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Processo nº 268/07
 
 2ª Secção
 Relator: Conselheiro João Cura Mariano
 
  
 
  
 
             Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 Relatório
 No âmbito do processo n.º 11121/01.2 TDPRT, a 2.ª Vara Criminal do Porto 
 proferiu acórdão condenatório, nos termos do qual os arguidos A. e B. foram 
 condenados individualmente, como autores materiais de um único crime de denúncia 
 caluniosa consumado, p. e p. pelo art. 365.º do Código Penal, na pena de 180 
 dias de multa à taxa diária de € 100,00, perfazendo o montante total de € 
 
 18.000,00, tendo ainda sido condenados a, solidariamente, pagar ao 
 assistente/demandante civil C. a quantia de € 35.000,00, acrescida de juros de 
 mora à taxa legal desde a data de notificação do pedido de indemnização civil, 
 até integral pagamento. 
 
  
 Foram interpostos recursos da referida decisão pelos arguidos e pelo demandante 
 civil, pugnando os arguidos, por um lado, pela respectiva absolvição, e o 
 demandante civil, por seu turno, pela condenação dos arguidos numa indemnização 
 de montante mais elevado.
 
  
 O Tribunal da Relação do Porto viria a julgar os recursos interpostos pelos 
 arguidos procedentes, revogando assim a decisão recorrida e absolvendo estes da 
 prática do crime pelo qual tinham sido previamente condenados em primeira 
 instância e do pedido civil, e o recurso interposto pelo demandante civil 
 improcedente.
 
  
 Para tanto, o Tribunal da Relação do Porto fundamentou a decisão, relativa ao 
 recurso interposto pelos arguidos, na parte que ora nos interessa, da seguinte 
 forma:
 
 “(...) 
 Posto isto, pensamos que a matéria de facto extraída da transcrição, conjugada 
 com a prova constante dos autos, nos permite reapreciar a prova que esteve 
 presente ao tribunal “a quo” sendo nosso convencimento de que estamos 
 precisamente situados numa linha de fronteira que divide a dúvida da certeza. 
 
 …
 Relativamente ao caso concreto, pensamos que com as transcrições das gravações 
 da prova produzida em audiência, podemos formar uma convicção diferente daquela 
 a que chegou o tribunal “a quo”, embora com o domínio do princípio da imediação 
 inerente ao desenvolvimento do julgamento em 1ª Instância. Explicando melhor: 
 este tribunal de 2ª Instância não vai à procura de uma nova convicção; o que se 
 pretende é saber se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte 
 razoável naquilo que a gravação da prova, com os demais elementos existentes nos 
 autos, permite fazer valer. E perante os elementos constantes do processo, 
 principalmente através das provas gravadas, o Tribunal da Relação pode abalar a 
 convicção acolhida pelo tribunal de 1ª Instância caso se verifique que a decisão 
 sobre a matéria de facto não tem fundamento nos elementos de prova constantes do 
 processo. 
 Pensamos, e salvo melhor opinião, que no caso sub judice é preciso recentrar o 
 problema, o qual passa pela aplicação do princípio “in dubio pro reo”, que é um 
 princípio de prova que vigora em geral, ou seja, quando a lei através de uma 
 presunção não estabelece o contrário. 
 
 …
 Perante o estado de dúvida a que nos temos vindo a referir, não podem deixar de 
 considerar-se como não provados todos os factos dados como provados e que se 
 relacionam com os elementos constitutivos do crime, designadamente com o dolo, 
 os quais passam, obviamente, para a matéria de facto dada como não provada.
 Posto isto, é forçoso obedecer ao princípio “in dubio pro reo” o que 
 necessariamente conduz à absolvição dos arguidos. 
 Sendo, como são, absolvidos os arguidos do crime imputado por força de tal 
 princípio a que nos temos vindo a referir, o serão, necessariamente, também do 
 pedido civil formulado pelo assistente, já que o mesmo se baseava na prática de 
 um crime que afinal não conduziu à condenação penal dos recorrentes. 
 
 (...)”.
 
  
 O Assistente apresentou então requerimento de esclarecimento nos seguintes 
 termos:
 
 “(...)
 Não se conhecendo discriminada e taxativamente os factos que o tribunal 
 considera como provados e como não provados, torna-se impossível aquilatar do 
 acerto – ou desacerto – da decisão. 
 Em conclusão, deverá (...) discriminar-se taxativamente, UM A UM, os factos que, 
 tendo sido dados como provados pela primeira instância, devem agora 
 considerar-se como não provados.
 
 (...)”. 
 
                                                                 
 O Tribunal da Relação do Porto indeferiu essa pretensão do Assistente pela 
 seguinte forma:
 
 “(...)
 Quanto à questão da discriminação taxativa dos factos dados como provados que 
 devem agora considerar-se como não provados: Esta questão encontra-se, 
 obviamente, decidida no acórdão e, como se sabe, prende-se com a problemática do 
 dolo. E quanto a este, o acórdão é esclarecedor quando refere que a denúncia 
 daqueles factos efectuada pelos arguidos às referidas entidades, foi no sentido 
 de “denúncia para clarificação”, porquanto os arguidos tinham dúvidas sobre os 
 factos; e, assente que está esse estado de dúvida, tudo o que está relacionado 
 com o elemento subjectivo do crime foi considerado como não provado, 
 remetendo-se o assistente, nesta vertente, com a devida vénia, para todo o 
 acórdão recorrido. Daí que não haja agora necessidade de proceder, também, a uma 
 discriminação dos factos provados e não provados porque o que está em causa é o 
 elemento subjectivo da infracção e nada mais. 
 
 (...)”.
 
                                                                                  
 
                                     
 O Assistente viria ainda a arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação 
 do Porto nos seguintes termos, tendo ainda suscitado as questões de 
 inconstitucionalidade colocadas neste recurso:
 
 “(...)
 Não se conhecendo discriminada e taxativamente os factos que o tribunal 
 considera como provados e como não provados, torna-se impossível aquilatar do 
 acerto – ou desacerto – da decisão. Obviamente.
 Sendo assim, como é, o acórdão em crise encontra-se ferido de nulidade, vício 
 esse que aqui expressamente se argui para todos os efeitos legais.
 
 (...)
 
  
 O Tribunal da Relação do Porto conheceu do referido requerimento nos seguintes 
 termos:
 
 “(...)
 Na sua, aliás, douta, exposição, o assistente C. continua a desenvolver um 
 raciocínio discordante do aresto desta Relação constante de fls. 2917 a 3076; e 
 dizemos continua, porquanto, a primeira parte da exposição relaciona-se com o já 
 decidido pelo acórdão a fls. 3100 a 3103 e que agora esta Relação não pode 
 novamente voltar a apreciar. No que concerne à problemática das 
 inconstitucionalidades, resta dizer que, e porque são questões novas colocadas 
 pelo assistente, a fase processual presente já não as comporta. Daí que, e sem 
 necessidade de mais considerações, se decida indeferir liminarmente o formulado 
 pelo assistente a fls. 3141.
 
 (...)”.
 
                                                                 
 O Assistente interpôs então recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do nº 1, do 
 artº 70º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal 
 Constitucional (LTC), suscitando a inconstitucionalidade das seguintes “normas”:
 
 “a) Artigos 374.º e 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando 
 interpretados no sentido de que é desnecessária a enumeração dos factos 
 provados e dos não provados, ainda que o próprio Tribunal da Relação tenha 
 alterado a matéria de facto dada como provada e como não provada pela primeira 
 instância; 
 aa) Esta interpretação que o Tribunal da Relação do Porto fez das ditas normas 
 legais briga frontalmente com o disposto no artigo 205.º, nº 1, da Constituição 
 da República Portuguesa, e viola frontalmente os seguintes preceitos e 
 princípios da nossa Lei Fundamental: 
 O art. 2.º da C.R.P., que consagra o princípio fundamental do Estado de Direito, 
 a que estão inerentes as ideias de jurisdicidade, constitucionalidade e direitos 
 fundamentais, concretizado nos seguintes subprincípios: 
 
 - no subprincípio do Estado constitucional ou da constitucionalidade, consagrado 
 no art. 3.º, n.º 3 da C.R.P., segundo o qual, e para além do mais, a validade 
 das leis e demais actos do Estado depende da sua conformidade com a 
 Constituição; 
 
 - no subprincípio da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, 
 consagrado nos arts. 20.º e 205.º e ss. da C.R.P., segundo o qual, e para além 
 do mais, a todos é garantido o acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos 
 seus direitos e interesses legítimos, incumbindo aos Tribunais, na administração 
 da justiça, a defesa desses mesmos direitos e interesses legalmente protegidos; 
 
 - no subprincípio da prevalência da lei segundo o qual a lei deliberada e 
 aprovada pelo Parlamento tem superioridade e preferência relativamente a actos 
 da administração que está proibida de praticar actos contrários à lei; 
 
 - no subprincípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos que 
 significa que o cidadão tem o direito de poder confiar que às decisões públicas 
 relativas aos seus direitos serão aplicadas as normas legais vigentes e os 
 respectivos efeitos; 
 e, 
 
 - no subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo 
 procedimento, aflorado em diversos preceitos da C.R.P. e segundo o qual a todos 
 
 é garantido um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de 
 realização do direito. 
 b) Artigos 127.º, 363.º e 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando 
 interpretados no sentido que foi usado pela Relação do Porto nos acórdãos em 
 crise, ou seja, no sentido de que, apesar de o tribunal de recurso não dispor 
 dos mesmos elementos de prova de que pôde dispor a primeira instância – por 
 haver depoimentos, agora, imperceptíveis –, ainda assim pode o mesmo tribunal de 
 recurso sentir-se habilitado a aplicar o princípio constitucional da presunção 
 de inocência e o seu subprincípio «in dubio pro reo», decidindo que os agora 
 incompletos elementos probatórios disponíveis são suficientes para instalar no 
 espírito do julgador uma dúvida razoável que imponha a conclusão da inocência 
 dos arguidos e, em consequência, a respectiva absolvição; 
 bb) Esta interpretação que o Tribunal da Relação do Porto fez das ditas normas 
 legais briga frontalmente com o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição 
 da República Portuguesa, e viola frontalmente o princípio constitucional da 
 presunção de inocência e o seu subprincípio «in dubio pro reo».
 
 (...)”.
 
                                                                                  
 
  
 O Recorrente apresentou alegações, culminando as mesmas com a formulação das 
 seguintes conclusões:
 
 “(...)
 
 1 - Recorre-se dos acórdãos da Relação do Porto proferidos nestes autos, em 
 
 15.03.2006 e em 25.10.2006;
 
 2 - A questão da inconstitucionalidade foi suscitada após a prolação dos 
 acórdãos da Relação de que aqui se recorre;
 
 3 - Tal ficou a dever-se ao facto de o recorrente ter sido «surpreendido com uma 
 interpretação normativa insólita e inesperada, com a qual, razoavelmente, não 
 poderia contar»;       
 
 4 - Na verdade, não era minimamente expectável que o Tribunal da Relação, 
 modificando a matéria de facto dada por assente na primeira instância, não 
 discriminasse os factos que passavam a considerar-se como provados e os que 
 passavam a entender-se como não provados;
 
 5 - Assim como não era, em absoluto, expectável que o mesmo Tribunal aplicasse o 
 princípio da presunção da inocência e o seu subprincípio «in dubio pro reo» em 
 momento em que já não dispunha dos mesmos meios de prova de que a Primeira 
 Instância pôde dispor (as fitas magnéticas que serviram para gravar os 
 depoimentos prestados em julgamento, em grande parte, mostram-se 
 imperceptíveis, como decorre de dezenas de páginas da respectiva transcrição e 
 da audição das próprias fitas);
 DIMENSÃO NORMATIVA IMPUTADA AOS ARTIGOS 374.º E 425.º, N.º 4, DO CÓDIGO DE 
 PROCESSO PENAL:               
 
 6 - Da conjugação das normas dos artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a) e 
 
 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, legais infere-se, com toda a clareza, 
 que o Tribunal da Relação do Porto estava obrigado a PROCEDER À NOVA ENUMERAÇÃO 
 DOS FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS; pela simples razão de que revogou a 
 ENUMERAÇÃO que a primeira instância havia efectuado;
 
 7 - Está, pois, em causa a conformidade constitucional da norma extraída dos 
 artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea. a), e 425.º, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal, quando interpretada no sentido de que é desnecessária a 
 enumeração dos factos provados e dos não provados, ainda que o Tribunal da 
 Relação tenha alterado a matéria de facto dada como provada e como não provada 
 pela Primeira Instância;
 
 8 - A dimensão normativa em causa é confrontada com o dever constitucional de 
 fundamentação das decisões judiciais, constante do artigo 205.º, n.º 1, da 
 Constituição;
 
 9 - Desse dever de fundamentação das decisões judiciais decorre que, nas 
 decisões sobre matéria de facto, é obrigatória a enumeração dos factos provados 
 e não provados;
 
 10 - Quando se fala em «fundamentação» das decisões judiciais, a exigência 
 primeira que temos que fazer – e que o legislador ordinário faz no artigo 374.º, 
 n.º 2, do Código de Processo Penal – é a da enumeração dos factos provados e 
 não provados;
 
 11 - Sem essa enumeração factual, positiva e negativa, de nada nos adiantará 
 saber que provas serviram para formar a convicção do tribunal;
 
 12 - A enumeração dos factos provados e não provados é condição «sine qua non» 
 para uma efectiva e correcta fundamentação das decisões judiciais;
 
 13 - Sem essa enumeração dos factos provados e não provados não pode falar-se em 
 fundamentação de decisão judicial;
 
 14 - O acórdão recorrido (de 15.03.2007; e o seu complemento, de 21.06.2006, que 
 decidiu a aclaração suscitada pelo recorrente), ao consignar que «Daí que não 
 haja agora necessidade de proceder, também, a uma discriminação dos factos 
 provados e não provados porque o que está em causa é o elemento subjectivo da 
 infracção e nada mais”, obrigará a exercícios mais ou menos complexos de 
 
 «adivinhação» desses mesmos factos;
 
 15 - E «adivinhação», nesta matéria, é algo absolutamente intolerável num 
 qualquer Estado de Direito Democrático – vejam-se a propósito os doutos acórdãos 
 deste Tribunal Constitucional n.º 27/ 2007, n.º 61/2006 (disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt):
 
 16 - Hoje está estabelecida, com dignidade constitucional, a regra geral do 
 dever de fundamentação de todas as decisões judiciais, como foi salientado por 
 este Tribunal, no douto Acórdão n.º 680/98 publicado no mesmo local;
 
 17 - Evidentemente que o acórdão em crise (o de 15.03.2006) tinha que ter 
 procedido à enumeração dos factos provados e dos não provados; e evidentemente 
 que, assim não tendo sucedido, deveria depois ter sido aclarado nessa parte. E 
 não o foi;
 
 18 - É assim claro que, se a Relação resolve alterar a matéria de facto provada 
 e não provada, terá que discriminar quais os factos que afinal, e 
 diferentemente, entende como provados e não provados;
 
 19 - Por se tratar de matéria fundamental para a análise e compreensão da 
 decisão;
 
 20 - Não se conhecendo discriminada e taxativamente os factos que o tribunal 
 considera como provados e como não provados, torna-se impossível aquilatar do 
 acerto - ou desacerto – da decisão;
 
 21 - É, pois, flagrante a violação da Constituição da República Portuguesa, já 
 que as normas atrás aludidas – artigos 374.º, n.º 2 e 425.º, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal – na interpretação que delas faz o Tribunal da Relação do Porto 
 
 (no sentido de que é desnecessária a enumeração dos factos provados e dos não 
 provados, ainda que o Tribunal da Relação tenha alterado a matéria de facto dada 
 como provada e como não provada pela primeira instância), brigam frontalmente 
 com aquele artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 
 violam frontalmente os seguintes preceitos e princípios da nossa Lei 
 Fundamental:
 O art. 2.º da C.R.P., que consagra o princípio fundamental do Estado de Direito, 
 a que estão inerentes as ideias de jurisdicidade, constitucionalidade e direitos 
 fundamentais, concretizado nos seguintes subprincípios:
 no subprincípio do Estado constitucional ou da constitucionalidade, consagrado 
 no art. 3.º, n.º 3 da C.R.P.,
 no subprincípio da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, consagrado 
 nos arts. 20.º e 205.º e ss. da C.R.P.,
 no subprincípio da prevalência da lei, 
 no subprincípio da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos; 
 no subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo 
 procedimento;
 
 22 - Deve, assim, declarar-se a INCONSTITUCIONALIDADE das normas supra 
 mencionadas, na interpretação que a Relação do Porto delas fez;
 DIMENSÃO NORMATIVA IMPUTADA AOS ARTIGOS 127.º, 363.º E 412.º, N.º 4, DO CÓDIGO 
 DE PROCESSO PENAL:
 
 23 - O Tribunal da Relação do Porto decidiu alterar a matéria de facto dada como 
 provada e como não provada na primeira instância em termos que, como acima 
 dissemos, se desconhecem, mas com fundamento exclusivo no denominado princípio 
 
 «in dubio pro reo»;
 
 24 - Acontece, porém, que aquela Relação alcançou o dito «estado de dúvida» com 
 base em depoimentos prestados em audiência na Primeira Instância, cuja 
 transcrição consta dos autos, e de onde resulta haver variadíssimos depoimentos 
 ditos expressamente de IMPERCEPTÍVEIS; 
 
 25 - O princípio «in dubio pro reo», obviamente, não pode funcionar nestes 
 casos, uma vez que o tribunal de recurso não teve, nem pode ter acesso a todos 
 os elementos de prova de que a Primeira Instância pôde dispor;
 
 26 - E nesta medida, é também óbvio que a Relação estava impedida de afirmar o 
 princípio «in dubio pro reo», fazendo funcionar, como fez, o princípio 
 constitucional da presunção de inocência dos arguidos;
 
 27 - A Relação aplicou o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, 
 segundo o qual «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre 
 convicção da entidade competente.» E concluiu pela inocência dos arguidos em 
 virtude das dúvidas a que diz ter chegado; segundo as regras da experiência e a 
 sua livre convicção. Aplicando assim o princípio da presunção de inocência 
 previsto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
 
 28 - E aplicou ainda as regras consignadas nos artigos 363.º e 412.º, n.º 4, do 
 Código de Processo Penal, que mandam proceder à documentação da prova e à 
 transcrição das gravações respectivas, usando essa documentação e transcrição. 
 E, também aqui, a Relação fez aplicação do princípio constitucional da presunção 
 de inocência dos arguidos, depois de analisar essa documentação da prova e 
 respectiva transcrição.
 
 29 - Apenas, a aplicação desse princípio constitucional da presunção de 
 inocência – artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – foi 
 efectuada pela Relação sem a totalidade dos elementos probatórios de que dispôs 
 a primeira instância em audiência de julgamento.
 
 30 - Ou seja, a Relação aplicou estas normas do Código de Processo Penal – 
 artigos 127.º, 363.º e 412.º, n.º 4 – de forma absolutamente inconstitucional, 
 já que as interpretou no sentido de que, apesar de não se dispôr da totalidade 
 da prova de que dispôs a primeira instância em julgamento, ainda assim era 
 possível formar outra convicção diferente da Primeira Instância e aplicar, na 
 Relação, o princípio constitucional da presunção da inocência dos arguidos;
 
 31 - A Relação estriba-se na norma do artigo 127.º do Código de Processo Penal 
 e, ao falar nas gravações e na transcrição da prova em audiência de julgamento, 
 estriba-se igualmente nas normas dos artigos 363.º e 412.º, n.º 4, do mesmo 
 diploma legal. Ou seja, são normas que, no caso concreto, constituíram a «ratio 
 decidendi» do acórdão;
 
 32 - E estas normas foram aplicadas pela Relação do Porto no sentido de que, 
 apesar de o tribunal de recurso não dispor dos mesmos elementos de prova de que 
 pôde dispor a Primeira Instância – por haver depoimentos, agora, imperceptíveis 
 
 –, ainda assim, pode o mesmo tribunal de recurso sentir-se habilitado a aplicar 
 o subprincípio constitucional «in dubio pro reo», decidindo que os agora 
 incompletos elementos probatórios disponíveis são suficientes para instalar no 
 espírito do julgador uma dúvida razoável que imponha a conclusão da inocência 
 dos arguidos e, em consequência, a respectiva absolvição;
 
 33 - É, assim, óbvio que são inconstitucionais – por violação do disposto no 
 artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e por violação do 
 princípio constitucional da presunção de inocência e do seu subprincípio «in 
 dubio pro reo» – as normas dos artigos 127.º, 363.º e 412.º, n.º 4, do Código de 
 Processo Penal, quando interpretadas no sentido que foi usado pela Relação do 
 Porto no acórdão em crise;
 
 34 - Deve, assim, declarar-se também a INCONSTITUCIONALIDADE das normas supra 
 mencionadas, na interpretação que a Relação do Porto delas fez.
 
 (...)”.
 
  
 O Ministério Público apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
 
 “1. Por carência de adequada suscitação, nos termos do artigo 72º, nº 2 da LTC, 
 não pode conhecer-se de dimensão interpretativa imputada aos artigos 127º, 363º 
 e 421º, nº 4 do Código de Processo Penal. 
 
 2. São inconstitucionais as normas dos artigos 374º, nº 2 e 425º, nº 4 do Código 
 de Processo Penal, quando interpretadas no sentido da desnecessidade de 
 enumeração, por parte do Tribunal de Relação, dos factos provados e não 
 provados, sendo alterada a matéria de facto dada como provada e não provada na 
 primeira instância, por violação do artigo 205º, nº 1 da Constituição. 
 
 3. Termos em que o presente recurso, deverá proceder parcialmente.” 
 
                                                                                  
 
  
 O recorrido B. apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
 
 “(...)
 I - Como a arguição de inconstitucionalidade pelo recorrente é posterior à 
 prolação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto e, consequentemente, ao 
 esgotamento do respectivo poder jurisdicional, não se verifica o pressuposto do 
 recurso de inconstitucionalidade previsto no art. 70º, nº 1, alínea b) da Lei do 
 Tribunal Constitucional, dado que tal inconstitucionalidade não foi arguida, 
 como deveria, durante o processo. 
 II - É, com efeito, insustentável a tese do recorrente, segundo a qual terá sido 
 surpreendido por “uma interpretação normativa insólita e inesperada, com o 
 carácter de decisão surpresa”, visto que, cabendo à Relação a cognição da 
 matéria de facto apreciada na 1.ª instância, segundo o princípio constitucional 
 e legal da dupla jurisdição, não pode considerar-se surpreendente uma decisão 
 absolutória, como consequência de diverso exame crítico das provas, efectuado 
 pelo tribunal de recurso. 
 III - Absolvição ou condenação são contingências possíveis das decisões 
 judiciais em matéria penal e estas não podem considerar-se, por essa razão, 
 surpreendentes. Melhor dizendo, o exercício, pelos tribunais de recurso, da 
 liberdade constitucional e legal na formação da sua convicção impede, de forma 
 radical e absoluta, se possam ter por surpreendentes as decisões proferidas à 
 luz de uma tal liberdade! 
 IV - Entender-se diversamente conduziria à situação, incompatível com o sistema 
 constitucional e legal dos recursos, de que revestiriam a natureza de decisões 
 surpresa, todas as proferidas em novas instâncias e que concluíssem por modo 
 diverso das decisões recorridas, modificando-as ou revogando-as. 
 V - Se, contudo, e como parece poder deduzir-se da especiosa argumentação 
 analógica aduzida pelo recorrente, a sua “surpresa” se reporta ao que denomina, 
 sem razão, falta de enumeração, na decisão, dos factos provados e não provados e 
 alegada indisponibilidade, por “imperceptibilidade”, de meios de prova 
 produzidos em primeira instância, então e sem conceder, haverá que concluir que 
 tal “surpresa”, caso existisse, se não reporta realmente à decisão em crise mas 
 antes à formação da convicção do tribunal recorrido, a qual, por imperativo 
 constitucional e legal, é necessariamente livre! 
 VI - Por outro lado, as normas legais, cuja inconstitucionalidade, em sede de 
 interpretação, o recorrente vem arguir, nada têm que ver com a utilização, pela 
 Relação, do princípio «in dubio pro reo», utilização que o mesmo recorrente 
 considera «surpreendente». Como, aliás, em nada também contendem com o sobredito 
 princípio os doutos acórdãos acima citados, em que o mesmo recorrente se apoia. 
 VII - Ao invés do pretendido pelo recorrente, a Relação não modificou “a matéria 
 de facto dada por assente na 1.ª instância”, tendo sim considerado existir 
 dúvida insanável sobre a verificação dos elementos constitutivos essenciais dos 
 crimes imputados aos arguidos, designadamente sobre a existência dos respectivos 
 elementos subjectivos (dolo). 
 VIII - Não é, pois, da “surpresa” que releva a argumentação do recorrente, no 
 sentido de pretender ver admitido o seu recurso contra a regra expressa do art. 
 
 70º, nº 1, alínea b) da LTC, senão que da discordância relativamente à decisão 
 recorrida, o que é outra coisa! 
 IX - Nem a proibição legal das denominadas decisões surpresa pode, por via 
 analógica, como parece pretender o recorrente, ser estendida aos fundamentos da 
 decisão e, designadamente, aos concretos modos de formação da convicção do 
 tribunal. 
 X - Um entendimento diverso, inapelavelmente conduziria, por um lado, a que toda 
 e qualquer decisão judicial pudesse ser tida por surpreendente e, por outro, a 
 que os tribunais, antes de proferir todas e cada uma das suas decisões, devessem 
 anunciar previamente o respectivo sentido. 
 XI - Na verdade, bem compreendeu o recorrente que a convicção da Relação se 
 reconduziu à falada dúvida insanável sobre a existência dos elementos 
 constitutivos essenciais dos crimes imputados aos arguidos, mormente sobre a 
 verificação do elemento subjectivo, elementos estes que decorrem directamente do 
 respectivo tipo legal, e que são, assim, facilmente identificáveis. 
 XII - E que a interposição do recurso não pode legitimamente fundar-se na 
 alegada falta de enumeração dos factos provados e não provados, sob o pretexto 
 de tal haver constituído uma surpresa para o recorrente. 
 XIII - Foi, com efeito, exclusivamente em razão da livre convicção de dúvida 
 irredutível da Relação que, na decisão recorrida, vieram a julgar-se não 
 provados os factos relativos aos elementos constitutivos essenciais dos crimes 
 imputados aos arguidos (designadamente, repita-se, os concernentes ao elemento 
 subjectivo ou dolo), isto é, aquela decisão não proveio de o tribunal recorrido 
 ter efectuado um exame crítico da prova produzida em 1.ª instância que o tivesse 
 conduzido a julgar, directamente, não provados aqueles factos, senão que os 
 julgou não provados por ter chegado a um juízo de dúvida insanável sobre a sua 
 existência. 
 XIV - Não se tratou, pois, de decisão surpresa nem de decisão que não enumerasse 
 os factos provados e não provados, sempre no enquadramento do princípio 
 constitucional; fosse como fosse, o recorrente jamais usou do seu direito de 
 processualmente suscitar a alegada imperceptibilidade das transcrições, 
 naturalmente porque não considerou a questão relevante. 
 XV - A formulação utilizada pela Relação para fundamentar o seu juízo de dúvida 
 insanável, perfeitamente inteligível como é, não pode ter-se por violadora do 
 princípio, ínsito no art. 205º, nº 1 da Constituição, da fundamentação das 
 decisões judiciais, “na forma prevista na lei”. 
 XVI - Aliás, nenhum dos doutos acórdãos a tal propósito citados e em parte 
 transcritos pelo recorrente, como atrás se referiu, se reporta a tal questão. 
 Versam diferentes problemáticas, que o recorrente pretende, por analogia, 
 estender ao caso dos autos, mas relativamente às quais se não verifica a mesma 
 
 «ratio decidendi», a «eadem ratio» que constitui o fundamento do argumento 
 analógico. 
 XVII - Com efeito, o que a regra constitucional previne e visa impedir, bem como 
 a lei ordinária, para que aquela remete, é a falta de fundamentação das decisões 
 judiciais, não tendo, naturalmente, aplicação nos casos, como o presente, em que 
 a fundamentação da decisão recorrida é bem clara e, como tal, perfeitamente 
 inteligível. 
 XVIII - Tão clara, com efeito, foi a decisão recorrida que expressamente 
 indicou, como estando no cerne da dúvida irredutível dos julgadores, a eventual 
 qualificação da exposição dirigida pelos arguidos às autoridades sanitárias 
 como «denúncia para clarificação», efectuada no cumprimento dos deveres 
 deontológicos dos mesmos arguidos e, até, no exercício de um direito 
 constitucional de livre expressão. 
 XIX - Não sofre, assim, dúvida que o recorrente compreendeu perfeitamente o 
 sentido e o alcance da fundamentação do acórdão recorrido, pretendendo, tão-só, 
 prolongar o decurso do processo, arrimando-se a um argumento de 
 inconstitucionalidade que manifestamente não procede. 
 XX - Não poderá deixar de sublinhar-se, a este propósito, a incongruência de, no 
 entender do recorrente, a Relação ter, em seu acórdão, feito aplicação do 
 princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, vertido no artigo 
 
 32º, nº 2 da Constituição, “de forma absolutamente inconstitucional”, ou, o que 
 redunda no mesmo, interpretando, com alegada violação daquele preceito 
 constitucional, as disposições contidas nos artigos 127º, 363º e 412º, nº 4 do 
 Código do Processo Penal. 
 XXI - O entendimento em que se funda o recorrente é, nesta parte, manifestamente 
 contraditório, enquanto busca demonstrar que uma decisão como a recorrida, que 
 teve por base a aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência 
 do arguido, viola, por via da interpretação de determinadas disposições da lei 
 ordinária, aquele mesmo princípio. 
 
                                                                                  
 
  
 Por seu turno, o recorrido A. apresentou igualmente contra-alegações, concluindo 
 da seguinte forma:
 
 “(...) 
 A) – Constando da douta decisão quais os pressupostos de facto, quando se diz 
 que: 
 
 - atento “o teor da transcrição”, é quanto a nós duvidosa, segundo juízos de 
 experiência, a conclusão a que chegara, em matéria de facto dada como provada, a 
 
 1ª instância (sic) –fls. 133 – 
 
 - deu como provados dados factos, que o tinham sido em 1ª instância;
 
 - deu como não provada matéria que o fora em 1ª instância e mais ainda “os 
 factos dados como provados, e que se relacionam com os elementos constitutivos 
 do crime, designadamente com o dolo”. 
 
  - e acrescentou o que figura a fls. 159 do douto acórdão, como na douta decisão 
 integradora do mesmo, estava “garantido o controlo da administração da 
 justiça... abertura do conhecimento da racionalidade e coerência argumentativa 
 dos juízes...permitindo às partes um recorte mais preciso e rigoroso dos vícios 
 das decisões judiciais recorridas” – Prof. G. Canotilho, in Direito 
 Constitucional, Teoria da Constituição, pág. 583 –, dando a para si “fiel 
 reconstituição dos factos que interessam ao exame e decisão da causa, obrigando 
 o julgador a traduzir, em termos objectivos e racionais as justificações da sua 
 preferência por uma das duas ou mais que duas versões que os intervenientes lhe 
 apresentam” – cfr. R.L.J., ano 130, pág. 11.
 Ao agir assim, mesmo que formalmente pudesse ter adoptado outra posição, 
 satisfez a função “endoprocessual ,,, como heteroprocessual que é a “ratio” da 
 exigência constitucional da fundamentação”. 
 Não se violou, pois, o artigo 205, nº 1 da C.Rep, nem nenhum dos subprincípios 
 enumerados na conclusão 21ª do douto recurso. 
 B) – Á jurisdição constitucional não cabe curar de saber se era essa ou outra a 
 fundamentação que ao caso cabia. 
 C) – Não é caso de equacionar a valoração da dimensão normativa dos artigos 32, 
 nº 2 da C.Rep. e/ou 127 do C.P.P., ou 363º e 412º, nº 3 e 4 do mesmo diploma, se 
 e quando se discorda que, naquele caso e com aquela matéria, se pudesse alterar 
 a matéria de facto face a um tal registo da prova; 
 C. 1. – Não o é igualmente se, após dizer que “a conclusão a que o tribunal “a 
 quo” chegou na 1ª instância dando como provados factos fundados em juízos de 
 experiência, é quanto a nós duvidosa, pois o teor da transcrição assim o aponta” 
 
 (sic) – fls. 133 –, pois que esta levara a que se criasse convicção diferente 
 daquela a que chegou o tribunal “a quo” (sic – com sublinhado nosso!) se decide 
 em sentido contrário ao da 1ª instância. 
 C.2. – Se depois desta afirmação, acabasse por manter a condenação do arguido 
 estava, então sim a violar uma presunção, na medida em que, quando esta existe é 
 ao acusador que incumbe fazer a prova do contrário dos factos cobertos pela 
 presunção, como decorre da lei civil. 
 A douta decisão não fez qualquer aplicação em contrário do princípio da 
 
 “presunção de inocência”, antes interpretou o artigo 127 do C.P.P, à luz das 
 regras do artigo 32, nº 2 da lei fundamental 
 C.3. – O que o recorrente doutamente suscita é a questão de saber se, naquele 
 caso e com aquela matéria, se poderia alterar a matéria de facto face a um tal 
 registo da prova. 
 
  Mas isso nada tem a ver com a dimensão normativa dos artigos 127, 363 e 412, 
 nºs 3 e 4 do C.P.P, face ao artigo 32, nº 2 da Const. Rep. 
 Termos em que deve ser julgado improcedente, “in totum” o douto recurso.
 
                     (...)”.
 
                                                                                  
 
  
 
                                                                                  
 
  *                                 
 Fundamentação
 O recorrente – assistente e demandante civil nos autos – pretende submeter à 
 apreciação do Tribunal Constitucional as seguintes normas ou, melhor dizendo, as 
 seguintes interpretações normativas:
 
 “a) as normas constantes dos artigos 374.º, nº 2, e 424., nº 5, do Código de 
 Processo Penal, quando interpretadas no sentido de ser desnecessária a 
 enumeração dos factos provados e não provados, quando em recurso é alterada a 
 matéria anteriormente dada como provada e não provada em primeira instância.
 b) as normas constantes dos artigos 127.º, 363.º e 412.º, nº 4, do Código de 
 Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que um tribunal de recurso 
 possa absolver um arguido, condenado em primeira instância, com base em dúvidas 
 conducentes à aplicação do princípio “in dubio pro reo”, independentemente do 
 grau de perceptibilidade de todos os meios de prova de que se servira a primeira 
 instância”.
 
  
 
 1. Do não conhecimento da questão de inconstitucionalidade enunciada na alínea 
 b)
 Nos termos do disposto no artigo 280.º, nº 1, alínea b), e no artigo 70.º, n.º 
 
 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões 
 dos tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada 
 durante o processo'.
 O recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do art. 70.º, da LTC, só pode ser 
 interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade 
 durante o processo, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer 
 
 (art. 72.º, nº 2, da LCT).
 A questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada antes de se mostrar 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre tal questão, na medida em 
 que o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe a existência de uma 
 decisão anterior desse tribunal sobre a questão de inconstitucionalidade que é 
 objecto do recurso.
 Uma vez que, em regra, o poder jurisdicional se esgota com a prolação da 
 sentença e que a eventual aplicação de norma inconstitucional não constitui erro 
 material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem a torna obscura ou 
 ambígua, há‑de entender‑se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou 
 a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados 
 para suscitar a questão de inconstitucionalidade.
 Só em casos muito particulares – em que o recorrente não tenha tido oportunidade 
 para suscitar tal questão antes de ser proferida a decisão recorrida, ou tendo 
 tido essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão 
 de inconstitucionalidade, ou em que, por força de preceito específico, o poder 
 jurisdicional não se tivesse esgotado com a prolação da decisão final – é que 
 será admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre esta questão 
 tenha havido uma anterior decisão do tribunal recorrido.
 Segundo a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, as partes do 
 processo têm o ónus de considerar as várias hipóteses de interpretação razoável 
 das normas que a solução do caso pode convocar, por forma a criarem, logo que 
 possível, as condições processuais que permitam a adequada interposição de 
 recurso para o Tribunal Constitucional. 
 No caso dos autos, o ora recorrente foi confrontado com os recursos interpostos 
 pelos arguidos relativamente à decisão que os tinha condenado pela prática de um 
 crime e teve a oportunidade de contra-alegar no âmbito desses recursos.
 O recorrente sabia da amplitude dos fundamentos do recurso, pelo que, 
 obrigatoriamente, conhecia a amplitude dos poderes de cognição do Tribunal da 
 Relação e a modificabilidade da decisão recorrida.
 O recorrente sabia que o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de 
 que pudesse conhecer a decisão recorrida (art. 410.º, nº 1, do C.P.P.), sabia 
 que as Relações conhecem de facto e de direito (art. 428.º, nº 1, do C.P.P.) e, 
 para além disso, sabia que a decisão do tribunal de primeira instância sobre 
 matéria de facto pode ser modificada, nomeadamente se, havendo documentação da 
 prova, esta tiver sido especificamente impugnada (art. 431.º, b), do C.P.P.).
 O recurso para o Tribunal da Relação, em matéria de facto, destina-se a 
 despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, que são expressamente 
 indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de 
 prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente 
 indicados (art. 412.º, nº 3, a) e b), do C.P.P.).
 Na economia dos recursos que tenham por objecto a própria matéria de facto não 
 pode, pois, o recorrente alegar qualquer surpresa quando o tribunal superior 
 decida apreciar determinada prova gravada, segundo as regras da experiência e da 
 livre convicção, tal como já o tinha feito o tribunal de julgamento em primeira 
 instância.
 Assim, tendo o recorrente acesso ao registo das gravações da prova produzida na 
 audiência de julgamento na primeira instância e sabendo dos poderes do Tribunal 
 da Relação em sede de alteração da decisão sobre a matéria de facto, a questão 
 da inconstitucionalidade da aludida interpretação normativa dos artigos 127.º, 
 
 363.º e 412.º, nº 4, do C.P.P., deveria ter sido suscitada perante o Tribunal da 
 Relação do Porto nas contra-alegações apresentadas, dando, assim, oportunidade a 
 esse Tribunal para apreciar tal questão.
 Não tendo a questão sido colocada ao Tribunal da Relação do Porto, nesse 
 momento, por antecipação, a sua colocação nos incidentes pós-decisórios que se 
 seguiram já não se pode considerar atempada.
 Não se mostrando satisfeito o requisito da suscitação atempada da questão de 
 inconstitucionalidade em causa perante o tribunal recorrido, não pode o Tribunal 
 Constitucional conhecer dessa questão.
 
  
 
  
 
 2. Da questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa dos artigos 
 
 374.º, nº 2, e 425.º, nº 4 do Código de Processo Penal de 1987
 Antes de se iniciar a abordagem desta questão, que versa sobre a temática da 
 fundamentação das decisões dos tribunais, em especial, sobre a fundamentação das 
 decisões proferidas em sede de recurso sobre matéria de facto, no âmbito do 
 processo penal, importa precisar a interpretação normativa que está implícita na 
 decisão recorrida.
 A propósito dos requisitos da sentença, o n.º 2, do art. 374.º, do C.P.P., 
 dispõe que “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos 
 factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível 
 completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam 
 a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a 
 convicção do tribunal”.
 E o artº 379º, do C.P.P., comina com a sanção da nulidade a sentença que não 
 contiver as menções referidas no citado artº 374º, nº 2, do C.P.P..
 Relativamente aos acórdãos proferidos em recurso, o n.º 4, do art. 425.º, do 
 mesmo diploma legal, prescreve que “é correspondentemente aplicável aos acórdãos 
 proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º”.
 O Tribunal da Relação do Porto fundamentou o respectivo acórdão, na parte que 
 importa para a decisão do presente recurso, da seguinte forma: 
 
 “(…) Perante o estado de dúvida a que nos temos vindo a referir, não podem 
 deixar de considerar-se como não provados todos os factos dados como provados e 
 que se relacionam com os elementos constitutivos do crime, designadamente com o 
 dolo, os quais passam, obviamente, para a matéria de facto dada como não provada 
 
 (…)”.  E após ter concluído, assim, a sua análise da correcção da decisão sobre 
 a matéria de facto na 1ª instância, não descriminou quais os factos que tinham 
 sido considerados provados e que agora eram julgados não provados.
 Requerida a aclaração do acórdão neste ponto, apesar da mesma ter sido 
 indeferida, o acórdão que sobre ela recaiu prestou o seguinte esclarecimento:
 
  “(…) tudo o que está relacionado com o elemento subjectivo do crime foi 
 considerado como não provado, remetendo-se o assistente, nesta vertente, com a 
 devida vénia, para todo o acórdão recorrido. Daí que não haja agora necessidade 
 de proceder, também, a uma discriminação dos factos provados e não provados 
 porque o que está em causa é o elemento subjectivo da infracção e nada mais 
 
 (…)”.
 Perante esta explicitação, deve precisar-se que a interpretação do disposto nos 
 artº 374º, nº 2, e 425º, nº 4, do C.P.P., efectuada pela decisão recorrida, é a 
 de que é desnecessária a discriminação dos factos provados e não provados em 
 acórdão, proferido em recurso, que altera a decisão sobre a matéria de facto, 
 quando se refere que todos os factos que tinham sido considerados provados na 1ª 
 instância, relacionados com o elemento subjectivo do crime, passam a integrar a 
 matéria de facto dada como não provada.
 Uma vez que esta questão de inconstitucionalidade, excepcionalmente, é causa de 
 nulidade da decisão judicial recorrida, não podia o recorrente tê-la suscitado 
 previamente, pelo que a sua colocação em incidente pós-decisório revela-se 
 atempada, não tendo influência no seu conhecimento pelo Tribunal Constitucional 
 a recusa do Tribunal recorrido em apreciá-la. 
 Naturalmente, o parâmetro constitucional à luz do qual há-de avaliar-se a 
 constitucionalidade da interpretação normativa questionada é o art. 205.º, nº 1, 
 da C.R.P., com a redacção vigente, cujo teor é o seguinte: 
 
 “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na 
 forma prevista na lei”.
 O dever de fundamentação além de constituir uma das fontes de legitimidade da 
 jurisdição em geral (vide, nesse sentido, CRUZ VILLALON, em “Legitimidade da 
 justiça constitucional e princípio da maioria”, em “Legitimidade e legitimação 
 da justiça constitucional (Colóquio no 10.º Aniversário do Tribunal 
 Constitucional)”, págs. 87-89, da ed. de 1995, da Coimbra Editora, e MASSIMO 
 LUCIANI, em “Giurisdizione e Legittimazione nello Stato Costituzionale di 
 Diritto (Ovvero: Di Un Aspetto Spesso Dimenticato del Rapporto fra Giurisdizione 
 e Democrazia), em “Politica del Diritto”, Ano XXIX, n.º 3 (1998), págs. 
 
 376-377), é “uma garantia judiciária fundamental do cidadão no Estado de Direito 
 Democrático” (PESSOA VAZ, em “Direito processual civil. Do antigo ao novo 
 código”, pág. 220, da ed. de 1998, da Almedina).
 Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 55/85 (pub. no B.M.J. 
 nº 360 (suplemento), pág. 195), citando Michele Taruffo (em “Notte sulla 
 garanzia costituzionale della motivazione”, estudo publicado no B.F.D.U.C., vol. 
 LV, e que impulsionou a introdução do dever de fundamentação no nosso texto 
 constitucional) “a fundamentação dos actos jurisdicionais em geral, cumpre duas 
 funções:
 a) uma, de ordem endoprocessual, afirmada em leis adjectivas, e que visa 
 essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da 
 lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito 
 conhecimento da situação e colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, 
 em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; 
 b) e outra, de ordem extraprocessual, que apenas ganha evidência com a 
 referência, a nível constitucional, ao dever de motivação e que procura acima de 
 tudo tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, 
 lógica e jurídica da decisão”.
 Na mesma linha, escreve Germano Marques da Silva, “a fundamentação dos actos 
 decisórios tem finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por 
 uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral  acerca 
 da sua correcção e justiça, por outra parte, mas ainda é um importante meio para 
 obrigar a autoridade decisória a ponderar os motivos de facto e de direito da 
 sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo” (em “Curso de Processo 
 Penal”, vol. II, pág. 19, da 2.ª Edição, da Verbo). Acrescenta o mesmo Autor que 
 
 “a eficácia do recurso depende substancialmente da fundamentação e da 
 possibilidade de comprovação pelo tribunal ad quem dos pressupostos da decisão. 
 Por isso que a decisão deve ser fundamentada, quer no que respeita à 
 reconstituição do facto quer às motivações de direito (...). Sentença sem 
 fundamentação é corpo sem alma” (em “Registo da prova em processo penal”, em 
 
 “Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues”, Volume 1, pág. 806-807, da ed. de 
 
 2002, da Coimbra Editora).
 Apesar da Constituição não determinar ela própria o alcance do dever de 
 fundamentar as decisões judiciais, remetendo para o legislador ordinário a 
 definição do respectivo âmbito, conforme escreveram Gomes Canotilho e Vital 
 Moreira, “a discricionariedade legislativa nesta matéria não é total, visto que 
 há-de entender-se que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do 
 próprio conceito de Estado de direito democrático (cfr. art. 2.º), ao menos 
 quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, 
 como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de 
 garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a 
 fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição 
 concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que 
 justificam a decisão” (in “Constituição da República Portuguesa anotada”, 2º 
 vol., pág. 798-799, da 3.ª Edição, da Coimbra Editora).
 Não são naturalmente, uniformes as exigências constitucionais de fundamentação, 
 relativamente a todo o tipo de decisões judiciais.
 Segundo Germano Marques da Silva, “é hoje entendimento generalizado que um 
 sistema de processo penal inspirado nos valores democráticos não se compadece 
 com decisões que hajam de impor-se apenas em razão da autoridade de quem as 
 profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. Por isso, todos os códigos 
 modernos exigem a fundamentação das decisões judiciais, quer em matéria de 
 facto, quer em matéria de direito” (em “Curso de Processo Penal”, vol. III, pág. 
 
 288, da ed. de 1994, da Verbo).
 
 É possível apreender, pois, um especial dever de fundamentação quando estão em 
 causa decisões finais em matéria penal, pelo grau de repercussão que podem ter 
 na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas.
 Daí que, de acordo com a nossa lei processual, as sentenças penais, enquanto 
 actos decisórios que conhecem a final do objecto do processo, são sempre 
 fundamentadas, devendo especificar os motivos de facto e de direito da decisão 
 
 (art. 97.º, nº 1, a), e nº 4, do C.P.P.), e que, a propósito dos requisitos da 
 sentença, o n.º 2, do art. 374.º, do C.P.P., disponha que “ao relatório segue-se 
 a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, 
 bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos 
 motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame 
 crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
 Podem-se destrinçar neste último normativo dois níveis de exigência do 
 legislador ordinário no que respeita à fundamentação das decisões judiciais 
 penais no plano do julgamento da matéria de facto.
 Em primeira linha, a lei ordinária exige que o juiz da jurisdição penal enumere 
 os factos que julga provados e não provados.
 Mas isto não é suficiente.
 Para além disso, e ainda antes da operação de subsunção dos factos ao direito, o 
 juiz está ainda obrigado a explicitar o exame crítico das provas que serviram 
 para formar a convicção do tribunal.
 
  Dir-se-á, no estádio actual da concepção do dever de fundamentação das decisões 
 judiciais penais em matéria de facto, que as duas operações acabadas de referir 
 são indissociáveis. Logicamente, a falta de enumeração dos factos provados e não 
 provados compromete seriamente e retira qualquer valor à mera operação de 
 indicação e exame crítico das provas.
 O Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se debruçar várias vezes 
 sobre a questão da fundamentação das decisões judiciais em matéria penal.
 Relativamente à fundamentação das decisões proferidas em primeira instância, o 
 Tribunal Constitucional não foi confrontado com a singela questão da falta de 
 enumeração dos factos provados e não provados (1.ª parte, do n.º 2, do art. 
 
 374.º, do C.P.P.). A lei adjectiva é suficientemente clara e não deixa qualquer 
 margem para interpretações divergentes sobre esta exigência de fundamentação, 
 relativamente às decisões proferidas em primeira instância.
 Neste âmbito, os problemas suscitados perante a jurisdição constitucional 
 passaram antes pela aferição do alcance da exigência da indicação e exame 
 crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (parte 
 final, do n.º 2, do art. 374.º, do C.P.P.), como sucedeu nos acórdãos nº 680/98 
 
 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 41º vol., pág. 451), 636/99 (no 
 site www.tribunalconstitucional.pt), 258/01 (pub. em “Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional”, 50º vol., pág. 491), 487/04 (no site 
 
 www.tribunalconstitucional.pt) e 27/2007 (pub. no D.R., II Série, de 23-2-07).
 Uma conclusão é segura após a leitura da fundamentação destas decisões, 
 independentemente do seu resultado. Se a lei processual penal ordinária não 
 contivesse a exigência de enumeração dos factos provados e não provados em 
 matéria de fundamentação das decisões de primeira instância, ou se essa 
 exigência fosse afastada por uma qualquer interpretação normativa, a justiça 
 constitucional não deixaria de considerar a norma ou a interpretação normativa 
 em questão afectada pelo vício da inconstitucionalidade. 
 Na verdade, sendo o apuramento dos factos provados e não provados o resultado 
 visado pelo exame crítico da prova produzida, se a enunciação desta é 
 considerada elemento imprescindível, por exigência constitucional, da motivação 
 da sentença penal, por maioria de razão o resultado desse exame também não pode 
 deixar de aí constar, através da enumeração dos factos provados e não provados.
 Todavia, o caso dos autos respeita a uma decisão proferida pelo Tribunal da 
 Relação, em recurso.
 Apesar de serem aqui aplicáveis os mesmos princípios que justificam a 
 obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais, as decisões dos tribunais 
 superiores, proferidas em recurso, apresentam algumas especificidades que 
 merecem um tratamento diferenciado, desde logo por parte da própria lei 
 ordinária.
 Assim, nos acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que 
 confirmem decisão de primeira instância, os quais não admitem recurso (art. 
 
 400.º, d), do C.P.P.), de acordo com o disposto no n.º 5, do art. 425.º, C.P.P., 
 desde que não exista qualquer declaração de voto, podem limitar-se a negar 
 provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.
 Esta solução legal radica inequivocamente em razões de economia processual e não 
 suscita qualquer desvalor de inconstitucionalidade no plano do dever de 
 fundamentação e da segurança jurídica. 
 O Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 281/2005 (pub. em “Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional”, 62º vol., pág. 505) considerou “não padecerem de 
 inconstitucionalidade as normas dos artigos 97.º, nº 4, 379., nº 1., a), 425.º, 
 nº 4, 374., nº 2 e 379.º, nº 1, a), do C.P.P., interpretadas no sentido de que, 
 havendo lugar a uma total confirmação do anteriormente decidido, a fundamentação 
 da decisão em matéria de facto, proferida em acórdão de recurso que confirmou a 
 decisão de pronúncia, se basta com a remissão para a prova indicada na decisão 
 recorrida, não sendo exigível à decisão a proferir que explicite, 
 especificadamente, os fundamentos dessa adesão – autonomizando, em texto 
 próprio, a enumeração dessa prova, a especificação dos motivos de facto que 
 fundamentam a decisão e a análise da mesma -, mas tão-só que se indiquem as 
 razões pelas quais valida a conclusão fáctica e jurídica em apreço”.
 Ainda que esta última situação respeite à fase de instrução e à confirmação 
 integral da decisão instrutória de pronúncia pelo tribunal de recurso, a ratio 
 decidendi da referida jurisprudência constitucional é a mesma que inspirou a 
 solução normativa consagrada no n.º 5, do art. 425.º, do C.P.P.. 
 A fundamentação das decisões por remissão não gera por si só qualquer incerteza 
 jurídica. 
 Na verdade, como se disse no acórdão acima referido “o cumprimento do dever de 
 fundamentação das decisões está alcançado quando os respectivos destinatários – 
 e a comunidade globalmente considerada – conseguem conhecer cabalmente as 
 verdadeiras razões que subjazem ao concreto juízo decisório, isto é, quando as 
 decisões apresentam uma sustentada aptidão comunicativa dos critérios normativos 
 e fácticos que foram determinantes da decisão”. 
 Ora, ao remeter-se para os fundamentos da decisão recorrida, subscrevem-se os 
 pressupostos de facto e de direito dela constantes, aderindo-se, sem qualquer 
 reserva à sua fundamentação, a qual é conhecida e acessível a todos, pelo que se 
 mostram alcançadas todas as finalidades da obrigatoriedade de motivação das 
 decisões judiciais.
 Diversamente, como bem vincou o Acórdão n.º 61/2006 deste Tribunal (pub. no 
 D.R., II Série, de 28-2-2006), a exigência constitucional da fundamentação das 
 decisões judiciais não fica satisfeita quando se instala justificadamente a 
 possibilidade de tentativas de “adivinhação” das razões específicas da decisão, 
 o que sucede quando desta não resulta suficientemente discriminada a matéria 
 factual que suporta o sentido da decisão.
 O acórdão aqui em análise, proferido em recurso, não confirmou nenhuma decisão 
 absolutória proferida em primeira instância e, por isso mesmo, não podia 
 limitar-se a remeter integralmente para a fundamentação de facto, ao abrigo do 
 disposto expressamente no n.º 5, do art. 425.º, do C.P.P..
 A decisão em crise convoca a interpretação e aplicação de outras normas 
 jurídicas, nomeadamente as constantes dos artigos 374., nº 2, e 425.º, nº 4 do 
 C.P.P..
 Não cabe aqui sindicar ou tecer considerações relativamente ao acerto ou 
 desacerto da interpretação jurídica levada a cabo pelo Tribunal da Relação do 
 Porto, relativamente às referidas normas no mero plano da lei processual penal 
 ordinária. 
 Apenas interessa saber se o resultado hermenêutico, expressa ou implicitamente 
 alcançado pelo referido Tribunal, respeita as regras ou princípios 
 constitucionais.
 A decisão em causa deu provimento aos recursos interpostos pelos arguidos e 
 revogou a decisão condenatória proferida em primeira instância, alterando a 
 fixação da matéria de facto que se encontrava enunciada no acórdão revogado ao 
 longo de 25 folhas de processado, sem enumerar os factos, que a final, 
 resultavam provados e não provados.
 O Tribunal da Relação do Porto fundamentou essa alteração, após análise da prova 
 documentada e registada, da seguinte forma: 
 
 “(…) Perante o estado de dúvida a que nos temos vindo a referir, não podem 
 deixar de considerar-se como não provados todos os factos dados como provados e 
 que se relacionam com os elementos constitutivos do crime, designadamente com o 
 dolo, os quais passam, obviamente, para a matéria de facto dada como não provada 
 
 (…)”. 
 Posteriormente, reagindo a um pedido de aclaração, corrigiu aquela passagem e 
 esclareceu que:
 
 “(…) tudo o que está relacionado com o elemento subjectivo do crime foi 
 considerado como não provado, remetendo-se o assistente, nesta vertente, com a 
 devida vénia, para todo o acórdão recorrido. Daí que não haja agora necessidade 
 de proceder, também, a uma discriminação dos factos provados e não provados 
 porque o que está em causa é o elemento subjectivo da infracção e nada mais 
 
 (…)”.
 Repare-se que não se procede à supressão de um facto ou de vários factos 
 perfeitamente individualizados e identificados do elenco dos factos provados, os 
 quais passam a integrar a lista dos factos não provados, em termos de permitir 
 perceber, sem quaisquer dúvidas fundadas, quais foram afinal os factos dados 
 como provados e não provados.
 A mera declaração no plano da fundamentação, de que se passam a “considerar como 
 não provados todos os factos respeitantes ao elemento subjectivo da infracção”, 
 e “nada mais que isso”, conduz necessariamente a um estado de incerteza 
 relevante, na medida em que os destinatários da decisão não podem contar com uma 
 interpretação razoavelmente uniforme relativamente ao que sejam os factos 
 
 (exclusivamente) respeitantes ao elemento subjectivo da infracção.
 A referida fundamentação do acórdão de recurso pode propiciar diferentes 
 resultados interpretativos, tendo em conta os diversos destinatários 
 interessados na mesma, no que respeita à delimitação dos factos provados e não 
 provados.
 
 É que a actividade de qualificação dos factos como respeitando exclusivamente ao 
 elemento subjectivo da infracção não é puramente mecânica, mas sim jurídica, 
 estando, por isso, inevitavelmente sujeita a uma diversidade de opiniões.
 Não foi feita, pois, uma  clara discriminação, efectuada de forma directa ou 
 indirecta, dos factos considerados provados e não provados.
 Daí resulta uma falta de aptidão comunicativa da base fáctica que foi 
 determinante da decisão, não estando isenta de dúvidas a constituição das listas 
 de factos que se consideraram ou não provados.
 Esta inaptidão impede o controlo da legalidade desta decisão, não permite 
 convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e 
 justiça e não obriga o seu autor a ponderar os seus pressupostos de facto, 
 falhando como meio de autocontrolo, tanto mais que o tribunal de recurso ao 
 reapreciar a decisão da matéria de facto tem de efectuar um exame crítico, 
 devidamente fundamentado da decisão recorrida nesta matéria.
 Assim, a interpretação normativa que está implícita no texto do acórdão, mesmo 
 após o esclarecimento prestado, viola inequivocamente a exigência constitucional 
 da fundamentação das decisões judiciais, na medida em que abre a porta às 
 indesejáveis tentativas de “advinhação” dos fundamentos de facto da decisão por 
 parte dos respectivos destinatários.
 Por isso, não se pode deixar de julgar que a interpretação normativa dos artigos 
 
 374.º, nº 2, e 425.º, nº 4, do C.P.P., adoptada pela decisão recorrida é 
 inconstitucional, por violação do art. 205.º, n.º 1, da C.R.P..
 
  
 
  
 
                                                                                  
 
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 Decisão
 Pelo exposto, acorda-se em:
 a) não conhecer da questão de inconstitucionalidade da dimensão interpretativa 
 imputada aos artigos 127º, 363º e 421º, nº 4, do C.P.P.;
 b) julgar inconstitucionais, por violação do disposto no artº 205º, nº 1, da 
 C.R.P., as normas dos artigos 374.º, nº 2, e 425º, nº 4, do Código de Processo 
 Penal de 1987, quando interpretadas no sentido de que é desnecessária a 
 discriminação dos factos provados e não provados em acórdão proferido em 
 recurso, que altera a decisão sobre a matéria de facto, quando se refere que 
 todos os factos que tinham sido considerados provados na 1ª instância, 
 relacionados com o elemento subjectivo do crime, passam a integrar a matéria de 
 facto dada como não provada.
 c) e, consequentemente, conceder parcialmente provimento ao recurso, 
 determinando a reformulação do acórdão recorrido, em conformidade com o presente 
 juízo de inconstitucionalidade.
 
  
 
                                                                                  
 
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 Custas do recurso pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC, 
 ponderados os critérios referidos no artº 9º, do D.L. nº 303/98, de 7 de 
 Outubro.
 
  
 
                                                                                  
 
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 Lisboa, 11 de Julho de 2007
 
  
 João Cura Mariano
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Rodrigues
 Rui Manuel Moura Ramos