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Processo n.º 600/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
  
 
                                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do 
 Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                  1. A. e outros vêm reclamar para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei de 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho de 21 de Abril de 
 
 2006 do Juiz do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, que, com fundamento 
 em falta de esgotamento dos recursos ordinários, não admitiu recurso por eles 
 interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, contra 
 despacho que indeferiu arguição de nulidade de despacho que ordenara a repetição 
 de todos os actos de julgamento.
 
                                  Segundo o despacho ora reclamado, o preceituado 
 no n.º 2 do artigo 654.º do Código de Processo Civil (CPC) – do seguinte teor: 
 
 “Se durante a discussão e julgamento falecer ou se impossibilitar 
 permanentemente algum dos juízes, repetir‑se‑ão os actos já praticados; sendo 
 temporária a impossibilidade, interromper‑se‑á a audiência pelo tempo 
 indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem, de preferência, a 
 repetição dos actos já praticados, o que será decidido sem recurso, mas em 
 despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência ou 
 
 à nova audiência” – apenas declara irrecorrível o despacho que ordena a 
 repetição de actos do julgamento, mas já não o despacho que decida arguição de 
 nulidade desse despacho, sendo este segundo despacho recorrível nos termos 
 gerais (artigos 678.º e 679.º do CPC). Assim, é inadmissível recurso directo 
 para o Tribunal Constitucional do despacho de indeferimento de arguição de 
 nulidade, por dele caber recurso ordinário, cujo prazo de interposição ainda não 
 havia decorrido.
 
                                  A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
 
  
 
                  “I – ANTECEDENTES DO DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DO RECURSO.
 
                  1. Os presentes autos constituem uma acção cujo objecto nuclear 
 
 é a impugnação de despedimento colectivo dos ex‑trabalhadores da B.. e pedido de 
 integração na sua casa mãe, a C., SA, com base na transferência de 
 estabelecimento.
 
                  2. A acção é um processo urgente – nos termos dos dispositivos 
 legais processuais aplicáveis do Código de Processo do Trabalho – embora não 
 pareça, decorridos que são 13 anos e 2 meses desde a sua distribuição no 
 Tribunal de Trabalho, iniciada em 1993.
 
                  3. Na acção, iniciou‑se a audiência de julgamento em 21 de 
 Junho de 1999, tendo sido ouvidos, em variadíssimas sessões:
 
                  (i) Depoimento de parte da C.;
 
                  (ii) Depoimento de parte dos legais representantes da Comissão 
 Liquidatária da B.;
 
                  (iii) 27 testemunhas – algumas comuns aos diversos autores na 
 acção.
 
                  4. As diversas sessões de julgamento em que foi produzida esta 
 prova, foram integralmente gravadas, encontrando‑se as respectivas cassetes 
 juntas aos autos.
 
                  5. Ao longo destes anos todos em que o processo urgente tem 
 decorrido, passaram pelo Juízo do Tribunal de Trabalho diversos Juízes.
 
                  6. Por despacho de fls. 3374 verso – produzido em 13 de 
 Fevereiro de 2006 –, a Senhora Juiz actualmente titular do 2.º Juízo, 1.ª 
 Secção, do Tribunal por onde correm os autos, [decidiu], com invocação expressa 
 do artigo 654.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, aplicável em processo de trabalho 
 subsidiariamente, que as sessões de audiência de julgamento em que foi ouvida 
 toda a prova acima apontada são anuladas e que todos os actos de julgamento já 
 realizados devem ser repetidos.
 
                  7. Este despacho foi notificado às partes em 15 de Fevereiro de 
 
 2006 – data do registo postal – portanto, considerando‑se estas notificadas no 
 dia 20 de Fevereiro de 2006 – pois o terceiro dia após o do registo foi a um 
 sábado.
 
                  8. Nesse despacho, a Senhora Juiz invoca, basicamente – e não 
 obstante a circunstância de que o julgamento está integralmente gravado – como 
 razões para tal decisão o tempo decorrido, o facto de a Senhora Juiz que iniciou 
 o julgamento já não se lembrar de prova tão longínqua e de a mesma ter sido 
 transferida.
 
                  9. Deste despacho, os ora reclamantes arguíram a nulidade da 
 repetição do julgamento, com os fundamentos que constam do requerimento de fls. 
 
 3828.
 
                  10. Com efeito, o artigo 654.º, n.º 2, determina expressamente 
 que do despacho que decida a repetição dos actos já praticados em julgamento, 
 não cabe recurso.
 
                  11. Tal circunstância não obsta, no entanto, a que as partes 
 façam valer os seus direitos e posição processual pela via de arguição de 
 nulidade, se acaso – como acontece – tal decisão puder configurar uma nulidade 
 processual.
 
                  12. No essencial, as razões porque os ora reclamantes entendem 
 ter havido aí uma nulidade processual tem a ver com o sentido e alcance do 
 artigo 654.º do CPC e da aplicação que do mesmo foi feita, em que sobressai o 
 seguinte:
 
                  (i) A fattispecie da norma que admite a repetição do julgamento 
 não comporta situações em que a prova produzida tenha a extensão que mostra a 
 dos presentes autos – depoimentos de parte e 27 testemunhas inquiridas;
 
                  (ii) A prova encontra‑se toda gravada;
 
                  (iii) O preceito impõe que uma decisão de repetição de todos os 
 actos de julgamento assente numa ponderação em que o bom senso jurídico e 
 interesses processuais das partes devam ser garantidos e salvaguardados no 
 quadro dos princípios que regem a lei de processo, maxime o direito à prova, o 
 direito à justiça e à celeridade processual, em obediência à tutela 
 jurisdicional efectiva – tudo, direitos com actual consagração constitucional e 
 vertidos na lei de processo – artigos 20.º da CRP e 2.º do CPC.
 
                  (iv) Daí que, de acordo com a jurisprudência e a doutrina que 
 ao assunto já dedicaram algumas palavras sábias, apenas se tem admitido a 
 repetição de actos de julgamento que, pela sua pequena importância, v. g. ter 
 sido ouvida apenas uma ou duas testemunhas, não justifiquem a chamada do Juiz 
 que iniciou o julgamento, para assegurar o princípio da plenitude da 
 assistência dos juízes.
 
                  13. A juntar a estes argumentos de índole jurídico‑processual, 
 um outro sobreleva e que torna incompreensível a enormidade jurídica pretendida 
 pela Senhora Juiz actual titular do presente processo, a saber: após ter esta 
 decidido que, pelo número elevado de intervenientes no processo, seria 
 necessário reservar‑se uma sala de audiência com capacidade para o efeito, 
 inicialmente escolheu a do Tribunal de Sintra.
 
                  14. Imagine-se que os ora reclamantes vieram a constatar que a 
 actual titular do Tribunal de Trabalho de Sintra é, precisamente, a Senhora Juiz 
 que iniciou o julgamento deste processo e que procedeu, portanto, à audição de 
 toda a prova acima descrita.
 
                  15. Isto foi invocado na arguição de nulidade, em reforço do 
 argumento que nem seria necessário a Senhora Juiz a quem incumbe, por todas as 
 razões e mais uma, assegurar o respeito pelo princípio da plenitude da 
 assistência dos juízes deslocar‑se: já lá estava no Tribunal de Sintra 
 inicialmente escolhido.
 
                  16. Outras circunstâncias sobrelevam no caso, que impõem a 
 conclusão no sentido da nulidade arguida e que aí foi expressamente suscitada:
 
                  – Por força do facto de ter sido suscitado no processo um 
 incidente de intervenção de todos os ex‑trabalhadores da B.– aliás, determinada 
 a final pelo Supremo Tribunal de Justiça em recurso jurisdicional – a grande 
 maioria das testemunhas dos autores deixaram de o ser, por terem passado a ter o 
 estatuto processual de parte.
 
                  17. A verdade é que, de acordo com a jurisprudência corrente, 
 em situações em que tenha havido depoimento testemunhal de pessoa que mais 
 tarde vem a ser interveniente no processo, o respectivo depoimento mantém‑se 
 como válido e deve ser levado em conta da ponderação da prova pelo tribunal.
 
                  18. Para além de o despacho da Senhora Juiz traduzir em si a 
 apontada nulidade processual, pelas razões sumariamente acima descritas e melhor 
 desenvolvidas no local próprio – no requerimento de fls. 3828 –, o mesmo tem um 
 efeito que nos deixa a todos perplexos e que apresenta alguns contornos de 
 negação de justiça injustificável no plano do direito constitucional e 
 processual, que só pode ter na sua base uma inconstitucionalidade do artigo 
 
 654.º do CPC, onde se entenda poder ser alargado a repetições de julgamento 
 gravado e com extensa prova fundamental que dificilmente, pelo decurso do tempo 
 entretanto decorrido, poderá ser repetida, e que lese gravemente os direitos 
 processuais das partes.
 
                  19. Isso mesmo foi expressamente invocado no requerimento de 
 arguição de nulidades, em que foi suscitada a inconstitucionalidade, por 
 violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e da celeridade 
 processual – artigo 20.º, n.º 5, da CRP.
 
                  20. De acordo com a lei processual aplicável a este Alto 
 Tribunal, os ora reclamantes asseguraram o seu direito de recurso em toda a 
 linha – inclusive na sua tempestividade.
 
                  21. E isto mesmo se passa a mostrar, por relação com o absurdo 
 dos argumentos invocados pela Senhora Juiz para não permitir a subida do 
 recurso interposto. 
 
                  Com efeito, Excelentíssimos Senhores Conselheiros
 
  
 
                  II – O OBJECTO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO.
 
                  22. O despacho que determinou a repetição do julgamento foi 
 notificado, como se disse, em 20 de Fevereiro de 2006.
 
                  23. A arguição de nulidade foi tempestivamente apresentada em 2 
 de Março de 2006.
 
                  24. Contra o despacho que determinou a repetição do julgamento, 
 alguns autores na acção – que não os ora reclamantes, mas que para o caso é 
 indiferente – pediram aclaração e reforma do mesmo.
 
                  25. O despacho que decidiu a arguição de nulidade e outras 
 coisas, nomeadamente o pedido de reforma e aclaração, foi notificado às partes 
 por ofício com data de registo de 5 de Abril de 2006, sendo a notificação, 
 portanto, eficaz, a partir de 11 de Abril, já que o terceiro dia contado do 
 registo foi, também aqui, a um sábado.
 
                  26. O recurso foi interposto para este Alto Tribunal no dia 20 
 de Abril de 2006, portanto, tempestivamente.
 
                  27. Pretende a Senhora Juiz que desse despacho caberia recurso 
 jurisdicional ordinário – o que é mais um dos absurdos em que se incorre.
 
                  28. Com efeito, o artigo 654.º, n.º 2, do CPC expressamente 
 determina que o despacho a ordenar a repetição dos actos de julgamento é 
 irrecorrível.
 
                  29. Se o acto primário é irrecorrível, também o será o acto 
 secundário – no caso, o despacho sobre arguição de nulidade – pois caso 
 contrário ser‑se‑ia forçado a concluir que o legislador – de forma destituída de 
 qualquer lógica jurídica – estaria a dizer que no primeiro caso não haveria 
 recurso, mas poderiam sempre utilizar uma rábula processual para interporem 
 recurso por uma via indirecta – o recurso do acto secundário.
 
                  30. O objecto da arguição de nulidade neste caso é sempre e 
 apenas o despacho relativamente ao qual a lei de processo diz que é 
 irrecorrível.
 
                  31. Daí – e quanto mais não seja num quadro de princípio pro 
 actione – o argumento de que da decisão sobre a arguição de nulidade, cujo único 
 objecto imediato é a decisão irrecorrível, seria recorrível e não foi impugnado, 
 
 é absolutamente destituído de sentido.
 
                  32. Por isso mesmo, os ora reclamantes seguiram o caminho sério 
 
 – desde logo na arguição de nulidade – de questionarem a inconstitucionalidade 
 de uma norma de processo, cujo alcance é o de pôr em causa o direito à justiça, 
 
 à tutela jurisdicional efectiva e à celeridade processual.
 
                  33. Se o sentido desse artigo 654.º do CPC é o de permitir que 
 alguém neste País possa ver anulado – num processo, para mais, urgente – um 
 julgamento com audição de 27 testemunhas e depoimentos de parte gravados e que 
 possa deixar de ter testemunhas pelas razões acima apontadas, então é um direito 
 seu, à luz do princípio do Estado de Direito Democrático, ver discutido na 
 instância competente qual o (des)valor constitucional de tamanha enormidade da 
 segunda normação. 
 
                  34. O argumento da Senhora Juiz no sentido de que caberia 
 recurso – contra o que dispõe o artigo 654.º, n.º 2, do CPC – do despacho que 
 indeferiu a arguição de nulidade, ainda que pudesse ter algum suporte teórico – 
 que não tem, pois é destituído de um mínimo de sentido – jamais poderia levar a 
 que, por força de uma disciplina que o legislador pretendeu ao excluir o direito 
 de recurso ordinário, os cidadãos não pudessem exercer os seus direitos, numa 
 quadro de princípio pro actione, em sede de constitucionalidade.
 
                  35. É que se esse entendimento tivesse algum suporte, os 
 direitos das partes seriam clara e seriamente lesados por força da uma 
 imperfeição normativa que levaria a que seria excluído o direito de recurso da 
 decisão primária, mas não o da decisão secundária – entenda‑se, da que tenha 
 como objecto aqueloutra, o que o mesmo é dizer, afinal aquela não é 
 irrecorrível, só não o é agora, mas mais tarde poderá ser.
 
                  36. Bom, nada do despacho que nega o direito de recurso para 
 este Alto Tribunal faz sentido, e a verdade é que os ora reclamantes têm direito 
 a ver o seu recurso ponderado e decidido e a Senhora Juiz não tem o direito de o 
 negar.
 
                  37. Tendo o recurso para este Alto Tribunal efeito suspensivo, 
 com regime de subida nos próprios autos nos termos conjugados dos artigos 70.º, 
 n.ºs 2 e 5 – aqui a contrario sensu – e 78.º da Lei n.º 28/82, à presente 
 reclamação deverá ser atribuído o mesmo efeito, embora com subida imediata em 
 separado.
 
                  38. Aliás, se assim não for, os direitos e interesses das 
 partes nesta acção saem, mais uma vez, gravemente lesados, pois apenas teria 
 como efeito útil o prolongamento no tempo de um processo que, sendo urgente, 
 corre há mais de 13 anos.
 
                  Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências 
 que desde já se invoca, requer-se seja determinada a subida do recurso e remessa 
 urgente dos autos que o devem acompanhar e ao mesmo seja atribuído o regime de 
 subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo.”
 
  
 
                                  O representante do Ministério Público neste 
 Tribunal emitiu o seguinte parecer:
 
  
 
                  “Os recorrentes identificam expressamente, como decisão 
 recorrida, a proferida a fls. 3887, que indeferiu a arguição de nulidade por 
 eles deduzida quanto ao despacho que determinou a repetição dos actos de 
 instrução, já praticados no decurso da audiência de julgamento, há muito 
 suspensa.
 
                  Sucede, porém, que em tal decisão o juiz a quo não aplicou a 
 norma cuja inconstitucionalidade se pretende controverter: a constante do n.º 2 
 do artigo 654.º do CPC; na verdade, em tal decisão limitou‑se o Tribunal a 
 considerar que a matéria controvertida extravasava manifestamente o plano das 
 nulidades processuais, rejeitando‑a consequentemente nos termos do preceituado 
 no artigo 201.º do CPC, ao entender que a invocação de «nulidade» não é 
 instrumento processual adequado para controverter o mérito de um precedente 
 despacho irrecorrível.
 
                  Mesmo que se considerasse que os recorrentes pretendiam antes 
 impugnar o despacho que determinou a renovação da prova, não se verificam 
 identicamente os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto, já que 
 se não mostra suscitada, no momento próprio (o da apresentação do requerimento 
 que consta de fls. 65 destes autos) qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa: cumpria, na verdade, aos recorrentes, no momento em que peticionaram 
 o prosseguimento do julgamento com o juiz que o havia iniciado (e bem sabendo 
 que a decisão que viesse a ser proferida sobre tal requerimento era 
 irrecorrível), confrontar o Tribunal com a questão de constitucionalidade que só 
 tardiamente equacionaram.”
 
  
 
                                  Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                  2. Recorde‑se que os ora reclamantes haviam 
 requerido a continuação do julgamento com a mesma Juíza que o havia iniciado e 
 que entretanto fora transferida para outra comarca, sem que, no respectivo 
 requerimento, houvessem suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa (cf. fls. 65 a 67 destes autos).
 
                                  Tal pretensão foi indeferida por despacho de 
 fls. 3775 verso do processo principal (fls. 69 destes autos), que, verificando 
 que “o julgamento se iniciou com produção de prova e foi interrompido por 
 despacho de 17 de Setembro de 1999, assim se mantendo até agora”, considerou que 
 
 “apesar de se ter já procedido a inquirição de número significativo de 
 testemunhas, além do depoimento de parte, atento o tempo decorrido – mais de 
 seis anos – e o facto de a magistrada que iniciou o julgamento ter sido 
 transferida, sendo evidente que a mesma não se lembrará de prova tão longínqua”, 
 entendeu ser “preferível a repetição dos actos já praticados, ao abrigo do 
 disposto no artigo 654.º, n.ºs 2 e 3, do CPC”.
 
                                  A arguição de nulidade deste despacho deduzida 
 pelos ora reclamantes tem o seguinte teor:
 
  
 
 “1. Como consta dos autos, neste processo iniciou‑se a audiência de julgamento – 
 em 21 de Junho de 1999, com várias sessões – tendo‑se procedido aos seguintes 
 actos probatórios:
 
 – Depoimentos de parte dos legais representantes da C. e da Comissão 
 Liquidatária da B.;
 
 – Inquirição de 27 testemunhas, algumas comuns aos diversos autores na acção.
 
 2. As testemunhas ouvidas são absolutamente fundamentais à verdade material 
 discutida na acção, presentemente virada para o problema da transferência do 
 estabelecimento e cômputo dos danos sofridos pelos autores, na medida que a 
 ilicitude do despedimento foi já decidida no douto saneador‑sentença de fls. …, 
 aliás, já transitado nessa parte.
 
 3. A maioria das testemunhas arroladas pelos autores são ex‑trabalhadores da B., 
 que, por força da intervenção principal, passaram a deter a qualidade de 
 intervenientes principais no processo.
 
 4. Uma vez que no momento em que prestaram o seu depoimento ainda não detinham 
 essa qualidade, o seu depoimento é válido [Vd. Acórdãos do Tribunal da Relação 
 do Porto, de 28 de Maio de 2001, proc. 0150515, e de 10 de Fevereiro de 2003, 
 proc. 0252781, in Base de dados do MJ, www.dgsi.pt]]. Porém, a serem repetidos 
 todos os actos de julgamento já praticados, ficarão inibidos de depor como 
 testemunhas.
 
 5. O início da audiência e a consequente audição dos depoentes teve lugar há 
 praticamente sete anos, porém, toda a prova foi gravada.
 
 6. De acordo com o princípio da plenitude da assistência dos Juízes – consagrado 
 no artigo 654.º do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPT – a audiência 
 de julgamento já iniciada deverá ter continuidade sob a condução da Meritíssima 
 Juiz que a iniciou.
 
 7. Por outro lado, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da 
 celeridade processual, consagrado no artigo 20.º, n.º 5, da CRP e no artigo 2.º 
 do CPC, aplicável subsidiariamente, nada justifica que o julgamento neste 
 processo possa reiniciar‑se.
 
 8. Aliás, por força do n.º 3 do citado artigo 654.º do CPC, mesmo tendo a 
 Meritíssima Juiz que iniciou o julgamento sido transferida, deve a sua 
 continuidade ser por ela assegurada.
 
 9. Isto, para mais tendo a Meritíssima Juiz sido transferida para o Tribunal de 
 Trabalho de Sintra, de acordo com as informações de que os autores dispõem – 
 precisamente na Comarca onde V. Ex.a pretende, por razões de espaço, que o 
 julgamento tenha lugar.
 
 10. Em qualquer caso, o número elevado e a importância das testemunhas que já 
 depuseram na audiência de julgamento impõem que neste caso o mesmo não deva ser 
 reiniciado – como tem entendido a nossa doutrina processualista mais 
 autorizada, como pode ver‑se em Lebre de Freitas [In Código de Processo Civil 
 Anotado, vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 634] e como, igualmente, tem 
 seguido a jurisprudência do STJ, como pode ver‑se no Acórdão de 21 de Abril de 
 
 1999, lavrado no processo n.º 304/99 [Publicado na Colectânea de Jurisprudência 
 
 – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, tomo II, pp. 184‑185. Embora 
 esta espécie jurisprudencial verse questão de natureza criminal, não 
 descaracteriza o princípio e a sua aplicação ao processo cível ou laboral].
 
 11. Ou seja, por estas razões, está‑se fora, precisamente, daquelas situações 
 que o Conselheiro Rodrigues Bastos refere, nas suas Notas ao Código de Processo 
 Civil [Vol. III, Lisboa, 1972, p. 220], como se tratando de actos de pequena 
 importância que não justificam a exigência de intervenção do Juiz deslocado.
 
 12. Por outro lado, nem há aqui quaisquer obstáculos relacionados com a 
 intervenção principal ocorrida nos autos, na medida em que – como é sabido – os 
 intervenientes assumem essa posição no processo, aceitando‑o no estado em que o 
 mesmo se encontrava à data das respectivas intervenções, por força do artigo 
 
 322.º, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo de trabalho.
 
 13. A repetição de todos os actos de julgamento implicaria que os autores 
 veriam vedado o direito à prova já produzida, na medida em que praticamente 
 todas as testemunhas são agora partes – o que em si configura omissão de 
 pronúncia na vertente do direito à prova.
 
 14. Por outro lado, o argumento de que a Meritíssima Juiz que iniciou o 
 julgamento não se lembraria da prova é absolutamente inadmissível e infundado, 
 tanto mais quanto a prova está gravada.
 
 15. Em face do acima invocado, o douto despacho de fls. … é nulo, nos termos do 
 artigo 201.º do CPC, uma vez que se trata da prática de um acto que a lei não 
 admite e o douto despacho ao determinar o reinicio do julgamento constitui uma 
 clara ofensa directa aos acima apontados princípios constitucionais e legais 
 processuais, que impõem o mecanismo da tutela jurisdicional efectiva e da 
 celeridade processual, isto, sem qualquer justificação plausível – nos quadros 
 do que se prevê no artigo 654.º, n.º 2, do CPC – tanto mais quanto a Meritíssima 
 Juiz que o iniciou se encontra actualmente em Sintra.
 TERMOS EM QUE:
 Requer a V. Exa. se digne decidir a nulidade processual acima suscitada, sendo 
 declarada a nulidade do douto despacho de fls. …, nos termos do artigo 201.º do 
 CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT, além de que o douto 
 despacho impugnado é inconstitucional por violação do princípio da tutela 
 jurisdicional efectiva e da celeridade processual, consagrado no artigo 20.º, 
 n.º 5, da CRP.”
 
  
 
                                  Tal arguição foi indeferida pelo despacho de 4 
 de Abril de 2006, porquanto: (i) só existindo nulidade processual quando se 
 pratique algum acto que a lei proíbe ou se deixe de praticar algum 
 acto/formalidade que a lei prescreva (artigo 201.º do CPC), não se vê que o 
 despacho em causa não seja permitido por lei, antes estando expressamente nela 
 previsto (artigo 654.º, n.º 2, do CPC); (ii) a repetição dos actos de julgamento 
 foi devidamente fundamentada, não se resumindo ao “argumento redutor de 
 dificuldade amnésica”, antes se baseando na inexistência de concentração e 
 continuidade na apreciação da prova, interrompida há mais de seis anos, não 
 sendo a existência de gravação da prova (que tem sobretudo por finalidade 
 assegurar à parte o direito de recorrer da decisão da matéria de facto) capaz de 
 assegurar satisfatoriamente os benefícios trazidos pela oralidade e 
 concentração; e (iii) o que os reclamantes pretendem é manifestar a sua 
 discordância quanto ao mérito do despacho, o que é diferente da arguição de 
 nulidade processual e lhes está vedado pela via por eles utilizada.
 
                                  Foi deste despacho de 4 de Abril de 2006 que os 
 ora reclamantes intentaram interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pretendendo ver apreciada a 
 
 “inconstitucionalidade suscitada na arguição de nulidade deduzida pelos 
 recorrentes, relativa ao artigo 654.º do CPC, na parte em que daí resulta, tal 
 como aplicado pelo douto despacho de fls. 3887 e verso, ofensa directa dos 
 princípios e normas constitucionais relativos à tutela jurisdicional efectiva e 
 celeridade processual, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da 
 Constituição da República Portuguesa”.
 
                                  O recurso assim interposto é inadmissível a 
 vários títulos, independentemente da correcção do fundamento do despacho ora 
 reclamado.
 
                                  Na verdade, como é sabido, da norma da segunda 
 parte do n.º 4 do artigo 77.º da LTC – que dispõe que a decisão do Tribunal 
 Constitucional que revogue o despacho de não admissão de recurso de 
 constitucionalidade faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso – 
 resulta que este Tribunal, no julgamento deste tipo de reclamações, não está 
 limitado à apreciação do concreto fundamento invocado no despacho reclamado 
 para não conhecer do recurso.
 
                                  Ora, no presente caso, a inadmissibilidade do 
 recurso de constitucionalidade resulta desde logo, claramente, da circunstância 
 de os reclamantes não terem suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade 
 normativa, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, em termos de este ficar obrigado a dela conhecer.
 
                                  Como é patente, na peça processual identificada 
 pelos requerentes como sendo aquela onde a questão de inconstitucionalidade 
 teria sido suscitada (a arguição de nulidade, acima transcrita), eles não 
 suscitam nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa (isto é: não imputam 
 a nenhuma norma de direito ordinário ou a uma interpretação normativa desse 
 direito assumida como critério de decisão pelo tribunal qualquer violação de 
 princípios ou normas constitucionais), antes se limitam a assacar à própria 
 decisão judicial em causa, em si mesma considerada, inseparável das 
 especificidades do caso concreto, a sua nulidade por desrespeito das normas de 
 direito ordinário e do princípio da tutela jurisdicional efectiva e da 
 celeridade processual consagrado no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição da 
 República Portuguesa, o que, manifestamente, não constitui modo adequado de 
 suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa.
 
                                  Consequentemente, a decisão de que se pretendeu 
 interpor recurso de constitucionalidade não apreciou – nem tinha de apreciar – 
 qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Aliás, como se demonstra 
 no parecer do Ministério Público, o despacho que indeferiu a arguição de 
 nulidade não se fundou, como ratio decidendi, na norma do artigo 654.º, n.º 2, 
 do CPC ou em qualquer interpretação desse preceito, mas antes no entendimento, 
 estribado no artigo 201.º do mesmo Código, de que nenhuma nulidade processual 
 havia sido cometida, utilizando os recorrentes esse incidente para manifestar a 
 sua discordância quanto ao mérito da decisão de repetição de actos de 
 julgamento, o que era processualmente inadmissível.
 
                                  A isto acresce que nem sequer no requerimento 
 de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, os ora reclamantes 
 lograram identificar, com o mínimo de precisão, a interpretação normativa, 
 dotada de generalidade e abstracção, cuja conformidade constitucional 
 pretendiam ver apreciada. Ora, quando o recorrente questiona a conformidade 
 constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa 
 interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o 
 uso de fórmulas como “na interpretação dada pela decisão recorrida” ou 
 similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que 
 
 (utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) “ao suscitar‑se a questão de 
 inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte 
 dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido 
 
 (essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso 
 de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua 
 decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os 
 operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido 
 com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a 
 Constituição.”
 
                                  Não tendo os reclamantes suscitado, perante o 
 tribunal recorrido, de forma adequada, uma questão de inconstitucionalidade 
 normativa, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da LTC surge como inadmissível.
 
  
 
                                  3. Em face do exposto, decide‑se, embora por 
 fundamento diverso do do despacho reclamado, indeferir a presente reclamação.
 
                                  Custas pelos reclamantes, fixando‑se a taxa de 
 justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 12 de Julho de 2006.
 Mário José de Araújo Torres 
 Paulo Mota Pinto
 Rui Manuel Moura Ramos