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Processo nº 220/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
  
 
  
 
         Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 A.  foi julgado no processo nº 4858/00.5JDLSB, da 1ª Secção, da 5ª Vara Criminal 
 de Lisboa, pela pratica de um crime de associação criminosa, p.p. pelo artº 
 
 299º, nº 1, do C.P., de seis crimes de falsificação de documento, p.p. pelos 
 artº 255º, a) e c) e 256º, nº 1, a) e c) e 3, ambos do C.P., e de três crimes de 
 burla qualificada, um deles na forma tentada, p.p. pelos artº 217º, 218º, nº 2, 
 a), 22º e 23º, do C.P..
 No decurso da audiência de julgamento, na sessão de 3-5-2006, o arguido efectuou 
 o seguinte requerimento, que consta de fls. 9155-9158:
 
 “A fls. 237, a Polícia Judiciária solicitou ao 3.º Juízo Criminal de Loures sete 
 cassetes e um CD, referentes a escutas realizadas ao n.º 962796188, alegadamente 
 utilizado pelo arguido B., no âmbito do inquérito que sob o n.º 98/00.1GGLSB, aí 
 corria os seus termos. 
 Por despacho lavrado a fls. 237-v.º, o Mmº Juiz do 3.º Juízo Criminal de Loures 
 decidiu autorizar que tais cassetes e CD fossem disponibilizados para os 
 presentes autos pelo período de 3 meses. 
 A fls. 244, o JIC destes autos autorizou que os referidos suportes magnéticos 
 fossem solicitados ao tribunal de Loures. 
 Depois de juntos aos presentes autos, foi ordenada e realizada a transcrição das 
 intercepções telefónicas efectuadas no âmbito referido inquérito n.º 
 
 98/00.1GGLSB, passando a constituir o Apenso D, conforme resulta de fls. 363. 
 Sucede que, por decisão proferida a fls. 5943, no referido proc. n.º 
 
 98/00.1GGLSB, as escutas constantes do citado Apenso D dos presentes autos, 
 vieram a ser julgadas “nulas e de nenhum efeito como meio de prova”. 
 E, em consequência disso, foi ordenada a “destruição das transcrições das 
 conversações registadas e a desmagnetízação de todos os suportes utilizados 
 
 (CD’s e outros)”. 
 Tal decisão fundou-se na completa falta de “controlo por parte de magistrado 
 judicial ao longo das operações de intercepção, audição e transcrição das 
 conversações telefónicas …”, o que as feriu “de nulidade insanável, traduzindo, 
 pois, uma abusiva intromissão na vida privada, através das 
 telecomunicações...”. 
 Trata-se de decisão que, há muito, transitou em julgado e se consolidou na ordem 
 jurídica. Ora, a utilização nos presentes autos, quer de cópia dos suportes 
 magnéticos em que estão registadas as referidas escutas, quer das respectivas 
 transcrições, contende, flagrantemente, com o ordenado pela instância judicial 
 que autorizou as referidas intercepções telefónicas e que, a final, veio a 
 considerá-las uma abusiva intromissão na vida privada, através das 
 telecomunicações. 
 Constituindo também, por isso, método proibido de prova, como resulta do 
 disposto nos art.ºs 126.º n.º 3 do CPP e 26.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, ambos da 
 CRP. 
 Sendo inconstitucional, por violação destes últimos dois preceitos 
 constitucionais, qualquer interpretação segundo a qual a utilização de 
 intercepções telefónicas já anteriormente declaradas insanavelmente nulas, por 
 decisão transitada em julgado, possa ser utilizada como meio de prova, ainda que 
 no âmbito de outro processo onde vieram a ser transcritas. Atendendo ao exposto, 
 requer-se que: 
 
 • se oficie ao proc. n.º 98/00.IGGLSB, actualmente a correr termos na 1ª Vara 
 Mista de Sintra, solicitando-se cópia da decisão de fls. 5943, que declarou 
 
 “nulas e de nenhum efeito como meio de prova” as escutas aí realizadas, 
 incluindo as constantes das sete cassetes e um CD, referentes ao n.º 962796188, 
 cedidas a título devolutivo aos presentes autos. 
 
 • as transcrições constantes do Apenso D sejam consideradas método proibido de 
 prova, nos termos do art.º 126.º n.º 3 do CPP e 26.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, 
 ambos da CRP, uma vez que as correspondentes escutas foram consideradas, no 
 citado proc. n.º 98/00.1GGLSB, uma abusiva intromissão na vida privada dos 
 arguidos, através das telecomunicações. 
 Acresce, ainda, que a fls. 2081 constam diversos fotogramas onde, alegadamente, 
 estará retratado o ora requerente. 
 Sucede que, segundo dispõe o art.º 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de 
 Janeiro, carece de “prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos” o 
 registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado”. 
 Ora, no caso em apreço, verifica-se que tal autorização não foi concedida, nem 
 solicitada, pelo que se conclui que a obtenção de tais imagens não possui 
 enquadramento legal, violando o direito à imagem do ora requerente, prevista no 
 art.º 26.º n.º 1 da CRP. 
 Requer-se, por tal motivo, que tais fotogramas sejam considerados nulos e de 
 nenhum efeito, para efeitos de prova”.
 
  
 Em 8-6-2006, o arguido apresentou novo requerimento, antes de ter terminado a 
 audiência de julgamento, que consta a fls. 9258-9259, com o seguinte teor:
 
 “1. Após consulta, na secretaria judicial, dos suportes magnéticos onde se 
 encontram registadas as comunicações telefónicas que deram origem às 
 transcrições realizadas no Apenso D, verifica-se que aí se encontram registadas 
 dezenas, talvez centenas, de conversas telefónicas sem qualquer interesse para 
 os presentes autos. 
 
 2. Trata-se de conversas, na sua grande maioria, em que são intervenientes 
 amigos e familiares do arguido B., que nada têm a ver com os presentes autos. 
 
 3. Em algumas dessas conversas nem sequer é interveniente o próprio arguido B. 
 ou qualquer outro dos seus co-arguidos, designadamente, o ora requerente. 
 
 4. O conteúdo das conversas mantidas vai desde o banal ao íntimo, incluindo 
 conversas amorosas e referências sobre pormenores da vida privada e íntima dos 
 intervenientes. 
 
 5. A título de mero exemplo, indicam-se as sessões 8095-1196, 8095-1228, 
 
 8095-01240 e 8095-1249, mas muitas outras se podia indicar. 
 
 6. Acresce, ainda, que também está registada nos referidos suportes magnéticos, 
 pelo menos, uma comunicação mantida entre o arguido B. e um dos seus defensores 
 e, outra, entre a mulher do arguido – D. Odete – e o mesmo defensor (cfr. 
 sessões 8095-00954 e 8095-01278). 
 
 7. O que, no primeiro caso, é expressamente proibido pelo art.º 187.º n.º 3 do 
 CPP. 
 
 8. Além de demonstrar que todas as referidas escutas foram realizadas sem 
 qualquer controlo judicial, violando as mais elementares regras consignadas nos 
 art.ºs 187.º e seguintes do citado diploma legal, a verificação do registo de 
 tais escutas nos presentes autos afronta manifestamente o direito à reserva da 
 intimidade da vida privada consagrada no art.º 26.º n.º 1 da CRP, bem como a 
 inviolabilidade das comunicações telefónicas, prevista no artº 34º n.ºs 1 e 4, 
 do nosso diploma fundamental, relativamente a todos os intervenientes. 
 
 9. O que implica a nulidade insanável de todas as referidas escutas e 
 transcrições. 
 Atendendo ao exposto e complementarmente ao já requerido na 1ª sessão da 
 audiência de julgamento, requer-se que as intercepções telefónicas constantes 
 dos aludidos suportes magnéticos, bem como as respectivas transcrições, sejam 
 mandadas eliminar, por tal se afigurar essencial à salvaguarda dos direitos 
 acima mencionados”.
 
  
 
  
 Na sessão da audiência de julgamento de 21-6-2006 foi proferido o seguinte 
 despacho:
 
 “No que concerne à alegada nulidade dos meios de prova referenciada pelo arguido 
 no seu requerimento de fls. 9155 a 9158, complementado pelo de fls. 9258/9259, 
 consigna-se que o Tribunal apreciará a mesma na sua sede própria ou seja aquando 
 da prolação do Acórdão”.
 
  
 Terminada a audiência de julgamento foi proferido acórdão que absolveu o arguido 
 dos crimes que lhe eram imputados, constando dele a seguinte fundamentação:
 
 “Se no que concerne à prova da associação criminosa, dever-se-á dizer que a 
 apreciação das escutas telefónicas se configurou como absolutamente decisiva 
 para essa aquisição probatória, a verdade é que para a incriminação concreta do 
 arguido, as mesmas se revelaram insuficientes. Com efeito, inexistindo 
 intercepções telefónicas directas ao ora arguido, as que a ele se reportam são 
 por conversas com o mencionado B. mas de onde nada de seguro, objectivo e 
 rigoroso, no que toca à matéria dos presentes autos se consegue extrair. 
 Na verdade, apreciando mesmo aquelas das quais cheira a ilícito pelo teor das 
 próprias conversas (Cfr. sessões 490 e 1051 a Fls. 28/30 e 90/91), não é 
 possível dizer que tal ilicitude se reporta à matéria dos autos. 
 Ora, como a conclusão ititente à pronúncia, no que se tange ao arguido se 
 baseava, precisamente, nas aludidas escutas, esvaziado o seu valor probatório em 
 relação àquele, fácil é de concluir que a restante prova não é suficiente para 
 lhe imputar os factos de que vinha pronunciado. 
 Na verdade, o que mais existe contra o arguido, tem a ver com os fotogramas de 
 Fls. 2082/2083, pelos quais parece resultar, ainda que não de uma forma 
 inequívoca, a presença do arguido no casino da … no dia em causa, ficando por 
 esclarecer a que propósito ele ali se encontrava, designadamente, se teve alguma 
 ligação com os movimentos efectuados por C., sendo certo que não se provou que o 
 arguido, por si, tenha procedido a qualquer levantamento da quantia monetária em 
 causa em nome de C.. 
 Importa ainda dizer, que o arguido esteve detido desde 14/11/00 a 07/03/02, o 
 que traz acrescidas dificuldades à possibilidade de imputação ao mesmo da 
 matéria em que se alicerça o crime de associação criminosa e por arrasto, os 
 ilícitos de falsificação e de burla em que esta se traduziu. Nessa medida, 
 entendeu o Tribunal que, em relação à participação do arguido nos factos 
 criminosos, não estavam reunidos os elementos probatórios suficientes que lhe 
 permitissem imputar os factos de que estava pronunciado, razão pela qual, no que 
 a si importa, os deu como não provados. 
 Por tal motivo, sendo ineficazes os meios de prova constantes do processo no que 
 concerne ao arguido, fica prejudicada a apreciação das questões de nulidade das 
 intercepções telefónicas e dos fotogramas constantes autos, razão pela qual nada 
 se dirá sobre tal matéria. 
 Não se tendo provado os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de 
 crime pelos quais o arguido vem acusado, não poderá o mesmo deixar de ser 
 absolvido da sua prática e por consequência, do pedido de indemnização civil que 
 contra si foi formulado”.
 
  
 O arguido interpôs recurso deste acórdão absolutório para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, constando das suas alegações as seguintes conclusões:
 
 “1. Através do presente recurso, o recorrente pretende pôr em crise a decisão do 
 tribunal recorrido, unicamente na parte em que considerou prejudicada a 
 apreciação das questões de validade das intercepções telefónicas e dos 
 fotogramas constantes dos autos, suscitadas nos requerimentos por si 
 apresentados em 03-05-2006 e 05-06-2006. 
 
 2. Tal decisão pode ser autonomizada do acórdão final, que absolveu o recorrente 
 da prática dos crimes por que vinha acusado, como resulta do disposto nos art.ºs 
 
 401.º n.º 1 al. b) e 403.º n.º 1, ambos do CPP. 
 
 3. Sendo, de resto, inconstitucional qualquer entendimento daqueles preceitos, 
 segundo o qual a questão da nulidade, validade e da eliminação das escutas 
 transcritas nos autos, bem como dos fotogramas aí existentes, não pudesse ser 
 autonomizada da decisão final absolutória ou que considerasse não existir 
 interesse por parte do arguido em recorrer da respectiva decisão por ter sido 
 absolvido da acusação contra si deduzida. 
 
 4. Pois que tal entendimento conflituaria, necessariamente, com as normas 
 fundamentais consagradas, designadamente, nos art.ºs 18.º n.º 1, 20.º n.º 5, 
 
 26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, todos da CRP. 
 
 5. A decisão tomada pelo tribunal recorrido relativamente às referidas questões 
 de validade dos meios de prova é nula, por omissão de pronúncia. 
 
 6. Pois que, pese embora o tribunal se tenha pronunciado sobre a sua eventual 
 relevância para a demonstração dos factos sob julgamento, acabou por decidir que 
 a apreciação de tais questões de validade estava prejudicada, por ter entendido 
 que tais meios de prova eram ineficazes, no que ao recorrente se refere. 
 
 7. As questões que se prendem com a validade dos meios de prova, da sua admissão 
 e utilização, bem como da preservação de direitos fundamentais, jamais poderão 
 ficar prejudicadas pela apreciação de outras questões. 
 
 8. Sob pena de resultarem prejudicados os direitos, liberdades e garantias 
 constitucionais em causa, bem como o disposto nos art.ºs 18.º n.º 1 e 20.º n.º 
 
 5, ambos da CRP. 
 
 9. Assim sendo e na medida em que o tribunal a quo se absteve de apreciar as 
 questões de invalidade das provas invocadas pelo arguido, é a decisão recorrida 
 nula, de harmonia com o disposto no art.º 379º n.º 1 al. c) do CPP. 
 
 10. Além disso, tal decisão é também ilógica, uma vez que não faz qualquer 
 sentido apreciar, primeiro, o conteúdo das provas, depois, afirmar que tal 
 conteúdo é irrelevante para a condenação do arguido e, finalmente, chegar à 
 conclusão que não vale a pena apreciar a sua validade. 
 
 11. Além de ilógica, a decisão recorrida infringe, ainda, o disposto nos já 
 mencionados art.ºs 18.º n.º 1 e 20.º n.º 5, ambos da CRP. 
 
 12. E constitui, igualmente, violação de caso julgado, uma vez que o tribunal 
 recorrido estava impedido de valorar e apreciar o conteúdo das intercepções 
 telefónicas constantes do Apenso D. 
 
 13. Pois que as mesmas já haviam sido declaradas insanavelmente nulas e de 
 nenhum efeito, no processo n.º 98/00.1GGLSB, no âmbito do qual decorreram todas 
 as operações de escuta. 
 
 14. Sendo que aí foi também ordenada a “destruição das transcrições das 
 conversações registadas e a desmagnetização de todos os suportes utilizados 
 
 (CD’s e outros)”. 
 
 15. Decisão que se fundou na completa falta de “controlo por parte de magistrado 
 judicial ao longo das operações de intercepção, audição e transcrição das 
 conversações telefónicas...”, o que as feriu “de nulidade insanável, traduzindo, 
 pois, uma abusiva intromissão na vida privada, através das 
 telecomunicações...”. 
 
 16. Tal decisão transitou em julgado, como se alcança da certidão junta a fls…. 
 
 17. E, por isso, constitui caso julgado material, não podendo as correspondentes 
 escutas e transcrições subsistir noutros autos para onde for enviadas a título 
 devolutivo, como é o caso. 
 
 18. Sendo também inconstitucional, por violação dos direitos, liberdades e 
 garantias afectados, o entendimento segundo o qual a nulidade insanável 
 declarada no processo onde foram executadas as operações de escuta, pudesse ser 
 considerada sanada noutro processo para o qual as mesmas tenham sido copiadas ou 
 reproduzidas. 
 
 19. Acresce, finalmente, que, ainda que, por absurdo, se concebesse que tais 
 vícios inexistissem, sempre o tribunal recorrido teria a obrigação de mandar 
 eliminar dos autos todas as escutas constantes do referido Apenso D. 
 
 20. Pois que, analisado o teor de tais escutas, constata-se que parte delas não 
 possuem qualquer interesse para o processo. 
 
 21. Noutras, são intervenientes amigos e familiares do arguido B., que nada têm 
 a ver com os presentes autos, sem que nelas intervenha qualquer dos arguidos. 
 
 22. Sendo que a maioria de tais de conversas são do foro privado ou íntimo das 
 pessoas escutadas. 
 
 23. Como é ocaso das sessões 8095-1196, 8095-1228, 8095-01240 e 8095-1249, de 
 entre muitas outras que se poderia indicar. 
 
 24. Além disso, está registada e transcrita nos autos, pelo menos, uma conversa 
 entre um arguido e o seu defensor e, outra, entre a mulher de um arguido e o 
 mesmo defensor. 
 
 25. Pelo que se conclui que o conteúdo de tais escutas revela uma violação clara 
 do disposto nos art.ºs 187.º n.ºs 1 e 3, 188.º n.º 1, ambos do CPP, e 26.º n.º 1 
 e 34.º n.ºs 1 e 4, ambos da CRP. 
 
 26. Assim, se outros motivos não houvesse, sempre ao tribunal a quo incumbiria o 
 dever de mandar eliminar todas as referidas intercepções e transcrições. 
 
 27. O mesmo se diga relativamente aos fotogramas de fls. 2081 e segs., pois que 
 os mesmos, manifestamente, não foram precedidos da autorização judicial prevista 
 no art.º 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro”.
 
  
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11-1-2007, rejeitou este recurso, 
 com fundamento na falta de interesse em agir do recorrente, lendo-se na sua 
 fundamentação:
 
 “Mas, bem ou mal, com lógica ou sem ela, é uma decisão que, confrontada com o 
 objecto do processo em que foi proferida, o favorece, pois é ela, afinal, o 
 instrumento processual em que repousa a absolvição que conseguiu. 
 E, como se viu, «o arguido nunca terá interesse em recorrer com o fundamento em 
 que foi feita má aplicação da lei, ainda que em seu benefício». 
 
 É certo que esta decisão representará uma perda, relativamente à pretensão que 
 formulou no dito requerimento de arguição de nulidade das escutas. 
 Porém, nem todas as perdas ocorridas no processo podem motivar interesse em 
 agir, nomeadamente, para o recurso. 
 Por um lado, tem de tratar-se de decisões que integrem afinal a decisão final 
 
 (desfavorável) postulada pelo objecto do processo: triunfo total ou parcial da 
 acusação, por si só, ou porventura complementada com a tese eventualmente 
 oposta emergente da contestação. 
 Ora, no caso, embora a decisão instrumental seja aparentemente desfavorável, 
 quando encarada a se, ela acabou afinal por conduzir ao triunfo da posição 
 processual relevante do arguido: a improcedência total da acusação. 
 Por outro, há-de tratar-se de questões objecto de decisão expressa, não 
 meramente implícita, pois só sobre aquelas se pode formar caso julgado – art.º 
 
 673.º do Código de Processo Civil. 
 E se é certo que o arguido pode ter interesse autónomo na questão, nomeadamente 
 na não manutenção das escutas do processo, porventura por alegada violação de 
 direitos fundamentais, não ficam fora do seu alcance os meios de atingir tais 
 objectivos”.
 
  
 Desta decisão o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo do disposto na alínea b), nos seguintes termos:
 
 “1. Por acórdão proferido em 11-01-2007 foi decidido rejeitar o recurso 
 interposto pelo recorrente do acórdão proferido pela 5.ª Vara Criminal de 
 Lisboa, na parte em que considerou prejudicada a apreciação das questões de 
 validade das intercepções telefónicas e dos fotogramas constantes dos autos, 
 suscitadas nos requerimentos apresentados pelo arguido em 03-05-2006 e 
 
 05-06-2006. 
 
 2. Ao interpor recurso de tal acórdão, o recorrente, desde logo, sustentou que 
 consideraria inconstitucional qualquer entendimento segundo o qual fosse 
 decidido não existir interesse da sua parte em recorrer da referida decisão, por 
 ter sido absolvido da acusação contra si deduzida. 
 
 3. Sucede que o STJ, através do acórdão recorrido, veio precisamente a rejeitar 
 o recurso interposto pelo arguido, por entender que o mesmo não tinha interesse 
 em agir, nos termos do disposto nos art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º 2, ambos do 
 CPP. 
 
 4. Interpretação que o recorrente já havia considerado – e continua a considerar 
 
 – inconstitucional, por conflituar com as normas consagradas nos art.ºs 18.º n.º 
 
 1, 20.º n.º 5, 26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 34º n.ºs 1 e 4, todos da CRP – cfr. 
 conclusões 3.ª e 4.ª do recurso. 
 
 5. Assim, através do presente recurso, pretende o recorrente que seja apreciada 
 a constitucionalidade das normas constantes dos art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º 
 
 2, ambos do CPP, na interpretação que ora lhe foi dada pelo STJ”.
 
  
 Apresentou as seguintes conclusões nas suas alegações de recurso:
 
 1. A interpretação e aplicação dos art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º 2, ambos do 
 CPP, feitas pelo tribunal recorrido, é inconstitucional, por ser contrária às 
 normas consagradas nos art.ºs 18.º n.º 1, 20.º n.º 5, 26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 
 
 34.º n.ºs 1 e 4, todos da CRP. 
 
 2. Pois que, quando está em causa a defesa de direitos, liberdades e garantias 
 dos cidadãos, no âmbito de processos judiciais, qualquer interessado, 
 alegadamente afectado por diligências aí realizadas, dispõe sempre de 
 legitimidade e de interesse para agir contra tais diligências, inclusive através 
 de recurso. 
 
 3. Sendo certo que apenas essa interpretação dos comandos legais citados é 
 compaginável com os princípios da aplicação directa, da tutela efectiva, da 
 celeridade e da prioridade dos direitos, liberdades e garantias, que emergem dos 
 art.ºs 18.º n.º 1, 20.º n.º 5 e 32.º n.º 1, todos da CRP. 
 
 4. Assim, no caso em apreço, a única interpretação conforme à Constituição dos 
 citados art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º 2, ambos do CPP, é a de que o arguido tem 
 interesse em agir quando, apesar de absolvido da acusação contra si deduzida, 
 recorre da decisão que considerou válidas ou que não se pronunciou quanto à 
 validade de provas que, segundo alegou, violam os seus direitos, liberdades e 
 garantias”.
 
  
 O Ministério Público contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
 
 1. Não há violação da Constituição numa interpretação normativa dos artigos 
 
 401.º, nº 2 e 414º, nº 2, do Código de Processo Penal, que por falta de 
 interesse em agir do recorrente absolvido, rejeita-lhe o recurso relativamente a 
 questões de validade e eliminação de provas constantes do processo, susceptíveis 
 de ofenderem direitos fundamentais de que é titular, sem prejuízo de lhe 
 reconhecer o direito de através de outros meios – não necessariamente menos 
 expeditos – alcançar os seus objectivos. 
 
 2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
 
  
 
 *
 Fundamentação
 O recorrente pretende que se aprecie a inconstitucionalidade da interpretação 
 dos artº 401º, nº 2, e 414º, nº 2, do C.P.P., defendida pelo S.T.J. na decisão 
 recorrida, no sentido de que deve ser rejeitado o recurso, por falta de 
 interesse em agir, interposto pelo arguido de sentença absolutória, 
 relativamente à parte em que considerou prejudicada a apreciação das questões de 
 validade das intercepções telefónicas e de fotogramas juntos aos autos.
 Alega o recorrente que esta interpretação impede a tutela de direitos 
 fundamentais que lhe assistem, como o direito à reserva da intimidade da vida 
 privada e o direito à imagem, contrariando o disposto nos artº 18.º n.º 1, 20.º 
 n.º 5, 26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, todos da CRP. 
 
 É sabido que a possibilidade legal de realização de escutas telefónicas, assim 
 como a captação de imagens, em processo penal, pelo elevado potencial de ameaça 
 a direitos fundamentais individuais, como os direitos à reserva da intimidade da 
 vida privada e familiar e à imagem, está sujeita à observância de rigorosos 
 requisitos, de modo a respeitarem-se os princípios jurídico-constitucionais que 
 presidem às leis restritivas referidas no artº 18º, da C.R.P., da necessidade, 
 adequação, proporcionalidade e determinabilidade.
 Se o direito de defesa do arguido (artº 32º, nº 1, da C.R.P.) exige que este 
 possa arguir, em processo penal, a nulidade de escutas telefónicas ou obtenção 
 de imagens, por inobservância dos referidos requisitos, de modo a que as provas 
 delas resultantes não possam ser valoradas, quando o arguido já foi absolvido 
 dos crimes que lhe eram imputados nesse processo, tal exigência deixa de fazer 
 sentido, uma vez que a melhor finalidade perseguida pela utilização das 
 garantias de defesa já foi conseguida – a absolvição.
 Daí que a rejeição de recurso, por falta de interesse em agir, interposto pelo 
 arguido de sentença absolutória, relativamente à parte em que considerou 
 prejudicada a apreciação das questões de validade das intercepções telefónicas e 
 de fotogramas juntos aos autos, em nada ofende ou limita os direitos de defesa 
 do arguido, garantidos pelo artº 32º, nº 1, da C.R.P..
 
  Contudo, a ameaça de ofensa de direitos fundamentais, como os direitos à 
 reserva da intimidade da vida privada e familiar e à imagem, não cessa com a 
 absolvição do arguido no processo onde se encontram registos de escutas 
 telefónicas e fotogramas como resultado de recolha de imagens não autorizadas.
 A conservação desses registos continua a gerar um perigo de devassa da 
 intimidade aí exposta, facilitada pelas regras da publicidade do processo (artº 
 
 86º e seg., do C.P.C.), ou nos casos em que esta se encontre restringida, pelo 
 risco da violação do segredo de justiça.
 
  Se é possível considerar-se que a garantia de tutela destes direitos 
 fundamentais, assegurada nos nº 1 e 5º, do artº 20º, da C.R.P., exige que, nos 
 casos de nulidade dos referidos meios de prova, se proceda a destruição dos seus 
 registos, atenta a proibição da sua valoração, também quando o procedimento 
 criminal contra o arguido se extingue com a sua absolvição, aquela garantia 
 constitucional de tutela obriga a procedimento que impeça a sua consulta 
 posterior, salvo em caso de recurso extraordinário de revisão, de modo a cessar 
 o perigo inerente à existência de tais registos no processo.
 Esta última dimensão do direito à tutela dos direitos fundamentais, nos casos de 
 escutas telefónicas efectuadas no âmbito do processo penal, foi realçada no 
 acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Huvig e Kruslin c. França, de 
 
 24 de Abril de 1990, que se pronunciou sobre a legislação francesa em matéria de 
 escutas telefónicas (cfr. excerto reproduzido no acórdão nº 660/2006, do 
 Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II Série, de 
 
 10-1-2007).
 Todavia, esta tutela não foi recusada pela decisão recorrida.
 O acórdão do S.T.J. rejeitou o recurso interposto da sentença absolutória, por 
 entender que o arguido não tinha interesse atendível na obtenção duma declaração 
 de nulidade das escutas telefónicas e dos fotogramas existentes nos autos, de 
 forma a ser decretada a sua destruição, uma vez que perante a sua absolvição a 
 questão da nulidade daqueles meios de prova era meramente académica e a 
 salvaguarda dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à 
 imagem podia ser obtida pelo arguido por outros meios ao seu alcance.
 Este entendimento em nada ofende o direito à tutela dos referidos direitos 
 fundamentais, consagrados no artº 26º, da C.R.P., uma vez que, perante a 
 absolvição do arguido, essa tutela não necessita duma declaração de nulidade dos 
 meios de prova ofensivos desses direitos, bastando-se com a ocultação segura dos 
 seus registos juntos aos autos, como consequência da extinção do procedimento 
 criminal resultante da absolvição. Apenas não será possível decretar a sua 
 destruição, atenta a possibilidade extraordinária de vir a ser interposto 
 recurso de revisão da sentença absolutória, o que poderá determinar uma 
 reapreciação dos meios de prova existentes nos autos.
 A possibilidade de ser esconjurada a ameaça aos referidos direitos fundamentais, 
 sem que seja decretada a nulidade das escutas telefónicas e dos fotogramas 
 juntos aos autos, é aflorada pelo próprio acórdão recorrido e não se mostra 
 afastada pelo regime processual penal vigente, antes resultando perfeitamente 
 admissível, por interpretação do disposto no artº 86º, nº 3, do C.P.P..
 Refira-se que na Proposta de Lei nº 109/X, que introduz alterações ao Código de 
 Processo Penal, já aprovada, na generalidade, na A.R., introduzem-se diversos 
 números ao artº 188º, do C.P.P., nos quais se prevê expressamente o modo de 
 evitar que a conservação do registo das escutas telefónicas após o trânsito em 
 julgado da decisão que puser termo ao processo possa colocar em perigo direitos 
 fundamentais dos cidadãos:
 
 “12 - Os suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não 
 forem transcritas para servirem como meio de prova são guardados em envelope 
 lacrado, à ordem do tribunal, e destruídos após o trânsito em julgado da decisão 
 que puser termo ao processo.
 
 13 - Após o trânsito em julgado previsto no número anterior, os suportes 
 técnicos que não forem destruídos são guardados em envelope lacrado, junto ao 
 processo, e só podem ser utilizados em caso de interposição de recurso 
 extraordinário”.
 Apesar desta solução não se encontrar expressamente prevista no direito positivo 
 vigente, o disposto no artº 86º, nº 3, do C.P.P., permite que após o trânsito da 
 decisão que põe termo ao processo, se determine que sejam guardados em envelope 
 lacrado os elementos de prova, nomeadamente suportes técnicos ou registos de 
 escutas telefónicas e fotogramas, que façam perigar os direitos à reserva da 
 intimidade da vida privada e familiar e à imagem.
 Não inviabilizando, pois, a interpretação normativa contida na decisão recorrida 
 a tutela dos referidos direitos fundamentais, não se mostra que a mesma ofenda 
 qualquer princípio constitucional, nomeadamente os indicados pelo recorrente, 
 pelo que deve ser negado provimento a este recurso.
 
  
 
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 Decisão
 Pelo exposto acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por A. do 
 acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-1-2007.
 
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 Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta 
 
 (artº 6º, nº 1 e 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro).
 
  
 
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 Lisboa, 3 de Julho de 2007
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos