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Processo n.º 787/07
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
 
 
 Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 I – RELATÓRIO
 
  
 
  
 
 1. O presente recurso vem interposto pelo Ministério Público, com natureza 
 obrigatória, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 da CRP e dos 
 artigos 70º, n.º 1, alínea a) e 72º, n.º 3, ambos da LTC, da sentença proferida 
 pela 3ª Secção do 1º Juízo de Execução do Porto e registada em 11 de Junho de 
 
 2007 (fls. 41 a 45) que deu provimento ao pedido de impugnação judicial de 
 decisão final do Instituto de Solidariedade e Segurança Social que indeferiu 
 pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e 
 demais encargos, com nomeação e pagamento de honorários do patrono.
 
  
 Nos termos da referida sentença, procedeu-se à desaplicação – sem especificação 
 detalhada – das normas extraídas do Anexo ao regime de acesso ao Direito e aos 
 tribunais (aprovado pela Lei n.º 34/2004, e de ora em diante, abreviada por 
 RADT) e da Portaria n.º 1085/2004, de 31 de Agosto, que determinam que a 
 insuficiência económica é aferida em função do rendimento do agregado familiar 
 do requerente, com fundamento na sua contradição com o direito fundamental de 
 acesso à Justiça, independentemente da eventual insuficiência económica do 
 beneficiário daquele direito. Para fundamentar tal decisão de desaplicação, a 
 decisão recorrida fundamenta-se no Acórdão n.º 654/2006, proferido pela 1ª 
 Secção do Tribunal Constitucional, em 28 de Novembro de 2006. Entre outras 
 considerações, a decisão recorrida entendeu que:
 
  
 
 “Cumpre referir que realizando os cálculos de acordo com o simulador que existe 
 no site da CRSS, dado ter-se em conta o agregado familiar, se obtem a decisão 
 dada pelo CRSS, ou seja, de acordo com a fórmula de cálculo prevista na lei 
 actual do apoio [j]udiciário[], o requerente apenas teria direito ao pagamento 
 faseado tal como foi decidido.
 
             (…)
 
             Tal fórmula consta dos artigos 6º, 7º, 8º e 9º da Portaria nº 
 
 1085/2004 de 31/8 que concretiza o que se deve entender por rendimento relevante 
 e explicita a fórmula de calcular esse rendimento.
 
             (…)
 
             Sobre tal matéria foi já proferido douto Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 654/2006 (…).
 
             Refere o citado Acórdão, que vamos seguir de perto, que o n.º 5 do 
 artigo 8º da lei em análise delimita o direito de acesso ao direito e aos 
 tribunais, por critérios de apreciação tabelados e fixados, por recurso a uma 
 fórmula matemática.
 
             (…)
 
             Por outras palavras, fazendo-se as contas ao valor 4629,6 no 
 simulador da CRSS o requerente teria direito ao apoio judiciário, mas tendo-se 
 em conta o valor do subsídio da esposa tal conduz a conceder o pagamento 
 faseado.
 
             (…)
 
             Portanto, entende o tribunal não aplicar a norma acima mencionada 
 por se entender que se viola o artigo 20º, nº 1 da CRP (…)
 
             A aplicação do anexo e destes artigos não garante o acesso ao 
 direito e aos tribunais, dado que o valor do rendimento relevante é determinado 
 pelo do agregado familiar independentemente de o requerente fruir ou não desse 
 rendimento do terceiro que integra a economia comum (mas tal poderá não ser 
 assim, poderão existir conflitos). Tal como se refere no citado Acórdão, o dever 
 de alimentos não compreende as despesas relativas à taxa de justiça, e como tal 
 não se pode dar como assente que o requerente dispõe do valor do subsídio da 
 esposa (cfr. Lei nº 6/2001, de 11/5).
 
             Portanto, o tribunal entende que as normas do Anexo da Lei 34/2004 e 
 da Portaria nº 1085-A/2004 de 31/8, na parte em que impõe que o rendimento 
 relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja 
 necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar 
 independentemente de o requerente fruir esse rendimento, não garantem o acesso 
 aos tribunais e violam o artigo 20º, nº 1 da CRP, sendo inconstitucionais.” 
 
 (fls. 42 a 44)
 
  
 
  
 
 2. Perante esta decisão, o Ministério Público fixou o objecto do recurso, para 
 si obrigatório, nos seguintes termos:
 
  
 
 “(…) vem interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da referida decisão, 
 para apreciação da alegada inconstitucionalidade das normas constantes do Anexo 
 da Lei 34/2004 e da Portaria n.º 1085-A/2004, publicada no D.R. I-B de 31 de 
 Agosto de 2004, na parte em que impõem que o rendimento relevante para efeitos 
 de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a 
 partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente 
 fruir desse rendimento.”
 
  
 
  
 
             3. Notificado para alegar, o Ministério Público apresentou as suas 
 alegações, cujo teor ora se reproduz:
 
  
 
 “1. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada 
 
  
 O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da 
 decisão, proferida nos Juízos de Execução do Porto, nos autos de impugnação da 
 decisão da Segurança Social que denegou, em parte, o pretendido beneficio de 
 apoio judiciário, requerido por A., recusando aplicar o “bloco normativo” 
 integrado pelos artigos 6° a 10° da Portaria nº 1085-A/04, conjugados com o 
 Anexo à Lei nº 34/04, interpretado em termos de ser considerado para efeito de 
 cálculo do rendimento relevante do requerente o rendimento do respectivo 
 agregado familiar, sem possibilidade de indagação da eventual contitularidade ou 
 fruição desse rendimento por parte do requerente e de saber se as pessoas que 
 com ele vivem em economia comum têm qualquer tipo de obrigação de suportar as 
 despesas inerentes à demanda em que aquele se encontra envolvido. 
 
  
 A decisão recorrida funda-se no juízo de inconstitucionalidade já formulado por 
 este Tribunal no acórdão nº 654/06. E a situação dos autos é paradigmática da 
 violação do direito de acesso à justiça por parte do economicamente carenciado, 
 potenciada pelo esquema legal, absolutamente rígido e “matemático”, de aferição 
 de insuficiência económica. Na verdade, o juízo de (parcial) suficiência 
 económica, formulado administrativamente, baseia-se nos rendimentos (subsidio de 
 desemprego) auferidos por terceiros (cônjuge do requerente), sem que se saiba se 
 a “execução” a propor — e para a qual é peticionado o apoio judiciário — tem 
 alguma conexão com direitos, bens ou interesses do casal. 
 
  
 Consideramos, deste modo, plenamente transponível para o caso dos autos a 
 solução acolhida no citado acórdão nº 654/06, que se mostra, aliás, em 
 consonância com a posição sustentada na alegação ali produzida pelo Ministério 
 Público. 
 
  
 
  
 
 2. Conclusão 
 
  
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se: 
 
  
 
 1º
 Constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de 
 acesso à justiça, sem discriminações fundadas na situação económica, a tabelar 
 ponderação do rendimento global auferido por todas as pessoas que vivem em 
 economia comum com o requerente, incluindo os rendimentos auferidos pelo 
 cônjuge, independentemente da natureza da demanda para que é peticionado o apoio 
 judiciário e da sua possível e exclusiva conexão com interesses pessoais do 
 requerente. 
 
  
 
 2°
 
 É inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20° da Constituição da 
 República Portuguesa, o Anexo à Lei nº 34/04, conjugado com os artigos 6° a 10º 
 da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o 
 rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário 
 seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, 
 independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento. 
 
  
 
 3°
 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado 
 pela decisão recorrida.”
 
  
 
  
 
             4. Por sua vez, notificado das alegações do Ministério Público, o 
 recorrido deixou expirar o prazo de resposta, sem que viesse aos autos 
 pronunciar-se.
 
             
 
             5. Durante a fase de exame preliminar, a Relatora entendeu que, face 
 
 às circunstância concretas do caso em apreço – acção executiva instaurada contra 
 devedor casado em regime de comunhão de adquiridos –, se impunha a obtenção de 
 peças processuais que não constavam dos autos, com vista a apurar do eventual 
 interesse do cônjuge-mulher na improcedência da acção executiva movida contra o 
 ora recorrido. Nesse sentido, em 29 de Novembro de 2007, foi proferido o 
 seguinte despacho:
 
  
 
 “Ao abrigo dos poderes que me são atribuídos ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-B 
 da LTC, determino que seja oficiado o Ex.mo Senhor Juiz da 3ª Secção do 1º Juízo 
 de Execução do Porto para que, relativamente à acção executiva que aí corre 
 termos sob o Proc. n.º 5860/06.9YYPRT, bem como relativamente a eventuais 
 apensos de oposição à execução, de oposição à penhora ou de embargos de 
 terceiro, ordene a remessa ao Tribunal Constitucional de cópias das fls. das 
 quais constem as seguintes peças processuais:
 
  
 i)                    Requerimento Executivo;
 ii)                  Oposição à execução (caso haja sido deduzida);
 iii)                Oposição à penhora (caso haja sido deduzida);
 iv)                Embargos de terceiro (caso haja sido deduzida).
 
  
 A remessa das cópias a este Tribunal reveste-se de manifesta utilidade para a 
 boa decisão dos autos de recurso que correm perante a 3ª Secção do Tribunal 
 Constitucional, relativos a recurso por inconstitucionalidade deduzido no âmbito 
 do Proc. n.º 5860/06.9YYPRT-C (apenso), da 3ª Secção do 10 Juízo de Execução do 
 Porto, relativos a impugnação de decisão administrativa sobre pedido de apoio 
 judiciário.
 
  
 
  
 Notifique-se, de imediato, por telefax.”
 
  
 
             Na sequência do cumprimento do referido despacho, foram juntos aos 
 autos: i) certidão do requerimento executivo apresentado por Banco B. , S.A – 
 Sociedade …, contra o recorrido e mais quatro executados, na qualidade de 
 avalistas de empréstimo concedido à C., Crl; ii) oposição à execução deduzida 
 pelo recorrido, com junção de: a) contrato de mútuo com promessa de hipoteca; b) 
 respectivo aditamento; c) escritura de hipoteca; d) condições do empréstimo; e) 
 requerimento de apoio judiciário apresentado pelo recorrido.
 
  
 
             Cumpre, então, apreciar e decidir.
 
  
 
  
 
  
 II – FUNDAMENTAÇÃO
 
  
 
 6. Em primeiro lugar, impõe-se fixar o objecto do presente recurso, uma vez que, 
 na sequência da desaplicação genérica, sem individualização precisa, por parte 
 da decisão recorrida, o Ministério Público optou por interpor recurso para 
 julgamento da constitucionalidade das normas extraídas do “Anexo da Lei 34/2004 
 e da Portaria n.º 1085-A/04, publicada no D.R. I-B de 31 de Agosto de 2004, na 
 parte em que impõem que rendimento relevante para efeitos de concessão do 
 benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do 
 rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir desse 
 rendimento” (fls. 48).
 
  
 Sucede que, conforme jurisprudência consolidada neste Tribunal, apenas pode 
 conhecer-se das normas que hajam sido efectivamente aplicadas ou desaplicadas – 
 como é o caso – por parte do tribunal “a quo”. É certo que a decisão recorrida 
 refere-se genericamente às “normas do Anexo da Lei n.º 34/2004 e da Portaria nº 
 
 1085-A/2004, na parte em que impõem que rendimento relevante para efeitos de 
 concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a 
 partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente 
 fruir desse rendimento” (fls. 44), mas tal não se afigura suficiente para 
 assegurar a clareza necessária à decisão da questão em apreço nos presentes 
 autos. Ora, apesar de a decisão recorrida não especificar de modo inequívoco 
 quais as normas que desaplicou (atente-se na margem interpretativa permitida 
 pela mera remissão, a final, para as diversas normas mencionadas ao longo da 
 decisão), deve esclarecer-se que tais normas são necessariamente aquelas que 
 fazem referência à consideração do rendimento total do agregado familiar do 
 requerente de apoio judiciário e não outras.
 
  
 Assim, e em suma, o presente Acórdão não apreciará nem todas as normas 
 constantes do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, nem todas as normas 
 constantes da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto. Muito menos apreciará 
 quaisquer outras interpretações normativas que não passem pela consideração do 
 rendimento total do agregado familiar do requerente de apoio judiciário, ainda 
 que não auferido por este, para efeitos de determinação da insuficiência 
 económica justificadora de apoio. 
 
  
 Obviamente em causa estarão apenas aquelas normas que foram especificamente 
 aplicadas à situação concreta do ora recorrido. Num esforço interpretativo que 
 visa a clareza da presente decisão, frisa-se que este Tribunal apenas indagará 
 da constitucionalidade das normas constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do 
 
 § I do Anexo, bem como das normas constantes dos artigos 6º, n.º 1, 7º, n.ºs 1 e 
 
 2, 8º, n.ºs 1, 2 e 3 e 9º da Portaria n.º 1085-A/2004, pois só estas normas 
 foram efectivamente aplicadas ao caso concreto ora em apreço.
 
  
 
             Feita esta prevenção, passemos à ponderação, em concreto, da questão 
 suscitada pelos presentes autos de recurso.
 
  
 
 7. A questão central que se impõe decidir é a de saber se o sentido decisório do 
 Acórdão n.º 654/2006, proferido pela 1ª Secção deste Tribunal, é passível de 
 transposição para o caso concreto em apreço, conforme entendeu a decisão 
 recorrida e defende o Ministério Público.
 
  
 Ao apreciar a constitucionalidade das normas constantes do “Anexo à Lei nº 
 
 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 
 
 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que seja considerado para 
 efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente de benefício do apoio 
 judiciário, maior, estudante, a quem são prestados alimentos pela avó, o 
 rendimento desta”, a 1ª Secção deste Tribunal veio julgar inconstitucionais 
 aquelas normas “na parte em que impõe[m] que o rendimento relevante para efeitos 
 de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a 
 partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de 
 protecção jurídica fruir tal rendimento”.
 
  
 
             A fundamentação que presidiu àquele acórdão residiu, sucintamente, 
 na seguinte linha de argumentação:
 
  
 i)                    A consideração do rendimento global do agregado familiar 
 para efeitos de determinação da insuficiência económica do requerente de apoio 
 judiciário descura situações concretas da vida em que aquele não beneficia 
 efectivamente dos rendimentos de outros membros do agregado familiar;
 
  
 ii)                  No caso hipotético de se verificarem interesses 
 conflituantes entre os membros do agregado familiar, que possam ser alvo de 
 contradição no âmbito de processo a correr perante órgão jurisdicional, os 
 restantes membros do agregado familiar não podem permanecer vinculados a 
 suportar (indirectamente) os custos do litígio;
 
  
 iii)                No caso daqueles autos, em que se aferia dos deveres de 
 assistência entre uma avó e um neto, não podia afirmar-se que o dever de 
 alimentos previsto nos artigos 2003º e 2005º do Código Civil abrangesse as 
 despesas relativas às custas judiciais e aos honorários de mandatário forense;
 
  
 iv)                No caso de execução por dívida de custas judiciais, o n.º 1 
 do artigo 116º do Código das Custas Judiciais não determina que respondam pela 
 dívida os bens de pessoas que vivem em economia comum com o devedor, nos termos 
 da Lei n.º 6/2001, de 11 de Maio, “já que as pessoas que integram esta economia 
 não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão em causa nos 
 presentes autos” (cfr. § 4, parágrafo 3º).
 
  
 Sucede, porém, que nenhum destes argumentos se pode transpor para os presentes 
 autos, por falta de similitude com o caso ora concretamente em apreço. Senão, 
 veja-se.
 
  
 
 8. Enquanto que naqueles autos se ponderou da constitucionalidade de 
 interpretação normativa que fizesse imputar o rendimento auferido por 
 determinada pessoa, a título de pensão de sobrevivência, a um neto que com 
 aquela vivia em economia comum, por ser órfão, estudante e apenas auferindo uma 
 pensão de sobrevivência de 100,00 €, nestes autos discute-se da imputação do 
 rendimento auferido pelo cônjuge-mulher ao respectivo cônjuge-marido, para 
 efeitos de determinação da insuficiência económica deste.
 
  
 Importa assim aferir se as particularidades do presente caso concreto impõem 
 decisão distinta.
 
  
 Em primeiro lugar, decorre dos elementos juntos aos autos que:
 
  
 i)                          O requerimento de apoio judiciário foi apresentado 
 para efeitos de dedução de oposição a acção executiva instaurada contra o 
 recorrido (fls. 2), enquanto avalista de um empréstimo concedido a cooperativa 
 de marcenaria da qual o recorrido era cooperante e legal representante (cfr. 
 artigos 1º a 3º da oposição à execução, a fls. 74 e 75);
 
  
 ii)                        A dívida do recorrido decorre da sua actividade 
 comercial enquanto ex-cooperante e legal representante da C., Crl;
 
  
 iii)                      O recorrido é casado, segundo o regime de comunhão de 
 adquiridos com D., conforme decorre do requerimento de apoio judiciário (fls. 
 
 4);
 
  
 iv)                      No âmbito da acção executiva instaurada contra o 
 recorrido, foi expressamente requerida a penhora de bens móveis (entre os quais, 
 
 “móveis antigos e modernos, aparelhagens sonoras e de vídeo, televisores, 
 frigoríficos, quadros, tapetes, cadeiras, mesas, estantes, livros, diversos 
 objectos decorativos e de adorno e outros bens móveis de difícil discriminação 
 que compõem o recheio da residência” sita na Rua Lino Paupério, n.º 125, 
 
 4440-672 Valongo (fls. 71);
 
  
 v)                        De acordo com a informação expressamente facultada 
 pelo próprio recorrido, mediante preenchimento do requerimento de apoio 
 judiciário, a casa de morada-de-família deste e de D. corresponde ao imóvel sito 
 na Rua …, n.º …, ….-… Valongo (fls. 4).
 
  
 Ora, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 1691º do Código Civil, “são 
 dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges: (…) as dívidas contraídas por 
 qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram 
 contraídas em proveito comum do casal, ou se vigorar o regime de separação de 
 bens”. Daqui decorre que, uma vez casados em regime de comunhão de adquiridos – 
 e salvo prova da inexistência de proveito comum do casal – quer o recorrido quer 
 o cônjuge-mulher são patrimonialmente responsáveis por aquelas dívidas, 
 respondendo por estas quer os bens comuns do casal, quer, na sua falta, os bens 
 próprios de qualquer um dos cônjuges, conforme resulta do n.º 1 do artigo 1695º 
 do Código Civil.
 
  
 A circunstância de o cônjuge-mulher não constar do título executivo seria, 
 aliás, irrelevante, para efeitos de acção executiva, caso o exequente houvesse 
 alegado a comunicabilidade da dívida, nos termos do n.º 2 do artigo 825º do CPC 
 
 – o que, apesar de teoricamente admissível não ocorreu nos autos, conforme 
 decorre do requerimento executivo (fls. 68 a 73). Mas, ainda que assim não seja, 
 o património pertencente a D., cônjuge do recorrido, permanecerá susceptível de 
 penhora no âmbito da acção executiva, enquanto esta não cessar com trânsito em 
 julgado, visto que, por força do n.º1 do artigo 1695º do Código Civil e do n.º 1 
 do artigo 825º do CPC, os bens comuns do casal podem sempre ser alvo de penhora 
 e consequente venda executiva, enquanto aquela não requerer a separação judicial 
 de bens.
 
  
 
             9. Este excurso pelo Direito infra-constitucional aplicável aos 
 autos de acção executiva, na qual foi deduzido pedido de apoio judiciário, 
 afiguram-se essenciais para aferir do proveito que a eventual procedência do 
 incidente de oposição à execução, deduzido exclusivamente pelo recorrido, poderá 
 reverter para o referido cônjuge, cujos rendimentos auferidos foram imputados ao 
 recorrido, por pertencerem ao mesmo agregado familiar.
 
  
 
             É que, através do Acórdão n.º 654/2006, este Tribunal apenas julgou 
 inconstitucional as normas extraídas do “Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, 
 conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, de 31 de Agosto, na 
 parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do 
 benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do 
 rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção 
 jurídica fruir tal rendimento”, ou seja, naquele caso concreto “na parte em que 
 impõe que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do 
 requerente de benefício do apoio judiciário, maior, estudante, a quem são 
 prestados alimentos pela avó, o rendimento desta.
 
  
 
             Ora, nos presentes autos, a imputação ao recorrido dos rendimentos 
 do cônjuge-mulher, D., decorre expressamente do regime de bens ao qual está 
 sujeito o respectivo casamento, visto que nos termos da alínea b) o subsídio de 
 desemprego que é auferido pelo cônjuge-mulher é considerado como bem integrado 
 na comunhão matrimonial.
 
  
 Acresce ainda, que por força do n.º 1 do artigo 1675º do Código Civil, o 
 cônjuge-mulher do recorrido está vinculado ao cumprimento do dever de 
 assistência, que compreende não só o mero dever de prestação de alimentos, como 
 o de “contribuir para os encargos da vida familiar”. Frise-se, aliás, que aquele 
 preceito legal nem sequer adopta a noção, mais restritiva, de “encargos normais 
 da vida familiar” (com sublinhado nosso) – como sucede, por exemplo, no caso da 
 alínea b) do n.º 1 do artigo 1691º do Código Civil. Na medida em que o 
 intérprete deve presumir que o legislador se expressou correctamente, 
 pretendendo distinguir meros “encargos” de “encargos normais” sempre se 
 concluirá que, ainda que as custas judiciais possam não ser consideradas como 
 
 “encargos normais”, sempre serão qualificáveis como “encargos («tout court»)” da 
 vida familiar, na medida em que foram contraídas na sequência de dívida comum a 
 ambos os cônjuges.
 
  
 
             Deste modo, ao contrário do que sucedia nos autos que deram lugar ao 
 Acórdão n.º 654/2006, existem deveres legais, directamente decorrentes da 
 celebração e vigência de casamento sob o regime de comunhão de adquiridos, que 
 determinam a existência de proveito, por parte do recorrido, dos rendimentos 
 auferidos por parte do seu cônjuge-mulher. Tal circunstância, só por si, já 
 imporia solução distinta à adoptada anteriormente adoptada por este Tribunal, a 
 propósito de situação distinta, que serviu de fundamento à decisão ora 
 recorrida.
 
  
 
 10. Do supra exposto, resulta que não procede igualmente o argumento explanado, 
 a propósito do Acórdão n.º 654/2006, quanto à potencial verificação de conflito 
 entre os interesses dos membros do agregado familiar. Perante o caso concreto 
 ora em apreço, constata-se que o recorrido mantém o mesmo interesse processual 
 que o cônjuge-mulher, visto que, sendo a dívida comum, os bens comuns do casal 
 podem vir a ser alvo de penhora – tendo estes, aliás, já sido nomeados à penhora 
 pelo exequente. Deste modo, não se verifica qualquer constrangimento a que o 
 cônjuge-mulher, casada sob o regime de comunhão de adquiridos, fique vinculada a 
 suportar os custos do litígio.
 
  
 
 11. Improcede igualmente o argumento relativo à não abrangência das custas 
 judiciais e dos honorários de mandatário forense por parte do dever de alimentos 
 previsto nos artigos 2003º e 2005º do Código Civil, visto que, ao contrário do 
 que sucedia no caso em julgamento no Acórdão n.º 654/2006, não se discute agora 
 o âmbito do dever de alimentos entre ascendentes/descendentes, mas antes o dever 
 de assistência (mais amplo do que o mero dever de alimentos) entre 
 cônjuge-marido e cônjuge-mulher.
 
  
 
 12. Por fim, quanto ao argumento segundo o qual o n.º 1 do artigo 116º do Código 
 das Custas Judiciais não determina que respondam pela dívida os bens de pessoas 
 que vivem em economia comum com o devedor, nos termos da Lei n.º 6/2001, de 11 
 de Maio, o mesmo não procede nos presentes autos, na medida em que, conforme já 
 supra demonstrado, o recorrido e D. encontram-se casados, sob o regime da 
 comunhão de adquiridos. Ora, sucede que o conceito de “bens penhoráveis” 
 constante do n.º 1 do artigo 116º do Código das Custas Judiciais abrange, 
 necessariamente, pelo menos, os bens comuns do casal que respondem, quer pelas 
 dívidas comuns (cfr. n.º 1 do artigo 1695º do Código Civil), quer mesmo pelas 
 dívidas da responsabilidade exclusiva do recorrente, desde que restringida à 
 respectiva meação (cfr. n.º 1 do artigo 1696º do Código Civil).
 
  
 
             Daqui decorre que, mesmo no caso de o recorrido não poder liquidar 
 eventual dívida de custas judiciais, aferida a final do processo, os bens do seu 
 cônjuge-mulher respondem igualmente nos limites anteriormente fixados.
 
  
 
             13. Em suma, este Tribunal não pode deixar de notar que, caso a 
 situação fosse idêntica aos autos que lhe deram lugar, reiteraria integralmente 
 o sentido da jurisprudência vertida no Acórdão n.º 654/06, ou seja, que não é 
 compatível com o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva permitir a 
 imputação do rendimento de outros membros do agregado familiar ao requerente de 
 apoio judiciário quando este não frua de tal rendimento.
 
  
 
             Sucede, porém, que os factos concretos que configuram a questão ora 
 submetida a este Tribunal não permitem julgar inconstitucional as normas 
 constantes da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I do Anexo, bem como das normas 
 constantes dos artigos 6º, n.º 1, 7º, n.ºs 1 e 2, 8º, n.ºs 1, 2 e 3 e 9º da 
 Portaria n.º 1085-A/2004, quando interpretadas no sentido de permitirem a 
 consideração de rendimentos pertencentes ao agregado familiar de um requerente 
 de apoio judiciário, para efeitos de determinação da insuficiência económica 
 deste, quando auferidos por cônjuge-mulher, na constância de casamento sujeito 
 ao regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio judiciário vise 
 dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no âmbito da qual 
 possam vir a ser penhorados bens comuns do casal.
 
  
 
             O direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (cfr. n.º 1 do 
 artigo 20º da CRP) não fica prejudicado pela circunstância de serem imputados ao 
 requerente de apoio judiciário rendimentos pertencentes ao seu cônjuge-mulher, 
 quando vigore qualquer um dos regimes de comunhão de bens legalmente previstos, 
 na medida em que, necessariamente, nesses casos, o requerente – como sucede com 
 o recorrente nos autos – pode deles fruir livremente. O direito de acesso aos 
 tribunais e ao Direito, como qualquer outro direito fundamental, não constitui 
 um direito absoluto, exigindo apenas a Lei Fundamental que tal acesso não seja 
 denegado em função da insuficiência económica do indivíduo carenciado de 
 protecção jurídica. A medida da insuficiência económica não encontra 
 densificação específica no enunciado constitucional, antes ficando dependente de 
 um juízo de proporcionalidade (cfr. n.º 2 do artigo 18º da CRP). A livre margem 
 de determinação pelo legislador do valor do rendimento que se afigura indiciador 
 da insuficiência económica apenas permitiria a este Tribunal julgar 
 inconstitucionais as normas ora em apreço, caso ocorresse uma manifesta violação 
 do princípio da proporcionalidade.
 
  
 
             Ora, no caso em apreço, através do preenchimento do pedido de apoio 
 judiciário, o recorrido reconheceu que o seu agregado familiar auferiu 11.505,73 
 
 €, no ano fiscal anterior ao pedido, e que não suportam quaisquer despesas com 
 habitação própria (cfr. fls. 4-verso). A aplicação das fórmulas de cálculo 
 constantes dos artigos 6º a 9º da Portaria n.º 1085-A/2004, no caso concreto ora 
 em apreço, não se traduz numa restrição desproporcionada ao direito de acesso 
 aos tribunais, até porque determina a aplicação da medida concretamente menos 
 lesiva para o recorrente, ou seja, a mera sujeição ao pagamento faseado das 
 custas judicias, nos termos da alínea c) do n.º 1 do § I do Anexo à Lei n.º 
 
 34/2004.
 
  
 
             Atentas as particularidades do caso em apreço, entende-se assim não 
 subsistirem fundamentos razoáveis para concluir pela inconstitucionalidade das 
 normas alvo de desaplicação por parte da decisão recorrida.
 
  
 
  
 III – DECISÃO
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
 
  
 a)                          Não julgar inconstitucionais as normas constantes da 
 alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do § I do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, 
 bem como as normas constantes dos artigos 6º, n.º 1, 7º, n.ºs 1 e 2, 8º, n.ºs 1, 
 
 2 e 3 e 9º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, quando interpretadas no 
 sentido de permitirem a consideração de rendimentos pertencentes ao agregado 
 familiar de um requerente de apoio judiciário, para efeitos de determinação da 
 insuficiência económica deste, quando auferidos por cônjuge, na constância de 
 casamento sujeito ao regime de comunhão de adquiridos, quando o pedido de apoio 
 judiciário vise dedução de oposição à execução movida contra um dos cônjuges, no 
 
 âmbito da qual possam vir a ser penhorados bens comuns do casal.
 
  
 b)                          Conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma 
 da decisão recorrida em conformidade com o presente julgamento sobre a questão 
 da inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 Sem custas, por não serem devidas.
 Lisboa, 13 de Maio de 2008
 Ana Maria Guerra Martins
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Gil Galvão