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Processo n.º 612/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Vítor Gomes
 
  
 
  
 
    Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
 
 
 
  
 
                   1. A. reclama, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º, da Lei n.º 
 
 28/82, de 15 de Novembro, do despacho de 13 de Abril de 2007, do Vice‑Presidente 
 do Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu recurso para o Tribunal 
 Constitucional do despacho que indeferiu reclamação por não recebimento de 
 recurso de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Este acórdão rejeitara 
 recurso de despacho do tribunal de 1ª instância mediante o qual não foram 
 consideradas válidas as desistências da queixa e do pedido cível, num processo 
 em que o reclamante foi condenado por crime de burla, previsto e punido pelo n.º 
 
 1 do artigo 217.º do Código Penal.
 
  
 
                   O reclamante alega que suscitou, no requerimento da reclamação 
 prevista no artigo 405.º do Código de Processo Penal, de modo processualmente 
 adequado, a questão de inconstitucionalidade dos artigos 400.º e 427.º do Código 
 de Processo Penal.
 
  
 
                   O Exmo. Magistrado do Ministério Público sustenta que a 
 reclamação deve ser indeferida, pelas razões que constam do despacho reclamado.
 
  
 
  
 
 2. São as seguintes as ocorrências processuais relevantes para decisão da 
 presente reclamação:
 
  
 a)        No Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido o seguinte despacho:
 
  
 
 “O arguido, A., foi oportunamente condenado nestes autos, por crime de burla, 
 p.p., pelo art.217, n°1, do C.P., na forma continuada, na pena de.210 dias de 
 multa, condenação transitada em julgado. 
 Após esse trânsito foi proferido despacho, em 5Maio06, não julgando válidas as 
 desistências da queixa e do pedido civil, apresentadas depois da decisão em 1ª 
 instância, de que foi interposto recurso, apreciado por acórdão deste Tribunal 
 da Relação, de l0Out.06, com os esclarecimentos de l2Dez.06. 
 Pretende o arguido, agora, recorrer dessa decisão da Relação, para o Supremo 
 Tribunal de Justiça. 
 A lei processual penal, admite o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos 
 casos previstos no art.432, do CPP. 
 De entre as várias alíneas desse preceito legal, a única susceptível de ser 
 aplicável ao caso em apreço é a b, com base na qual recorre-se para o S.T.J. “de 
 decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos 
 termos do art.400”. 
 A decisão que o arguido pretende impugnar foi proferida pela relação em recurso. 
 
 
 Contudo, tratando-se de decisão proferida em processo por crime a que não é 
 aplicável pena superior a cinco anos de prisão, é irrecorrível nos termos da 
 al.e, do n°1, do art.400, do CPP. 
 Alega o recorrente que, tratando-se de decisão pós sentença, não é aplicável o 
 citado art.400. mas sim o princípio geral do art.399, do CPP. 
 No entanto, se não era admissível recurso na hipótese de estar em causa 
 sentença, por maioria de razão não será de admitir em caso de mero despacho. A 
 regra é que nos processos da competência do tribunal singular, como é o caso 
 destes autos, não há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não existindo 
 qualquer razão para que fosse admissível recurso do acórdão desta Relação que 
 apreciou despacho pós sentença, quando não seria admissível se tivesse apreciado 
 a própria sentença. 
 O princípio geral do art.399, não prejudica o conteúdo do art.432, ambos do CPP, 
 que prevê as hipóteses em que é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de 
 Justiça, não cabendo o caso em apreço em qualquer das alíneas daquele art.432. 
 Pelo exposto, não admito o recurso interposto.”
 
  
 
  
 b)        O recorrente deduziu reclamação, ao abrigo do artigo 405.º do Código 
 de Processo Penal, argumentando nos seguintes termos:
 
  
 
 “(…)
 
 1. Foi condenado por ter cobrado honorários a arguido de que foi defensor 
 oficioso, pagos pela mãe. 
 
 2. Em julgamento foi a própria ofendida quem disse que nunca se sentiu nem foi 
 enganada, tendo sido essa apenas a disposição do Tribunal Criminal que condenou 
 o filho e obstou à outrance a uma interposição de recurso protagonizada pelo 
 defensor, contra quem foi induzida. 
 
 3. Não admira pois que a ofendida, no limite dos limites, tivesse desistido do 
 procedimento criminal, neste caso de crime semi-público e depois da sentença, 
 por se julgar livre das pressões para manter a lide. 
 
 4. Não obstante, tanto a 1 instância como a relação consideraram, num 
 prolongamento do absurdo, que a desistência já não era válida, por razão de já 
 ter sido publicada a sentença. 
 
 5. E foram surdos ao argumento de por publicação a lei processual penal só 
 entender a publicação na imprensa nunca se referindo à leitura ou ao depósito 
 como publicação ou equivalente linguístico que seja. 
 
 6. Vem agora o Excelentíssimo Relator do Acórdão da Relação negar o recebimento 
 do recurso da decisão consonante da 2ª Instancia para o STJ, defendendo que se 
 não é admitido recurso da sentença, neste caso, também não o será de despacho 
 posterior. 
 
 7. Acontece é que a lei não veda o recurso de despacho posterior à sentença para 
 o STJ: nem se lhe refere. 
 
 8. Ora, o Direito ao recurso é um Direito fundamental que só pode ser comprimido 
 nos termos do Art. 18°, n°3 da CRP. 
 
 9 Quando muito poderá ser qualificado como um direito análogo aos direitos e 
 liberdades fundamentais, mas com o mesmo regime, visto o Art. 17º da CRP. 
 
 10. E o que resulta como módulo de interpretação jurídica baseada no Artº 18º, 
 n.º 3 da CRP, é naturalmente a proibição da analogia ou da interpretação 
 extensiva.
 
 11. No mínimo, impõe a tipicidade das excepções aos Direitos e Liberdades, como 
 são por exemplo as normas penais ou fiscais. 
 
 12. Como queríamos demonstrar, nenhuma norma no processo penal restringe 
 expressamente, como já aludimos acima, o recurso para o STJ dos despachos 
 posteriores à sentença. 
 
 13. A interpretação do Excelentíssimo Relator não e assim admissível e viola o 
 já referido Artº 18º, n.º 3 da CRP, que é preceito de aplicação directa, por 
 força do n.º 1.
 
 14. Por conseguinte, o recurso é admissível e deve ser admitido.
 
  
 c)         Essa reclamação foi indeferida, por despacho do Vice-Presidente do 
 Supremo Tribunal de Justiça, do seguinte teor:
 
  
 
 “(…)
 II. Cumpre apreciar e decidir. 
 No caso em apreço, está em causa um acórdão da Relação que rejeitou o recurso 
 interposto pelo arguido do despacho da 1ª instância que considerara inválida e 
 irrelevante a desistência da queixa e indeferira a homologação da desistência do 
 pedido de indemnização. 
 O sistema de recursos em processo penal está organizado de modo a que parece não 
 haver lugar na sua estruturação lógica a recursos para o S.T.J. de arestos das 
 Relações sobre decisões do tribunal singular. 
 Tendo em conta o disposto nas alíneas c), d), e), e f) do n.° 1 do art. 400.º do 
 CPP, o acórdão questionado é insusceptível de recurso para este Supremo Tribunal 
 por tal só ser possível, em termos de equilíbrio do sistema, depois do objecto 
 do processo se encontrar definido, desde que estejam em causa decisões finais, 
 não idênticas nas duas instâncias, proferidas em processos por crimes que 
 assumam particular gravidade. Aqui tem aplicação o disposto no art. 427.º, 2 
 parte, do CPP, ou seja, da decisão da 1ª instância apenas cabia recurso para a 
 Relação. 
 Acresce que o acórdão em crise foi proferido sobre recurso vindo da 1ª instância 
 em processo por crime a que é aplicável pena de multa ou de prisão não superior 
 a cinco anos, (crime de burla, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1, do CP, na forma 
 continuada) não sendo assim admissível o recurso para este Supremo Tribunal, nos 
 termos do art. 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP. 
 E a não admissão do recurso não viola o art. 18.º, n.º 3, da CRP, porquanto a 
 interpretação normativa encontrada não restringe qualquer direito, liberdade ou 
 garantia, tendo em conta o disposto no art. 32.º, n.º 1, da lei fundamental, 
 onde se encontra reconhecido o duplo grau de jurisdição, sempre que estejam em 
 causa as garantias de defesa. E no caso dos autos, como vimos, intervieram tanto 
 a 1ª como a 2ª instância. 
 III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação. 
 
  
 d)        O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, dizendo pretender “ … 
 impugnar a constitucionalidade da norma do artº 400 do C.P.P., na interpretação 
 que as instâncias lhe deram por estar em contrariedade com o artº 18º, nº 3, da 
 CRP questão que foi proposta à entidade recorrida na peça em que foi suscitada a 
 providência recusada, mas também nas alegações que a precedem”. 
 
  
 e)         O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu despacho de 
 
 13 de Abril de 2002, de não admissão do recurso, do seguinte teor:
 
  
 
 “Face ao disposto no n.º 2 do art. 72º da LTC, o recurso previsto na alínea b) 
 do n.º 1 do art. 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja 
 suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado 
 perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar 
 obrigado a dela conhecer”. 
 Ora, o recorrente na reclamação apresentada não identificou nenhuma norma como 
 sendo inconstitucional. 
 No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421 /2001 – DR, II Série de 14.11.2001 
 entendeu-se” … que uma questão de constitucionalidade normativa só se pode 
 considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente 
 identifica a norma que considera inconstitucional, indica o principio ou a norma 
 constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que 
 sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma 
 questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a 
 afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem 
 indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a 
 inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo”. 
 Segundo estes ensinamentos, não se considera suscitada na reclamação qualquer 
 questão de inconstitucionalidade. 
 Como também a jurisprudência constitucional tem acentuado, é momento inidóneo 
 para levantar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição 
 de recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o 
 tribunal a quo já não poder emitir juízos de inconstitucionalidade. 
 Pelo exposto, não se admite o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. 
 
 
 
  
 
  
 
                   3. Importa começar por recordar que, no sistema português de 
 fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal 
 Constitucional se restringe  ao controlo da inconstitucionalidade normativa, 
 ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas 
 jurídicas (ou a interpretações normativas, hipótese em que o recorrente deve 
 indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa 
 inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas 
 directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. E que apenas 
 pode recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do 
 artigo 70.º da LTC, quem haja suscitado a questão de constitucionalidade de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC). 
 Assim, uma questão de constitucionalidade só pode considerar-se suscitada de 
 modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma a que 
 imputa a inconstitucionalidade, indica o princípio ou a norma constitucional que 
 considera infringidos e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da 
 inconstitucionalidade arguida. Não se considera suscitada uma questão de 
 constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar que uma 
 dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse 
 vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto 
 administrativo.
 
                   Foi este o entendimento enunciado pelo despacho reclamado, que 
 encontra respaldo em abundantíssima jurisprudência do Tribunal e que o 
 reclamante, aliás, não contesta. O que discute é a sua aplicação ao caso, 
 sustentando que não é exigível a referenciação da norma pelo “número exacto do 
 artigo” e que, face ao requerimento da reclamação ninguém duvidará de que foi 
 arguida a inconstitucionalidade dos artigos 400.º e 427.º do Código de Processo 
 Penal.
 Mas sem razão.
 
                   No requerimento da reclamação a que se refere o artigo 405.º 
 do Código de Processo Penal, o reclamante limitou-se a sustentar que a lei não 
 veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de despacho posterior à 
 sentença e que a interpretação do relator que decidira o contrário “não é assim 
 admissível e viola o referido artigo 18.º, n.º 3 da CRP, que é preceito de 
 aplicação directa, por força do n.º1”. 
 Não referenciando com o mínimo de precisão qualquer norma jurídica 
 infra‑constitucional e invocando a aplicabilidade directa da norma 
 constitucional, o que esta passagem revela é que o recorrente prescindiu de 
 discutir a constitucionalidade das normas de que o despacho então reclamado se 
 servira e entendeu dever o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ser 
 admitido por virtude da força jurídica dos preceitos constitucionais 
 respeitantes aos direitos, liberdades e garantias ou direitos fundamentais 
 análogos, em que inclui o direito ao recurso. Questionou a constitucionalidade 
 da decisão que não admitira o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não 
 propôs que fosse desaplicada uma norma determinada com fundamento em 
 inconstitucionalidade.
 
  
 
  
 
 4. Acresce que, nunca poderia prosperar a pretensão de ampliar o objecto do 
 recurso, face ao indicado no requerimento de interposição, fazendo nele abranger 
 a norma do artigo 427.º do Código de Processo Penal, a que não é feita qualquer 
 referência naquele requerimento. Ora, é essa intervenção processual que fixa a 
 extensão máxima do objecto do recurso, que pode posteriormente ser restringido, 
 mas não ampliado (cf. n.º 3 do artigo 684.º do Código de Processo Civil),
 
  
 
  
 
 5. Decisão
 
  
 Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o reclamante nas 
 custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
 Lisboa, 18 de Junho de 2007
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão