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Processo n.º 533/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 
 
 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 21 de 
 Junho de 2006, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com sete unidades 
 de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
 
 «1. A., melhor identificado nos autos, interpôs recurso do acórdão do Tribunal 
 da Relação de Évora de 12 de Julho de 2005 que o condenou, como autor material 
 de um crime de roubo, de dois crimes de homicídio qualificado tentado e de um 
 crime de detenção e uso de arma proibida, na pena única de vinte anos de prisão, 
 concedendo parcial provimento ao recurso por si interposto do acórdão do 
 Tribunal de Comarca de Loulé que, por sua vez, o condenara, em 6 de Abril de 
 
 2005, na pena única de vinte e cinco anos de prisão pela prática dos mesmos 
 crimes. 
 Nas alegações que então apresentou, o arguido formulou as seguintes conclusões:
 
 «1 – A entrada com arrombamento numa loja comercial, encerrada, num sábado à 
 tarde, sem violência contra pessoas – ninguém se encontrava no interior da loja 
 
 – não integra roubo, mas sim um furto.
 
 2 – O art.º 210.º do Código Penal ao referir o “subtrair ou o constranger por 
 meio de violência contra pessoa” só pode significar “a pressão sobre a liberdade 
 do coagido” – cfr. Prof. Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense ao Código 
 Penal, tomo II, pág. 166, Coimbra Editora, 1999. 
 
 3 – Inexistiu o roubo mas tão somente 1 crime de furto e a pena aqui aplicável 
 seria de 2 (dois) anos.
 
 4 – A intenção inicial do arguido era furtar a loja do Centro Comercial, 
 encerrada sábado à tarde e não de matar ou ferir quem quer que fosse.
 
 5 – Inexistem factos concretos imputados de forma certa, de que tenha atentado 
 contra a vida dos agentes. 
 
 6 – Um dos disparos assim desfechados atingiu o agente Cordas de Deus – facto 
 
 19p – não se descortinando quem efectuou esse disparo, que provocou ferimentos 
 médios …
 
 7 – Inexiste prova factual de ferimentos e, ou, que alguma bala tivesse atingido 
 o agente Paulo Santos. O que se verificaram foram ferimentos com gravidade média 
 nos soldados Cordas de Deus e Paulo Santos o que integra a prática do crime p. e 
 p. pelo art.º 144.º Cód. Penal. 
 
 8 – Foram violados os art.ºs 131.º, 132.º e 144.º do Cód. Penal. Verifica-se o 
 vício do art.º 410.º, n.º 2, a), CPP. 
 
 9 – Inexiste fundamento para a condenação pela prática dos crimes p. e p. pelos 
 art.ºs 131.º e 132.º Cód. Penal vício do art.º 410.º, n.º 2, a), CPP, e violação 
 do 374.º, n.º 2, CPP.
 
 10 – O recorrente deve ser absolvido dos crimes de homicídio tentado e condenado 
 por furto qualificado e detenção de arma proibida. 
 
 11 – O acórdão recorrido não fixa o itinerário cognoscitivo que o levou a formar 
 o processo racional que conduziu à expressão da sua convicção, aderindo in totum 
 
 à fundamentação de facto do Tribunal de julgamento. 
 
 12 – Verifica-se insuficiência para a decisão da matéria de facto – art.º 410.º, 
 n.º 2, a), CPP, violados os art.ºs 131.º, 132.º, 204.º e 144.º do Cód. Penal. 
 
 13 – A pena de 20 anos representa prisão perpétua; com 51 anos de idade, o 
 arguido só poderá ser restituído à liberdade em 2025, com 71 anos de idade, o 
 que atenta contra a conduta/factos – art.º 40.º do Cód. Penal, Prof. Vaz Serra, 
 Separata BMJ, pág. 26, Beccaria in “Dos delitos e das penas”, Giorgio dei 
 Vecchio in “Direito e Paz”, Scientia Juridica, pág. 41. 
 
 14 – A pena de 20 anos é desajustada: não visa a reinserção social e 
 reintegração do agente na sociedade como impõe o artigo 40.º do Cód. Penal.
 
 15 – O arguido foi condenado em 6 anos e em 10 anos de prisão por crimes de 
 homicídio, tentado, sem que os factos 19p e 15p tenham caracterizado a conduta 
 como subsumida aos tipos legais e sem que se tenha apurado a autoria do disparo 
 que atingiu o Ag. Cordas de Deus. 
 
 16 – A pena de 20 anos viola os art.ºs 40.º, 131.º, 132.º, 204.º, 210.º e 275.º 
 do Código Penal e o art.º 30.º, n.º 1, da Lei Fundamental. 
 
 17 – A dosimetria Penal ajustada ao Recorrente é uma pena global não superior a 
 
 6 (seis) anos. 
 
 18 – O Venerando Acórdão da Relação de Évora violou os art.ºs 131.º, 132.º, 
 
 144.º do Cód. Penal e verifica-se o vício do art.º 374.º, n.º 2, e 410.º, n.º 2, 
 a), do C.P.P..
 
 19 – A hermenêutica expendida pela Veneranda Relação de Évora, relativamente aos 
 artigos 210.º e 131.º e 132.º, n.º 1, do Código Penal, viola o art.º 30.º, n.º 
 
 1, da Lei Fundamental e é assim inconstitucional.»
 Por acórdão de 10 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou, por 
 manifesta improcedência, o recurso interposto, confirmando o acórdão recorrido. 
 
 2. Notificado desta decisão, o arguido interpôs o presente recurso de 
 constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, tendo em vista “ser declarada a 
 inconstitucionalidade dos art.ºs 131.º, 132.º e 144.º do Cód. Penal e art.ºs 
 
 374.º-2 e 410.º-2-A, do CPP, por violação dos art.ºs 30.º-1 e 205.º da Lei 
 Fundamental.”
 O recurso foi admitido por despacho de fl. 2758 dos autos.
 Cumpre apreciar e decidir
 II. Fundamentos
 
 3. Analisados os autos, conclui-se que é de proferir decisão sumária ao abrigo 
 do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
 Na verdade, no nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental da 
 constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional nem controlar o modo 
 como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem controlar o 
 mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as normas nela 
 aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No recurso de 
 constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da República e pela 
 Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de fiscalização da 
 constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa interpretação 
 enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada na decisão 
 recorrida. Não pode, pois, ser apreciada a questão de constitucionalidade da 
 decisão – do acto de aplicação do direito –, mas, apenas, da(s) norma(s) que 
 nela haja(m) sido aplicada(s). Como se pode ler no Acórdão n.º 604/93, publicado 
 no Diário da República, II série, de 29 de Abril de 1994:
 
 «[...] Importa referir que o legislador constituinte referencia como elemento 
 definidor do objecto típico da actividade do Tribunal em matéria de fiscalização 
 de constitucionalidade – designadamente, de fiscalização concreta – o conceito 
 de ‘norma jurídica’. Assim, apenas as normas podem ser objecto de controlo 
 constitucional e não as decisões judiciais enquanto tais. 
 A este respeito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Fundamentos da 
 Constituição, 1991, p. 258): “pode-se atacar uma decisão judicial – recorrendo 
 dela para o TC – se ela aplicou uma norma arguida de inconstitucionalidade ou se 
 deixou de aplicar uma norma por motivo de inconstitucionalidade. Mas não se pode 
 impugnar junto do TC uma decisão judicial, por ela mesma ofender por qualquer 
 motivo a Constituição.”» (cfr. também, e mais recentemente, por exemplo, os 
 Acórdãos n.ºs 595/97, 338/98, 520/99 e 232/2002, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). 
 Ora, o recorrente rematou as conclusões das alegações produzidas perante o 
 tribunal recorrido (fl. 2654), em que havia de ter suscitado a questão da 
 constitucionalidade das normas que agora pretende que o Tribunal Constitucional 
 aprecie, dizendo que “A pena de 20 anos viola os art.ºs 40.º, 131.º, 132.º, 
 
 204.º, 210.º e 275.º do Código Penal e o art.º 30.º-1 da Lei Fundamental”, e que 
 
 “o Venerando Acórdão da Relação Évora violou os art.ºs 131.º, 132.º, 144.º do 
 Cód. Penal e verifica-se o vício do art.º 374.º-2 e 410.º-2-a) C.P.P.” 
 
 (conclusões 16.ª e 18.ª). Impugna, pois, nesta peça, a constitucionalidade da 
 decisão judicial em si mesma.
 
 É certo que na conclusão 19.ª o recorrente referiu a inconstitucionalidade à 
 
 “hermenêutica expendida pela Veneranda Relação Évora relativamente aos artigos 
 
 210.º e 131.º e 132.º-1 do Código Penal”. Mas tal modo de invocação de 
 desconformidade constitucional, sem se individualizar de forma clara a 
 interpretação normativa que agora pretende ver apreciada, não configura uma 
 forma adequada, por perceptível, de suscitação da questão de constitucionalidade 
 durante o processo. Isto, sendo certo que
 
 “impende sobre o recorrente o ónus de equacionar correcta e perceptivelmente a 
 questão, em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem essa questão, 
 claramente equacionada, a resolver. Ou seja, não lhe basta alegar uma 
 inconstitucionalidade normativa, mesmo que remetida para a norma ou princípio 
 eventualmente ofendido, competindo-lhe justificar minimamente a sua alegação: a 
 suscitação de uma questão de inconstitucionalidade não proporciona, por si só, a 
 abertura da via do recurso de constitucionalidade, implicando que, idónea e 
 adequadamente, a articule com um mínimo de suporte argumentativo” (Acórdão n.º 
 
 273/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
 Como resulta das conclusões das alegações acima transcritas (em relação às quais 
 o teor das próprias alegações nada adianta), quando muito, o recorrente ter-se-á 
 limitado a impugnar a constitucionalidade de uma “hermenêutica” dos artigos 
 
 (131.º e 132.º do Código Penal) que constituíram suporte para a condenação, sem, 
 porém, referir a desconformidade constitucional a uma interpretação desses 
 artigos, devidamente enunciada, que reputava inconstitucional.
 Não se verificando o pressuposto do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da Lei do Tribunal Constitucional que consiste na suscitação durante o processo, 
 de forma processualmente adequada, da inconstitucionalidade normativa que se 
 pretende ver apreciada pelo Tribunal, não pode tomar-se conhecimento do presente 
 recurso.»
 
 2.Diz-se na reclamação apresentada:
 
 “A., arguido preso nos autos supra id., tendo sido notificado do teor do Colendo 
 Acórdão de fls., e não se conformando com o mesmo, dele vem interpor reclamar 
 para a conferência [sic], ao abrigo do art.º 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal 
 Constitucional.
 A presente reclamação tem por base, ipsis verbis, os argumentos vertidos no 
 recurso.”
 
 3.O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 respondeu da seguinte forma à referida reclamação:
 
 “1 – A presente reclamação, deduzida sem que o reclamante trate sequer de 
 fundamentar minimamente as razões da sua dissidência com a decisão reclamada, é 
 manifestamente improcedente.
 
 2 – Termos em que deverá naturalmente confirmar-se por inteiro aquela decisão.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.A reclamação apresentada pelo recorrente contra a decisão sumária do relator 
 limita‑se a referir que, não se conformando com o respectivo teor, e tendo “por 
 base, ipsis verbis, os argumentos vertidos no recurso”, dela se reclama para a 
 conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei do Tribunal 
 Constitucional, não se esboçando qualquer tentativa de rebater os fundamentos 
 dessa decisão no sentido da admissibilidade do recurso e do dever de 
 conhecimento do seu objecto.
 Pode, porém, aceitar-se que, mesmo quando o reclamante não aduz quaisquer 
 fundamentos adicionais para a reclamação para a conferência prevista no artigo 
 
 78.º‑A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, atendendo à natureza colegial 
 dos tribunais superiores, deve ser-lhe reconhecida a possibilidade de ver tal 
 reclamação apreciada por uma formação decisória integrando mais do que um juiz, 
 pelo que se não deverá deixar de tomar conhecimento da reclamação (cfr., neste 
 sentido, por exemplo, os Acórdãos n.º 514/2003, 87/2005, 93/2005 e 714/2005, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), para reponderação dos fundamentos 
 da decisão reclamada.
 
 5.Procedendo à referida reponderação, entende-se, porém, que a presente 
 reclamação não pode obter provimento, sendo de confirmar a decisão sumária 
 reclamada, de não conhecimento do recurso interposto. 
 Com efeito, e como se disse já na referida decisão, num recurso de 
 constitucionalidade como o presente, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 
 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, apenas se pode conhecer da 
 
 (in)constitucionalidade de normas, em si mesmas ou numa sua específica 
 interpretação (dimensões interpretativas do preceito). Se o recorrente apenas 
 questiona uma dada dimensão ou interpretação de uma norma, deve precisar o 
 sentido que pretende ver submetido à apreciação do Tribunal Constitucional, de 
 modo a que, se tal norma vier a ser julgada inconstitucional, o Tribunal 
 Constitucional a possa enunciar na decisão e que o tribunal recorrido saiba qual 
 o sentido da norma que não pode ser aplicado por desconforme com a Constituição. 
 
  Tal necessidade de individualização do segmento ou de enunciação do sentido ou 
 interpretação normativos que o recorrente reputa inconstitucional constitui um 
 
 ónus cujo cumprimento era essencial para se poder apreciar a constitucionalidade 
 de uma qualquer particular interpretação das disposições em causa, só esse 
 cumprimento permitindo, por exemplo, averiguar se o sentido normativo impugnado 
 foi ou não efectivamente aplicado pela decisão recorrida.
 Consultando as alegações de recurso para o tribunal recorrido, conclui-se que o 
 reclamante apenas disse que “a Lei Fundamental proíbe penas restritivas da 
 liberdade com carácter perpétuo…... – artigo 30.º-1 da Constituição da 
 República” e que “assim, salvo melhor opinião, a hermenêutica expendida 
 relativamente aos artigos 210.º e 131.º e 132.º-1 do Código Penal viola o art. 
 
 30.º-1, da Lei Fundamental e é assim inconstitucional….” (fl. 2649). Pelo que 
 não causa admiração que o acórdão recorrido se não tenha pronunciado sobre 
 qualquer questão de constitucionalidade de normas, reportadas a certos 
 preceitos, aí se podendo ler tão só, com referência à Lei Fundamental, o 
 seguinte:
 
 «A afirmação de que a pena única de vinte (20) anos de prisão representa 
 
 ‘prisão-perpétua’ corresponderá a figura de estilo, com finalidade 
 argumentativa, mas não tem – como parece claro – a virtualidade de preencher o 
 conceito de pena privativa de liberdade com carácter perpétuo ou de duração 
 ilimitada ou indefinida, usado no art.º 30.º, n.º 1, da Constituição da 
 República, precisamente porque tal concreta pena tem duração determinada pela 
 decisão judicial, e teve em conta o limite máximo estabelecido no n.º 2, do 
 art.º 77.º, do Código Penal (já que a soma das penas concretamente aplicadas aos 
 vários crimes ultrapassava os 25 anos.»
 Não tendo o recorrente indicado, durante o processo, o(s) sentido(s) das 
 disposições aplicáveis que entendia inconstitucional(ais), deve concluir-se que 
 não cumpriu o ónus de delimitar, em termos inteligíveis e adequados, o objecto 
 do recurso que pretendia interpor para este Tribunal. Esta circunstância 
 inviabiliza logo a possibilidade de tomar conhecimento do recurso, sem que a 
 falta pudesse ter sido ultrapassada mediante qualquer complemento ao 
 requerimento do recurso de constitucionalidade, pois que se trata do não 
 cumprimento de um requisito que haveria de ter sido satisfeito antes de esgotado 
 o poder jurisdicional do tribunal recorrido, e perante este.
 Por falta de verificação de um requisito indispensável para tanto, não podia, 
 pois, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade, e a decisão sumária correspondente deve ser confirmada.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e 
 confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade interposto, bem como condenar o reclamante em custas, com 20 
 
 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 Lisboa, 12 de Julho de 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos