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Processo n.º 821/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 I. Relatório
 
 1.Por sentença do 1.º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Vila Nova de 
 Gaia, datada de 22 de Janeiro de 2004, foi condenado, entre outros, A., pela 
 prática, como autor material e em concurso real, de três crimes de ofensa à 
 integridade física simples, previstos e punidos pelo artigo 143.º, n.º 1, do 
 Código Penal, e dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, 
 n.º 1, do Código Penal, na pena única de 500 dias de multa, à taxa diária de € 
 
 5,00, e ainda no pagamento parcial da indemnização cível pedida pelos 
 demandantes, B. e C., no valor de € 498,80.
 Inconformados, os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, 
 por acórdão de 10 de Maio de 2006, negou provimento aos recursos e confirmou a 
 decisão recorrida.
 
 2.O arguido A. interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento 
 e Processo do Tribunal Constitucional,
 
 “[p]or entender que a interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 123.º e 
 
 364.º do Código de Processo Penal, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, é 
 francamente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da 
 adequação e de efectivo direito de recurso em processo penal, pois que, ao não 
 determinar a anulação de julgamento realizado na 1.ª Instância, constitui uma 
 intolerável compressão do direito de recurso em matéria de facto e clara 
 violação do art.º 32.º, n.º 2, da nossa Constituição.”
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido no Tribunal da Relação do 
 Porto, por despacho de 20 de Junho de 2006, com o seguinte teor:
 
 “Fls. 235: Do conjunto de motivações e conclusões, não se vislumbra a alegação e 
 invocação de qualquer inconstitucionalidade, pelo que não admito o recurso.”
 
 3.Vem agora o recorrente reclamar deste despacho para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos:
 
 «1. Sempre com o devido e muito respeito, permite-se o Reclamante discordar com 
 o entendimento explanado pelo Venerando Tribunal “a quo”, onde procura 
 justificar a inadmissibilidade do recurso interposto pelo arguido, aqui 
 Reclamante, para este Egrégio Tribunal Constitucional, decidindo pela rejeição 
 do mesmo. 
 
 2. De modo que, sucintamente, a questão relevante que urge trazer aqui à colação 
 prende-se, essencialmente, em saber se efectivamente foi invocada em sede de 
 recurso qualquer inconstitucionalidade. 
 Vejamos, 
 
 3. No seu requerimento de interposição de recurso, de fls. 235, alegou o ora 
 Reclamante que «a interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 123.° e 364.° 
 do Código de Processo Penal, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, é 
 francamente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da 
 adequação e de efectivo direito de recurso em processo penal, pois que, ao não 
 determinar a anulação de julgamento realizado na 1.ª Instância constitui uma 
 intolerável compressão do direito de recurso em matéria de facto e clara 
 violação do art.º 32.°, n.º 2, da Constituição.» 
 
 4. Termos em que, o recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70.°, n.º 1, al. 
 b), da L.T.C., ou seja, com fundamento em inconstitucionalidade já suscitada no 
 processo, nomeadamente o n.º 2 do art.º 32.° da nossa Constituição. 
 
 5. Com efeito, no recurso por si interposto alegou o aqui Reclamante violação do 
 princípio “in dubio pro reo”, corolário do princípio da presunção de inocência 
 assim consagrado no supra referido preceito legal «Todo o arguido se presume 
 inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação». 
 
 6. E alegou tal violação fundamentando que a prova produzida não permite 
 sustentar a condenação, sendo que enferma, assim, a douta sentença de erro 
 notório na apreciação da prova. 
 
 7. Acontece que, propondo-se o aqui Reclamante impugnar a matéria de facto que 
 sustentou a sentença proferida nos presentes autos, porque foi essa a pedra 
 basilar que impulsionou aquele recurso, constatou-se a existência de anomalia 
 grave na gravação das declarações produzidas na audiência de julgamento. 
 
 8. O que, por sua vez, impossibilitou o cumprimento do ónus imposto ao 
 recorrente nos n.ºs 3, al.s b) e c), e 4 do art.º 412.° do C.P.P.. 
 
 9. E, igualmente, impediu o Dign.° Tribunal da Relação do Porto de conhecer de 
 facto, quando tal se lhe impunha por se encontrar tal matéria dentro do objecto 
 do recurso interposto. 
 
 10. Ora, no núcleo essencial das garantias de defesa do arguido, em processo 
 penal, inscreve-se o duplo grau de jurisdição, tanto em matéria de facto como de 
 direito, a que ao art.º 32.°, n.º 1, da Lei Fundamental confere dignidade 
 constitucional. 
 
 11. Assim, sendo a documentação da prova oralmente produzida condição de um 
 efectivo recurso em matéria de facto a defeituosa gravação magnetofónica das 
 declarações oralmente produzidas em audiência de julgamento impede, como se 
 referiu, que o Dign° Tribunal da Relação pudesse conhecer de facto. 
 
 12. O que constitui uma intolerável compressão do direito de recurso em matéria 
 de facto, concedido pela lei, mormente a lei constitucional, aos arguidos! 
 
 13. De modo que, deveria o Dign.° Tribunal da Relação do Porto ter determinado a 
 nulidade do julgamento de que emerge a sentença recorrida e ordenado a sua 
 repetição. 
 
 14. Não o tendo feito, coarcta e limita, de modo ilegal e inconstitucional, as 
 garantias de defesa asseguradas ao arguido, designadamente, violando o disposto 
 no art.º 32.° da C.R.P. 
 
 15. Afrontando, pois, o princípio da legalidade no que aos normativos legais 
 acima citados respeita. 
 Termos em que, sopesados os argumentos acabados de aduzir, vem o 
 Arguido/Reclamante requerer a Vs. Exas. se dignem revogar o douto despacho de 
 inadmissibilidade do qual ora se reclama, devendo, nessa sequência, ser admitido 
 e subir o recurso por si interposto para este Egrégio Tribunal Constitucional.»
 Já no Tribunal Constitucional, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da 
 manifesta falta de fundamento da reclamação, dizendo:
 
 “A presente reclamação é manifestamente improcedente, já que o reclamante não 
 suscitou, durante o processo e em termos processualmente adequados – 
 nomeadamente no âmbito do recurso que interpôs perante a Relação – qualquer 
 questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de base ao 
 recurso de fiscalização concreta interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do 
 art.º 70.º da Lei n.º 28/82.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4.Adianta-se já que a presente reclamação é manifestamente improcedente.
 Com efeito, o recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor era o 
 referido no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional – 
 de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo. São requisitos específicos para se poder tomar conhecimento 
 desse tipo de recurso, para além do esgotamento dos recursos ordinários, que a 
 norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pela decisão recorrida 
 e que tenha sido suscitada, durante o processo, a questão da sua 
 inconstitucionalidade. Este último requisito deve ser entendido, segundo a 
 jurisprudência constante deste Tribunal (veja-se, por exemplo, o acórdão n.º 
 
 352/94, in Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), “não num 
 sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada 
 até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que 
 essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda 
 pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz 
 sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por 
 ser este o sentido que é exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal 
 Constitucional se efectuar em via de recurso, para reapreciação ou reexame, 
 portanto, de uma questão que o tribunal recorrido pudesse e devesse ter 
 apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, Diário da República, II 
 série, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 155/95, in Diário da 
 República, II série, de 20 de Junho de 1995).
 Ora, verifica-se que a inconstitucionalidade das normas dos artigos 123.º e 
 
 364.º do Código de Processo Penal não foi suscitada durante o processo, isto é, 
 antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, apenas referindo o 
 recorrente uma interpretação dos artigos 123.° e 364.° do Código de Processo 
 Penal já no requerimento de interposição do recurso de inconstitucionalidade, 
 apesar de ter tido plena oportunidade para o fazer antes, perante o tribunal a 
 quo – e designadamente na motivação do recurso para o Tribunal da Relação do 
 Porto.
 Acresce ser claro que não se encontra na decisão recorrida qualquer 
 interpretação insólita, inesperada ou imprevisível desses artigos 123.º e 364.º 
 do Código de Processo Penal, que poderia justificar a suscitação tardia da 
 questão de constitucionalidade. Pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação do 
 Porto de 10 de Maio de 2006:
 
 «(…)
 Analisando a documentação da audiência no apenso de transcrição, constata-se que 
 efectivamente as cassetes n.º 4 e 5 não contêm quaisquer registos. 
 Porém, como os próprios recorrentes reconhecem, tal não constitui nulidade, mas 
 antes mera irregularidade que, nos termos do art.º 123.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal, se encontra sanada, por não atempadamente arguida pelos 
 recorrentes, nos termos do mesmo preceito. 
 Por outro lado, tal facto não afecta o julgamento, uma vez que o tribunal 
 dispunha das suas próprias anotações, tal como necessariamente os demais 
 sujeitos processuais, concretamente os recorrentes. 
 Há que pôr cobro à intencional confusão entre julgamento e documentação do que 
 nele perpassa para, com base nas deficiências desta, se extrapolar para as 
 deficiências daquele, inquinando-o, pese embora a sua manifesta legalidade e 
 regularidade, no respeito absoluto de todos os direitos constitucionalmente 
 consagrados. 
 Na verdade, também a este Tribunal não se antolha a necessidade de obter a 
 documentação omitida, ante a pormenorizada motivação da matéria de facto provada 
 na decisão recorrida, pois que, como desta consta, as testemunhas D. e E. não 
 presenciaram os factos, a testemunha F. corrobora a confissão do assistente de 
 que mordeu um dedo do arguido A. e embora tendo presenciado as agressões e 
 ofensas verbais a testemunha G.uz, também sem suporte magnético, mas outras 
 provas foram também produzidas e documentadas, com manifesta relevância, para 
 além das declarações dos arguidos, avocadas na mesma motivação e objecto de 
 transcrição. 
 Assim, estando em rota de colisão a oralidade omissa na documentação, com a 
 inestimável imediação da prova, manifestamente que deva esta prevalecer sobre 
 aquela, enquanto necessariamente espelhada na motivação da matéria de facto, de 
 presumida seriedade, independência, ponderação e acerto. 
 Aliás, diga-se, é perfeitamente anómala a confiança das cassetes a qualquer dos 
 sujeitos processuais, para obtenção de cópia, tal como consta do despacho de 
 fls. 324, quando é ao próprio tribunal que incumbe fornecer a cópia dos registos 
 magnéticos... 
 Improcede pois a sugerida anulação do julgamento. (…)»
 Diga-se, ainda, que pode duvidar-se de que a questão suscitada pelo recorrente, 
 mesmo no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, possa 
 configurar uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, e não antes 
 como afirmação por parte do recorrente da sua discordância em relação ao 
 decidido pela Relação do Porto sobre a concreta questão da documentação da prova 
 e a consequente decisão de não anular o julgamento de 1.ª instância.
 Assim, por falta de verificação dos requisitos indispensáveis para tanto (os 
 quais já não poderiam ser supridos mediante qualquer convite para 
 aperfeiçoamento do requerimento de recurso), não podia o Tribunal Constitucional 
 tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade, razão pela qual é de 
 confirmar o despacho reclamado, que não admitiu tal recurso, indeferindo-se a 
 presente reclamação.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e condenar 
 o reclamante em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
 
                                                        Lisboa, 31 de Outubro de 
 
 2006
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos