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Processo n.º 893/05
 
 2.ª Secção                                                                       
 
       
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto                                     
 
 (Conselheira Maria Fernanda Palma)
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 I. Relatório
 
 1.O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 14 de Junho de 2005, negou 
 provimento ao recurso interposto por A. do acórdão proferido, em 21 de Outubro 
 de 2004, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que, por sua vez, tinha 
 negado provimento ao recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário 
 de Estado dos Assuntos Fiscais, de 13 de Dezembro de 1999, que lhe aplicou a 
 pena disciplinar de perda de pensão de aposentação pelo período de três anos.
 A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto 
 na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), 
 visando a apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 15.º, 
 n.º 2, do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro (Estatuto Disciplinar dos 
 Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local), por violação 
 do “Princípio da Dignidade Humana, tal como resulta dos artigos 1.º e 63.º, bem 
 como o direito à Segurança Social dos arts. 59.º e 72.º da Constituição da 
 República Portuguesa”.
 O recorrente suscitou a questão de constitucionalidade logo na interposição do 
 recurso contencioso, mas fê-lo, igualmente, nas alegações de recurso perante o 
 Supremo Tribunal Administrativo, tendo afirmado, em conclusão, o seguinte:
 
 «O n.º 2 do art. 5.° do Estatuto Disciplinar padece de inconstitucionalidade 
 material, pois priva o funcionário aposentado da totalidade da sua pensão mensal 
 por um largo período de tempo, em violação manifesta e intolerável do Direito à 
 Segurança Social e aos Princípios do Estado de Direito Democrático e Social e da 
 Tutela da Dignidade da Pessoa Humana plasmados na Constituição da República 
 Portuguesa!»
 O Supremo Tribunal Administrativo abordou a referida questão de 
 constitucionalidade nos seguintes termos:
 
 «Dispõe o art. 15.°, n.º 2, do Estatuto disciplinar: “1. Para os funcionários e 
 agentes aposentados as penas de suspensão ou inactividade serão substituídas 
 pela perda da pensão por igual tempo de multa, e a de multa não poderá exceder o 
 quantitativo correspondente a 20 dias de pensão. 2. A pena de aposentação 
 compulsiva será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de 3 
 anos”.
 O arguido entende que este dispositivo, que foi aplicado no seu caso, é 
 inconstituciona1, por violação do princípio da dignidade humana e do disposto 
 nos artigos 63.°, 59.° e 72.° da Constituição, uma vez que equivale na prática à 
 negação do direito à Segurança Social. Invoca a seu favor um Acórdão do Tribunal 
 constitucional que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral 
 do art. 824.°, n.ºs 1, b), e 2, do C.P.Civil, na parte em que permite a penhora 
 até um terço das prestações periódicas, pagas ao executado ... a título de 
 regalia social ou de pensão, cujo valor global não seja superior ao salário 
 mínimo nacional”.
 A argumentação do Tribunal Constitucional foi a seguinte: “Este preceito 
 constitucional, como se escreveu no Acórdão n.° 349/91 (in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 19° Vol., pág. 515), ‘poderá, desde logo, ser interpretado como 
 garantindo a todo o cidadão a percepção de uma prestação proveniente do sistema 
 de segurança social que lhe possibilite uma subsistência condigna em todas as 
 situações de doença, velhice ou outras semelhantes. Mas ainda que não possa 
 ver-se garantido no artigo 63.° da Lei Fundamental um direito a um mínimo de 
 sobrevivência, é seguro que este direito há‑de extrair-se do princípio da 
 dignidade da pessoa humana condensado no artigo 1.° da Constituição’ (cf. 
 Acórdão nº 232/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.° vol., pág. 341). 
 Pode, assim, configurar-se um conflito de direitos, entre o direito do credor à 
 realização rápida do pagamento do seu crédito e o direito do devedor e 
 pensionista da Segurança Social ou do Estado à percepção de uma pensão que lhe 
 garanta o mínimo de subsistência condigna com a sua dignidade de pessoa. 
 Existindo o referido conflito, o legislador não pode deixar de garantir a tutela 
 do valor supremo da dignidade da pessoa humana – vector axiológico estrutural da 
 própria Constituição – sacrificando o direito do credor na parte que for 
 absolutamente necessária – e que pode ir até à totalidade desse direito – por 
 forma a não deixar que o pagamento ao credor decorra o aniquilamento da mera 
 subsistência do devedor e pensionista. Essencial se torna, pois, a realização de 
 um balanceamento, da utilização de uma adequada proporção na repartição ‘dos 
 custos do conflito’ (cf. J.C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na 
 Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, 1987, pág. 233). Em consequência, 
 será constitucionalmente aceitável o sacrifício do direito do credor, se o mesmo 
 for necessário e adequado à garantia do direito à existência do devedor com um 
 mínimo de dignidade (...). É certo que o legislador admite a penhora até 1/3 dos 
 salários auferidos pelo executado, mesmo de salários não superiores ao salário 
 mínimo nacional, tal como admite a penhora de idêntica parte das prestações 
 periódicas recebidas a título de pensão de aposentação ou pensão social, sem 
 qualquer limitação expressa decorrente do respectivo montante. Porém, assim como 
 o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que é a remuneração básica 
 estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela 
 sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o ‘mínimo 
 dos mínimos’ não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o 
 motivo, assim também, uma pensão por invalidez, doença, velhice ou viuvez, cujo 
 montante não seja superior ao salário mínimo nacional não pode deixar de conter 
 em si a ideia de que a sua atribuição corresponde ao montante mínimo considerado 
 necessário para uma subsistência digna do respectivo beneficiário. Em tais 
 hipóteses, o encurtamento através da penhora, mesmo de uma parte dessas pensões 
 
 – parte essa que em outras circunstâncias seria perfeitamente razoável, como no 
 caso de pensões de valor bem acima do salário mínimo nacional –, constitui um 
 sacrifício excessivo e desproporcionado do direito do devedor e pensionista, na 
 medida em que este vê o seu nível de subsistência básico descer abaixo do mínimo 
 considerado necessário para uma existência com a dignidade humana que a 
 Constituição garante. Nestes termos, considera-se que a norma do artigo 824.°, 
 n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na medida em que permite a penhora até 
 
 1/3 quer de vencimentos ou salários auferidos pelo executado, quando estes são 
 de valor não superior ao salário mínimo nacional em vigor naquele momento, quer 
 de pensões de aposentação ou de pensões sociais por doença, velhice, invalidez e 
 viuvez, cujo valor não alcança aquele mínimo remuneratório, é inconstitucional 
 por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado 
 de direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 59.°, n.º 2, 
 alínea a), e 63.°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa”.
 No Acórdão 62/02, proferido no recurso 251/01, em 6 de Fevereiro de 2001, o 
 Tribunal Constitucional considerou também “inconstitucional por violação do 
 princípio da Dignidade Humana contido no princípio do Estado de Direito, tal 
 como resulta das disposições conjugadas dos artigos 1.º e 63.º n.ºs 1 e 3, da 
 Constituição da República, os artigos 821.º, n.º 1 e 824.º, n.º 1, alínea b) e 
 n.º 2 do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual são 
 penhoráveis as quantias percebidas a título de rendimento mínimo garantido”.
 Julgamos que o art. 15.°, n.º 2, não põe em causa o direito à segurança social, 
 ou o princípio da Dignidade Humana.
 Como se disse nos acórdãos do Tribunal constitucional citados, há (ou pode 
 haver) uma tensão ou conflito entre os diversos direitos constitucionalmente 
 protegidos. Para a solução de tais conflitos é essencial a realização de um 
 balanceamento da utilização de uma adequada proporção na repartição “dos custos 
 do conflito”. Em consequência, isto é, na justa repartição dos custos conclui o 
 acórdão, será constitucionalmente aceitável o sacrifício do direito do credor, 
 se o mesmo for necessário e adequado à garantia do direito à existência do 
 devedor com um mínimo de dignidade.
 Também será aceitável constitucionalmente o sacrifício do poder disciplinar, 
 quando o arguido se veja privado da parte do seu vencimento que lhe garanta o 
 mínimo de subsistência?
 Julgamos que não, e por isso julgamos que a doutrina acolhida nos acórdãos do 
 Tribunal Constitucional citados não é transponível. Se assim não fosse a pena de 
 demissão, por exemplo, deixando um funcionário público sem qualquer vencimento, 
 era sempre inadmissível, pois não lhe garantia o mínimo de subsistência. Do 
 mesmo modo, embora noutro domínio, uma pena de prisão não poderia ser aplicada 
 
 àqueles que, com o cumprimento de tal pena, deixassem de poder sustentar o seu 
 agregado familiar.
 A garantia a uma existência condigna – a que alude o art. 59.°, a), da 
 Constituição –, ao referir-se ao direito à retribuição do trabalho não pode ter 
 o alcance pretendido pelo recorrente de o isentar de cumprir determinadas penas 
 disciplinares. Cabe no poder de conformação do legislador ordinário a ponderação 
 dos valores em conflito (direito à segurança social e punição disciplinar), e a 
 escolha que entenda adequada. A nosso ver só uma manifesta desadequação entre o 
 motivo invocado pelo legislador ordinário e a privação da pensão é 
 inconstitucional. Não é o caso da punição de faltas disciplinares, onde tal 
 punição se justifica por razões retributivas e preventivas. Trata-se, a nosso 
 ver, de um dos casos em que para assegurar um valor comunitário – a disciplina 
 funcional na relação de emprego público – se exige a compressão do direito a uma 
 certa parte da pensão de reforma.
 Quando a lei admite a punição de infracções disciplinares, puníveis com a perda 
 de pensão, não está a descaracterizar o regime de segurança social. A haver 
 necessidade de protecção social de quem pela prática de actos ilícitos se vê 
 economicamente constrangido, não nos parece viável considerar inconstitucionais 
 as penas, nem limitá‑las à possibilidade económica dos arguidos ... A solução 
 há‑de ser encontrada pelo legislador, num outro plano normativo, garantido um 
 mínimo de subsistência nos termos em que o puder fazer, mas sem nunca pôr em 
 causa a aplicação das penas legalmente previstas.
 Não é, finalmente, igual a situação de conflito entre o devedor e o credor e 
 entre o arguido que praticou um ilícito e a Administração, podendo o legislador, 
 nestes casos, tratar diferentemente as situações. A tensão entre a 
 regulamentação das sanções disciplinares e as implicações de tais penas no 
 mínimo de subsistência é diferente da tensão entre o direito do credor à rápida 
 satisfação do seu crédito e esse mínimo de subsistência. O Tribunal 
 Constitucional considerou desproporcional um pagamento mais rápido – isto é, uma 
 penhora em montante mais elevado –, quando dessa maior rapidez se ponha em causa 
 o mínimo de subsistência. Mas não podemos inferir daí, sem mais, a 
 intangibilidade do direito à pensão (ou de parte dela) como consequência de uma 
 sanção disciplinar.
 Julgamos assim que andou bem o Acórdão recorrido ao não declarar a 
 inconstitucionalidade do art. 15.°, n.º 2 do Estatuto disciplinar.
 Improcedem, deste modo, todas as conclusões do recorrente.»
 
 2.No Tribunal Constitucional, o recorrente produziu alegações que concluiu do 
 seguinte modo:
 
 «1.ª O presente recurso tem efeito suspensivo ex vi do disposto no art. 78.°/3 
 do Lei n.° 28/82 e dos art.s 102.° e 105.° da LPTA, pelo que deve ser corrigido 
 o efeito não suspensivo atribuído pelo STA no despacho de admissão do recurso de 
 constitucionalidade.
 
 2.ª O n.º 2 do art. 15.° do DL n.° 24/84 é materialmente inconstitucional, por 
 violação do princípio da dignidade humana, do direito fundamental à retribuição 
 e do direito à segurança social e à protecção na velhice, consagrados nos art.s 
 
 1.°, 59.° e 63.º da Lei Fundamental, quando interpretado no sentido de permitir 
 a privação da totalidade da pensão de aposentação concedida a um funcionário ou 
 agente em consequência de punição disciplinar».
 A entidade recorrida contra‑alegou, concluindo o seguinte:
 
 «O n.º 2 do artigo 15.° do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de 
 Janeiro, norma em que se fundamentou o despacho punitivo, ao impor a 
 substituição da pena de aposentação compulsiva pela de perda do direito à pensão 
 pelo período de três anos não ofende os preceitos constitucionais indicados pelo 
 recorrente.»
 Inscrito o processo em tabela, e após mudança de relator, cumpre apreciar e 
 decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.A norma que o recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional – a 
 norma do artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes 
 da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, 
 de 16 de Janeiro – prevê que para funcionários e agentes aposentados a pena 
 disciplinar de aposentação compulsiva (a segunda mais grave prevista nesse 
 Estatuto) seja substituída pela de perda do direito à pensão pelo período de 
 três anos.
 Ora, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre questão semelhante. Fê-lo 
 recentemente, no Acórdão n.º 442/2006, tirado na 3.ª Secção (publicado no Diário 
 da República, II Série, de 20 de Setembro de 2006, e disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), no qual, depois de se referir (tal como a 
 decisão ora recorrida) à jurisprudência do Tribunal sobre a 
 inconstitucionalidade de normas que permitem a penhora de rendimentos 
 provenientes de pensões sociais ou rendimentos do trabalho de montante não 
 superior ao salário mínimo nacional, afirmou o seguinte: 
 
 «[...]
 
 10. A questão de constitucionalidade que está colocada nos presentes autos é, 
 porém, diferente da que foi objecto daqueles arestos. É que, neste caso, a 
 afectação da pensão de aposentação não resulta de um acto de penhora, visando a 
 satisfação coerciva de um direito de crédito não satisfeito voluntariamente pelo 
 devedor, traduzindo-se antes numa forma de pena disciplinar que visa punir uma 
 infracção da mesma natureza praticada pelo titular da pensão. Cabe, porém, 
 perguntar: uma vez que a aplicação da pena disciplinar de perda da pensão é 
 também ela susceptível de pôr em causa a possibilidade de satisfação das 
 necessidades básicas do respectivo titular, não valerão igualmente, não obstante 
 a diferença que se apontou no início, as razões que conduziram ao juízo de 
 inconstitucionalidade que naqueles arestos se formulou?
 A esta questão há que responder negativamente. Com efeito, como se verá já de 
 seguida, além da diferença já assinalada entre as duas situações, outras existem 
 ainda que impedem que o juízo de inconstitucionalidade que se formulou em alguns 
 dos arestos supra referidos seja directamente transponível para a situação que 
 agora nos ocupa. 
 Vejamos.
 
 10.1. Em primeiro lugar, verifica-se que, enquanto que a finalidade que a 
 penhora visa alcançar – a satisfação integral de um crédito não voluntariamente 
 satisfeito – não é, em circunstâncias normais, afectada, de modo definitivo, 
 pela impossibilidade de atingir uma parte – considerada necessária à garantia de 
 uma sobrevivência minimamente condigna – da pensão do respectivo titular –, uma 
 vez que, em princípio, o crédito poderá ser ainda integralmente satisfeito, 
 embora ao longo de um período de tempo mais dilatado –, as legítimas finalidades 
 de natureza repressiva e preventiva que fundamentam a pena disciplinar, ao 
 invés, seriam sempre, ao menos em parte, definitivamente prejudicadas pela 
 inaplicabilidade, decorrente de um eventual juízo de inconstitucionalidade da 
 norma que agora vem questionada.  [...]
 
 10.3. Acresce, finalmente, que mesmo naquelas hipóteses em que isso aconteça – 
 isto é, nos casos em que da aplicação do preceito cuja constitucionalidade vem 
 questionada resulte a privação do mínimo considerado indispensável à garantia de 
 uma sobrevivência minimamente condigna do pensionista – sempre este poderá 
 recorrer aos mecanismos assistenciais normais, previstos no ordenamento jurídico 
 português, para fazer face a situações de inaceitável carência social, fazendo 
 aí a prova da alegada situação de necessidade. Ora, estando disponíveis no 
 sistema mecanismos que visam, no limite, assegurar uma sobrevivência minimamente 
 condigna do pensionista, não se poderá concluir, no caso, ponderados os diversos 
 valores em presença, que fica violado o princípio fundamental da dignidade da 
 pessoa humana – “vector axiológico estrutural da própria Constituição”, como se 
 escreveu no acórdão n.º 306/2005, já citado.
 
 11. Nestas circunstâncias, em face do que se expôs, resta apenas concluir, no 
 presente caso, pela não desconformidade constitucional da norma constante do 
 artigo 15.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da 
 Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 
 
 16 de Janeiro, na parte em que permite que aos funcionários e agentes 
 aposentados abrangidos por esse Estatuto possa ser aplicada, em caso de 
 infracção disciplinar, a pena de perda da pensão por tempo igual à pena de 
 inactividade que seria de aplicar não fora a situação de aposentação. [...]».
 No Acórdão n.º 518/2006 (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt) 
 o Tribunal Constitucional teve ocasião de reiterar tal entendimento, concluindo, 
 após remissão para os fundamentos do citado acórdão n.º 442/2006, o seguinte:
 
 «[…]
 Na verdade, o julgamento desta questão distancia-se da solução encontrada quanto 
 
 à satisfação de um direito de crédito. Aqui, estamos em presença de uma pena 
 disciplinar que visa, dando satisfação a um interesse público, punir uma 
 infracção violadora de determinados deveres funcionais, ainda que praticada numa 
 situação de aposentação, na execução da qual é admissível que o arguido suporte 
 um incómodo que se repercuta nas suas condições de vida.
 
  
 Por outro lado, mesmo no caso em que da aplicação da norma resulte a privação do 
 mínimo considerado indispensável à garantia de uma sobrevivência condigna, 
 sempre o interessado poderá recorrer aos mecanismos assistenciais previstos no 
 ordenamento jurídico, destinados a fazer face a situações de carência económica. 
 Havendo mecanismos que visam assegurar uma sobrevivência minimamente condigna do 
 cidadão, não poderá, com efeito, concluir-se que pela aplicação da questionada 
 norma fica violado o princípio da dignidade da pessoa humana, ou qualquer outro 
 previsto nos artigos 1.º, 19.º, 26.º, n.º 3, 59.º, n.ºs 1, alínea f), e 2, 
 alínea a), e 63,º da Constituição, como alega o recorrente.
 Nestes termos, resta concluir pela não desconformidade constitucional da norma 
 constante do artigo 26.º n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia 
 de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pelo artigo 1.º da Lei n.º 7/90, de 20 de 
 Fevereiro, na parte em que permite que aos funcionários e agentes aposentados a 
 pena de demissão seja substituída pela perda do direito à pensão pelo período de 
 quatro anos.»
 As considerações ora e supra transcritas são inteiramente aplicáveis ao presente 
 caso e, como tal, de observar (sendo, aliás, independentes da concordância que 
 possa, ou não merecer a jurisprudência a que se referem, na medida em que remete 
 como limite para a penhorabilidade para o limiar do salário). Cumpre, na 
 verdade, frisar que a substituição da pena disciplinar de aposentação compulsiva 
 pela de perda do direito à pensão pelo período de três anos só poderia provocar 
 a privação do “mínimo de sobrevivência” caso o funcionário punido não disponha 
 de outros rendimentos que lhe assegurem esse mínimo, e que mesmo então não fica 
 privado de recorrer aos mecanismos assistenciais gerais.
 Nestas circunstâncias, apenas resta concluir pela que a norma constante do 
 artigo 15.º, n.º 2, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da 
 Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 
 
 16 de Janeiro, na parte em que prevê que para funcionários e agentes aposentados 
 a pena disciplinar de aposentação compulsiva seja substituída pela de perda do 
 direito à pensão pelo período de três anos não é inconstitucional, por 
 conseguinte se negando provimento ao recurso.
 III. Decisão
 Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:
 a)    Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 15.º, n.º 2, do 
 Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, 
 Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, na 
 parte em que prevê que para os funcionários e agentes aposentados a pena 
 disciplinar de aposentação compulsiva seja substituída pela de perda do direito 
 
 à pensão pelo período de três anos;
 b)    Por conseguinte, negar provimento ao presente recurso e confirmar a 
 decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita;
 c)     Condenar o recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa 
 de justiça.
 
  
 Lisboa, 17  de Janeiro de 2007
 
  
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 
                                       Benjamim Rodrigues (vencido nos termos da 
 declaração anexa)
 
                                     Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de 
 declaração de voto junta).
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
                Embora com dúvidas, resolvi-as contra a tese que fez vencimento. 
 Não que não admita, em sede de princípio, como constitucional a solução legal de 
 substituição da pena disciplinar de aposentação compulsiva pela de perda do 
 direito à pensão pelo período de três anos, constante do n.º 2 do art.º 15.º do 
 Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro. 
 
                  Ela justifica-se pelo interesse público do acautelamento do 
 cumprimento dos deveres funcionais dos trabalhadores, no caso dos trabalhadores 
 da função pública, sem o que não se torna possível o estabelecimento de qualquer 
 relação de emprego e de subordinação jurídica.
 
                  Em causa está, todavia, uma específica dimensão desse preceito, 
 nos termos da qual a aplicação dessa pena disciplinar, na relação de emprego 
 pública, é ainda permitida, mesmo que o trabalhador não tenha outros meios de 
 subsistência para além da pensão cuja perda é imposta por três anos. 
 
                  Ora, nesta situação, não pode deixar de considerar-se que o 
 princípio da dignidade humana, erigido a elemento fundante do Estado de direito 
 democrático, que a República Portuguesa é (art.º 1.º da Constituição), e o 
 princípio da proporcionalidade apontam no sentido de não poder ser decretada a 
 perda da pensão na parte que vai além do mínimo para se sobreviver 
 condignamente. 
 
                  Pela sua radicalidade axiológica, estes princípios demandam que 
 o trabalhador, ainda por cima normalmente depauperado da sua capacidade física 
 de ganho em razão da idade pressuposta para a aposentação voluntária (cf. art.º 
 
 37.º do Estatuto da Aposentação), não seja privado do mínimo de subsistência.
 
                  Dir-se-á, com o acórdão, que existem outros mecanismos 
 assistenciais, de segurança social, previstos no ordenamento jurídico que 
 poderão acautelar esse direito fundamental. 
 
                  Mas este argumento esquece que a diferenciação do Estado entre 
 Estado empregador (art.º 47.º, n.º 2 da CRP), Estado garante do direito de 
 pensão consequente do tempo de trabalho prestado (art.º 63.º, n.ºs 2 e 4 da CRP) 
 e Estado subsidiariamente assistencial (n.º 3 do mesmo art.º 63.º) corresponde a 
 uma construção jurídica que assenta numa ficção de divisão da pessoa Estado em 
 função dos diferentes interesses, deveres ou funções materiais que prossegue. 
 
                  Verificando-se uma situação em que o cidadão (funcionário 
 aposentado do Estado) fique sem meios de subsistência por força da aplicação da 
 pena de perda de pensão e sabido como é que o tempo de reacção ou de 
 funcionamento da dimensão assistencial do Estado não é coetâneo do momento da 
 aplicação da pena disciplinar, acaba por existir um lapso de tempo em que o 
 trabalhador fica totalmente desprotegido e sem meios de subsistência.
 
                   Em tal lapso de tempo de total carência, a pena de perda da 
 pensão, na parte que seja reclamada pela subsistência humana condigna, é 
 patentemente uma medida desproporcionada e como tal proibida pelo princípio do 
 Estado de Direito democrático (art.º 2.º da CRP). 
 
                  De resto, nem se vê que essa separação material das funções do 
 Estado se afigure como necessária ou adequada para prosseguir aquele interesse 
 público que subjaz à previsão da pena disciplinar, com quebra deste outro dever 
 do Estado.
 Benjamim Rodrigues
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
  
 
                  Tendo sido a primeira relatora, propugnei a 
 inconstitucionalidade da norma constante do nº 2 do artigo 15º do Decreto-Lei 
 n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que determina a substituição da pena disciplinar de 
 aposentação compulsiva pela de perda do direito à pensão pelo período de três 
 anos, tomando em atenção o seguinte:
 
 1. O recorrente sustenta a inconstitucionalidade da norma, por violação do 
 princípio da dignidade humana, do direito à retribuição e do direito à segurança 
 social e à protecção na velhice, consagrada nos artigos 1º, 59º e 63º da 
 Constituição.
 O Tribunal Constitucional apreciou, em diversos arestos, a conformidade à 
 Constituição de normas relativas à penhorabilidade de parte da pensão de 
 reforma, tendo concluído pela inconstitucionalidade da dimensão normativa que 
 não salvaguarde um mínimo de subsistência digna (cf. os Acórdãos nºs 232/91, 
 
 319/99, 449/91, e 177/02, entre outros). Tal orientação é, sem dúvida, relevante 
 para os presentes autos. Porém, nestes, não está em causa a penhorabilidade da 
 pensão, mas sim a sua supressão, supressão que consubstancia uma sanção 
 disciplinar.
 Trata‑se, portanto, de um outro plano – o dos limites constitucionais dos 
 efeitos das sanções disciplinares.
 A questão de constitucionalidade suscitada traduz‑se, assim, em saber se a 
 Constituição admite uma sanção disciplinar que se traduza na supressão total da 
 pensão de reforma por um período de três anos.
 A sanção disciplinar pode, naturalmente, assumir uma dimensão patrimonial. Com 
 efeito, nenhum princípio ou norma constitucional impede que a consequência de 
 uma infracção disciplinar se repercuta directamente no património do infractor.
 No entanto, se da sanção puder resultar que os meios de subsistência essenciais 
 não sejam assegurados a sanção afectará directamente as condições de 
 subsistência individual e familiar.
 Deste modo, a característica essencial da sanção em causa, isto é, tratar‑se de 
 uma sanção que se traduz na privação da totalidade da pensão de aposentação por 
 um período contínuo de três anos (três anos, sublinhe‑se, fixos, sem qualquer 
 possibilidade de graduação em função da culpa ou das circunstâncias do caso) 
 assume uma dimensão pessoal que ultrapassa a natureza estritamente pecuniária 
 que à partida ostenta, afectando, como se disse, as condições mínimas de 
 subsistência do destinatário.
 
 É verdade que o aposentado pode ser titular de outros rendimentos. No entanto, 
 não tendo sido considerada nos autos tal circunstância pelo Tribunal recorrido, 
 o Tribunal Constitucional não pode deixar de considerar a natureza da pensão de 
 aposentação e a sua função normal.
 Assim, produzindo a sanção em causa um efeito nas condições básicas de vida do 
 condenado especialmente lesivo, a sua supressão por um período de três anos, 
 coloca o aposentado numa situação de privação, numa fase em que, em princípio, 
 já não tem condições para assegurar de outro modo a sua subsistência.
 
  
 
 2.  Por outro lado, a norma em causa visa substituir uma sanção de aposentação 
 compulsiva, quando o visado já adquiriu, entretanto, o estatuto de aposentado. 
 Desta sorte, ela ultrapassa desproporcionalmente, pela sua dimensão patrimonial 
 e pessoal, a sanção que substitui, pois, diferentemente da aposentação 
 compulsiva retira ao seu destinatário o direito à totalidade da pensão.
 
  
 
 3.  O tribunal a quo e a entidade recorrida invocam, porém, a sanção de 
 demissão, para demonstrar que a sanção de suspensão em causa é legítima.
 Não está em causa, no entanto, nos presentes autos, a apreciação da conformidade 
 
 à Constituição de uma qualquer norma que consagre a sanção de demissão. Mas 
 sempre se dirá que os efeitos patrimoniais da sanção de demissão, ainda que 
 graves, resultam da verificação da extinção dos pressupostos de confiança e de 
 adequação do funcionário para o exercício da respectiva função que permitem a 
 subsistência do vínculo laboral. A demissão apenas se aplica com essa 
 justificação, sendo a supressão do vencimento pura consequência da extinção da 
 relação laboral. A suspensão da pensão aplica‑se a outro tipo de casos, como um 
 efeito patrimonial grave que visa prevenir ou reparar o dano disciplinar, em que 
 não está em causa a extinção de uma relação jurídica laboral. O sacrifício 
 patrimonial é a essência da sanção e o seu fim primordial, como meio de 
 reparação do dano provocado pelo ilícito. Deste modo, a afectação do mínimo das 
 condições de sobrevivência, em face da natureza da sanção (alternativa à 
 aposentação compulsiva) é excessivo, desproporcionado e desnecessário.
 
  
 
 4.  Em conclusão, consagrando a Constituição o princípio do respeito pela 
 dignidade da pessoa humana (artigo 1º) e o direito à segurança social (artigo 
 
 63º), 
 
 é incompatível com aquele princípio e com este direito a sanção que suprime 
 integralmente a pensão pelo período de três anos. Tal sanção permite, 
 contraproducentemente, a concretização plena dos efeitos que os dispositivos 
 constitucionais referidos visam evitar, já que nenhuma sanção (nem mesmo
 penal – cf. a proibição de penas desumanas, constante do artigo 25º, nº 2, da 
 Constituição) pode traduzir‑se na condenação à sobrevivência sem meios 
 económicos.
 Para além disso, sendo sanção alternativa à aposentação compulsiva, que não tem 
 essa intensidade patrimonial e pessoal, é desproporcionada, e viola no meu 
 parecer, o artigo 18º, nº 2, da Constituição.
 
   Maria Fernanda Palma