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Processo n.º 118/07
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1. A., melhor identificado nos autos, vem reclamar para a conferência, ao abrigo 
 do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão 
 sumária de 30 de Janeiro de 2007, que decidiu não tomar conhecimento do recurso 
 de constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com sete 
 unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
 
 «I. Relatório
 
 1.Por decisão do Tribunal Judicial de Seia, de 8 de Fevereiro de 2006, o ora 
 recorrente, A., foi condenado como autor de um crime de homicídio, previsto e 
 punido pelo artigo 131.º do Código Penal, na pena de 9 (nove) anos de prisão, e 
 bem assim, por procedência do pedido cível formulado, no pagamento aos Hospitais 
 da Universidade de Coimbra da quantia de € 2.637,32 (dois mil seiscentos e 
 trinta e sete euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros legais desde a 
 notificação até integral pagamento.
 Inconformado com esta decisão, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de 
 Coimbra, tendo, em 5 de Julho de 2006, sido proferido acórdão a julgar 
 parcialmente procedente o recurso interposto, concluindo por “como autor 
 material de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Cód. Penal, 
 condenar o arguido A. na pena de sete (7) anos de prisão”, mantendo no mais a 
 decisão sob impugnação.
 De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, concluindo as alegações que então apresentou afirmando, entre o mais: 
 
 “os artigos 71.º e 72.º do Código Penal, por possibilitarem que uma pessoa de 82 
 anos possa ser privada da sua liberdade até ao final dos seus dias, acaba[m] por 
 viabilizar uma prisão perpétua, o que torna esses preceitos inconstitucionais, 
 por violarem os princípios fundamentais da saúde, da vida, da liberdade e 
 dignidade da pessoa humana insertos nos artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, 27.º, 30.º, 
 
 64.º, n.º 2, al. b), e 72.º da Constituição da República Portuguesa” [Conclusão 
 
 7)].
 O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Dezembro de 2006, decidiu, 
 concedendo provimento parcial do recurso, revogar em parte a decisão recorrida e 
 condenar o arguido na pena de 5 (cinco) anos de prisão. Pode ler-se nesse 
 aresto, para o que ora importa:
 
 «A segunda questão a que importa dar resposta traduz-se na alegada 
 inconstitucionalidade artigos 71.° e 72.° do Código Penal «por possibilitarem 
 que uma pessoa de 82 anos possa ser privada da sua liberdade até ao final dos 
 seus dias, acaba por viabilizar uma prisão perpétua, o que torna esses preceitos 
 inconstitucionais, por violarem os princípios fundamentais da saúde, da vida, da 
 liberdade e da integridade da pessoa humana insertos nos artigos 24.°, n.°s 1 e 
 
 2, 27.°, 30.°, 64.°, n.° 2, al. b), e 72.° da Constituição da República 
 Portuguesa». 
 Não pode, desde logo, ficar sem reparo, a curiosidade e, mesmo, alguma 
 incoerência do arguido, quando, condenado numa pena superior – 9 anos de prisão 
 
 – em primeira instância, e em nome do mesmo quadro legal, e, até, sem o 
 beneficio de atenuação especial da pena que, generosamente, logrou obter do 
 tribunal superior ora recorrido, não teve os invocados preceitos como violadores 
 da Constituição, o que, agora, como questão nova, entendeu trazer perante o 
 Supremo Tribunal de Justiça.
 Não será, porém, esse aspecto meramente formal que constituirá obstáculo a que a 
 questão seja objecto do conhecimento que reclama, ainda que sumário, até porque, 
 em qualquer caso, é imperativo que o tribunal esteja sempre certo da 
 conformidade das leis que aplica «ao disposto na Constituição ou aos princípios 
 nela consignados» – art.º 204.° da Constituição.
 Pois bem.
 Já ficou dito que o arguido tinha à data dos factos, não 82 anos, sim, 79. 
 Em qualquer caso, a alegada inconstitucionalidade dos artigos 71.° e 72.° do 
 Código Penal residiria em que tais dispositivos viabilizariam uma prisão 
 perpétua, tida como «ofensa à saúde, à vida, à liberdade e integridade da pessoa 
 humana».
 
 É certo que «não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou 
 restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou 
 indefinida» - art.° 30.º, n.º 1, da Constituição.
 Porém, a alegação de inconstitucionalidade parte de um evidente equívoco: o de 
 que ao arguido foi aplicada uma pena de prisão perpétua, quando na verdade a 
 pena que lhe foi aplicada se fica pelos 7 anos de prisão! Tem 82 anos. E daí? 
 De resto, seguindo o seu raciocínio, seriam perpétuas as penas de prisão para 
 todos os que têm a desdita de morrer debaixo de prisão, qualquer que seja a 
 idade, o que é uma conclusão inaceitável.
 Não se verifica, assim, a pretensa inconstitucionalidade daquelas normas, que, 
 de todo o modo, não acoitam a possibilidade de aplicação de pena de prisão 
 perpétua.»
 
 2.Desta decisão interpôs o arguido, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, recurso para este Tribunal, através de 
 um requerimento que apresenta as seguintes conclusões:
 
 «1) O Supremo Tribunal de Justiça aplicou normas cuja inconstitucionalidade foi 
 suscitada nas alegações de recurso do douto acórdão da Relação de Coimbra.
 
 2) A interpretação que, no caso em apreço, foi dada art.ºs 71.º e 72.º do C. 
 Penal, por possibilitarem que uma pessoa de 82 anos possa ser privada da sua 
 liberdade até ao final dos seus dias, acaba por viabilizar uma prisão perpétua, 
 o que torna esses preceitos inconstitucionais, por violarem os princípios 
 fundamentais da saúde, da vida, da liberdade e da integridade da pessoa humana, 
 insertos nos art.ºs 24.º, n.ºs 1 e 2, 27.º, 30.º, 64.º, n.º 2, al. b), e 72.º da 
 CRPortuguesa.»
 Cumpre decidir.
 II. Fundamentos
 
 3.O presente recurso foi admitido no tribunal recorrido, em decisão que, como se 
 sabe, não vincula o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 3, 
 da Lei do Tribunal Constitucional, e, analisados os autos, conclui‑se que é de 
 proferir decisão sumária ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da 
 mesma Lei.
 
 4.Com efeito, é requisito específico do recurso de constitucionalidade 
 interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal 
 Constitucional, além da suscitação, de forma clara e perceptível, da 
 inconstitucionalidade da norma durante o processo e do esgotamento dos recursos 
 ordinários que no caso cabiam, que a norma (ou dimensão normativa) impugnada 
 tenha efectivamente sido aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, 
 como verdadeira ratio decidendi. Assim, se o sentido normativo impugnado não 
 corresponder ao sentido com que as normas questionadas foram aplicadas na 
 decisão recorrida, não existe interesse processual que justifique o conhecimento 
 da questão pelo Tribunal Constitucional. Neste caso, qualquer que fosse o 
 sentido da decisão que recaísse sobre a questão de constitucionalidade, 
 manter-se-ia inalterado o decidido pelo tribunal recorrido (cfr. os acórdãos 
 deste Tribunal n.ºs 454/91, 337/94, 608/95, 577/95, 1015/96, 196/97 e 508/98, 
 publicados os três primeiros no Diário da República, II série, respectivamente 
 de 24 de Abril de 1992, 4 de Novembro de 1994 e 19 de Março de 1996).
 Relembre-se, ainda, que, no nosso sistema de fiscalização concentrada e 
 incidental da constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional nem 
 controlar o modo como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, 
 nem sequer controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, 
 apurar se as normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor direito. No 
 recurso de constitucionalidade tal como foi delineado pela Constituição da 
 República e pela Lei do Tribunal Constitucional, este é apenas um órgão de 
 fiscalização da constitucionalidade de normas, em si mesmas (isto é, numa 
 interpretação enunciativa) ou em determinada interpretação particular, aplicada 
 na decisão recorrida. Não pode, pois, ser apreciada a questão de 
 constitucionalidade da decisão – do acto de aplicação do direito –, mas, apenas, 
 da(s) norma(s) que nela haja(m) sido aplicada(s). Como se pode ler no acórdão 
 n.º 604/93, publicado no Diário da República, II série, de 29 de Abril de 1994:
 
 «[...] Importa referir que o legislador constituinte referencia como elemento 
 definidor do objecto típico da actividade do Tribunal em matéria de fiscalização 
 de constitucionalidade – designadamente, de fiscalização concreta – o conceito 
 de ‘norma jurídica’. Assim, apenas as normas podem ser objecto de controlo 
 constitucional e não as decisões judiciais enquanto tais. 
 A este respeito, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Fundamentos da 
 Constituição, 1991, p. 258): “pode-se atacar uma decisão judicial – recorrendo 
 dela para o TC – se ela aplicou uma norma arguida de inconstitucionalidade ou se 
 deixou de aplicar uma norma por motivo de inconstitucionalidade. Mas não se pode 
 impugnar junto do TC uma decisão judicial, por ela mesma ofender por qualquer 
 motivo a Constituição.”» (Cfr. também, e mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 
 
 595/97, 338/98, 520/99 e 232/2002, todos disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt).
 
 5.Ora, o tribunal a quo não se baseou, como ratio decidendi, expressa ou 
 implicitamente, na interpretação dos artigos 71.º e 72.º, do Código Penal que o 
 recorrente impugna perante o Tribunal Constitucional: a interpretação dos 
 
 “art.ºs 71.º e 72.º do C. Penal, por possibilitarem que uma pessoa de 82 anos 
 possa ser privada da sua liberdade até ao final dos seus dias, acaba por 
 viabilizar uma prisão perpétua”. É o que decorre, como o Supremo Tribunal de 
 Justiça deixou claro, do que se pode ler a fl. 442 verso dos autos, no aresto 
 sob recurso:
 
 «[…]
 Porém, a alegação de inconstitucionalidade parte de um evidente equívoco: o de 
 que ao arguido foi aplicada uma pena de prisão perpétua, quando na verdade a 
 pena que lhe foi aplicada se fica pelos 7 anos de prisão! Tem 82 anos. E daí? 
 De resto, seguindo o seu raciocínio, seriam perpétuas as penas de prisão para 
 todos os que têm a desdita de morrer debaixo de prisão, qualquer que seja a 
 idade, o que é uma conclusão inaceitável.»
 Conclui-se, pois, que a norma em questão, na dimensão tentada impugnar pelo 
 recorrente – que considera que “uma pessoa de 82 anos possa ser privada da sua 
 liberdade até ao final dos seus dias” (itálico aditado) –, não foi aplicada, 
 expressa ou implicitamente, pelo tribunal a quo. Este considerou antes – 
 afirmando-o claramente – que ao arguido não foi aplicada uma pena de prisão 
 perpétua, antes “a pena que lhe foi aplicada se fica pelos 7 anos de prisão!” 
 
 (itálico aditado), e tendo ainda sido reduzida, pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça, para 5 (cinco) anos de prisão.
 Não está, aliás, excluído que o recorrente cumpra esta pena, e, apesar da sua 
 avançada idade, venha a sair em liberdade, não se estando perante qualquer pena 
 de “prisão perpétua”.
 Não se encontram, pois, preenchidos os requisitos para se poder tomar 
 conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.»
 
 2. Diz-se na reclamação apresentada:
 
 «1.º Entendeu o Exm.º Relator não conhecer do objecto do recurso que foi 
 interposto do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. 
 
 2.º A questão que foi suscitada no requerimento de interposição desse recurso 
 prende-se com a alegada inconstitucionalidade dos artigos 71.º e 72.º do C. 
 Penal, quando interpretadas no sentido em que o foram pelo S.T.J., por 
 possibilitar que uma pessoa com 82 anos (quase 83 anos) privada da liberdade por 
 cinco anos veja violados os princípios fundamentais da sua saúde, da sua vida, 
 da sua liberdade e da dignidade da sua pessoa. 
 
 3.º A decisão sumária de que se reclama sustenta que aquelas normas do Código 
 Penal não foram efectivamente aplicadas pelo Tribunal “a quo” como verdadeira 
 
 “ratio decidendi”. 
 
 4.º Salvo o devido respeito, afigura-se que sucede exactamente o contrário. 
 
 5.º O S.T.J., no seu douto Acórdão, faz expressa referência ao artigo 71.º do 
 Código Penal e quanto à medida de pena até declara que “... na apreciação global 
 do facto concreto em apreciação não se contesta a aplicação do instituto da 
 excepção que é a atenuação especial da pena…”
 
 6.º Dito de outro modo, foi usando a disciplina legal dos artigos 70.º e 71.º do 
 C. Penal que o S.T.J. decidiu ajustar e diminuir a pena para cinco anos de 
 prisão, em vez de sete fixados pelo Tribunal da Relação de Coimbra. 
 Acontece que, 
 
 7.º No entender do recorrente, esses preceitos legais, interpretados da forma 
 como o foram pelo S.T.J. e sopesadas as circunstâncias do caso concreto, violam 
 claramente os direitos constitucionais à saúde, à dignidade da pessoa humana e 
 até à vida. 
 
 8.º É um facto notório que sujeitar um homem de 82 anos autor de um crime que 
 não cometeu com dolo intencional a uma pena de prisão de cinco anos é o mesmo 
 que lhe garantir que vai deixar de ter o apoio permanente da família, da sua 
 habitação, da sua rotina diária e da sua convivência regular. 
 
 9.º É, no fundo, votá-lo a um necessário isolamento e à marginalização social e 
 familiar, factores que naturalmente potenciam desequilíbrios físicos e psíquicos 
 gravosos para a saúde de qualquer idoso. 
 
 10.º Por estas e por outras razões, julga-se que os artigos 71.º e 72.º do 
 Código Penal, que o Acórdão do S.T.J. interpretou e aplicou expressamente para 
 poder dosear a pena fixada ao arguido, jamais podem ser invocados para 
 justificar um decréscimo na pena que, mesmo assim, se traduz em prisão efectiva 
 de um idoso de 82 anos. 
 
 11.º A interpretação que o S.T.J. deu a esses preceitos, sentenciando a clausura 
 do arguido aos seus 82 anos, se não viabiliza prisão perpétua, possibilita pelo 
 menos, que o arguido viva o fim da sua vida sem dignidade pessoal e familiar e 
 com riscos de saúde agravadíssimos. 
 Por assim ser, 
 Afigura-se que a conferência, deferindo esta reclamação, deve ordenar o 
 prosseguimento dos autos para conhecimento do objecto do recurso e apresentação 
 de alegações.»
 
 3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional 
 respondeu pela seguinte forma à referida reclamação:
 
 «1.º A reclamação deduzida é manifestamente improcedente. 
 
 2.º Na verdade, a argumentação do reclamante apenas vem confirmar que a questão 
 suscitada carece de base normativa, limitando-se o recorrente a dissentir da 
 espécie e medida da pena que foi aplicada ao arguido, face às circunstâncias 
 peculiares do caso concreto.»
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4. Adianta-se que a presente reclamação não pode obter provimento, por não 
 abalar os fundamentos em que se baseou a decisão reclamada.
 Com efeito, nos termos do respectivo requerimento, o recurso vem intentado ao 
 abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal 
 Constitucional, pretendendo o recorrente ver apreciada a constitucionalidade da 
 
 “interpretação que, no caso em apreço, foi dada aos art.ºs 71.º e 72.º do C. 
 Penal, por possibilitarem que uma pessoa de 82 anos possa ser privada da sua 
 liberdade até ao final dos seus dias, acaba por viabilizar uma prisão perpétua”, 
 entendendo que tal dimensão normativa viola “os princípios fundamentais da 
 saúde, da vida, da liberdade e da integridade da pessoa humana, insertos nos 
 art.ºs 24.º, n.ºs 1 e 2, 27.º, 30.º, 64.º, n.º 2, al. b), e 72.º da 
 CRPortuguesa”. 
 Como foi já dito na decisão sumária reclamada, constituem requisitos específicos 
 do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da Lei do Tribunal Constitucional, além da suscitação da inconstitucionalidade 
 normativa durante o processo e do esgotamento dos recursos ordinários que no 
 caso cabiam, a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma 
 cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Este último requisito é 
 uma consequência da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, o 
 qual visa obter a apreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de 
 constitucionalidade normativa suscitada incidentalmente num processo concreto, e 
 da qual dependa a decisão deste processo.
 Ora, consultando a decisão de que se pretendeu recorrer, que é o acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça proferido em 7 de Dezembro de 2006, verifica-se, 
 como se disse já na decisão reclamada, que o Supremo Tribunal de Justiça não 
 adoptou a interpretação dos artigos 71.º e 72.º do Código Penal no sentido de 
 
 “possibilitarem que uma pessoa de 82 anos possa ser privada da sua liberdade até 
 ao final dos seus dias”, acabando por “viabilizar uma prisão perpétua”. No 
 acórdão recorrido afirma-se, antes pelo contrário, que “a alegação de 
 inconstitucionalidade parte de um evidente equívoco: o de que ao arguido foi 
 aplicada uma pena de prisão perpétua” (itálico no original).
 Não tendo a norma, na dimensão interpretativa impugnada, sido aplicada pelo 
 tribunal a quo, não podia tomar-se conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade, cuja apreciação não poderia reflectir-se utilmente na 
 decisão recorrida.
 Contra a conclusão no sentido da falta do referido pressuposto para se poder 
 tomar conhecimento do recurso não depõe, aliás, a argumentação constante da 
 reclamação, no sentido de que “a questão que foi suscitada no requerimento de 
 interposição desse recurso prende-se com a alegada inconstitucionalidade dos 
 artigos 71.º e 72.º do C. Penal, quando interpretadas no sentido em que o foram 
 pelo S.T.J., por possibilitar que uma pessoa com 82 anos (quase 83 anos) privada 
 da liberdade por cinco anos veja violados os princípios fundamentais da sua 
 saúde, da sua vida, da sua liberdade e da dignidade da sua pessoa”. O reclamante 
 insurge-se contra a decisão reclamada afirmando ainda que “sujeitar um homem de 
 
 82 anos autor de um crime que não cometeu com dolo intencional a uma pena de 
 prisão de cinco anos é o mesmo que lhe garantir que vai deixar de ter o apoio 
 permanente da família, da sua habitação, da sua rotina diária e da sua 
 convivência regular”. E diz que “a interpretação que o S.T.J. deu a esses 
 preceitos [aos artigos 71.º e 72.º do Código Penal], sentenciando a clausura do 
 arguido aos seus 82 anos, se não viabiliza uma prisão perpétua, possibilita, 
 pelo menos, que o arguido viva o fim da sua vida sem dignidade pessoal e 
 familiar e com riscos de saúde agravadíssimos.” (Pontos 2, 8 e 11 do articulado 
 da presente reclamação).
 Ora, admite-se que o reclamante discorde do acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, quanto à possibilidade de aplicação de prisão efectiva ao arguido 
 
 (condenado por um homicídio) ou à aplicação de uma pena que, afirma, implica 
 viver o “fim da sua vida sem dignidade pessoal e familiar e com riscos de 
 saúde”. Mas estas discordâncias não se referem à norma que o recorrente impugnou 
 
 (relativa à aplicação de uma pena de prisão perpétua), mas antes à correcção na 
 aplicação do Direito pelo tribunal a quo, que já não é algo que compita ao 
 Tribunal Constitucional apreciar.
 Como se tem salientado em abundante jurisprudência, ao Tribunal Constitucional a 
 norma que foi, bem ou mal, aplicada pelo tribunal a quo como ratio decidendi 
 chega já como um dado, cuja escolha e interpretação, independentemente de 
 questões de constitucionalidade normativa, não compete a este Tribunal 
 controlar. E não há dúvida de que o tribunal recorrido não aplicou qualquer 
 norma segundo a qual o arguido é condenado a uma pena de prisão perpétua, tendo, 
 aliás, sido reduzida, pelo Supremo Tribunal de Justiça, para cinco anos de 
 prisão. Como se afirmou na decisão reclamada, “[n]ão está, aliás, excluído que o 
 recorrente cumpra esta pena, e, apesar da sua avançada idade, venha a sair em 
 liberdade”.
 Por aqui se vê, como também já ficou dito, que, qualquer que fosse a decisão 
 sobre a constitucionalidade da dimensão normativa impugnada, ela em nada poderia 
 alterar o sentido da decisão recorrida.
 A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida, confirmando-se a decisão 
 sumária reclamada.
 III Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 o reclamante em custas, com 20 ( vinte  ) unidades de conta de taxa de justiça.
 Lisboa, 6 de  Março de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos