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Processo n.º 58/03 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 Acordam no Tribunal Constitucional
 
  
 I. 
 Relatório
 
  
 
 1.
 
 1.1.
 A. (Crédito), Lda., requerida no procedimento cautelar de entrega judicial e 
 cancelamento do registo movido por B., SA, recorreu para a Relação de Lisboa do 
 despacho de fls. 173 dos autos que lhe indeferiu, no que releva para o presente 
 recurso, as inconstitucionalidades orgânica e material dos artigos 17º e 21º 
 contidos, respectivamente, nos Decretos-Lei n.ºs 149/95 de 24 de Junho e 265/97, 
 de 2 de Outubro, por si anteriormente suscitadas na oposição à instaurada 
 providência cautelar.
 
  
 
 1.2. 
 Por acórdão de 11 de Dezembro de 2002 a Relação de Lisboa negou provimento ao 
 recurso interposto pela requerida.
 Pode ler-se no texto desse aresto:
 
  
 
 “(…)
 b) Inconstitucionalidade material 
 A recorrente conclui que as normas acima mencionadas sofrem de 
 inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade, uma vez 
 que estabelecem uma discriminação injustificada entre o locador financeiro e o 
 locador comum. 
 Como vimos o instituto da locação financeira não tem por escopo a realidade 
 sócio‑económica, rectius funções sociais. 
 
 É uma forma de financiar a aquisição de habitação. 
 Na realidade a leasing faz um investimento para ceder o uso e aquisição ao 
 locatário, ou seja, possibilita com o financiamento a aquisição imobiliária. Tem 
 uma função de financiamento. 
 A cedência do gozo surge como uma forma de financiar a aquisição imobiliária, 
 afastando-se do regime vinculístico que visa a garantia do direito à habitação. 
 Na palavra de Calvão da Silva (in “Estudos de Direito Comercial”, pag. 26) o 
 locador tem a obrigação de conceder mas não de assegurar o gozo da coisa ao 
 locatário. 
 Na locação tradicional artigo 1031º, al. b), do C.Civil o locatário paga a 
 contraprestação — as rendas — para poder gozar a coisa. 
 Daí se tratar de situações diferentes, uma (arrendamento/habitação) em que 
 estamos perante o direito de habitação e por isso se limita o direito de 
 propriedade. E outra, uma operação financeira realizada por uma empresa que 
 investe, com risco que tal envolve, facilitando o acesso ao imobiliário. 
 Em remate: 
 As situações envolvem perspectivas diferentes: 
 locação geral — estabilidade da habitação; 
 leasing — garantia do financiamento da aquisição imobiliária. Logo, há um 
 tratamento desigual para realidades diferentes. 
 Ora o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP requer que se dê 
 tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o 
 que for essencialmente diferente. 
 Ele não proíbe distinções de tratamento. Proíbe tão só a discriminação, o 
 arbítrio legislativo (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional nº128/99, de 3.3, 
 publicado no DR de 6.7.99, II Série, pag. 9669). 
 E é jurisprudência uniforme do TC que o direito de acesso à justiça embora não 
 comporte a garantia generalizada de um direito ao recurso, o princípio da 
 igualdade proíbe o estabelecimento de limitações arbitrárias ou discricionárias 
 
 à impugnação, em certas causas, de determinadas decisões judiciais. 
 Donde as normas sub iudicio não ofendem os artigos 13º e 165º, nº1, al. b) da 
 Constituição, ou seja, não se mostram inquinadas do vício da 
 inconstitucionalidade material no que respeita os princípios da igualdade e do 
 direito à habitação.  
 No artigo 21º, nº1, na parte em que se interprete a norma que dispensa a 
 alegação e prova do fundado receio do prejuízo já que não estamos perante um 
 esbulho violento, ou por outras palavras, ao não prever o requisito “periculum 
 in mora” — fundado receio de lesão grave — parece haver uma diminuição grave das 
 garantias de defesa (do contraditório). 
 A medida é um desvio ao artigo 395º do C.P.Civil — contraditório normal que tem 
 a ver com o processo equitativo, decorrendo deste o contraditório de que deverá 
 aquilatar‑se da inconstitucionalidade das normas processuais. 
 Como adverte Lopes do Rego (in “Estudo sobre Intervenções Processuais”, Rev. 
 M.P., ano 23º, nº 91, págs. 159 e ss. e na separata de Estudos em Homenagem a 
 Cunha Rodrigues) os princípios da igualdade de partes e do contraditório 
 constituem directas emanações do princípio da igualdade. Aliás, a jurisprudência 
 constitucional vem conferindo relevância fundamental ao princípio da igualdade 
 processual enquanto expressão da garantia da via judiciária. Assim, a sua 
 hipotética violação consubstancia, naturalmente, uma inconstitucionalidade 
 material por violação dos artigos 2º e 13º, nº1, da CRP. Nanja, 
 inconstitucionalidade orgânica catalogada pela recorrente, sabido que a nível 
 processual, segundo é jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, aquela 
 só se coloca no âmbito do processo penal e da competência. 
 A garantia constitucional do acesso ao direito e aos Tribunais envolve, além do 
 mais, a imposição de que o processo, uma vez iniciado, deva subordinar-se a 
 determinados princípios fundamentais, designadamente o contraditório (ínsito no 
 nº1 do artigo 20º da Lei Fundamental), dimensionado nos nºs 4 e 5 onde se 
 prescreve o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, mediante 
 processo cuja tramitação se mostre estruturada em termos equitativos. 
 A regra do contraditório comporta, desde logo, como dimensão essencial o 
 princípio da “proibição da indefesa”, contido no âmbito normativo do direito de 
 acesso à justiça. 
 Tal princípio constitucional obsta, pois, à vigência de qualquer regime 
 adjectivo que “priva por completo o interessado de poder apresentar perante o 
 Tribunal qualquer tipo de defesa, acabando por ser confrontado com uma decisão 
 condenatória cujos fundamentos de facto e de direito não teve oportunidade de 
 contraditar” — cfr. Ac. Constitucional nº449/94, Acs. do TC, 28º, pag. 319. 
 Como escreve Manuel de Andrade o princípio do contraditório significa que: “cada 
 uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), ao 
 oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e discretear sobre 
 o valor e resultados de umas e outras” (Noções Elementares do Processo Civil, 
 
 1976, pág. 377). 
 Por seu lado, a consagrada previsão constitucional do “direito a um processo 
 equitativo” para além de constituir um acrescido fundamento dos princípios de 
 igualdade e do contraditório das partes traduz a dimensão da regra do 
 contraditório expressa no princípio da proibição de convolações inesperadas ou 
 da prolação de “decisões surpresa”. 
 O princípio do contraditório impõe que antes da decisão, ambas as partes sejam 
 ouvidas, ainda que não pessoalmente em certos casos excepcionais, porém, para 
 garantir o fim da determinada providência determina-se que o réu seja ouvido 
 depois dela efectuada. 
 Nestes casos a audição do réu deve ser garantida “ex_post”, sendo-lhe então 
 possibilitadas meios de defesa quanto possível idênticos ao que teria se o 
 contraditório fosse assegurado desde o inicio (Lebre de Freitas in “Estudos 
 sobre Direito Civil e Processo Civil”, pág. 20). 
 O que se harmoniza com a jurisprudência reiterada do TC que vem entendendo que 
 não viola o direito ao contraditório a possibilidade de no âmbito de alguns 
 procedimentos cautelares, a providência poder ser provisoriamente decretada sem 
 prévia audição do requerido, desde que lhe fiquem assegurados os meios 
 impugnatórios para controverter a decisão que decretou a providência requerida 
 
 (Acs. nos 598/99 — DR, II, de 20.5.00 — e 337/99 — DR, II, 22.7.99). 
 Este tipo de providências consomem o pedido material, uma vez que o antecipam, 
 mas a alteração do estado das coisas não deixa de ser provisória sujeita ainda a 
 confirmação na decisão da acção principal, ao invés do carácter definitivo 
 atribuído pela agravante. 
 Menezes Cordeiro (in Manual de Direito Bancário, págs. 556/557) escreve que o 
 artigo 21º estabelece um esquema expedito para o locador reaver o bem no caso da 
 cessação do contrato. 
 Trata-se de uma providência cautelar especialmente adaptada, que permite a 
 rápida recuperação do bem. Visou-se, assim, responder às lições da prática: o 
 locatário podia, através de diversos esquemas dilatórios, frustrar o domínio do 
 locador. 
 Importa agora saber como se tem densificado o direito a um processo equitativo 
 das partes no processo civil reconhecido no artigo 20º, nº4, da CRP [que integra 
 o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos nas suas duas 
 vertentes: o direito à discussão contraditória e o direito à igualdade de armas 
 
 (equilíbrio entre as partes na apresentação das respectivas teses, ou seja, dos 
 meios processuais que para o efeito dispõem)], no quadro da justiça cautelar, 
 cuja decisão provisória se funda na aparência do direito e no periculum in mora. 
 A dispensa deste último requisito, em princípio, na medida em que se traduz numa 
 diminuição das garantias de defesa do próprio processo equitativo podia parecer 
 brigar com o nº4 do artigo 20º da CRP. 
 Porém, no domínio das providências cautelares há uma preocupação de simplicidade 
 e celeridade — assentes na necessidade de dirimição  do litígio em tempo útil. 
 Mas como observa Lopes do Rego (ob. cit. pag.161) aquelas exigências implicarão 
 um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador 
 infraconstitucional — podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de 
 certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adopção de 
 
 “mecanismos que desencorajem as partes de adoptar comportamentos capazes de 
 conduzir ao protelamento indevido do processo”, sem, todavia, aniquilar ou 
 restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à 
 justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo que lhe estão 
 subjacentes, como instrumentos indispensáveis a obtenção de uma decisão 
 jurisdicional — não apenas célere — mas também justa, adequada e ponderada. 
 No concreto as normas em causa não rompem o equilíbrio entre as partes, a favor, 
 designadamente, da sociedade locadora. 
 Com efeito, a norma do nº1 do artigo 21º no que respeita ao leasing de imóveis 
 perante a rápida recuperação do bem no caso de cessação do contrato, em que 
 legislador dá prevalência a critérios de racionalidade económica o que se 
 apresenta razoável atento a que a actividade da locadora é puramente financeira, 
 sendo a possuidora da coisa em termos de propriedade e não dever estar sujeita a 
 sua devolução e esquemas dilatórios do locatário. E como aqueles imóveis 
 representam um capital financeiro investido e que fica imobilizado se não 
 obtiver a imediata entrega dele findo o contrato, o que por si só traduz uma 
 lesão grave do direito, a justificar de pleno a dispensa da prova em concreto do 
 prejuízo. 
 E doutra parte o interesse da locatária pode ser acautelado pela prestação de 
 uma caução em substituição do decretamento da providência, aqui admissível por 
 visar evitar um prejuízo patrimonial. 
 A norma do artigo 17º remetendo o regime da resolução para os termos gerais, 
 substituindo-o ao da locação comum, não colide com a garantia do processo 
 equitativo e tão pouco com o direito de defesa — os princípios de igualdade e do 
 contraditório — a questão surge tão só por a recorrente, ao arrepio de toda a 
 jurisprudência e doutrina, considerar o contrato de locação financeira como uma 
 sub-espécie da locação comum. 
 Em conclusão: as normas dos artigos 17º e 21º, nº1, do Dec. Lei nº149/95 com as 
 alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº256/97 não padecem de 
 inconstitucionalidade material. 
 Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação da recorrente. 
 
  
 
  
 
 2.
 Inconformada, recorreu a A., para o Tribunal Constitucional ao abrigo do 
 disposto no artigo 70º n.º 1 alínea b) da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro, 
 pretendendo a apreciação da conformidade constitucional das normas dos artigos  
 
 17º e 21º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, com as alterações 
 introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 265/97 de 2 de Outubro, na sua aplicação ao 
 contrato de locação financeira de imóveis, “por enfermarem de 
 inconstitucionalidade: 
 a) orgânica, com fundamento na violação do disposto no art. 165º, nº 1, al. b), 
 da CRP, que fixa como matéria da reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia da República a locação de bens imóveis, tendo os aludidos diplomas 
 sido aprovados pelo Governo sem qualquer autorização legislativa; 
 b) material, com fundamento na violação dos Princípios da Igualdade, Direito de 
 Defesa e Direito à Habitação, consagrados nos arts. 13º, 20º e 65º da CRP.”
 
  
 
                   2.1.
 A recorrente alegou e concluiu:
 
  
 A) O termo locação é utilizado juridicamente para identificar tanto o 
 arrendamento como o aluguer (art. 1023º do CC). 
 
  
 B) A qualificação de um contrato é feita atendendo-se aos seus elementos 
 essenciais. 
 
  
 C) Um sub-tipo de um contrato tem presente tanto os mesmos elementos essenciais 
 que caracterizam um determinado tipo de contrato, como aqueles elementos que lhe 
 são próprios, as próprias especialidades. 
 
  
 D) Os elementos próprios de um sub-tipo não o afastam em relação ao tipo — se 
 esse excesso não impede a qualificação, não há razão para o autonomizar. 
 
  
 E) O elemento essencial definidor da locação é “o contrato pelo qual uma das 
 partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante 
 retribuição” (1022º CC). 
 
  
 F) É também este o elemento essencial da locação financeira, aos quais o 
 legislador acrescentou, como traços pretensamente próprios da locação 
 financeira, o facto de o bem móvel ou imóvel ser, em regra, adquirido ou 
 construído por indicação do locatário e o locatário ter a faculdade de, findo o 
 período acordado, optar por adquirir o bem por um preço determinado ou 
 determinável (art. 1º do DL nº 149/95). 
 
  
 
 É este equilíbrio ou fundamento que está totalmente quebrado no procedimento 
 especial previsto no art. 21º do DL nº 149/95. nºs 149/95 e 265/97. 
 
  
 
 29.2. O legislador arredou o direito de defesa e permitiu a emissão de uma 
 decisão judicial com efeitos definitivos, dispensando o respectivo requerente de 
 alegar ou provar qualquer justo receio da produção de prejuízos pela demora na 
 emissão de uma decisão proferida depois de respeitados os direitos de defesa e 
 de recurso. 
 
  
 Razão pela qual o regime do art. 21º do DL nº 149/95, com as alterações 
 introduzidas pelo DL nº 265/97, é inconstitucional por violação do direito de 
 defesa e de recurso, consagrados no art. 20º da CRP. 
 
  
 
 29.3. Relativamente ao Direito à Defesa, confira-se o que, escreveram os Profs. 
 Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., pág. 164): 
 
  
 
 “(…) deve assinalar-se ainda a proibição da «indefesa» que consiste na provação 
 ou limitação do direito de defesa do particular, perante os órgãos judiciais, 
 junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do 
 direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito 
 de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas 
 processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o 
 particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos 
 para os seus interesses (...)”. 
 
  
 Ora, nenhum destes dois elementos é essencial ao contrato de locação financeira: 
 
 (i) quanto à aquisição ou construção do bem por indicação do locatário, nada 
 impede que a locadora seja proprietária do bem antes da celebração do contrato 
 de locação financeira (vd. art. 7º do DL no 149/95, onde se alude à locação de 
 bens já propriedade da locadora); (ii) a faculdade do 1ocatário de, findo o 
 período acordado, optar por adquirir o bem por um preço determinado ou 
 determinável é um elemento que tem que estar sempre presente, mas cujo relevo se 
 faz sentir apenas no termo do contrato, para além de se tratar de uma mera 
 faculdade (o facto de o locatário exercer ou não essa faculdade de optar por 
 adquirir o bem em nada afecta a validade e eficácia do contrato e em nada 
 prejudica a plena produção de efeitos do contrato ao longo do seu período de 
 vigência). 
 
  
 G) O contrato de locação financeira é, só pode ser, uma sub-espécie do contrato 
 de locação, o que o legislador do DL nº 149/95 deixou, aliás, bem vincado nesse 
 diploma (cfr. art. 10º, nº2, 110, nº 1, e 17º). 
 
  
 H) O DL nº 149/95 e o DL nº 265/97 foram aprovados pelo Governo sem qualquer lei 
 de autorização legislativa da Assembleia da República, pelo que o Governo agiu 
 como se estivesse a legislar em matéria não reservada a Assembleia da República. 
 
 
 
  
 
 1) Contudo, o regime geral da locação de imóveis, ou, o regime geral do 
 arrendamento urbano e rural, é matéria da reserva relativa de competência da 
 Assembleia da República (art. 165º, nº 1, al. h), da CRP, anterior art. 168º). 
 Estatuindo a referida al. h) que a reserva relativa diz respeito ao “...regime 
 geral do arrendamento rural e urbano” pode assim o Governo criar regimes 
 especiais, sendo o regime jurídico da locação financeira um tal regime especial. 
 
 
 
  
 J) O Governo pode em matéria de locação de imóveis (arrendamento) criar por si 
 só regimes especiais, mas desde que respeite as bases gerais do regime geral 
 definidas pela Assembleia da República. Entre essas bases gerais intocáveis para 
 o Governo “...conta‑se seguramente o regime da celebração do contrato e da sua 
 cessação...”. 
 
  
 L) No art. 17º do DL nº 149/95, o legislador, mais concretamente o Governo, 
 trilhou um caminho que lhe estava vedado: afastou o princípio basilar que a 
 resolução do contrato de locação por falta de cumprimento do locatário tem que 
 ser decretada pelo tribunal. 
 
  
 M) O regime de cessação do contrato de locação de imóveis (ou, dito com mais 
 propriedade, o arrendamento) é matéria vedada ao poder legislativo Governo, 
 salvo autorização da Assembleia da República. 
 
  
 N) O Governo criou legislação que regula os termos de uma sub-espécie do 
 contrato de arrendamento para habitação e para o exercício de actividade 
 comerciais, serviços ou indústria, sendo que o fez em moldes que afrontam e 
 derrogam os princípios gerais vigentes nesta matéria e cuja definição cabe na 
 reserva relativa de competência da Assembleia da República. 
 O DL n.º 149/95 e o DL n.º 256/97, tendo o último alterado o primeiro, sofrem, 
 assim, de inconstitucionalidade orgânica, muito em especial quanto o regime 
 vertido no art. 17º, na parte que regula a cessação do contrato de locação 
 financeira. 
 
  
 O) O regime jurídico vertido nos citados DL nº 149/95 e DL nº 256/97, também 
 materialmente, e a dois níveis, afronta a Constituição. 
 
  
 P) Uma instituição financeira, em caso de falta de pagamento pontual das rendas 
 
 (i) resolve unilateralmente o contrato de locação; (ii) tal resolução produz 
 logo efeitos, sem necessidade de declaração judicial; (iii) se o arrendatário 
 não proceder de imediato à devolução do imóvel locado, a locadora tem ao seu 
 dispor um procedimento cautelar especial, cujo decretamento não depende da 
 existência de qualquer justo receio; (iv) com o singelo decretamento do 
 procedimento cautelar, isto é, com uma mera prova sumária, o imóvel é entregue à 
 locadora, esta pode cancelar o registo predial da locação e, sem mais, dispor do 
 imóvel. 
 
  
 Q) O “locador comum” perante a falta de pagamento de rendas: (i) não pode 
 resolver o contrato, tendo para o efeito que intentar a correspectiva acção 
 declarativa para que a resolução seja judicialmente declarada; (ii) da sentença 
 que declare a resolução do contrato, o locatário tem sempre recurso, 
 independentemente do valor, para a Relação, com efeito suspensivo; (iii) o 
 locador não dispõe de qualquer procedimento cautelar especial para reaver o 
 imóvel, e o procedimento cautelar comum ou os nominados no CPC não são 
 admissíveis para o efeito, porque a entrega do imóvel só pode ocorrer após a 
 resolução do contrato e esta tem que ser judicialmente declarada; (iv) a entrega 
 do imóvel contra a vontade do locatário só ocorre em sede de execução de 
 sentença e, mesmo aí, pode ocorrer o diferimento da desocupação. 
 
  
 R) O chamado contrato de locação financeira de imóveis, na terminologia dos DLs. 
 nº 149/95 e nº 265/97, goza de um regime jurídico incomensuravelmente mais 
 favorável aos locadores — qualidade aí restrita a instituições financeiras — por 
 comparação com o regime jurídico da locação comum de imóveis. ´
 
  
 S) O regime bastante favorável à locadora previsto nos DLs. nº 149/95 e no 
 
 265/97, tem por base o permitir que a locadora financeira não fique atado a um 
 locatário que não cumpre — a situação mais comum será a de um locatário que não 
 paga as rendas. 
 
  
 Ora, o locador comum tem, tanto quanto a instituição financeira, o seu 
 património, os seus meios financeiros, investidos num imóvel que deixa de gerar 
 rendimento. 
 
  
 As razões que valem para as instituições financeiras valem, com igual ou mais 
 peso, para o locador comum, pelo que resta a firmar que se criou um regime 
 jurídico de privilégio para as instituições financeiras. 
 
  
 T) O locatário comum não pode ter nem mais nem menos que as instituições 
 financeiras. Não há razão para os privilégios criados e reservados às 
 instituições em matéria de locação. 
 
  
 U) Em termos de funcionamento do Princípio da Igualdade vale a materialidade, a 
 substância, e não a forma ou a aparência, pelo que não colhem os argumentos 
 expendidos no Douto Acórdão recorrido no sentido de justificar a diferença de 
 regimes com a diferença de situações. 
 
  
 V) O regime vertido nos arts. 17º e 21º do DL nº 149/95, com as alterações 
 introduzidas pelo DL nº 265/97, sofre assim de inconstitucionalidade material 
 por violação do Princípio da Igualdade, consignado no art. 13º da CRP, porquanto 
 consagra uma discriminação ilegítima, um tratamento diferenciado injustificado, 
 a favor das instituições financeiras que se dedicam à locação de imóveis. 
 
  
 X) O artigo 21º do DL nº 149/95, com as alterações que lhe foram introduzidas 
 pelo DL nº 265/97 sofre também de uma inconstitucionalidade material por 
 violação do Direito de Defesa e do Direito à Habitação, constitucionalmente 
 consagrados (arts. 20º e 65º da CRP). 
 
  
 
 Y) O art. 21º do DL nº 149/95 consagra, sob a falsa capa de um procedimento 
 cautelar, uma verdadeira acção declarativa, permitindo ainda a agressão de 
 direitos constitucionalmente consagrados, como a habitação e o direito de 
 defesa. 
 
  
 Z) O art. 21º do DL nº 149/95 possibilita a um tribunal proferir uma decisão com 
 efeitos definitivos sobre os direitos dos particulares, baseado numa prova 
 sumária e mesmo sem que o particular seja ouvido. Veja-se que com a mera decisão 
 do procedimento cautelar, a locadora poder alienar o imóvel locado, o que 
 significa que mesmo tendo o particular a razão do seu lado, e que o demonstre 
 depois, já não poderá recuperar o imóvel. 
 
  
 AA) A CRP não admite uma justiça sumária nem admite a existência de decisões 
 definitivas dos tribunais sem respeito pelo Direito de Defesa. A desvalorização 
 do Direito de Defesa em sede de procedimentos cautelares é feita tendo por base 
 a demonstração de um justo receio de prejuízos irreparáveis e com o limite de se 
 tratar de uma decisão provisória, o que está totalmente quebrado no procedimento 
 especial previsto no art. 21º do DL nº 149/95. 
 
  
 AB) O regime do art. 21º do DL nº 149/95, com as alterações introduzidas pelo DL 
 no 265/97, é inconstitucional por violação do direito de defesa e de recurso e 
 do direito à habitação, consagrados nos arts. 20º e 65º da CRP. 
 
  
 AC) Assim, requer-se seja proferido Acórdão que declare a inconstitucionalidade 
 orgânica dos DL nº 149/95 e DL nº 265/97, por violação da reserva relativa de 
 competência da AR, e a inconstitucionalidade material do regime contido nos 
 arts. 17º e 21º do DL nº 149/95, com as alterações que lhe foram introduzidas 
 pelo segundo diploma citado, por violação dos arts. 13º (Princípio da 
 Igualdade), 20º (Direito de Defesa e Recurso), 65º (Direito à Habitação), 165c, 
 nº 1, al. h) (art. 168º, nº i, al. h), na anterior versão) e 198º, nº 1, al. a) 
 
 (art. 201º, nº 1, al. a), na anterior versão), todos da CRP, em ambos os casos 
 quanto à locação financeira de imóveis, e, em consequência, seja ordenada a 
 remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos e para os efeitos 
 do art. 80º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional.”
 
                   
 
  
 
                    2.2.
 
  Foi posteriormente proferido despacho, pelo relator, com o seguinte teor:
 
  
 
 1.             A sociedade comercial denominada A. (Crédito), LDA, recorre para  
 o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 
 n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC) impugnando a conformidade constitucional de 
 normas contidas nos artigos 17º e 21 do Decreto-lei n.º 149/95  de 24 de Junho, 
 na versão do Decreto-Lei n.º 265/97 de 2 de Outubro. 
 O recurso foi recebido e a recorrente apresentou alegação.
 Acontece que a decisão aqui recorrida – o acórdão da Relação de Lisboa de 11 de 
 Dezembro de 2002 – foi proferida no âmbito de uma providência cautelar e pode 
 entender-se que não cabe recurso de constitucionalidade de tais decisões quando, 
 como no caso se pode entender que aconteça, a questão que é objecto do recurso 
 se repercute não só na providência, como na acção principal, designadamente em 
 virtude de se questionar o 'regime' legal em que decorre tal providência, em vez 
 de se impugnar a conformidade constitucional de uma norma, devidamente 
 identificada, aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi.
 Deverá a recorrente, querendo, ser ouvida sobre este assunto, para o que dispõe 
 de 15 dias.
 
 2.             No mesmo prazo, deverá a mesma recorrente informar o Tribunal 
 sobre se se mantém a decisão recorrida e do estado da acção principal.
 
  
 
  
 Decorrido o prazo de que dispunha para este efeito, a recorrente não respondeu, 
 nem prestou ao Tribunal o esclarecimento que lhe havia sido pedido.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II.
 Fundamentação
 
  
 
                   3.
 
                   Tem entendido o Tribunal Constitucional, na verdade, que não 
 cabe recurso de constitucionalidade das decisões proferidas nos procedimentos 
 cautelares quando a solução dada à questão que é objecto do recurso se repercute 
 não só na providência em análise como na acção principal de que aquela depende. 
 Efectivamente, dada a natureza do procedimento cautelar – que não visa a 
 resolução definitiva da questão jurídica que lhe está subjacente, mas apenas a 
 sua solução provisória para evitar o periculum in mora que poderá resultar em 
 cada caso submetido a apreciação jurisdicional – da decisão proferida no âmbito 
 destes procedimentos não pode caber, por princípio, recurso de 
 constitucionalidade, por não ser possível dar sequer por verificada, numa 
 decisão que se limita a valorar o fumus bonnus iuris, a aplicação definitiva de 
 norma substantiva aplicada como ratio decidendi da decisão provisória. Além 
 disso, uma decisão (por natureza definitiva) quanto à inconstitucionalidade de 
 norma substantiva aplicada no procedimento cautelar teria como resultado o 
 julgamento definitivo da lide.
 Com efeito, a ser julgada a questão de constitucionalidade numa hipótese destas, 
 ou o julgamento não constituía caso julgado relativamente à acção principal, 
 onde podia ser tomada decisão diferente, ou constituía uma decisão definitiva, 
 subvertendo a lógica inerente à relação de instrumentalidade existente entre a 
 acção e o procedimento.
 
                   É perante esta dependência do procedimento cautelar face à 
 acção principal que tal jurisprudência se tem firmado e reiterado, por ser 
 efectivamente inconcebível, no sistema de fiscalização de constitucionalidade 
 normativa delineado na Constituição, que o Tribunal houvesse de proferir uma 
 decisão provisória de constitucionalidade – ver, neste sentido, o Acórdão n.º 
 
 151/85, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Dezembro de 1998.
 
                   O recorrente questiona a existência de um regime próprio de 
 locação financeira, por referência ao regime geral da locação; ora, esta questão 
 não pode deixar de ser tratada na decisão definitiva tomada na acção de que a 
 presente providência é dependente. Assim, das normas arguidas de 
 inconstitucionais pela recorrente e da verificação do vício que as afectaria 
 depende, igualmente, o juízo de mérito a proferir, quer no âmbito da providência 
 cautelar, quer no domínio da acção correspondente, argumento preponderante para, 
 de igual modo, não proferir decisão sobre a questão de constitucionalidade no 
 domínio deste processo de natureza cautelar. Neste sentido, e frisando este 
 argumento, bem como o igualmente expendido no aresto 151/85 já referido, também 
 já se pronunciou este Tribunal no seu Acórdão n.º 442/00, publicado no Diário da 
 República, II Série, de 5 de Dezembro de 2000. 
 Aí escreveu-se:
 
  
 
 “(…)
 
 4. Com efeito, quando a decisão (…) julgou não ser admissível o recurso 
 interposto para o Tribunal Constitucional, não se baseou na circunstância de se 
 pretender a apreciação da constitucionalidade de uma norma claramente 
 substantiva, cuja aplicação era determinante para o juízo de mérito proferido no 
 
 âmbito da providência requerida; assentou, sim, na verificação de que dessa 
 mesma norma dependia o juízo de mérito a proferir, quer no âmbito da 
 providência, quer no domínio da acção correspondente.
 
 (…) O critério distintivo ali definido assenta, não na natureza adjectiva ou 
 substantiva da norma em causa, mas na circunstância de estar ou não em causa a 
 sua aplicação, simultaneamente, na acção principal e na providência cautelar, o 
 que não é equivalente. Assim, por exemplo, pode ser questionada a 
 constitucionalidade de uma norma que defina os requisitos substanciais de 
 concessão da providência cuja aplicação não tenha cabimento da acção principal.
 Ora a circunstância de a mesma norma ser aplicável em ambos os casos é que torna 
 inadmissível o recurso interposto no âmbito da providência cautelar, atento o 
 valor meramente provisório, não da decisão de mérito nela proferida, como aponta 
 o reclamante, mas do juízo de constitucionalidade emitido igualmente ao julgar a 
 providência cautelar.
 
  
 
 5. Na verdade, as duas razões são indissociáveis. Como claramente se afirma no 
 acórdão nº 151/85, seria a natureza provisória do juízo de constitucionalidade 
 efectuado ao julgar a providência cautelar que, fundamentalmente, justifica a 
 inadmissibilidade do recurso.
 Com efeito, se fosse julgada a questão de constitucionalidade numa hipóteses 
 destas, ou o julgamento não constituía caso julgado relativamente à acção 
 principal, admitindo-se que, nesta, se viesse a emitir novo julgamento, 
 eventualmente não coincidente, com possibilidade de outro recurso para o 
 Tribunal Constitucional; ou constituía, subvertendo a lógica inerente à relação 
 de instrumentalidade existente entre a acção e o procedimento, pois que a sorte 
 daquela era traçada por uma decisão tomada no âmbito deste. (…)”
 
  
 Acresce que o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado que só deve 
 conhecer do objecto dos recursos de constitucionalidade, mesmo que estes sejam 
 recursos obrigatórios, se a decisão que, a final, vier a proferir puder ter 
 qualquer relevo ou efeito útil sobre a situação concreta de que emerge o litígio 
 e o recurso que a ele corresponde. Ora, face ao silêncio da interessada, não é 
 possível agora antever qualquer utilidade no julgamento da questão no presente 
 procedimento, o que determina o não conhecimento do presente recurso – ver, 
 igualmente, o Acórdão n.º 235/01, publicado no Diário da República, II Série, de 
 
 19 de Janeiro de 2000. 
 
  
 
                   É esta jurisprudência que se reitera e que se aplica ao 
 presente caso.
 
  
 
                   
 III.
 Decisão
 
  
 Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do 
 objecto do recurso de constitucionalidade interposto.
 
  
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC’s.
 
  
 Lisboa, 10 de Julho de 2007
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria João Antunes
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Rui Manuel Moura Ramos