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Processo n.º 33/07 
 
 1.ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
 
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 I.
 Relatório:
 
  
 
 1.
 A. foi condenada no Tribunal de Vila Nova de Famalicão pela prática dos crimes 
 de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido no artigo 134.º-A do 
 Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de Agosto e de lenocínio, na forma continuada, 
 previsto e punido no artigo 170º n.º 2 do Código Penal. Recorreu do acórdão 
 condenatório para a Relação do Porto e, na motivação do recurso, suscitou, para 
 além do mais, as seguintes questões de constitucionalidade:
 
  
 
 – a autorização legislativa concedida pelo Lei n.º 22/2002 de 21 de Agosto não 
 habilitava o Governo a criminalizar o favorecimento à permanência ilegal de 
 cidadãos estrangeiros, pelo que o Decreto-Lei n.º 34/2003 de 25 de Fevereiro, 
 nesta parte, e ao dar nova redacção ao artigo 134º-A n.º 2 do Decreto-Lei n.º 
 
 244/98, seria organicamente inconstitucional por violação do artigo 165º n.º 1 
 alínea c) da Constituição;
 
  
 
 – entendendo-se que a Lei de Autorização dava cobertura àquela alteração, então 
 a inconstitucionalidade residiria na própria Lei n.º 22/2002, porque a mesma não 
 definia, com o necessário rigor, o sentido da autorização legislativa, o que 
 seria violador do artigo 165º n.º 2 da Constituição;
 
  
 
 – ao considerar como crime de auxílio à entrada em Portugal de cidadãs 
 brasileiras sem visto e com propósito de exercerem a prostituição, o tribunal 
 faria uma interpretação analógica das disposições contidas nos artigos 13º n.ºs 
 
 1 e 2 alínea b), 134º-A n.ºs 1 e 2 e 136º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 244/98, o 
 que seria inconstitucional por violação do artigo 29º n.º 1 da Constituição da 
 República Portuguesa.
 
  
 
 – o artigo 170º n.º 1 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 
 
 65/98 de 2 de Setembro, enferma de inconstitucionalidade material por violação 
 do artigo 18º n.º 2 da Constituição.
 
  
 
                   1.1.
 
                   Por acórdão de 15 de Fevereiro de 2006 a Relação concedeu, 
 aliás, parcial provimento ao recurso, mas não julgou procedente qualquer uma das 
 questões de inconstitucionalidade referidas pelo recorrente.
 No que agora interessa, disse: 
 
  
 
 “ (…)
 B.
 a) Sustenta a recorrente a inconstitucionalidade orgânica da Lei de Autorização 
 nº 22/2002, de 21 de Agosto, por ofensa da reserva relativa de competência 
 legislativa da Assembleia da República, logo, do art. 165º, nº 1, al. c), da 
 Constituição da República Portuguesa, na medida em que a aludida Lei não tinha o 
 sentido nem a extensão de autorizar o governo a incriminar o auxílio à 
 permanência ilegal de estrangeiros em território nacional.
 
  
 Vejamos se lhe assiste razão:
 O texto original do art. 134º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, dispunha o 
 seguinte:
 
  
 
 1 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada irregular de 
 cidadão estrangeiro em território nacional será punido com prisão até três anos.
 
 2 - Se o agente praticar as condutas referidas no número anterior com intenção 
 lucrativa, a prisão será de 1 a 4 anos.
 
 3 - A tentativa é punível.
 
  
 Entretanto, na sequência de Parecer do Parlamento Europeu, o Conselho da União 
 Europeia adoptou a Directiva nº 2002/90/CE, de 28 de Novembro de 2002, relativa 
 
 à definição do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares, cujo 
 art. 1º, na parte que agora interessa considerar, prevê que 
 
  
 
 1. Os Estados-Membros devem adoptar sanções adequadas:
 
 (…)
 b) Contra quem, com fins lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não 
 seja nacional de um Estado-Membro a permanecer no território de um 
 Estado-Membro, em infracção da legislação aplicável nesse Estado em matéria de 
 residência de estrangeiros.
 
  
 Sem expressamente referir esta directiva, mas tendo-a presente, como claramente 
 decorre do âmbito da autorização legislativa, a Assembleia da República 
 autorizou o Governo a alterar o regime de entrada, permanência, saída e 
 afastamento de cidadãos estrangeiros em território nacional, através da Lei nº 
 
 22/2002, de 21 de Agosto.
 
  
 O art. 1º deste diploma, sob a epígrafe objecto, dispõe que 
 
  
 
 É concedida ao Governo autorização para alterar o regime de entrada, 
 permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros em território 
 nacional.
 
  
 Por seu turno, o art. 2º, estabelecendo o sentido e extensão da autorização 
 legislativa, dispõe, além do mais, o seguinte:
 
  
 A presente lei de autorização tem como sentido e extensão autorizar o Governo a:
 
 (…)
 o) aperfeiçoar o regime sancionatório das infracções criminais associadas ao 
 fenómeno da imigração ilegal, criando novos tipos criminais, designadamente no 
 sentido de criminalizar o trânsito ilegal de cidadãos estrangeiros em território 
 nacional e agravar as medidas das penas aplicáveis.
 
 (…)
 
  
 O alcance e sentido da autorização legislativa deverá ser encontrado através da 
 análise do diploma de autorização no seu conjunto, avaliando as diversas normas 
 em que aquele se decompõe numa perspectiva dinâmica, em interacção entre si. 
 Na tese sustentada pela recorrente, a incriminação do auxílio à permanência 
 ilegal de estrangeiros em território nacional excede o âmbito da Lei de 
 autorização legislativa.
 Colhe-se, no entanto, desde logo no art. 1º da Lei nº 22/2002, que a finalidade 
 da autorização legislativa foi também a de permitir ao Governo alterar o regime 
 de permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional.
 Por seu turno, a al. o) do art. 2º afasta qualquer dúvida relativamente à 
 intenção da Assembleia da República, de autorizar a criminalização do trânsito 
 ilegal de cidadãos estrangeiros, ao prever a criação de “…novos tipos criminais, 
 designadamente no sentido de criminalizar o trânsito ilegal de cidadãos 
 estrangeiros em território nacional…”. 
 O trânsito (substantivo) - acto de transitar (verbo) - tem subjacente a noção de 
 
 “estar em movimento”, ou de “passagem”. E nessa medida o trânsito a que alude 
 aquela norma é essencialmente o trânsito de cidadãos estrangeiros a caminho do 
 país de destino (passagem).
 O art. 134º do DL nº 244/98, de 8 de Agosto, não distinguia entre entrada, 
 permanência e trânsito, o que não significa, no entanto, que a “permanência” e o 
 
 “trânsito” ilegais de cidadãos estrangeiros fossem indiferentes. Simplesmente, 
 eram apenas puníveis como decorrência necessária da “entrada” irregular, pois 
 que - afirmação quase tautológica - só haveria permanência ou trânsito irregular 
 de estrangeiros em Portugal após a respectiva entrada no território nacional.
 Como se referiu supra, a Directiva nº 2002/90/CE advertiu os Estados-Membros 
 para a necessidade de criminalização do auxílio à permanência ilegal.
 A Lei nº 22/2002 autorizou o Governo a alterar o regime de permanência de 
 cidadãos estrangeiros em Portugal, assim como o autorizou a aperfeiçoar o regime 
 sancionatório das infracções criminais associadas ao fenómeno da imigração 
 ilegal, encontrando aqui manifesto cabimento a criminalização do auxílio à 
 permanência ilegal.
 
  
 No uso desta autorização legislativa, veio a ser publicado o DL nº 34/2003, de 
 
 25 de Fevereiro, que aditou ao DL nº 244/98 o art. 134º-A, (para o qual 
 transitou, com alterações, a disciplina anteriormente constante do art. 134º), 
 com a seguinte redacção:
 
  
 
 1 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito 
 ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com prisão até 
 três anos.
 
 2 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou 
 o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção 
 lucrativa, é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.
 
 3 - A tentativa é punível.
 
 4 - As penas aplicáveis às entidades referidas no nº 1 do art. 134º são as de 
 multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do 
 exercício da actividade de um a cinco anos.
 
  
 Conforme expressamente consta dos respectivos preâmbulo e art. 1º, o diploma em 
 questão procedeu à transposição para o direito interno do disposto na Directiva 
 
 2002/90/CE, do Conselho, de 28 de Novembro, relativa à definição do auxílio à 
 entrada, ao trânsito e à residência irregulares, e na decisão quadro, do 
 Conselho, de 28 de Novembro de 2002, relativa ao reforço do quadro penal para a 
 prevenção do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares. 
 Assim, porque abrangida pela autorização legislativa a criminalização do auxílio 
 
 à permanência ilegal de cidadãos estrangeiros em território nacional, nos termos 
 supra expostos, não se mostra ferida de inconstitucionalidade orgânica.
 
  
 b) Por outro lado, não são absolutamente correctas as afirmações, expendidas 
 pela recorrente, de que as cidadãs brasileiras identificadas nos factos provados 
 não necessitavam de qualquer visto para entrar em Portugal, estando abrangidas 
 pela excepção da al. b) do nº 3 do art. 13º do DL nº 244/98, ou que a regra, no 
 que diz respeito aos brasileiros, é a permissão da sua entrada em território 
 português.
 O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a 
 República Federativa do Brasil, aprovado pela Resolução da Assembleia da 
 República nº 83/2000, de 14 de Dezembro, não liberalizou totalmente a entrada de 
 cidadãos brasileiros em Portugal, eliminando, relativamente a eles, qualquer 
 controle ou limitação.
 Na verdade, dispõe o respectivo art. 7º, nº 1, que 
 
  
 Os titulares de passaportes comuns válidos de Portugal ou do Brasil que desejem 
 entrar em território da outra parte contratante para fins culturais, 
 empresariais, jornalísticos ou turísticos, por períodos de até 90 dias, são 
 isentos de visto.
 
  
 Ou seja, apenas constitui regra a permissão de entrada em território português 
 aos brasileiros que aqui se desloquem no âmbito das previsões legalmente 
 estabelecidas no referido Tratado. Interpretar a última norma transcrita como 
 autorizando a entrada em Portugal, sem qualquer controle ou limitação, de 
 cidadãos de nacionalidade brasileira, significaria atribuir-lhe um alcance que 
 ela manifestamente não tem - nem nunca esteve na intenção das Partes 
 Contratantes - esvaziando-a de sentido útil.
 
  
 E na verdade, as cidadãs brasileiras identificadas nos factos provados não 
 vieram para Portugal para quaisquer fins culturais, empresariais, jornalísticos 
 ou turísticos; vieram para se dedicarem à prostituição, finalidade não abrangida 
 pela norma citada, pelo que se não poderá afirmar, sem manifesta subversão do 
 sentido da lei, que ao abrigo daquela disposição legal estavam autorizadas a 
 entrar em Portugal sem visto.
 Nem se diga, por outro lado, que esta interpretação implica extensão analógica 
 das disposições contidas nos arts. 13º, nºs 1 e 2, al. b), 134º-A, nºs 1 e 2, e 
 
 136º, nºs 1 e 2, do DL nº 244/98. 
 A recorrente “desconstruiu” habilmente a norma do art. 7º, nº 1, do Tratado para 
 retirar esta conclusão. Conclusão que não colhe, no entanto, uma vez que a 
 desnecessidade ou dispensa do visto para entrada no território nacional se afere 
 em função da finalidade visada com a entrada no país, isto é, afere-se a priori.
 
 É o que claramente resulta da lei:
 Os titulares de passaportes comuns válidos de Portugal ou do Brasil que desejem 
 entrar em território da outra parte contratante para fins culturais, 
 empresariais, jornalísticos ou turísticos, por períodos de até 90 dias, são 
 isentos de visto (sublinhados nossos).
 As cidadãs brasileiras cuja entrada em Portugal a recorrente promoveu tinham a 
 prévia intenção de aqui se dedicarem à prostituição.
 Como este fito não se inclui em qualquer das finalidades previstas na lei como 
 fundamento da isenção de visto, não estavam dispensadas de obter visto para 
 entrar em Portugal; visto esse que, se porventura requeressem denunciando a 
 verdadeira intenção da entrada, não lhes seria, certamente, concedido.
 Ou seja, a entrada em Portugal dessas cidadãs brasileiras foi ilegal e para 
 concluir por esta forma não há que fazer qualquer interpretação analógica da 
 lei, mas apenas que a interpretar com o sentido útil que esta oferece ao 
 intérprete. 
 Esta interpretação não viola, pois, o art. 29º da Constituição da República 
 Portuguesa, pelo que também esta arguição de inconstitucionalidade não encontra 
 suporte.
 
  
 
 (…)
 
  
 D.
 Apreciemos de seguida a questão da apontada inconstitucionalidade do art. 170º, 
 nº 1, do Código Penal.
 Como a própria recorrente reconhece, a jurisprudência dominante considera que a 
 norma em apreço incorpora bens jurídicos merecedores de tutela criminal e, nessa 
 medida, não ofende a constituição.
 Cita, não obstante, em prol da tese por si sustentada, as posições assumidas por 
 Figueiredo Dias e por Costa Andrade/Maria João Antunes.
 As longas transcrições constantes da douta motivação do recurso espelham as 
 correntes académicas em debate e a esse respeito não haverá muito a acrescentar. 
 De todo o modo, remetendo para as posições explanadas na motivação do recurso, 
 no que a elas concerne, e cientes de que argumentos há a favor das duas teses em 
 confronto, tomaremos posição sobre a querela de fundo, mas não sem antes 
 chamarmos à colação outro académico ilustre, porventura mais preocupado com a 
 essência do direito do que com as suas manifestações concretas e pontuais. 
 Escreve Castanheira Neves “… o direito seja em parte chamado à solução de 
 conflitos de interesses dando preferência a uns e sacrificando (relativa e 
 imediatamente) outros. E não pode negar-se, também por outro lado, que estes 
 interesses se encontram muitas vezes já aferidos, no seu valor relativo, pela 
 escala de valores que informa o contexto socio-cultural e moral daquela 
 sociedade real em que os interesses são afirmados. Poderíamos então dizer que 
 esta escala de valores nos oferece o primeiro critério, a primeira aproximação 
 do princípio da justiça.
 
 (…)
 Ordem social justa terá de ser, assim, aquela que se constitua pela convivência 
 de homens mutuamente justificados na fruição de certos valores e no 
 prosseguimento de particulares interesses.
 
 (…)
 Só no intercâmbio existencial com os outros (na comunicação) - no cultivo dos 
 valores que só ele permite, no desenvolvimento de potencialidades pessoais que 
 só ele suscita e estimula, no enriquecimento moral e cultural que provém a cada 
 um das disponibilidades morais e culturais dos outros, na afirmação e 
 robustecimento da personalidade que só a dialéctica “eu” e “tu” determina - o 
 ser autónomo e pessoal vem à sua epifania, só aí e por aí ele pode ser um “eu” 
 próprio …”
 
 (…)
 
 …pelo que anularíamos pura e simplesmente a legitimidade do acesso a esse 
 património se não concorrêssemos para os outros com as nossas possibilidades e 
 contributos pessoais. E da comunidade, enquanto condição ontológica, infere-se, 
 funda-se também aí, um princípio ou exigência de co-responsabilidade (moral ou 
 humana em geral) - nós somos responsáveis pelo ser dos outros, e os outros são 
 responsáveis pelo nosso ser”.
 
  
 Serve a transcrição que antecede para introduzir a afirmação de que rejeitamos 
 as teses que acentuam o pendor moralista da norma e invocam a necessidade de 
 absoluta separação entre a moral e o direito, para encontrar nesse argumento a 
 vertente de inconstitucionalidade, posto que reconhecemos que o edifício do 
 direito, enquanto modo de regulamentação da organização social, assenta, todo 
 ele, num património ético e moral construído ao longo da história da humanidade, 
 evidenciando conceitos hoje reconhecidamente irrenunciáveis, por inerentes à 
 própria ideia de civilização. Muitas das normas penais hoje postergadas pela 
 generalidade dos sistemas jurídicos radicam historicamente na ética e na moral, 
 reflexo dos conceitos fundamentais do “bem” e do “mal”. Princípios tão 
 simplesmente intuíveis como a proibição de matar ou de furtar, são, afinal, a 
 expressão normativa de valores que antes de erigidos à categoria de lei em 
 sociedades já evoluídas, foram simples expressão ética imposta pela necessidade 
 de convívio pacífico entre os membros das sociedades mais primitivas.
 
  
 Posto isto, regressando ao fio condutor da questão, transcreveremos parte do 
 texto do Acórdão do TC nº 144/2004, de 10 de Março (aliás, já abundantemente 
 citado nos autos), sem inovar, mas expurgando-o das abundantes citações que o 
 acompanham.
 Aí se diz que “…é amplamente aceite que o Direito e a Moral, embora a partir de 
 perspectivas diferentes, fazem parte de uma unidade mais vasta. 
 Assim, tanto quem procure em valores morais a legitimação do Direito, como quem 
 acentue a distinção entre Moral e Direito, reconhecerá, inevitavelmente, que 
 existem bens e valores que participam das duas ordens normativas. Mesmo as 
 posições mais favoráveis à autonomia do Direito não negam que possam existir 
 valores morais tutelados também pelo Direito, segundo a lógica deste e, por 
 força dos seus critérios. Porém, questão prévia a tal problemática e decisiva no 
 presente caso, é a de saber se a norma do artigo 170º, nº 1, do Código Penal 
 apenas protege valores que nada tenham a ver com direitos e bens consagrados 
 constitucionalmente, não susceptíveis de protecção pelo Direito, segundo a 
 Constituição portuguesa.
 Ora, a resposta a esta última questão é negativa, na medida em que subjacente à 
 norma do artigo 170º, nº 1, está inevitavelmente uma perspectiva fundamentada na 
 História, na Cultura e nas análises sobre a Sociedade segundo a qual as 
 situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento 
 económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da 
 pessoa prostituída. Tal perspectiva não resulta de preconceitos morais mas do 
 reconhecimento de que uma Ordem Jurídica orientada por valores de Justiça e 
 assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, 
 enquanto expressão de liberdade de acção, situações e actividades cujo 
 
 “princípio” seja o de que uma pessoa, numa qualquer dimensão (seja a 
 intelectual, seja a física, seja a sexual), possa ser utilizada como puro 
 instrumento ou meio ao serviço de outrem. A isto nos impele, desde logo, o 
 artigo 1º da Constituição, ao fundamentar o Estado Português na igual dignidade 
 da pessoa humana. E é nesta linha de orientação que Portugal ratificou a 
 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as 
 Mulheres (Lei nº 23/80, em D.R., I Série, de 26 de Julho de 1980), bem como, em 
 
 1991 a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da 
 Prostituição de Outrem (D.R., I Série, de 10 de Outubro de 1991).
 Os argumentos que antecedem evidenciam, a nosso ver, a constitucionalidade do nº 
 
 1 do art. 170º do Código Penal, pelo que passaremos de imediato à questão 
 seguinte.
 
  
 
                   2.
 Depois de tentar, sem êxito, impugnar este aresto no Supremo Tribunal de 
 Justiça, a arguida recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), pretendendo 
 ver apreciadas as questões de inconstitucionalidade suscitadas no recurso que 
 interpôs para a Relação da decisão condenatória da 1ª instância. 
 
  
 
 2.1.
 Neste Tribunal apresentou alegação que concluiu do seguinte modo:
 
  
 
 “1. A alteração introduzida no DL 244/98 pelo DL 34/2003 relativa ao auxílio à 
 permanência ilegal de estrangeiros em território nacional não respeitou a Lei de 
 Autorização nº 22/2002, de 21 de Agosto, cuja alínea o) do art. 2º não tinha o 
 sentido nem a extensão de autorizar o Governo a incriminar esse tipo de actos. 
 
 2. Daqui resulta que o nº 2 do art. 134º-A do DL 244/98, de 8 de Agosto, na 
 redacção do DL 34/2003, de 25 de Fevereiro, está ferido de inconstitucionalidade 
 orgânica por ofensa do disposto na al. c) do nº 1 do art. 165º CRP. 
 
 3. Caso se entenda que a incriminação inovadora do auxílio à permanência ilegal 
 está coberta pela fórmula não taxativa da citada alínea o), interpretada como 
 apenas exemplificativa da criação de novos tipos criminais, nem por isso deixa 
 de ofender a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da 
 República, uma vez que, assim interpretada, a norma da al. o) do art. 2º da Lei 
 nº 22/2002, de 21 de Agosto, não respeita a exigência de definir com rigor o 
 sentido da autorização concedida ao Governo e será ela própria inconstitucional, 
 por violação do comando contido no nº 2 do artº 165º CRP, como deve ser 
 declarado. 
 
 4. A interpretação, que vingou nas instâncias, que considera crime o auxílio à 
 entrada em Portugal de cidadãs brasileiras, sem visto e com o propósito de 
 exercerem a prostituição, implica a extensão analógica das disposições contidas 
 nos arts 13º, n.ºs 1 e 2, al. b), 134º-A, n.ºs 1 e 2, e 136º, n.ºs 1 e 2, do DL 
 
 244/98, de 8 de Agosto, na redacção resultante do DL 34/2003, de 25 de 
 Fevereiro, sendo essas normas, assim interpretadas, inconstitucionais, por 
 ofensa do art. 29º CRP. 
 
 5. O art. 170º, n.º 1, do Código Penal, com a redacção da Lei nº 65/98, de 2 de 
 Setembro, é inconstitucional, por ofensa do disposto no nº 2 do art. 18º da 
 CRP.”
 
  
 
 2.2.
 Por seu turno, o representante do Ministério Público neste Tribunal 
 contra-alegou, concluindo:
 
 “1º
 Quer a norma do artigo 134º-A do Decreto-Lei nº 34/2003, de 25 de Fevereiro, ao 
 introduzir alterações e aditamentos ao Decreto-Lei nº 244/98, de 8 de Agosto, em 
 matéria de favorecimento à permanência ilegal de cidadãos estrangeiros, quer a 
 norma da alínea o) do artigo 2º da respectiva Lei de autorização legislativa nº 
 
 22/02, de 21 de Agosto, estão em conformidade com a Constituição, não violando 
 qualquer dos seus preceitos, designadamente o artigo 165º, nº i, alínea e) e n.º 
 
 2.
 
 2º
 A norma do artigo 170º, nº 1 do Código Penal, relativo ao crime de lenocínio, 
 não viola o disposto no artigo 18º, nº2 da Constituição. 
 
 3º
 Por não configurar uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, 
 não deve o Tribunal Constitucional conhecer da matéria alegadamente violadora do 
 artigo 29º da Lei Fundamental. 
 
 4º
 Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
 
  
 
  
 
  
 
  
 
                   2.3.
 O relator determinou, em 2 de Maio de 2007, que a recorrente fosse convidada a 
 responder à questão prévia suscitada pelo Ministério Público quanto ao não 
 conhecimento do recurso na parte relativa à inconstitucionalidade dos artigos 
 
 13º n.ºs 1 e 2 alínea b), 134º n.ºs 1 e 2 e 136º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 
 
 244/98, por violação do artigo 29º da Constituição da República (ex vi artigos 
 
 3º n.º 3, 704º n.º 2 e 702º n.º2 todos do Código de Processo Civil). 
 Todavia, a recorrente não apresentou resposta.
 
  
 
  
 Cumpre apreciar e decidir.
 
  
 II.
 Fundamentação:
 
  
 
                   3.
 
                   Comecemos pela referida questão prévia suscitada pelo 
 Ministério Público na sua contra-alegação, à qual, como se disse, a arguida não 
 deu resposta.
 
                   Defende a recorrente que a interpretação do Tribunal recorrido 
 que considera crime o auxílio à entrada em Portugal de cidadãs brasileiras, sem 
 visto e com o propósito de exercerem a prostituição, implica a aplicação por 
 extensão analógica das disposições contidas nos artigos 13º n.ºs 1 e 2, alínea 
 b), 134º-A n.ºs 1 e 2 e 136º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de 
 Agosto, na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 34/2003 de 25 de Fevereiro, 
 resultado que acarretaria a inconstitucionalidade da dita interpretação, por 
 ofensa do disposto no artigo 29º da Constituição.
 
                   A verdade, porém, é que não ocorreu a situação de aplicação 
 analógica da norma penal que a recorrente censura. 
 Sustenta a recorrente que a aplicação ao seu caso das normas contidas no 
 Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de Agosto que considera crime o auxílio à entrada em 
 Portugal de cidadãs brasileiras, sem visto, com o propósito de exercerem a 
 prostituição, é inconstitucional, por ofensa ao disposto no artigo 29º n.º 1 da 
 Constituição da República.
 
                   Vejamos o que estabelecem as normas que regem esta matéria – 
 artigos 13º, n.ºs 1 e 2 alínea b); 134º n.ºs 1 e 2 e 136º n.º 1 e 2 do 
 Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de Agosto.
 
  
 Artigo 13.º
 
 (Visto de entrada)
 
 1 - Para a entrada em território nacional devem igualmente os estrangeiros ser 
 titulares de visto válido e adequado à finalidade da deslocação concedido nos 
 termos do presente diploma ou pelas competentes autoridades dos Estados Partes 
 na Convenção de Aplicação.
 
 2 – O visto habilita o seu titular a apresentar-se num posto de fronteira e a 
 solicitar a entrada no país.
 
 3 – Podem, no entanto, entrar no país sem visto:
 a) (…)
 b) Os estrangeiros que beneficiem do referido regime nos termos de instrumentos 
 internacionais de que Portugal seja parte.
 
  
 Artigo 134.º
 
 (Auxílio à imigração ilegal)
 
 1 – Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada irregular de 
 cidadão estrangeiro em território nacional será punido com prisão até 3 anos.
 
 2 – Se o agente praticar as condutas referidas no número anterior com intenção 
 lucrativa a prisão será de 1 a 4 anos.
 
 3 – A tentativa é punível.
 
  
 Artigo 136.º
 
 (Entrada e permanência ilegal)
 
 1 – Considera-se ilegal a entrada de estrangeiros em território português em 
 violação do disposto nos artigos 9.º, 10.º, 12.º, 13.º e 25.º, n.ºs 1 e 2. 
 
 2 – Considera-se ilegal a permanência de estrangeiros em território português 
 quando esta não tenha sido autorizada de harmonia com o disposto no presente 
 diploma ou na lei reguladora do direito de asilo.
 
  
 
                   A única norma que, de entre as reguladoras da situação em 
 apreço, poderia permitir a entrada sem visto no território nacional de cidadãos 
 estrangeiros, para que tal facto não fosse crime, é a da alínea b) do n.º 3 do 
 artigo 13º. Todavia, o instrumento internacional que rege, neste capítulo, as 
 relações entre os dois países é o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, 
 aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000 de 14 de 
 Dezembro, que, no que a este particular diz respeito, dispõe:
 
  
 Artigo 7.º
 
 1 – Os titulares de passaportes comuns válidos de Portugal ou do Brasil que 
 desejem entrar no território da outra parte Contratante para fins culturais, 
 empresariais, jornalísticos ou turísticos, por período de até 90 dias, são 
 isentos de visto.
 
 2 – (…).
 
  
 
                   Tendo em conta este quadro legal, considerou a decisão 
 recorrida que, ao conjugar o disposto nos vários preceitos aplicáveis, a 
 interpretação dita analógica das normas supra transcritas defendida pela 
 recorrente não ocorreu. Com efeito, diz a decisão:
 
  
 
                   “(…) Nem se diga, por outro lado, que esta interpretação 
 implica extensão analógica das disposições contidas nos arts. 13º, nºs 1 e 2, 
 al. b), 134º-A, nºs 1 e 2, e 136º, nºs 1 e 2, do DL nº 244/98. 
 A recorrente “desconstruiu” habilmente a norma do art. 7º, nº 1, do Tratado para 
 retirar esta conclusão. Conclusão que não colhe, no entanto, uma vez que a 
 desnecessidade ou dispensa do visto para entrada no território nacional se afere 
 em função da finalidade visada com a entrada no país, isto é, afere-se a priori.
 
 É o que claramente resulta da lei:
 Os titulares de passaportes comuns válidos de Portugal ou do Brasil que desejem 
 entrar em território da outra parte contratante para fins culturais, 
 empresariais, jornalísticos ou turísticos, por períodos de até 90 dias, são 
 isentos de visto (sublinhados nossos).
 As cidadãs brasileiras cuja entrada em Portugal a recorrente promoveu tinham a 
 prévia intenção de aqui se dedicarem à prostituição.
 Como este fito não se inclui em qualquer das finalidades previstas na lei como 
 fundamento da isenção de visto, não estavam dispensadas de obter visto para 
 entrar em Portugal; visto esse que, se porventura requeressem denunciando a 
 verdadeira intenção da entrada, não lhes seria, certamente, concedido.
 Ou seja, a entrada em Portugal dessas cidadãs brasileiras foi ilegal e para 
 concluir por esta forma não há que fazer qualquer interpretação analógica da 
 lei, mas apenas que a interpretar com o sentido útil que esta oferece ao 
 intérprete.”
 
  
 
                   A decisão recorrida subsumiu a situação fáctica dada como 
 provada ao teor literal da norma: efectivamente, é o teor do disposto no artigo 
 
 7º do Tratado que mais directamente impõe que as cidadãs em causa necessitem de 
 visto, acarretando o incumprimento do aí estatuído – uma vez que foi dado como 
 provado que as cidadãs não se encontravam em Portugal para fins culturais, 
 empresariais, jornalísticos ou turísticos – a tipificação prevista  no artigo 
 
 134º-A n.º 2 do Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de Agosto. E tal censura penal não 
 decorre de qualquer interpretação analógica das referidas normas para que nelas 
 se enquadre a conduta ilícita empreendida. 
 Como bem referiu o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, 
 
 “se, na verdade, em algumas situações é difícil distinguir entre interpretação, 
 processo interpretativo e decisão (...), no caso dos autos parece-nos claro que, 
 na verdade, o que a recorrente questiona é a própria decisão enquanto aí se 
 entende que é exigível visto às cidadãs brasileiras que entram no país para se 
 dedicarem à prostituição”.
 A questão posta não é, pois, uma questão de constitucionalidade normativa, 
 susceptível de ser conhecida pelo Tribunal Constitucional, pois não está em 
 causa, directa e imediatamente, a interpretação de quaisquer normas com conteúdo 
 penal. 
 Em face do exposto, o Tribunal decide não conhecer desta parte do recurso.
 
  
 
                   4. 
 
                   Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada a 
 propósito do artigo 170º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 65/98 de 2 de 
 Setembro, por violação do artigo 18º n.º 2 da Constituição, interessa aqui 
 essencialmente recordar a jurisprudência deste Tribunal sobre o assunto. Com 
 efeito, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar quanto à 
 tipificação do crime de lenocínio nos Acórdãos n.ºs 144/2004, 196/2004, 303/2004 
 e 170/2006 (o primeiro e o terceiro publicados, respectivamente, no Diário da 
 República, II Série, de 19 de Abril de 2004 e 20 de Julho de 2004 e, os outros, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
 Reafirma-se, no presente aresto, a jurisprudência que deles resulta: 
 
  
 
 “(…)
 
 “Não se concebe, assim, uma mera protecção de sentimentalismos ou de uma ordem 
 moral convencional particular ou mesmo dominante, que não esteja relacionada, 
 intrinsecamente, com os valores da liberdade e da integridade moral das pessoas 
 que se prostituem, valores esses protegidos pelo Direito enquanto aspectos de 
 uma convivência social orientada por deveres de protecção para com pessoas em 
 estado de carência social. A intervenção do Direito Penal neste domínio tem, 
 portanto, um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma 
 perspectiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do 
 Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito. O 
 significado que é assumido pelo legislador penal é, antes, o da protecção da 
 liberdade e de uma “autonomia para a dignidade” das pessoas que se prostituem. 
 Não está, consequentemente, em causa qualquer aspecto de liberdade de 
 consciência que seja tutelado pelo artigo 41º, nº 1, da Constituição, pois a 
 liberdade de consciência não integra uma dimensão de liberdade de se aproveitar 
 das carências alheias ou de lucrar com a utilização da sexualidade alheia. Por 
 outro lado, nesta perspectiva, é irrelevante que a prostituição não seja 
 proibida. Na realidade, ainda que se entenda que a prostituição possa ser, num 
 certo sentido, uma expressão da livre disponibilidade da sexualidade individual, 
 o certo é que o aproveitamento económico por terceiros não deixa de poder 
 exprimir já uma interferência, que comporta riscos intoleráveis, dados os 
 contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se 
 prostitui (colocando‑o em perigo), na medida em que corresponda à utilização de 
 uma dimensão especificamente íntima do outro não para os fins dele próprio, mas 
 para fins de terceiros.
 
  
 
 7.  Por outro lado, que uma certa “actividade profissional” que tenha por 
 objecto a específica negação deste tipo de valores seja proibida (neste caso, 
 incriminada) não ofende, de modo algum, a Constituição. A liberdade de exercício 
 de profissão ou de actividade económica tem obviamente, como limites e 
 enquadramento, valores e direitos directamente associados à protecção da 
 autonomia e da dignidade de outro ser humano (artigos 471º, nº 1 e 61º, nº 1, da 
 Constituição). Por isso estão particularmente condicionadas, como objecto de 
 trabalho ou de empresa, actividades que possam afectar a vida, a saúde e a 
 integridade moral dos cidadãos [artigo 59º, nº 1, alíneas b) e c) ou nº 2, 
 alínea c), da Constituição]. Não está assim, de todo em causa a violação do 
 artigo 47º, nº 1, da Constituição. Nem também tem relevância impeditiva desta 
 conclusão a aceitação de perspectivas como a que aflora no pronunciamento do 
 Tribunal de Justiça das Comunidades (Sentença de 20 de Novembro de 2001, 
 Processo nº 268/99), segundo a qual a prostituição pode ser encarada como 
 actividade económica na qualidade de trabalho autónomo (cf., em sentido crítico, 
 aliás, Massimo Luciani, “Il lavoro autonomo de la prostituta”, em Quaderni 
 Costituzionali, anno XXII, nº 2, Giugno 2002, p. 398 e ss.). Com efeito, aí 
 apenas se considerou que a permissão de actividade das pessoas que se prostituem 
 nos Estados membros da Comunidade impede uma discriminação quanto à autorização 
 de permanência num Estado da União Europeia, daí não decorrendo qualquer 
 consequência para a licitude das actividades de favorecimento à prostituição.
 
  
 
 8.  As considerações antecedentes não implicam, obviamente, que haja um dever 
 constitucional de incriminar as condutas previstas no artigo 170º, nº 1, do 
 Código Penal. Corresponde, porém, a citada incriminação a uma opção de política 
 criminal (note‑se que tal opção, quanto às suas fronteiras, é passível de 
 discussão no plano de opções de política criminal – veja‑se Anabela Rodrigues, 
 Comentário Conimbricense, I, 1999, p. 518 e ss.), justificada, sobretudo, pela 
 normal associação entre as condutas que são designadas como lenocínio e a 
 exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à 
 prostituição, fazendo desta um modo de subsistência. O facto de a disposição 
 legal não exigir, expressamente, como elemento do tipo uma concreta relação de 
 exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação fundamental 
 da incriminação a partir do qual o aproveitamento económico da prostituição de 
 quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social 
 de exploração de uma situação de carência e desprotecção social.
 Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais situações de exploração, 
 risco considerado elevado e não aceitável, e é justificada pela prevenção dessas 
 situações, concluindo‑se pelos estudos empíricos que tal risco é elevado e 
 existe, efectivamente, no nosso país, na medida em que as situações de 
 prostituição estão associadas a carências sociais elevadas (sobre a realidade 
 sociológica da prostituição cf., por exemplo, Almiro Simões Rodrigues, 
 
 “Prostituição: – Que conceito? – Que realidade?”, em Infância e Juventude, 
 Revista da Direcção‑geral dos Serviços Tutelares de Menores, nº 2, 1984, p. 7 e 
 ss., e José Martins Barra da Costa e Lurdes Barata Alves, Prostituição 2001 ..., 
 ob.cit., supra) não é tal opção inadequada ou desproporcional ao fim de proteger 
 bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e a liberdade. Ancora‑se 
 esta solução legal num ponto de vista que tem ainda amparo num princípio de 
 ofensividade, à luz de um entendimento compatível com o Estado de Direito 
 democrático, nos termos do qual se verificaria uma opção de política criminal 
 baseada numa certa percepção do dano ou do perigo de certo dano associada à 
 violação de deveres para com outrem – deveres de não aproveitamento e exploração 
 económica de pessoas em estado de carência social.
 
 (…)
 O entendimento subjacente à lei penal radica, em suma, na protecção por meios 
 penais contra a necessidade de utilizar a sexualidade como modo de subsistência, 
 protecção directamente fundada no princípio da dignidade da pessoa humana (…)”.
 
  
 
  
 A jurisprudência deste Tribunal considera, assim, que a norma em apreço 
 incorpora bens jurídicos merecedores de tutela criminal, não ofendendo, nessa 
 medida, a Constituição. 
 Nada mais haverá a acrescentar quanto ao juízo proferido na decisão recorrida, 
 concluindo-se, de novo, pela não inconstitucionalidade do disposto no artigo 
 
 170º do Código Penal.
 
  
 
  
 
                   5.
 
                   Resta, pois, analisar duas questões de inconstitucionalidade, 
 ambas relacionadas com a autorização legislativa concedida.
 
                   
 
                   5.1.
 Comecemos pela questão centrada na Lei de Autorização Legislativa n.º 22/2002 de 
 
 21 de Agosto.
 
  
 Resulta da leitura do diploma em análise que o Governo pretendeu, entre outras 
 coisas, revogar o regime das autorizações de permanência, por forma a impor que 
 a permanência em território nacional passe a depender da concessão de vistos e 
 de autorizações de residência.
 Diz a recorrente que a lei de autorização é inconstitucional, por violação do 
 artigo 165º n.º 2 da Constituição, por não ter definido o sentido da autorização 
 concedida ao Governo para legislar.
 Como já se viu, a recorrente chega à inconstitucionalidade da referida Lei com 
 base no entendimento de que, versando sobre matéria de processo criminal, o 
 legislador age na área de competência reservada da Assembleia da República – 
 
 165º, n.º 2 da CRP –, pelo que o Governo só podia editar tal norma munido de 
 prévia autorização legislativa que definisse o sentido, duração e extensão da 
 autorização legislativa, o que no caso não ocorreria: o poder executivo só terá 
 competência para legislar em matéria de tipificação de crimes se, para tal, 
 estiver autorizado pela Assembleia da República – artigo 165º n.º 1 alínea c) da 
 Constituição.
 Mas, o simples confronto literal dos artigos 1.º (“É concedido ao Governo 
 autorização para alterar o regime de entrada, permanência, saída e afastamento 
 de cidadãos estrangeiros em território nacional”) e 2.º, alínea o) (“A presente 
 lei de autorização tem como sentido e extensão autorizar o Governo a: (…) d) 
 disciplinara concessão de vistos, aperfeiçoando os mecanismos de controlo da sua 
 emissão; (…) o) aperfeiçoar o regime sancionatório das infracções criminais 
 associadas ao fenómeno da imigração ilegal, criando novos tipo criminais, 
 designadamente no sentido de criminalizar o trânsito ilegal de cidadãos 
 estrangeiros em território nacional e agravar as medidas das penas aplicáveis 
 
 (…) da referida lei de autorização revelam que ao Governo foi explicitamente 
 conferido o encargo de legislar sobre a matéria em apreço, designadamente 
 através da fórmula “autorizado a rever” – cfr. a propósito os Acórdãos n.ºs 
 
 48/84 e 461/87 (Diário da República, 2ª Série, de 10 de Junho de 1984 e Iª 
 Série, de 15 de Janeiro de 1988, respectivamente).
 Na verdade, se o 'conteúdo essencial da lei de autorização'  terá que integrar 
 os elementos objecto, sentido, extensão e duração da autorização, o certo é que 
 não pode exigir-se que este conteúdo exprima exaustivamente os elementos típicos 
 da nova disciplina, caso em que nenhum espaço restaria ao Governo para adoptar 
 as soluções que se lhe afigurassem adequadas.
 
 É assim que a jurisprudência deste Tribunal tem delineado as exigências quanto 
 ao sentido da autorização legislativa, por referência aos “princípios” e à 
 
 “disciplina jurídica básica” que deve nortear as alterações a introduzir no 
 ordenamento jurídico – ver, nomeadamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional 
 n.ºs 213/95; 302/95; 257/97 (publicados no Diário da República, II Série, de 26 
 de Junho de 1995; de 29 de Julho de 1995; de 2 de Outubro de 1997).
 Resulta do texto da Lei n.º 22/2002 de 21 de Agosto, nomeadamente dos seus 
 artigos 1º e 2º alínea o), que a mesma concedeu ao Governo autorização para, 
 aperfeiçoando o regime sancionatório até aí vigente, criminalizar as condutas 
 associadas ao fenómeno crescente da imigração ilegal. 
 
                   Não restam, pois, dúvidas, que a lei de autorização concedida 
 para a edição do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro é válida, pois nela 
 
 é definido, claramente, o sentido e extensão da autorização que nela se contém, 
 ou seja, aí se encontram condensados os princípios fundamentais a seguir pelo 
 Governo na definição dos critérios de delimitação substanciais indispensáveis à 
 respectiva concretização legislativa, não sendo a mesma, por conseguinte, ao 
 contrário do que defende a recorrente, inconstitucional.
 
  
 
                   5.2.
 
                   Cabe, por último, a apreciação da alegada 
 inconstitucionalidade orgânica da norma contida no n.º 2 do artigo 134º-A do 
 Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de Agosto, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 
 n.º 34/2003 de 25 de Fevereiro, ao abrigo da autorização contida na Lei n.º 
 
 22/2002 de 21 de Agosto.
 Alega a ora recorrente que o n.º 2 do artigo 134º-A do Decreto-Lei n.º 244/98 de 
 
 8 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/2003 de 25 de Fevereiro, está 
 ferido de inconstitucionalidade orgânica por ofensa do disposto na alínea c) do 
 n.º 1 do artigo 165º da Constituição. 
 Sendo a matéria de definição dos tipos criminais da competência legislativa da 
 Assembleia da República e, tendo-se concluído supra, pela validade 
 constitucional da Lei de autorização emitida, importará, para dilucidar a 
 presente questão de constitucionalidade, averiguar se ao emitir o Decreto-Lei 
 n.º 34/2003 de 25 de Fevereiro visando uma melhor disciplina jurídica do 
 fenómeno global e complexo da imigração, o Governo legislou dentro dos limites 
 pré-definidos por aquela.
 Da história do diploma, cabe realçar, como bem acentuou o Ministério Público 
 junto deste Tribunal, que “(…) A Lei nº 22/2002 teve na sua origem na Proposta 
 de Lei nº 10/IX, podendo ver-se pela exposição de motivos que pretendia 
 consagrar um regime sancionatório criminal mais adequado a prevenir e reprimir 
 os actos ilícitos relacionados com a imigração clandestina e com a exploração da 
 mão-de-obra dos estrangeiros em situação não regularizada, dizendo-se no 
 articulado (artigo 2º, alínea o)) que se visa aperfeiçoar o regime sancionatório 
 das infracções criminais associadas ao fenómeno da imigração ilegal, criando 
 novos tipos criminais e agravando as medidas das penas aplicáveis (Diário da 
 Assembleia da República, II Série, nº 13/IX/1, de 16 de Junho de 2002).
 Constata-se assim, que em relação à redacção final constante da Lei foi 
 acrescentado: “designadamente no sentido de criminalizar o trânsito ilegal de 
 cidadão estrangeiro em território nacional”.
 Esta nova formulação surgiu durante o processo legislativo, constando já do 
 Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e 
 Garantias (Diário da Assembleia da República, II Série A, nº 21/IX/1, de 13 de 
 Julho de 2002) 
 Durante a discussão da Proposta esta matéria mostrou-se consensual e as poucas 
 intervenções que tiveram lugar foram no sentido de concordância com o que o 
 Governo propunha (Diário da Assembleia da República, I Série, nº 26/IX/1, de 29 
 de Junho de 2002). (…)”
 
                   O Governo editou pois, o Decreto-Lei nº 34/2003, onde no 
 preâmbulo, além de se referir sensivelmente nos mesmos termos aquilo que 
 constava na exposição de motivos da Proposta de Lei, se acrescenta que se 
 procede à transposição para o direito interno do previsto na Directiva nº 
 
 2002/50/CE, do Conselho de 28 de Novembro, relativo à definição do auxílio à 
 entrada, ao trânsito e à residência irregulares e na decisão quadro do Conselho 
 de 28 de Novembro de 2002, relativo ao reforço do quadro penal para prevenção do 
 auxílio à entrada ao trânsito e à residência irregulares (…)”.
 
  
 
                   5.3.
 O artigo 1.º da referida directiva tem a seguinte redacção:
 
  
 
 “1. Os Estados-Membros devem adoptar sanções adequadas: (…)
 b) Contra quem com fins lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não 
 sendo nacional do Estado-Membro a permanecer no território de um Estado-Membro, 
 em infracção da legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de 
 estrangeiros.”
 
  
 Com o Decreto-Lei n.º 34/2003 de 25 de Fevereiro, o artigo 134º-A do Decreto-Lei 
 n.º 244/98 de 8 de Agosto passou a ter a seguinte redacção:
 
  
 
  
 Artigo 134.º
 
 (Auxílio à imigração ilegal)
 
 1 – (…)
 
 2 – Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou 
 o trânsito ilegais de cidadãos estrangeiros  em território nacional, com 
 intenção lucrativa,  é  punido com pena de  prisão de 1 a 4 anos.
 
 (…)”
 
  
 
                   
 Ora, com esta alteração, o favorecimento à entrada, permanência e ou trânsito de 
 cidadãos estrangeiros, feito ilegalmente, é punido criminalmente. Ou seja, em 
 virtude da alteração introduzida pelo Governo, o favorecimento à permanência – 
 que é o que está em causa nos presentes autos –  passou a integrar o tipo de 
 crime de auxílio à imigração ilegal contido no (novo) artigo 134º-A.
 
                   Torna-se assim claro que o sentido da autorização legislativa 
 concedida foi o de criar um programa legislativo mais severo para este tipo de 
 criminalidade, com agravação das já existentes e adopção de novas incriminações. 
 Na verdade, este artigo, substancialmente, visou uma real «judicialização» das 
 condutas ilegais relacionadas com a imigração – mormente com a conduta em apreço 
 
 –, tendo o Governo procedido à definição de novos tipos criminais para dar 
 expressão a um programa que traduz a necessidade de controle e solução, pelos 
 Estados, do crescente fenómeno migratório ilegal.          Ora, a criminalização 
 do favorecimento à permanência enquadra-se perfeitamente na ideia de combate a 
 este tipo de criminalidade, resultando num real aperfeiçoamento do regime 
 sancionatório até então em vigor.
 Diz a recorrente que “Caso se entenda que a incriminação inovadora do auxílio à 
 permanência ilegal está coberta pela fórmula não taxativa da citada alínea o), 
 interpretada como apenas exemplificativa da criação de novos tipos criminais, 
 nem por isso deixa de ofender a reserva relativa de competência legislativa da 
 Assembleia da República, uma vez que, assim interpretada, a norma da al. o) do 
 art. 2º da Lei nº 22/2002, de 21 de Agosto, não respeita a exigência de definir 
 com rigor o sentido da autorização concedida ao Governo e será ela própria 
 inconstitucional, por violação do comando contido no nº 2 do artº 165º CRP, como 
 deve ser declarado. 
 Mas se é certo que a lei de autorização emprega a expressão designadamente 
 
 [“designadamente no sentido de criminalizar o trânsito], só aparentemente ela 
 traduz uma fórmula aberta, não taxativa, de enumerar as situações a 
 criminalizar. A expressão designadamente conjugada com a expressa referência às 
 situações constantes da autorização legal, fornece ao Governo credencial 
 parlamentar bastante para editar o tipo criminal em apreço.
 Aliás, como salientou o Ministério Público, “mal se compreenderia que o 
 legislador criminalizasse o favorecimento do simples trânsito e não o fizesse em 
 relação à permanência (…), pois a criminalização operada pelo legislador do 
 auxílio à permanência ilegal em território nacional – tal qual como empreendida 
 no caso sub judicio – se configura como um aperfeiçoamento de um tipo de crime 
 já existente no artigo 134º do anterior Decreto-Lei n.º 244/98 de 8 de Agosto, 
 passando a integrar o tipo de crime de auxílio à imigração ilegal – no novo 
 corpo do artigo 134º-A – certas condutas (nomeadamente, o auxílio à permanência) 
 que o não eram até aqui.
 Não resulta, pois, que esta interpretação das normas contidas na lei de 
 autorização legislativa n.º 22/2002 de 21 de Agosto, nomeadamente a que resulta 
 da alínea o) do seu artigo 2º, que permitiu a edição do n.º 2 do artigo 134º-A 
 do Decreto-Lei n.º 34/2003 de 25 de Fevereiro, seja violadora do disposto no n.º 
 
 2 do artigo 165º da Lei Fundamental.
 
                                     
 III.
 Decisão
 
  
 Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao 
 recurso.
 Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
 
  
 Lisboa, 10 de Julho de 2007
 
  
 Carlos Pamplona de Oliveira
 José Borges Soeiro
 Gil Galvão
 Maria João Antunes (votei vencida, nos termos da declaração junta, quanto à 
 questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 170.º do Código Penal)
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 
  Declaração de voto
 
  
 Votei vencida por entender que o artigo 170º, nº 1, do Código Penal, na redacção 
 dada pela Lei nº 65/98, de 2 de Setembro, é inconstitucional, por violação do 
 artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
 A Lei nº 65/98 alterou a estrutura típica do crime de Lenocínio, previsto no 
 artigo 170º do Código Penal, eliminando a exigência típica da “exploração duma 
 situação de abandono ou necessidade”, ao arrepio de uma evolução legislativa, em 
 matéria de crimes sexuais, que se inscreve num paradigma de intervenção mínima 
 do direito penal, o ramo do direito que afecta, mais directamente, o direito à 
 liberdade (artigo 27º, nºs 1 e 2, da CRP). Num paradigma em que a intervenção é 
 apenas a necessária para a tutela de bens jurídicos (não da moral), que não 
 obtêm protecção suficiente e adequada através de outros meios de política 
 social. 
 Com eliminação daquela exigência típica, o legislador incrimina comportamentos 
 para além dos que ofendem o bem jurídico da liberdade sexual, relativamente aos 
 quais não pode ser afirmada a necessidade de restrição do direito à liberdade, 
 enquanto direito necessariamente implicado na punição (artigos 18º, nº 2, e 27º, 
 nºs 1 e 2, da CRP).
 Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/95 (Diário da 
 República, II Série, de 24 de Junho de 1995) “o que justifica a inclusão de 
 certas situações no direito penal é a subordinação a uma lógica de estrita 
 necessidade das restrições de direitos e interesses que decorrem da aplicação de 
 penas públicas (artigo 18º, nº 2, da Constituição). E é também ainda a 
 censurabilidade imanente de certas condutas, isto é, prévia à normativação 
 jurídica, que as torna aptas a um juízo de censura pessoal.
 Em suma, é, desde logo, a exigência de dignidade punitiva prévia das condutas, 
 enquanto expressão de uma elevada gravidade ética e merecimento de culpa (artigo 
 
 1º da Constituição, do qual decorre a protecção da essencial dignidade da pessoa 
 humana), que se exprime no princípio constitucional da necessidade das penas (e 
 não só da subsidiariedade do direito penal e da máxima restrição das penas que 
 pressupõem apenas, em sentido estrito, a ineficácia de outro meio jurídico” 
 
 (cf., ainda, no sentido de o artigo 18º, nº 2, ser critério para aferir da 
 legitimidade constitucional das incriminações, os Acórdãos nºs 634/93, 650/93, 
 Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1994, e 958/96, Diário da 
 República, II Série, de 19 de Dezembro de 1996). 
 
                                                              Maria João Antunes