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Processo n.º 1204/07
 
 3ª Secção
 Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
 
 
 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
 1. Relatório
 
   
 Pelo juiz do 3° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Guimarães, foi proferido 
 despacho, a fls. 301 a 303, com o seguinte teor: 
 
  
 
 “[…]
 No dia 1 de Janeiro de 2007, entrou em vigor a Lei nº 53-A/2006, de 29 de 
 Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2007. Tal diploma introduziu 
 várias alterações ao Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei 
 n.º 15/2001, de 5 de Junho).
 Uma das alterações introduzidas, e que releva para a tramitação processual dos 
 presentes autos, é a implementação de uma nova condição de punibilidade no que 
 concerne ao crime de abuso de confiança fiscal tipificado no artigo 105.º do 
 diploma já citado. 
 
 […] 
 Confrontando o regime anterior (RGIT) com aquele que entrou em vigor no 
 transacto dia 1 de Janeiro constata-se que, independentemente do valor em 
 dívida, para que se verifique um crime de abuso de confiança fiscal é sempre 
 necessário existir uma notificação para que o agente, em 30 dias, proceda ao 
 pagamento da prestação tributária em dívida, acrescida de juros e do valor da 
 coima aplicável, advertindo-o de que, só no caso de não efectuar tal pagamento 
 voluntário, é que o facto será punível. 
 
 […] 
 Conforme se constata de fls. 286 a 288 já se encontram pagas as prestações 
 tributárias em dívida nos presentes autos acrescidas dos respectivos acréscimos 
 legais. 
 Assim, atentas as considerações supra expendidas, determina-se a notificação dos 
 arguidos Confecção A., Lda., B. e C. para, querendo, no prazo de 30 dias, 
 procederem ao pagamento do valor das coimas aplicáveis junto da administração 
 tributária, o qual deverá ser comprovado nos presentes autos, informando-os de 
 que o mencionado pagamento determinará a extinção do presente procedimento 
 criminal.
 
 […]”
 
  
 Notificados deste despacho, os arguidos Confecções A. Lda., B. e C. apresentaram 
 requerimento (a fls. 316 e seguintes) no qual alegam, para o que agora releva:  
 
  
 
 “[…]
 as coimas em questão constituem contra-ordenação fiscal, em virtude das supra 
 referidas faltas de entrega de prestações tributárias – art.° 114º do RGIT. 
 
 15º O pagamento de tais coimas é de responsabilidade da arguida sociedade, e não 
 dos seus sócios e gerentes. 
 
 16º Isto porque, “a responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas 
 no n°1 (pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e 
 outras entidades fiscalmente equiparadas) exclui a responsabilidade individual 
 dos respectivos agentes” – art.° 7°, n.º 4, conjugado com o n. ° 1 da mesma 
 norma do RGIT. 
 
 17º  Pelo que, o procedimento criminal contra os arguidos B. e C. deverá ser 
 extinto, atento o pagamento da quantia supra mencionada, acrescida dos 
 respectivos acréscimos legais e ainda ao facto de qualquer um destes arguidos 
 não ser responsável pelo pagamento das coimas aplicáveis, resultantes da falta 
 de entrega das prestações tributárias. 
 
 18° Se assim não se entender, então o douto despacho de fls. 301, 302 e 303 faz 
 depender a extinção do procedimento criminal do pagamento da coima. 
 
 19º O n.º 4 do art.° 105° do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 
 
 53-A/2006, de 29 de Dezembro, interpretado no sentido de fazer depender a 
 extinção do procedimento criminal dos sócios e gerentes do pagamento da coima 
 aplicável pela falta de entrega das prestações tributárias é inconstitucional, 
 uma vez que viola o princípio do acusatório, atento o disposto no art.° 32°, n.º 
 
 5, da Constituição da República Portuguesa. 
 
 20° Inconstitucionalidade que expressamente aqui se invoca. 
 
 […]
 Termos em que: 
 a) atento o pagamento da quantia referente às prestações tributárias, acrescida 
 dos respectivos acréscimos legais e ainda ao disposto no art.° 7º, n.ºs 1 e 4, 
 do RGIT, deverá ser julgado extinto o procedimento criminal no que tange aos 
 arguidos B. e C.; 
 
 […]”
 
  
 O Ministério Publico pronunciou-se a fls. 325 e seguintes no sentido de ser 
 indeferido o requerido pelos arguidos.
 
  
 O juiz do 3° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Guimarães, proferiu 
 despacho (a fls. 333 a 338) com o seguinte teor: 
 
  
 
 “[…]
 Actualmente, e dada a letra da lei (“os factos só são puníveis...”), o não 
 pagamento da prestação tributária, seja qual for o valor que esteja em dívida, 
 constitui uma (segunda) condição de punibilidade. 
 Sempre defendemos desde a entrada em vigor da Lei nº 53-A/2006, de 29/12, que o 
 objectivo visado não foi uma qualquer despenalização do crime de abuso de 
 confiança fiscal, mas antes a introdução de uma nova condição objectiva de 
 punibilidade. 
 
 […]
 Este nosso entendimento obteve recentemente o aplauso do STJ em acórdão 
 proferido no âmbito do Processo 4086/06-3 respeitante a um recurso de uma 
 decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Coimbra – 1° Juízo Criminal, 
 disponível em www.stj.pt, e que passamos a seguir de perto. 
 
 […]
 Do exposto derivam duas ordens de consequências: 
 
 - A primeira consubstancia-se no entendimento de que a nova redacção do artigo 
 
 105º do RGIT e, nomeadamente do seu n.º 4, consagra uma condição objectiva de 
 punibilidade. 
 
 - A segunda, que radica na primeira, conduz à conclusão da aplicabilidade de tal 
 condição ao caso vertente por aplicação directa do princípio da lei mais 
 favorável ínsito no artigo 2°, n.° 4, do Código Penal. 
 E o acórdão que vimos mencionando termina, ordenando a devolução dos autos ao 
 Tribunal recorrido a fim de que se procedesse à notificação a que alude o 
 referido normativo do RGIT e, decorrido o prazo de trinta dias ali cominado, se 
 verificasse sobre a existência da referida condição objectiva de punibilidade. 
 Decorre do exposto que o STJ teve já a oportunidade de se pronunciar sobre a 
 questão suscitada pelos arguidos e, em tal pronunciamento, confirmou ponto por 
 ponto a posição que temos vindo a adoptar neste e noutros processos, ou seja, 
 que não existe qualquer despenalização, mas sim a introdução de uma nova 
 condição ou requisito de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal. 
 Do exposto, decorre que os arguidos também não têm qualquer razão em trazerem à 
 colação o art° 7° do RGIT, nomeadamente o n° 4 deste normativo [nos termos do 
 qual “a responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n° 1 
 
 (pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras 
 entidades fiscalmente equiparadas) exclui a responsabilidade individual dos 
 respectivos agentes”] para depois concluírem que o procedimento criminal contra 
 os arguidos B. e C. deve ser julgado extinto. 
 
 É que o não pagamento da prestação tributária, juros respectivos e coima 
 aplicável no prazo de 30 dias a que alude a al. b) do n°4 do art° 105° do RGIT 
 não é um elemento típico de uma qualquer conduta ou infracção 
 contra-ordenacional, mas uma condição objectiva de punibilidade de um crime. 
 Em suma: situámo-nos, evidentemente, no domínio da responsabilidade criminal e 
 não no domínio da responsabilidade contra-ordenacional. 
 Assim sendo, não se vislumbra também qualquer inconstitucionalidade da referida 
 norma, nomeadamente, a invocada. 
 O que sucede é que, estando já pagas as prestações tributárias e juros em 
 dívida, qualquer dos arguidos poderia ter procedido ao pagamento da coima 
 aplicável junto da administração tributária, o que teria determinado a extinção 
 do procedimento criminal. 
 Pelo exposto, indefere-se o requerido. 
 
  […]”
 
  
 Notificados deste despacho, os arguidos B. e C. apresentaram recurso para o 
 Tribunal da Relação de Guimarães (a fls. 366 e seguintes) alegando, para o que 
 agora releva:
 
  
 
 “[…]
 Conclusões: 
 
 […]
 
 5 - O n.º 4, alínea b), do art.° 105° RGIT, na sua nova redacção, fala em coima 
 aplicável, mas, in casu, não é aplicável qualquer coima aos recorrentes. 
 
 6 - Aquela coima aplicável resulta de contra-ordenação fiscal, em virtude das 
 faltas de entrega de prestações tributárias — art.°s 31° e 114° RGIT, ou seja, 
 no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional. 
 
 7 - O art.° 7°, n.º 4, conjugado com o n.º 1 do RGIT refere que “A 
 responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n° 1 (pessoas 
 colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras 
 entidades fiscalmente equiparadas) exclui a responsabilidade individual dos 
 respectivos agentes”. 
 
 8 - A interpretação que o Tribunal “a quo” faz do novo art.° 105°, n.º 4, do 
 RGIT não está de acordo com o seu elemento literal. 
 
 9 - Em sentido literal aquele normativo impõe que o arguido só pague o valor da 
 coima aplicável se ele próprio (arguido) for legalmente responsável por tal 
 pagamento. 
 
 10 - Os recorrentes para beneficiarem do arquivamento dos autos, no entendimento 
 do Tribunal “a quo” têm que pagar o que por si e pela sociedade arguida nestes 
 autos é devido. 
 
 11 - A interpretação que o Tribunal a quo” faz do art.° 105°, n.º 4, do RGIT, na 
 sua nova redacção, no sentido de que o cidadão terá de efectuar o pagamento do 
 imposto, acréscimos legais e coimas devidas ainda que de responsabilidade de 
 terceiro, é materialmente inconstitucional por violação do disposto no n.º 3 do 
 art.° 30º da CRP. 
 
 12 - Tal interpretação pressupõe a transmissão aos recorrentes da obrigação de 
 pagamento de uma coima, cuja responsabilidade recai exclusivamente sobre a 
 arguida sociedade. 
 
 13 - Esta interpretação seria ainda materialmente inconstitucional por expressa 
 violação do disposto nos art.°s 29° e 32°, n.º 5, da mesma lei fundamental. 
 
 14 - Inconstitucionalidade que se invoca de forma expressa. 
 
 15 - A notificação feita para pagamento da coima aplicável só deveria ter sido 
 feita à arguida sociedade (Confecções A., Lda.), por só ela ser responsável pelo 
 pagamento dessa coima. 
 
 16 - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 29°, 30°, n.º 3, e 32°, 
 n.º 5 todos da C.R.P., 7°, n.ºs 1 e 4, e 105°, n.º 4, na redacção dada pela Lei 
 n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ambos do RGIT. 
 
  […]”
 
  
 Por acórdão de fls. 460 e seguintes, o Tribunal da Relação de Guimarães negou 
 provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido, com a seguinte 
 fundamentação: 
 
  
 
 “[…]
 No caso em análise temos que os arguidos B. e C. não se conformando com a 
 decisão do Senhor Juiz que considerou não estar integralmente cumprida a 
 condição a que se refere o art° 105°, al. b), do RGIT, na redacção que lhe foi 
 dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (não pagamento do valor da coima 
 aplicável), não decretando, por isso, a extinção do respectivo procedimento 
 criminal, suscitam a este tribunal, no essencial, a questão de saber se o facto 
 de o referido valor da coima aplicável” não haver sido satisfeito pelos 
 arguidos, obsta ao desiderato pretendido do decretamento da extinção do 
 procedimento criminal. 
 Na perspectiva dos recorrentes, a “coima aplicável” a que se refere o citado 
 normativo legal, não é aplicável, in casu, desde logo, porque aquela coima 
 resulta de contra-ordenação fiscal, em virtude da falta de entrega de prestações 
 tributárias — art°s 31 e 114° do RGIT. 
 Salientam, por outro lado, que a interpretação que o tribunal a quo fez do 
 citado art° 105°, n.º 4, do RGIT, na sua actual redacção, é materialmente 
 inconstitucional por violação do disposto no n.º 3 do art° 30º da CRP e 29° e 
 
 32° da mesma Lei Fundamental. 
 E o que desde já se dirá é que, salvo o devido respeito, a argumentação aduzida 
 pelos recorrentes para sustentar a sua tese (a qual, repete-se, em síntese 
 preconiza que, in casu, o pagamento das prestações tributárias em dívida e 
 respectivos juros, é condição suficiente para que seja decretada a extinção do 
 procedimento criminal), não nos convence, pelas razões que constam do despacho 
 recorrido, que está fundamentado de forma cuidadosa, sem merecer quaisquer 
 reparos, e do qual só não se transcrevem as partes mais significativas por ser 
 repetitivo. 
 Acrescentar-se-á, ainda assim, o seguinte: 
 Que os arguidos são tão responsáveis legalmente pelo pagamento da “coima 
 aplicável” quanto a sociedade “Confecções A., Lda.”, resulta, desde logo, do 
 facto de ambos actuarem em nome e no interesse da sociedade, na exacta medida em 
 que são os seus sócios e gerentes. 
 Por outro lado, uma vez efectuado o pagamento da “coima aplicável” sempre os 
 arguidos poderiam exercer o seu direito de regresso perante a sociedade. 
 De resto, o legislador que introduziu as alterações ao art° 105, n.º 4, do RGIT, 
 foi muito claro ao incluir na nova condição objectiva de punibilidade, não 
 apenas o pagamento da prestação tributária, acrescida dos juros respectivos, mas 
 também o pagamento da coima aplicável. 
 Caso o legislador tivesse entendido que a responsabilidade pelo pagamento da 
 falada coima era de terceiros, tê-lo-ia dito expressamente, o que, como vimos 
 não fez. 
 Quer isto significar que a tese dos recorrentes está condenada, ab initio, ao 
 fracasso, por falta de apoio legal. 
 Face ao exposto se conclui que não se mostram violados quaisquer preceitos 
 legais ou constitucionais, nem os indicados pelo recorrente, nem quaisquer 
 outros. 
 
 […]”.
 
  
 A fls. 496 os arguidos B. e C. interpuseram recurso, do despacho de fls. 333 a 
 
 338, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da 
 constitucionalidade da interpretação do art.° 105°, n.º 4, do RGIT, na redacção 
 introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, no sentido de fazer depender a 
 extinção do procedimento criminal dos sócios e gerentes do pagamento da coima 
 aplicável pela falta de entrega das prestações tributárias.
 
  
 O recurso de constitucionalidade foi admitido, por despacho de fls. 497. 
 
  
 Notificados para o efeito, os recorrentes apresentaram (a fls. 503 a 512) as 
 seguintes alegações:
 
  
 
 “[…]
 
 É de salientar, que esta nova redacção dada ao n.º 4 do art.° 105° RGIT fala em 
 coima aplicável. 
 Ora, aos recorrentes não é aplicável qualquer coima. 
 Isto porque, aquela coima aplicável resulta de contra-ordenação fiscal, em 
 virtude das faltas de entrega de prestações tributárias — art°s 31° e 114º RGIT. 
 
 
 E certo é que, “A responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas 
 no nº. 1 (pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, 
 e outras entidades fiscalmente equiparadas) exclui a responsabilidade individual 
 dos respectivos agentes” – art° 7°, nº 4, conjugado com o n.º 1 da mesma norma 
 do RGIT. 
 Pelo que, estamos, evidentemente no âmbito da responsabilidade 
 contra-ordenacional e não da responsabilidade criminal. 
 Os recorrentes não deviam, por isso, ter sido notificados como foram para, 
 querendo, no prazo de 30 dias procederem ao pagamento das coimas aplicáveis 
 junto da administração tributária. 
 Assim, salvo o devido respeito, os recorrentes consideram que mal andou o 
 Tribunal da Relação de Guimarães ao afirmar no douto acórdão proferido que 
 
 “...os arguidos são tão responsáveis legalmente pelo pagamento da “coima 
 aplicável” quanto a sociedade “Confecções A., Lda.”, resulta, desde logo, do 
 facto de ambos actuarem em nome e no interesse da sociedade, na exacta medida em 
 que são os seus sócios e gerentes. 
 Por outro lado, uma vez efectuado o pagamento da “coima aplicável” sempre os 
 arguidos poderiam exercer o seu direito de regresso perante a sociedade”. 
 A respeito deste último parágrafo transcrito dir-se-á que o pagamento da “coima 
 aplicável” não é solidário, dado que a responsabilidade do seu pagamento impende 
 
 única e exclusivamente sobre a sociedade. 
 
 […]
 A notificação feita aos recorrentes impunha-se única e simplesmente à sociedade 
 arguida, pois só ela em face do que se vem expondo é responsável pelo pagamento 
 da coima aplicável in casu, já que como se disse, a responsabilidade 
 contra-ordenacional da sociedade exclui a responsabilidade individual dos 
 recorrentes [art.° 7°, n.ºs 1 e 4, do RGIT]. 
 Se assim não se entender, então a extinção do procedimento criminal dependerá do 
 pagamento das coimas aplicáveis a cada caso. 
 Ora, o despacho de fls. 333 a 338 que nega o arquivamento dos autos por os aqui 
 recorrentes, apesar de se mostrar pago o imposto mais os acréscimos legais, não 
 terem efectuado o pagamento das coimas, faz uma interpretação daquela nova 
 redacção do art.° 105°, n.º 4, do RGIT que, além do mais, não está de acordo com 
 o seu elemento literal. 
 Como se disse e se reforça, aquele dispositivo legal impõe que o arguido pague o 
 valor da coima aplicável no sentido literal de que só está obrigado a fazê-lo se 
 ele próprio for legalmente responsável por tal pagamento. 
 A decisão recorrida interpretou a dita norma no sentido de que, para beneficiar 
 do arquivamento dos autos, o arguido terá de efectuar o pagamento do que é por 
 si devido e ainda do que, não sendo da sua responsabilidade, é devido por 
 terceiro — in casu pela também arguida nestes autos Confecções A., Lda. 
 
 […]
 Além do mais, a interpretação que a decisão recorrida faz do disposto no art.° 
 
 105°, n.º 4, do RGIT, no sentido de que o cidadão terá de efectuar o pagamento 
 do imposto, acréscimos legais e coimas devidas ainda que de responsabilidade de 
 terceiro, é materialmente inconstitucional por violação do disposto no nº 3 do 
 artº 30º da CRP, já que a mesma pressupõe transmitir aos aqui recorrentes a 
 obrigação de pagamento de uma coima cuja responsabilidade é exclusiva da 
 sociedade. 
 Acresce que tal interpretação é ainda materialmente inconstitucional por 
 expressa violação do disposto nos art°s 29º e 32º, nº 5, da mesma lei 
 fundamental, inconstitucionalidade, que expressamente se invoca para todos os 
 efeitos legais. 
 Este artigo artº 32º, nº 5, da C.R.P. consagra a estrutura acusatória do actual 
 processo criminal, ou seja, a acusação é condição e limite do julgamento. 
 
 […]
 A verdade é que os recorrentes providenciaram as diligências necessárias com 
 vista ao pagamento da dívida, pagando efectivamente o que deviam na totalidade. 
 Assim, estando já pagas as prestações tributárias e juros em dívida, não deverão 
 os recorrentes ser sujeitos a um julgamento do qual não poderá resultar a 
 imputação da prática de um crime, dado que se mostra extinta a sua 
 responsabilidade em sede criminal e cuja responsabilidade pelo pagamento da 
 coima não lhes é imputado, em face do já inúmeras vezes mencionado art.° 7°, 
 n.ºs 1 e 4, do RGIT. 
 A decisão recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 29°, 30°, n.º 3, e 
 
 32°, n.º 5, todos da C.R.P., 7°, n.ºs 1 e 4, 105°, n.º 4, na redacção dada pela 
 Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ambos do RGIT. 
 Conclusões: 
 
 […]
 
 3ª - O n.º 4, alínea b), do art.° 105° RGIT, na sua nova redacção, fala em coima 
 aplicável, mas, in casu, não é aplicável qualquer coima aos recorrentes, isto 
 porque, aquela coima aplicável ali referida resulta de contra-ordenação fiscal, 
 em virtude das faltas de entrega de prestações tributárias (art.°s 31° e 114° 
 RGIT), ou seja, no âmbito da responsabilidade contra-ordenacional. 
 
 4ª - O art.° 7°, n.º 4, conjugado com o n.º 1 do RGIT refere que “A 
 responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n° 1 (pessoas 
 colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outra entidades 
 fiscalmente equiparadas) exclui a responsabilidade individual dos respectivos 
 agentes”.
 
 5ª - A interpretação que o Tribunal “a quo” faz do novo art.° 105°, n.º 4, do 
 RGIT não está de acordo desde logo com o seu elemento literal, uma vez que 
 aquele normativo impõe que o arguido só pague o valor da coima aplicável se ele 
 próprio (arguido) for legalmente responsável por tal pagamento. 
 
 6ª - Os recorrentes para beneficiarem do arquivamento dos autos, no entendimento 
 do Tribunal “a quo” têm que pagar o que por si e pela sociedade arguida nestes 
 autos é devido, sem prejuízo de beneficiarem do direito de regresso sobre a 
 sociedade Confecções A., Lda., no que ao pagamento da “coima aplicável” diz 
 respeito. 
 
 7ª - Esta interpretação pressupõe a transmissão aos aqui recorrentes da 
 obrigação de pagamento de uma coima, cuja responsabilidade recai exclusivamente 
 sobre a referida sociedade arguida. 
 
 8ª - Esta interpretação que o Tribunal “a quo” faz do art.° 105°, n.º 4, do 
 RGIT, na sua nova redacção, no sentido de que o cidadão terá de efectuar o 
 pagamento do imposto, acréscimos legais e coimas aplicáveis devidas ainda que de 
 responsabilidade de terceiro, é materialmente inconstitucional por violação do 
 disposto nos artigos 29°, 30º, n.º 3, e 32°, n.º 5, da CRP, 
 inconstitucionalidade que se invoca de forma expressa para todos os efeitos 
 legais. 
 
 9ª - Assim, a notificação feita para pagamento da “coima aplicável” só deveria 
 ter sido feita à arguida sociedade (Confecções A., Lda.), por só ela ser 
 responsável pelo pagamento dessa coima. 
 
 10ª - A decisão recorrida violou assim, o disposto nos artigos 29°, 30°, n.º 3, 
 e 32°, n.º 5, todos da C.R.P., 7º, n.ºs 1 e 4 e 105°, n.º 4, na redacção dada 
 pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ambos do RGIT. 
 
 […]”.
 
  
 O Ministério Público apresentou contra-alegações (a fls. 514 e seguintes) nas 
 quais defende que “[n]a medida em que não está adequada e verdadeiramente 
 suscitada uma questão de constitucionalidade normativa, mas da própria decisão 
 recorrida, não deverá conhecer-se do recurso.”
 
  
 Notificados para se pronunciarem sobre a questão prévia suscitada pelo 
 Magistrado do Ministério Público, os recorrentes vieram (a fls. 519 e 520) dizer 
 o seguinte:
 
  
 
 “[…]
 os recorrentes nunca suscitaram uma questão de constitucionalidade da própria 
 decisão recorrida. 
 
 3º Pelo contrário, suscitaram em tempo e de forma adequada uma questão de 
 constitucionalidade normativa. 
 
 4º Na verdade, quer na alegação produzida para o Tribunal da Relação de 
 Guimarães (momento processual relevante), quer na produzida para este Venerando 
 Tribunal os recorrentes invocaram que o art.° 105°, n.º 4, do RGIT, na sua nova 
 redacção, interpretado no “… sentido de que o cidadão terá de efectuar o 
 pagamento do imposto, acréscimos legais e coimas devidas ainda que de 
 responsabilidade de terceiro, é materialmente inconstitucional por violação do 
 disposto no n.º 3 do art.° 30° da CRP, já que a mesma pressupõe transmitir aos 
 aqui recorrentes a obrigação de pagamento de uma coima cuja responsabilidade é 
 exclusiva da sociedade. 
 Acresce que tal interpretação seria ainda materialmente inconstitucional por 
 expressa violação do disposto nos art.°s 29° e 32°, n.º 5, da mesma Lei 
 Fundamental. 
 Inconstitucionalidade, que expressamente se invoca..”. 
 
 5° Questão esta, que os recorrentes levaram às conclusões nas alegações de 
 recurso oferecidas para o Tribunal da Relação de Guimarães (décima primeira 
 conclusão) e para este Venerando Tribunal (oitava conclusão). 
 
 […]”
 
  
 Por iniciativa do Relator, foram ainda os recorrentes notificados para se 
 pronunciarem sobre uma outra questão prévia resultante de não ter sido aplicada, 
 na decisão recorrida, a interpretação normativa que se considera ferida de 
 inconstitucionalidade.
 
  
 Sobre este aspecto, os recorrentes responderam, dizendo que o Tribunal da 
 Relação, no essencial, aderiu aos fundamentos da decisão da 1ª instância, 
 considerando que o artigo 105°, n.º 4, do RGIT, deve ser interpretado no sentido 
 de que a pessoa singular que pretenda beneficiar da extinção do procedimento 
 criminal contra si instaurado, terá de proceder ao pagamento da dívida fiscal, 
 juros e coimas, ainda que estas últimas sejam da exclusiva responsabilidade da 
 sociedade, sendo esse mesmo o entendimento que os recorrentes reputam como 
 inconstitucional.
 
  
 
  
 
 2. Fundamentação
 
  
 
  
 
 É de entender – apreciando a primeira das questões prévias invocadas -que os 
 recorrentes suscitaram, perante o Tribunal da Relação de Guimarães, a 
 inconstitucionalidade de uma interpretação normativa atinente ao artigo 105°, 
 n.º 4, do RGIT, como desde logo flui do exposto nos n.ºs 11, 12 e 13 da 
 respectiva alegação de recurso, há pouco transcritos. Como também fizeram 
 incidir o recurso de constitucionalidade sobre essa mesma interpretação 
 normativa, o que surge evidenciado, designadamente, pelo alegado na conclusão 8ª 
 das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, onde se refere: «[e]sta 
 interpretação que o Tribunal a quo faz do artigo 105°, n.º 4, do RGIT, na sua 
 nova redacção, no sentido de que o cidadão terá de efectuar o pagamento do 
 imposto, acréscimos legais e coimas aplicáveis devidas ainda que de 
 responsabilidade de terceiro, é materialmente inconstitucional por violação do 
 disposto nos artigos 29°, 30º, n.º 3, e 32°, n.º 5, da CRP, 
 inconstitucionalidade que se invoca de forma expressa para todos os efeitos 
 legais».
 
  
 Não há, pois, motivo para considerar a questão prévia colocada pelo Exmo 
 Magistrado do Ministério Público, que partia do pressuposto de que a questão de 
 constitucionalidade normativa havia sido imputada à própria decisão recorrida.
 
  
 Subsistem, no entanto, razões para não tomar conhecimento do objecto do recurso 
 por não ter sido aplicada, na decisão recorrida, a interpretação normativa que 
 se considera afectada de inconstitucionalidade.
 
  
 A norma que está em causa é a do n.º 4 do artigo 105.º do Regime Geral das 
 Infracções Tributárias, na redacção dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de 
 Dezembro, que, referindo-se ao crime de abuso de confiança fiscal, dispõe:
 
  
 
 «[…]
 
 4 — Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
 a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da 
 prestação;
 b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente 
 declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima 
 aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o
 efeito.
 
 […].»
 
  
 O recurso tem por objecto esse preceito, quando interpretado no sentido de que o 
 cidadão terá de efectuar o pagamento do imposto, acréscimos legais e coimas 
 devidas ainda que de responsabilidade de terceiro.
 
  
 Essa interpretação normativa é retirada do entendimento expresso pelo juiz de 1ª 
 instância - que a Relação confirmou -, segundo o qual o não pagamento da 
 prestação tributária, incluindo os juros devidos e as coimas que tenham sido 
 aplicadas, constitui, nos termos da nova redacção do n.º 4 do artigo 105.º do 
 Regime Geral das Infracções Tributárias, uma (segunda) condição de punibilidade 
 do crime de abuso de confiança fiscal, pelo que o não pagamento das coimas, 
 quando for o caso, não representa algo que diga respeito à conduta ou infracção 
 contra-ordenacional, mas é antes um pressuposto da aplicação da pena, que se 
 torna, como tal, aplicável a qualquer dos agentes do crime. 
 
  
 E embora o acórdão recorrido tenha aderido os fundamentos da decisão de 1ª 
 instância, aditou um outro argumento, para julgar improcedente o recurso, ao 
 referir que «(…) os arguidos são tão responsáveis legalmente pelo pagamento da 
 
 “coima aplicável” quanto a sociedade “Confecções A., Lda.”, [o que] resulta, 
 desde logo, do facto de ambos actuarem em nome e no interesse da sociedade, na 
 exacta medida em que são os seus sócios e gerentes».
 
  
 Temos assim que o acórdão recorrido não aplicou a interpretação normativa que os 
 recorrentes censuram, porquanto aí se considera, além do mais, que o pagamento 
 das importâncias em dívida, incluindo as coimas, é uma responsabilidade própria 
 dos recorrentes, enquanto sócios gerentes da sociedade arguida, sendo esse 
 pagamento uma condição que teriam de satisfazer para obter a extinção do 
 procedimento criminal quanto a eles.
 
  
 Não se trata, por isso, de interpretar a norma do artigo 105°, n.º 4, do RGIT no 
 sentido de que as pessoas singulares, para se eximirem à responsabilidade penal 
 decorrente da não entrega à Administração Fiscal das prestações tributárias 
 deduzidas nos termos da lei, têm de efectuar o pagamento de importâncias que são 
 devidas por terceiros, já que o que se entendeu, no acórdão recorrido, é que os 
 recorrentes são, eles próprios, pessoalmente responsáveis pela satisfação desses 
 débitos, pelo que lhes era também, por isso, exigível que efectuassem o 
 pagamento para que o procedimento criminal se extinguisse.
 
  
 O que conduz também a concluir que, caso o recurso prosseguisse e o Tribunal 
 viesse a corroborar o juízo de inconstitucionalidade quanto ao sentido 
 interpretativo que os recorrentes pretendem ver apreciado, tal decisão não teria 
 qualquer efeito útil, visto que sempre se teria de entender, à luz do julgado na 
 instância recorrida, que os recorrentes eram directamente responsáveis pelo 
 pagamento das coimas, pelo que não poderiam obter ganho de causa com base num 
 eventual julgamento de inconstitucionalidade que tivesse aquele outro objecto.
 
  
 Assim sendo, não se poderá tomar conhecimento do presente recurso de 
 constitucionalidade, por falta de preenchimento dos seus pressupostos 
 processuais.
 
  
 
  
 
 3. Decisão
 
  
 
  
 Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam, na 3.ª Secção do Tribunal 
 Constitucional, em não conhecer do objecto do recurso.
 
  
 Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 12 UC.
 
  
 Lisboa, 29 de Maio de 2008
 Carlos Fernandes Cadilha
 Maria Lúcia Amaral
 Vítor Gomes
 Ana Maria Guerra Martins
 Gil Galvão