 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 787/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 
  
 
                  Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional:
 
  
 
  
 A – Relatório
 
  
 
                  1 – A. e outros reclamam para o Tribunal Constitucional nos 
 termos do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua 
 actual versão (LTC), do despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, 
 de 10 de Julho de 2006, que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional de decisão por ele proferida, ao abrigo do art. 688.º, n.º 2, do 
 Código de Processo Civil (CPC), que indeferiu a reclamação por eles deduzida 
 contra despacho do relator, no Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Março de 
 
 2006, o qual, por sua vez, não admitira o recurso para uniformização de 
 jurisprudência, interposto pelos mesmos reclamantes para o Supremo Tribunal de 
 Justiça do acórdão da mesma Relação, de 15 de Novembro de 2005, pedindo a 
 admissão e subida do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
                  2 – Fundamentando a sua reclamação, os reclamantes dizem o 
 seguinte:
 
  
 
     «A. e outros, fundados em oposição de acórdãos, recorreram para o Supremo 
 Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, em autos de 
 expropriação, alterou a decisão da 1ª Instância, fixando a indemnização devida 
 aos expropriados em 12.055.120$00, montante esse a actualizar a partir de 11 de 
 Maio de 1997 até à data da decisão final de acordo com a evolução do índice de 
 preços no consumidor com exclusão da habitação. 
 
  
 Por despacho do Exmo. Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido por 
 não se verificar a invocada oposição de acórdãos. 
 
  
 Desse despacho reclamam os recorrentes, sustentando que o recurso é admissível, 
 nos termos do artigo 678º, nº 4, do CPC, por o acórdão em crise se encontrar em 
 oposição com outros proferidos pelas Relações do Porto e de Guimarães. 
 
  
 O regime que vigorava quando o presente processo se iniciou, em 1997 (como se 
 encontra narrativamente certificado a fls. 42), era o Código das Expropriações 
 aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro. 
 
  
 Ora, o artigo 64º, nº 2, do referido Código prescrevia que da sentença que 
 fixasse o montante indemnizatório a pagar pela entidade expropriante cabia 
 recurso para o tribunal da Relação e pelo acórdão nº 10/97, de 30.5.95, 
 publicado no DR, I Série A, de 15 de Maio de 1997, fixou-se jurisprudência, no 
 sentido de que “o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, 
 de 9 de Novembro consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo 
 Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da 
 indemnização devida”, entendimento este que veio a obter consagração legal no 
 artigo 66º, nº 5, do novo Código das Expropriações.
 
  
 Donde resulta que se prevê a impossibilidade de recurso para o Supremo Tribunal 
 de Justiça quando esteja em causa o montante da indemnização a pagar pela 
 entidade expropriante, porque nestes casos já se encontra assegurado o terceiro 
 grau de jurisdição, uma vez que a decisão arbitral tem natureza jurisdicional. 
 
  
 E o caso dos autos enquadra-se nesta situação, porquanto a questão que se 
 colocou à Relação e esta decidiu respeita ao valor da indemnização. 
 
  
 Acontece que, atento o valor da causa, superior à alçada da Relação, e 
 verificando-se a excepção contida no nº 4 do artigo 678º do CPC o recurso para o 
 Supremo Tribunal de Justiça é sempre admissível. 
 
  
 E, segundo o artigo 678º, nº 1, do CPC, quando o recurso se baseia neste 
 fundamento, deve fazer-se-lhe referência no requerimento de interposição, 
 indicando-se o acórdão em oposição, para que o relator possa apreciar a 
 verificação desse pressuposto legal, como se fez (foram indicados dois 
 acórdãos-fundamento, um da Relação do Porto e outro da Relação de Guimarães). 
 
  
 O Exmo. Desembargador relator não admitiu o recurso por não se verificar a 
 referida oposição. 
 
  
 Ora, segundo alegaram os reclamantes, a referida oposição respeita à 
 classificação dos solos, porquanto no acórdão de que se pretende recorrer o 
 prédio rústico expropriado foi classificado como solo para outros fins e nos 
 acórdãos-fundamento como solos aptos para construção. 
 
  
 Sucede, porém, como se diz no despacho reclamado, que as parcelas expropriadas a 
 que se reportam os acórdãos indicados pelos ora reclamantes e a dos presentes 
 autos não são iguais, logo os respectivos solos são susceptíveis de terem 
 classificações diversas. 
 
  
 Daí que os acórdãos tenham sido proferidos com base em pressupostos diferentes, 
 o que exclui a identidade de situações de facto susceptível de basear a oposição 
 de acórdãos. 
 
  
 Pelo exposto, indeferiu-se a reclamação. 
 
  
 O ora recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com a 
 douta decisão que lhe foi notificada, vem dela interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, o que faz nos seguintes termos: 
 
  
 O recurso é interposto ao abrigo dos artigos 70º nº 1, als. b) e f), nº 3 do 
 artigo 70º, 75º, nº 2 e 76º, nº 4 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na 
 redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei nº 13-A/98, de 26 
 de Fevereiro. 
 
  
 Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma dos artigos 2º e 20º, 
 conjugada com o nº 1, do artigo 205º da CRP, relativa ao princípio da 
 fundamentação dos actos jurisdicionais. De igual modo, recurso ordinário 
 interposto para uniformização de jurisprudência, não admitido com fundamento em 
 irrecorribilidade da decisão. 
 
  
 Tal norma ou normas violam o principio constitucionalmente consagrado no artigo 
 
 205º, nº 1 da CRP, princípio da fundamentação dos actos jurisdicionais, não se 
 referindo apenas ás decisões sobre o mérito da causa, mas a todas e quaisquer 
 decisões em relação às quais o legislador resolve entender o princípio, 
 abarcando potencialmente as próprias decisões sobre a matéria de facto, devendo 
 cumprir as funções de ordem endoprocessual e extraprocessual. A insuficiência ou 
 mediocridade da fundamentação patenteada no douto acórdão proferido pelo 
 Tribunal da Relação do Porto, no Processo nº 976/2000-2, 2ª Secção, conforme 
 melhor se colhe de fls. 558 vº daqueles autos, no que concerne à classificação 
 dos solos, veio a ser confirmada pelo STJ, limitando-se a adoptar uma forma 
 célere e simplificada de fundamentação da decisão pelo tribunal, o que 
 consequentemente ao indeferir a reclamação veio a consistir na denegação da 
 justiça e omissão da tutela jurisdicional efectiva, por ausência de processo 
 equitativo e coartando a garantia de acesso ao Direito. 
 
  
 A questão de inconstitucionalidade foi suscitada nos autos a fls. 552, 
 Requerimento, autuado sob o Processo nº 976/2000-2 Tribunal da Relação do Porto; 
 Reclamação nº 2327/06, 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça; e Processo nº 
 
 431/97, Tribunal Judicial de Valença. 
 
  
 Diremos que, a ausência de motivação fundamento da inconstitucionalidade, surgiu 
 no último despacho proferido nos autos. Não era possível junto da Relação 
 invocar a fundamentação porque efectivamente se tratava de obter uma 
 uniformização de jurisprudência. 
 
  
 E situação na qual normalmente não se verifica a discussão dos factos mas tão 
 somente as questões de Direito, ficando os factos relegados para uma composição 
 secundária. 
 
  
 O recurso sobe nos próprios autos e tem efeito suspensivo (artigo 78º, nº 4, da 
 LTC). 
 
  
 Nestes termos, requer a V. Excia. que se digne admitir o presente recurso e 
 feito o mesmo subir, com o efeito próprio, seguindo-se os termos legais».
 
  
 
                  3 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
 «A. e outros vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional para que 
 seja ”apreciada a inconstitucionalidade da norma dos artigos 2º e 20º, conjugada 
 com o nº 1 do art. 205º da CRP, relativa ao princípio da fundamentação dos actos 
 jurisdicionais. De igual modo, recurso ordinário interposto para uniformização 
 de jurisprudência, não admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão. 
 Tal norma ou normas violam o princípio constitucionalmente consagrado no artigo 
 
 205º, nº 1 da CRP, princípio da fundamentação dos actos jurisdicionais...“. 
 Apenas diremos, face ao disposto no nº 2 do art. 72º da LTC, que o recurso 
 previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela 
 parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo 
 processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer”. 
 Ora, os recorrentes nada invocaram, designadamente no requerimento de fls. 552 e 
 na reclamação, como agora alegam. 
 Por todo o exposto, não se admite o recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional. 
 Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça de 1UC. 
 Notifique».
 
                  
 
                  4 – O Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pelo indeferimento 
 da reclamação.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
                  5 – A decisão, ora reclamada, que acima se deixou transcrita, 
 abonou-se na consideração de que «o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do 
 art. 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão 
 da inconstitucionalidade de “modo processualmente adequado perante o tribunal 
 que proferiu a decisão recorrida, em termos de estar obrigado a dela conhecer”» 
 e na de que “os recorrentes nada invocaram, designadamente no requerimento de 
 fls. 552 e na reclamação [que deduziram para o Presidente do STJ, nos termos do 
 art. 688.º, n.º 2, do CPC], como agora alegam”.
 
                  Os reclamantes, na sua reclamação, vieram reafirmar que a 
 questão de constitucionalidade havia “sido suscitada nos autos a fls. 552, 
 Requerimento, autuado sob o Processo nº 976/2000-2 Tribunal da Relação do Porto; 
 Reclamação nº 2327/06, 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça; e Processo nº 
 
 431/97, Tribunal Judicial de Valença” e que a “ausência de motivação fundamento 
 da inconstitucionalidade, surgiu no último despacho proferido nos autos”, pelo 
 que “não era possível junto da Relação invocar a fundamentação porque 
 efectivamente se tratava de obter uma uniformização de jurisprudência” “E[e] 
 situação na qual normalmente não se verifica a discussão dos factos mas tão 
 somente as questões de Direito, ficando os factos relegados para uma composição 
 secundária”. 
 
                  Todavia, não pode considerar-se que os reclamantes tenham 
 suscitado, de modo processualmente adequado, a questão de constitucionalidade 
 que pretendem ver apreciada, nem que estejam dispensados do cumprimento do 
 respectivo ónus de adequada suscitação. No que tange ao primeiro aspecto, 
 importa notar que, mesmo admitindo que os reclamantes houvessem suscitado em 
 diferentes momentos processuais anteriores a questão de constitucionalidade, 
 sempre estariam obrigados a recolocá-la perante o tribunal que proferiu a 
 decisão recorrida, de acordo com o exigido pelo n.º 2 do art. 72.º da LTC e vem 
 sendo continuamente reafirmado pelo Tribunal Constitucional. Trata-se de uma 
 solução que encontra a sua razão de ser no respeito pelo princípio da hierarquia 
 em que os tribunais se estruturam e no sistema do controlo difuso da 
 constitucionalidade que foi adoptado pela Constituição (art. 204.º).
 
                  Ora, o que é certo é que os reclamantes não o fizeram na 
 reclamação deduzida nos termos do art. 688.º, n.º 2, do CPC, para o Presidente 
 do STJ, contra o despacho do relator, no Tribunal da Relação do Porto que não 
 admitiu o recurso. Em ponto algum de tal articulado se vislumbra a colocação de 
 qualquer problema de constitucionalidade.     Como vem sendo repetidamente 
 entendido pelo Tribunal Constitucional, “uma questão de constitucionalidade 
 normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado 
 quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o 
 princípio ou a norma constitucional que considera adequados e apresenta uma 
 fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida” ou seja, 
 simpliciter, quando o recorrente problematiza a questão da validade de uma certa 
 norma perante certos preceitos ou princípios constitucionais. De tal 
 problematização não se vê o mínimo rasto no articulado da referida reclamação, 
 como bem nota a decisão ora reclamada.
 
                  No que tange ao segundo aspecto, cumpre referir que constitui 
 jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional que apenas podem constituir 
 objecto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do art. 70.º da LTC normas jurídicas e não decisões judiciais, mesmo 
 quando estas façam aplicação directa de normas ou princípios constitucionais 
 
 (cf., nesse sentido, os Acórdãos n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de 
 Março de 1989, e nºs 361/98, 286/93, 336/97, 702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, 
 todos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/), e que o 
 recorrente apenas se encontra dispensado do cumprimento do ónus de suscitação da 
 questão de constitucionalidade normativa nos casos tidos como “anómalos” ou 
 
 “excepcionais” (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 
 
 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 5º vol., pp. 497 e 663 e no Diário da República, II Série, de 28 
 de Maio de 1994), como aqueles em que o recorrente não desfrutou da oportunidade 
 de questionar a validade constitucional da norma aplicada, ou, dispondo dela, 
 veio a ser confrontado com uma norma ou interpretação normativa de todo 
 
 “insólita” e “imprevisível”, sobre a qual seria desrazoável e inadequado exigir 
 ao interessado um prévio juízo de prognose relativo à sua aplicação, em termos 
 de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando a questão de 
 constitucionalidade (cf., entre muitos, os Acórdãos nºs 120/04 e 595/05, 
 disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, e a jurisprudência neles 
 mencionada).
 
                  Porém, tal situação não ocorre, manifestamente, no caso dos 
 autos. Na verdade, colocando os recorrentes, na reclamação para o Presidente do 
 STJ, regulada no art. 688.º do CPC, a questão da admissibilidade do recurso 
 interposto para o STJ, sob a alegação de que, tendo por objecto a fixação de 
 jurisprudência, o mesmo cabia na hipótese contemplada nos art.ºs 678.º, n.º 4, 
 do CPC, não poderiam os mesmos deixar de questionar a validade constitucional de 
 tal norma, quer perante esse preceito, quer perante o prescrito no n.º 2 do art. 
 
 732.º-A do CPC, em virtude de a questão a decidir pelo órgão jurisdicional ad 
 quem haver de ser decidida – como, aliás, o foi – com base na aplicação de tais 
 normas. De resto, o art. 678.º, n.º 4, do CPC incorpora no seu regime as 
 condições que o n.º 2 do art. 732.º-A do mesmo compêndio legislativo estabelece 
 para a admissibilidade do recurso de revista ampliada, no caso de “possibilidade 
 de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência 
 anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão 
 fundamental de direito”.
 
                  Por outro lado, no que concerne à violação do dever 
 constitucional de fundamentação das decisões judiciais, o que os reclamantes 
 controvertem, na reclamação, não é qualquer norma de direito infraconstitucional 
 que reja essa matéria, mas sim a decisão judicial em si própria e já vimos que 
 isso não é possível no recurso de constitucionalidade.
 
                  Deste modo a reclamação não pode deixar de ser indeferida.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
                  6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação e condenar os reclamantes nas custas, fixando-se a 
 taxa de justiça em 20 UCs.
 Lisboa, 18.10.2006
 Benjamim Rodrigues
 Maria Fernanda Palma
 Rui Manuel Moura Ramos