 661, ou só com a “venda directa”, como defende J. P. Remédio Marques, 
 obra citada, p. 357] e a formalização (ou não) desta por escrito. Assim:
 
                            – no caso de venda judicial (sempre por propostas em 
 carta fechada, uma vez que a reforma de 1995/1996 eliminou a modalidade de venda 
 judicial por arrematação em hasta pública), o direito de remição podia ser 
 exercido até ser proferido despacho de adjudicação dos bens ao proponente (este 
 despacho de adjudicação só podia ser proferido “após se mostrar integralmente 
 pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão” – 
 artigo 900.º do CPC);
 
                            – no caso de venda extrajudicial documentada por 
 título, até à assinatura do título; e
 
                            – no caso de venda extrajudicial não documentada por 
 título, até ao momento da entrega dos bens (a referida reforma eliminou a 
 possibilidade, prevista na parte final da alínea b) da versão originária do 
 artigo 913.º, de, no caso de venda por negociação particular, o direito de 
 remição poder ainda ser exercido no prazo de dez dias a contar da data em que o 
 remidor teve conhecimento da venda).
 
                            Por último, o n.º 2 do artigo 912.º do CPC, também na 
 redacção anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, exigia que o preço fosse 
 
 “depositado no momento da remição”.
 
                            Esta última disposição foi objecto de entendimentos 
 divergentes da jurisprudência, designadamente quanto à exigência, ou não, de 
 prévio despacho judicial a admitir a remição e a fixar prazo para a efectivação 
 do depósito do preço. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de 
 Dezembro de 1990, proc. n.º 41 782, decidiu que “Pedido o direito de remição, 
 não há que proceder ao depósito do preço enquanto não for proferido o competente 
 despacho de deferimento” (sumário disponível em www.dgsi.pt/jtrl). No mesmo 
 sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de Novembro de 2000, 
 proc. n.º 31 496, decidiu: “I – O depósito do preço da remição – artigo 912.º, 
 n.º 2, do Código de Processo Civil – é precedido de despacho a admiti‑la e a 
 mandar efectuar aquele em prazo para tanto fixado. II – Esse prazo não é 
 peremptório, sendo admissível a prova de justo impedimento – artigo 146.º, n.ºs 
 
 1 e 2, ex vi artigo 145.º, n.º 4, do Código de Processo Civil” (sumário 
 disponível em www.dgsi.pt/jtrp). Em sentido oposto decidiram os acórdãos do 
 Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Novembro de 2000, proc. n.º 51 063 
 
 (“Quem for titular do direito de remir bens adjudicados ou vendidos 
 judicialmente e quiser exercer essa prerrogativa mediante o pagamento do preço 
 oferecido por tais bens deverá, com o pedido de remição, fazer o pedido de 
 guias para depósito do preço e custas prováveis”), e de 6 de Julho de 2001, 
 proc. n.º 1110/03 (“Ao exercer o direito de remição, deve o requerente 
 demonstrar que depositou o preço correspondente à proposta aceite, acrescido do 
 montante respeitante às obrigações fiscais inerentes à transmissão, ou solicitar 
 a emissão de guias para depósito imediato desses valores”), ambos com sumários 
 disponíveis em www.dgsi.pt/jtrp, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 
 de 8 de Fevereiro de 2007, proc. n.º 9893/2007, que decidiu que “A necessidade 
 de depósito do preço «no momento da remição» é incompatível com quaisquer 
 dilações, designadamente implicadas por necessidade de prévia notificação de 
 despacho a admiti‑la e a mandar efectuar aquele em prazo para tanto fixado” 
 
 (texto integral disponível em www.dgsi.pt/jtrl).
 
                            2.2. Este quadro legal foi substancialmente alterado 
 pela chamada “reforma da acção executiva”, operada pelo Decreto‑Lei n.º 38/2003, 
 quer quanto ao momento até ao qual pode ser exercitado o direito de remição, 
 quer quanto à oportunidade para o depósito do preço pelo remidor (cf. Miguel 
 Teixeira de Sousa, A Reforma da Acção Executiva, Lisboa, 2004, pp. 201‑202; José 
 Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, Coimbra, 2004, pp. 
 
 334‑335; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, obra e volume citados, 
 pp. 620‑624; Fernando Amâncio Ferreira, obra e edição citadas, pp. 341‑343; e 
 Rui Pinto, A Acção Executiva depois da Reforma, Lisboa, 2004, pp. 196‑197, e “A 
 execução e terceiros – em especial na penhora e na venda”, Themis, ano V, n.º 9, 
 
 2004, pp. 227‑261, em especial pp. 246‑247).
 
                            A aludida reforma eliminou a distinção entre venda 
 judicial e venda extrajudicial, prevendo‑se agora seis modalidades de venda – 
 venda mediante propostas em carta fechada, venda em bolsas de capitais ou de 
 mercadorias, venda directa a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir 
 os bens, venda por negociação particular, venda em estabelecimento de leilões e 
 venda em depósito público (artigo 886.º, n.º 1). No caso da venda mediante 
 propostas em carta fechada [que, segundo Carlos Francisco de Oliveira Lopes do 
 Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, vol. II, Coimbra, 
 
 2004, p. 129), continua “a configurar‑se como verdadeira venda judicial, atento 
 o papel atribuído ao juiz”], desapareceu o despacho judicial de adjudicação, 
 previsto no n.º 2 do anterior artigo 900.º, tendo sido instituído o título de 
 transmissão, a emitir pelo agente de execução, nos termos do n.º 1 do actual 
 artigo 900.º, que dispõe que “mostrando‑se integralmente pago o preço e 
 satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são 
 adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de 
 execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se 
 certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o 
 cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens 
 foram adjudicados”.
 
                            Estas alterações implicaram ajustamentos na norma do 
 actual artigo 913.º, n.º 1, relativa ao momento até ao qual pode ser exercido o 
 direito de remição. Esse prazo passou a ser: (i) “no caso de venda por propostas 
 em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o 
 proponente ou no prazo e nos termos do n.º 4 do artigo 898.º” (esta disposição 
 confere ao preferente que não tenha exercido o seu direito no acto de abertura e 
 aceitação das propostas a faculdade de, na hipótese de o proponente ou 
 preferente não depositar o preço no prazo fixado nos termos do n.º 2 do artigo 
 
 897.º, efectuar, no prazo de cinco dias posteriores ao termo do prazo anterior, 
 o depósito do preço oferecido pelo proponente ou preferente faltosos, a ele se 
 fazendo então a adjudicação); e (ii) “nas outras modalidades de venda, até ao 
 momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documente”.
 
                            Finalmente, quanto à questão do depósito do preço 
 pelo remidor, a reforma de 2003 eliminou o n.º 2 do artigo 912.º (que, 
 recorde‑se, dispunha que “o preço há‑de ser depositado no momento da remição”), 
 dispondo agora o n.º 2 do artigo 913.º:
 
     “Aplica‑se ao remidor, que exerça o seu direito no acto de abertura e 
 aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 897.º, com as 
 adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 898.º, 
 devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja 
 exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do 
 proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 897.º, 
 e aplicando‑se, em qualquer caso, o disposto no artigo 900.º.”
 
                            Resulta desta disposição que:
 
                            A) Quando, na modalidade de venda mediante propostas 
 em carta fechada, o direito de remição é exercido no acto de abertura e 
 aceitação das propostas: 1) o remidor deve apresentar, no acto, como caução, um 
 cheque visado, à ordem do solicitador de execução ou, na sua falta, da 
 secretaria, no montante correspondente a 20% do valor base dos bens, ou garantia 
 bancária no mesmo valor (n.º 1 do artigo 897.º); 2) e, no prazo de 15 dias, 
 depositar numa instituição de crédito, à ordem do solicitador de execução ou, na 
 sua falta, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta (n.º 2 do 
 artigo 897.º); 3) sob pena de, não depositando o preço nesse prazo, o agente de 
 execução liquidar a respectiva responsabilidade e promover perante o juiz o 
 arresto [arresto que será levantado logo que o pagamento seja efectuado, com os 
 acréscimos calculados (n.º 2 do artigo 898.º)] em bens suficientes para garantir 
 o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento 
 criminal, sendo o remidor simultaneamente executado no próprio processo para 
 pagamento daquele valor e acréscimos (n.º 1 do artigo 898.º, com as necessárias 
 adaptações); 4) salvo se, ouvidos os interessados na venda, o agente de execução 
 optar por determinar que a remição fique sem efeito, aceitando a proposta 
 relativamente à qual foi exercitado esse direito (ou o lanço de valor 
 imediatamente inferior feito por outro titular do direito de remição, na 
 hipótese de se ter aberto licitação entre eles, nos termos do n.º 2 do artigo 
 
 915.º), ou determinando que os bens voltem a ser vendidos mediante novas 
 propostas em carta fechada ou por negociação particular, não sendo o remidor 
 remisso admitido a exercitar de novo esse direito e perdendo o valor da caução 
 constituída nos termos do n.º 1 do artigo 897.º (n.º 3 do artigo 898.º, com as 
 necessárias adaptações);
 
                            B) Quando, na modalidade de venda mediante propostas 
 em carta fechada, o direito de remição for exercido em momento posterior ao acto 
 de abertura e aceitação das propostas, e nas restantes modalidades de venda: o 
 remidor deve, no momento do exercício do direito de remição, depositar 
 integralmente o preço (eventualmente com o acréscimo de 5% para indemnização do 
 proponente, nos casos em que este já tenha feito o depósito referido no n.º 2 do 
 artigo 897.º).
 
                            2.3. Como é sabido, não compete ao Tribunal 
 Constitucional apreciar a correcção da interpretação e aplicação do direito 
 infraconstitucional efectuadas pelo tribunal recorrido, mas apenas apurar se o 
 critério normativo seguido na decisão impugnada – que é acolhido como um dado 
 da questão de constitucionalidade – viola, ou não, normas ou princípios 
 constitucionais.
 
                            No presente caso, no próprio acto de abertura e 
 aceitação de propostas em carta fechada, modalidade de venda adoptada na 
 execução de que emerge o presente recurso, uma vez aceite a proposta apresentada 
 por C., L.da, no valor de € 481 350,00, por ser a mais elevada e ser superior ao 
 valor anunciado para a venda (€ 259 200,00), a Juíza que presidia ao acto tomou 
 a iniciativa de interpelar as filhas do executado, que se encontravam presentes, 
 perguntando‑lhes se pretendiam exercer o direito de remição, mas, apesar da 
 resposta afirmativa da ora recorrente, decidiu‑se não julgar validamente 
 exercido o direito de remição, por esta ter reconhecido não ter condições para 
 efectuar no momento a depósito da totalidade do preço da proposta vencedora e o 
 artigo 912.º, n.º 2, do CPC, na versão anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, tida 
 por aplicável, dispor que “o preço há‑de ser depositado no momento da remição”.
 
                            Seguiu‑se, assim, uma interpretação do artigo 912.º, 
 n.º 2, do CPC, na versão anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, interpretação 
 reafirmada no acórdão ora recorrido, segundo a qual só se considerada 
 validamente exercido o direito de remição, por um descendente do executado, no 
 acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, se for acompanhado 
 do depósito da totalidade do preço oferecido na proposta aceite.
 
                            Constitui objecto do presente recurso a questão da 
 constitucionalidade desta interpretação normativa, independentemente – repete‑se 
 
 – da sua correcção ao nível do direito ordinário, designadamente face ao 
 disposto no artigo 896.º, n.º 1, que apenas prevê, após a aceitação de uma 
 proposta, a interpelação dos titulares do direito de preferência presentes ao 
 acto de abertura e aceitação das propostas para que declarem se querem exercer o 
 seu direito, sendo certo que, em regra (ressalvada a possibilidade de proposição 
 de acção de preferência, nos termos gerais – artigo 892.º, n.º 4), é nesse acto, 
 para o qual devem ser expressamente notificados (artigo 892.º, n.ºs 1 a 3), que 
 os preferentes devem exercitar o seu direito, e face ao disposto no artigo 
 
 913.º, n.º 1, alínea a), todos do CPC, que permite o exercício do direito de 
 remição, no caso de venda judicial, até ser proferido despacho de adjudicação 
 dos bens ao proponente, sendo certo que, no caso, no momento em que não se 
 admitiu o exercício do direito de remição, esse despacho (que só pode ser 
 emitido após estar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações 
 fiscais inerentes à transmissão – artigo 900.º) ainda não havia sido proferido, 
 sendo nesse mesmo acto que foi fixado o prazo de 15 dias para o proponente 
 vencedor depositar o preço na Caixa Geral de Depósitos.
 
                            
 
                            2.4. O Tribunal Constitucional só pode julgar 
 inconstitucional a norma que a decisão recorrida tenha aplicado, mas pode 
 fazê‑lo com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais 
 diversos daqueles cuja violação foi invocada (artigo 79.º‑C da LTC).
 
                            No presente caso, entende‑se mais adequado confrontar 
 a interpretação normativa questionada com o direito de acesso aos tribunais e o 
 princípio do processo equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) do que 
 directamente com a incumbência constitucional de o Estado, para protecção da 
 família, promover a independência social e económica dos agregados familiares 
 
 (artigo 67.º, n.º 2, alínea a), da CRP). Na verdade, o reconhecimento do direito 
 de remição constitui um elemento adequado à protecção do património familiar, 
 estando antes em causa, mais directamente, no presente recurso, a regulamentação 
 adjectiva do exercício desse direito, que – adiante‑se desde já – se entende não 
 respeitar adequadamente o princípio da proporcionalidade reportado ao direito de 
 acesso aos tribunais e o princípio do processo equitativo.
 
                            Como assinala Carlos Lopes do Rego (“Os princípios 
 constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e 
 cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em Homenagem ao 
 Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, págs. 
 
 835‑859), “a garantia da via judiciária – ínsita no artigo 20.º da Constituição 
 e a todos conferida para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente 
 protegidos – envolve, não apenas a atribuição aos interessados legítimos do 
 direito de acção judicial (...), mas também a garantia de que o processo, uma 
 vez iniciado, se deve subordinar a determinados princípios e garantias 
 fundamentais: os princípios da igualdade, do contraditório e (após a revisão 
 constitucional de 1997) a regra do «processo equitativo», expressamente 
 consagrada no n.º 4 daquele preceito constitucional”. O referido autor destaca 
 ainda o “princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e 
 preclusões impostas pela lei de processo às partes”, o qual, no seu entender, 
 
 “pode fundar‑se cumulativamente no princípio da proporcionalidade das 
 restrições (artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição) ao direito de acesso à 
 justiça, quer na própria regra do processo equitativo”.
 
                            Da análise da jurisprudência do Tribunal 
 Constitucional sobre esta garantia da via judiciária, desenvolvida no citado 
 estudo e retomada, por último, no recente Acórdão n.º 179/2007, apura‑se que o 
 juízo de proporcionalidade a emitir neste domínio tem de tomar em conta três 
 vectores essenciais: (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a 
 maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a 
 gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus.
 
                            O ónus de o remidor depositar, para exercitar 
 validamente o direito de remição, a totalidade do preço por que tenha sido feita 
 a adjudicação ou a venda, não é, à partida, desajustado, uma vez que visa 
 acautelar, com plena eficácia, os interesses dos credores, designadamente do 
 exequente, e afastar o risco de declarações de exercício do direito de remição 
 não sérias ou não consistentes. E nem se poderá considerar intoleravelmente 
 pesado desde que seja concedido ao remidor o tempo minimamente suficiente para 
 se habilitar a efectuar tal depósito. É o que sucederia se, por exemplo, no 
 presente caso, uma vez conhecido o valor de venda do bem, correspondente à 
 proposta aceite, à recorrente tivesse sido facultado o exercício do direito de 
 remição até ser proferido despacho de adjudicação do bem ao proponente, o que 
 sempre lhe concederia tempo (recorde‑se que ao proponente vencedor foi 
 concedido o prazo de 15 dias para proceder ao depósito do preço e que o 
 despacho de adjudicação só poderia ser proferido após, para além do depósito do 
 preço, se mostrarem satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão).
 
                            Não foi este, porém, o critério normativo seguido 
 pelas instâncias, mas antes o de que, manifestada pelo familiar do requerente a 
 decisão de exercitar o direito de remição, na sequência de interpelação que 
 oficiosamente lhe foi dirigida no próprio acto de abertura e aceitação das 
 propostas, a constatação da impossibilidade de, nesse momento, proceder ao 
 depósito da totalidade do preço implica que se considera invalidamente exercido, 
 e definitivamente precludido, o direito de remição.
 
                            Este ónus, assim delineado e com as consequências que 
 se lhe associaram, viola o aludido princípio da proporcionalidade, quer por se 
 revelar excessivamente pesada a sua satisfação, quer atenta a extrema gravidade 
 dessas consequências. Desde logo, é desconhecido, à partida, o montante do 
 depósito a efectuar: no presente caso, sendo o valor base do bem de € 259 
 
 200,00, a recorrente terá sido surpreendida com a exigência de depositar, de 
 imediato, € 481 350,00, valor da proposta aceite. Depois, a exigência de 
 efectivação do depósito no próprio momento em que se exercita o direito de 
 remissão inviabiliza, na prática, o recurso à banca, quer para emissão de cheque 
 visado quer para eventual concessão de crédito, sendo sabido que o custo de uma 
 e de outro varia consoante o montante em causa. Finalmente, a consequência 
 associada ao reconhecimento da impossibilidade de proceder ao depósito da 
 integralidade do preço é manifestamente desproporcionada, pois se traduz na 
 perda definitiva e irreversível do direito de remição, ocorrida, aliás, numa 
 altura em que ainda não se teria esgotado o prazo “normal” para o seu exercício 
 
 (até à prolação do despacho de adjudicação), não fora a “interpelação” feita no 
 próprio acto de abertura e aceitação das propostas.
 
                            Por todas estas razões se considera que o critério 
 normativo acolhido na decisão ora recorrida viola o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da 
 CRP.
 
                            3. Decisão
 
                            Em face do exposto, acordam em:
 
                            a) Julgar inconstitucional, por violação do direito 
 de acesso aos tribunais e o princípio do processo equitativo, consagrados nos 
 n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a 
 interpretação da norma do n.º 2 do artigo 912.º do Código de Processo Civil, na 
 redacção anterior ao Decreto‑Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, segundo a qual só 
 se considera validamente exercido o direito de remição, por um descendente do 
 executado, no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, se 
 for acompanhado do depósito da totalidade do preço oferecido na proposta 
 aceite; e, consequentemente,
 
                            b) Conceder provimento ao recurso, determinando‑se a 
 reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de 
 inconstitucionalidade.
 
                            Custas pelas recorridas, fixando‑se a taxa de justiça 
 em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 2 de Maio de 2007.
 Mário José de Araújo Torres 
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Carlos Pereira
 Rui Manuel Moura Ramos