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Processo n.º 34/06
 
 3ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
  
 
  
 Acordam, na 3ª Secção 
 do Tribunal Constitucional:
 
  
 
                  1. Por decisão instrutória do 3º Juízo Criminal do Funchal de 
 
 18 de Março de 2003, de fls. 57, foi pronunciado o arguido A., “em autoria 
 material, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348º n.º 
 
 1 a), do CP, por remissão do artº 11º n.º 3 do DL 256-A/77, e do artº 84º do DL 
 
 267/85 de 16/7/85 (LPTA)”. 
 
                  Estava em causa o cumprimento de uma sentença do Tribunal 
 Administrativo e Fiscal Agregado do Funchal, confirmada pelo Tribunal Central 
 Administrativo,  determinando a entrega às requerentes, B. e outras, de 
 determinados documentos.
 
                   Ora, não obstante os autos terem sido “arquivados no inquérito 
 com fundamento no facto de a sentença cujo incumprimento foi invocado não conter 
 nenhuma ordem nem nenhuma cominação de desobediência”, a decisão instrutória 
 considerou que, existindo “disposição legal que comina a inexecução de sentença 
 proferida em contencioso administrativo e transitada em julgado com o crime de 
 desobediência, nos termos do artº 11º n.º 3, do DL 256-A/77, por remissão do 
 artº 84º do DL 267/85 de 16/7/85 (LPTA)”, existiam 'indícios suficientes' para 
 que o arguido fosse pronunciado nos termos já referidos.
 
                  Como questão prévia, foi ainda decidido 'assistir legitimidade 
 
 às requerentes' da intimação para se constituírem assistentes, nos termos do 
 disposto no artigo 68º do Código de Processo Penal.        
 
  
 
                  2. Inconformado, o arguido A. recorreu para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa, suscitando a questão da ilegitimidade das requerentes para 
 intervir como assistentes e concluindo a motivação de recurso afirmando que 
 
 “deve ser dado provimento ao recurso devendo ser revogado o despacho de 
 pronúncia e, em consequência declarar-se inexistente toda a instrução”.
 
                  Em resposta à alegação do recorrente, as recorridas, no que 
 agora interessa, vieram sustentar, nomeadamente, a sua legitimidade para se 
 constituírem como assistentes e que 'a ser acolhida a interpretação contrária, o 
 recurso à via jurisdicional para efectivação dos direitos fundamentais deixa de 
 ter efeito prático, uma vez que o arguido não tendo cumprido a intimação 
 judicial, não está sujeito a qualquer penalização, prevista no (…) artº 11 º do 
 DL 256-A/77, de 17/6'
 
                  Por acórdão do Tribunal  da Relação de Lisboa de 21 de Outubro 
 de 2005, de fls. 95, foi concedido provimento ao recurso interposto pelo 
 arguido, “por falta de legitimidade das Requerentes para se constituírem como 
 assistentes”. Em consequência, “revog[ou]-se a decisão instrutória de pronúncia 
 do arguido A. e orden[ou]-se o arquivamento dos autos”, nestes termos:
 
 'Cabe, agora, analisar em concreto o crime de desobediência para determinar o 
 bem jurídico imediatamente protegido.
 A este propósito importa, desde logo, entrar em linha de conta com o elemento 
 sistemático. De acordo com a sistemática do Código Penal, o crime de 
 desobediência, pp. no art. 348º, integra-se no Título V – Crimes contra o 
 Estado, Capítulo II – Dos crimes contra a autoridade pública, Secção I – da 
 resistência e desobediência à autoridade púbica.
 Por outro lado (…), no crime de desobediência o que se incrimina é a 
 desobediência, independentemente das consequências. Continua, aqui, a 
 proteger-se, tal como nos demais crimes contra a autoridade pública, a autonomia 
 funcional do Estado, pelo que é o Estado, o ofendido, porque legítimo titular do 
 interesse ofendido pela prática do crime de desobediência.
 No crime de desobediência não se inscreve qualquer preocupação de protecção de 
 interesses de pessoas a quem, em segunda linha, o acatamento da ordem possa 
 aproveitar, as quais não gozam, por isso, da faculdade de se constituírem como 
 assistentes.
 E nem se diga que esta interpretação restritiva do conceito de assistente a que 
 alude o artº 68.º n.º 1 al. a)  do CPP, no crime de desobediência, fere os 
 princípios constitucionais a que alude o artº 268.º da CRP (direito à 
 informação, princípio de arquivo aberto e princípios da transparência e da 
 publicidade) uma vez que tais princípios mantêm-se intocáveis no quadro desta 
 interpretação na medida em que assistem às requerentes outras vias 
 jurisdicionais na orla do Estado de Direito para fazerem valer  os seus 
 direitos. 
 Assim, ninguém pode constituir-se como assistente relativamente ao crime público 
 de desobediência, uma vez que o interesse protegido pela incriminação é 
 exclusivamente público, como sucede com os crimes contra o Estado (…)'
 
  
 As (então) recorridas interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O 
 recurso não foi, todavia, admitido, 'por a isso obstar, expressamente, o art. 
 
 400º nº 1 al. e) do C.P.P.' (despacho de fls. 129).
 
  
 
                  3. Ainda inconformadas, as recorridas B. e outras recorreram do 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2005 para o 
 Tribunal Constitucional, “ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 70º da 
 Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro”, nestes termos:
 
    “1.º As recorrentes pretendem suscitar a inconstitucionalidade, por violação 
 dos artigos 20º, n.º 5, 32º, n.º 7, e 268º da Constituição da República 
 Portuguesa,
 
    - do artigo 68º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretado no 
 sentido de que, quando se trata de um crime público, como o de desobediência a 
 uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo administrativo 
 especial para acesso a documentos administrativos, não têm as Assistentes, ora 
 Recorrentes, administradas, cujo direito fundamental à informação procedimental 
 foi negado, legitimidade para se constituírem como assistentes, no âmbito do 
 processo por crime de desobediência à mesma sentença, ao abrigo do disposto nos 
 artigos 84º n.º 2 da L.P.T.A., 11º n.º 3 do DL 256-A/77de 17/06, e 348º do CP.
 
 2.º As ora recorrentes alegaram a inconstitucionalidade do referido preceito 
 legal, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, no articulado 
 de resposta a motivações de recurso apresentadas pelo então Arguido, ora 
 Recorrido, bem como nas motivações do recurso interposto pelas Recorrentes, do 
 referido acórdão, o qual, porém, acabou por não ser admitido.”
 
  
 
                  O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este 
 Tribunal (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82). 
 
  
 
                  4. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram alegações, 
 que as recorrentes concluíram da seguinte forma:                 
 
 1.° A ordem que consubstancia o crime ora denunciado encontra-se ínsita numa 
 sentença judicial emergente dum processo especial administrativo, para acesso a 
 documentos administrativos, com tramitação urgente, previsto nos artigos 82.° a 
 
 85.° da L.P.T.A.F., em vigor à data da instauração do respectivo processo, de 
 acordo com o n.° 2 do artigo 84.° da L.P.T.A.F, que remete para os termos do 
 artigo 11.° do DL 256-A/77 de 17/06, que prevêem, o primeiro, a responsabilidade 
 criminal e o segundo, a pena de desobediência a quem não cumprir a sentença do 
 Tribunal Administrativo no âmbito dos referidos processos especiais;
 
 2.° Praticou o Arguido, Recorrido, o crime previsto nos artigos 11.° n.° 3 do DL 
 nº 256-A/77 e  348.° do C.P., sendo que este último apenas contém a moldura 
 penal aplicável ao crime em causa, já que a tipificação, termos e condições da 
 prática do crime se encontram previstas no referido artigo 11.° do diploma legal 
 supra referido. Ao entender o contrário, violou o acórdão recorrido, os 
 referidos artigos 84.° n.° 2 da L.P.T.A.F., 11.° n.º 3 do DL 256-A/77 de 17/06 e 
 
 348.° do C.P., bem como ainda, o artigo 268.° da Constituição da República 
 Portuguesa.
 
 3.°O Direito à Informação procedimental, do qual faz parte integrante o direito 
 de acesso a documentos administrativos, é um direito fundamental dos cidadãos, 
 de natureza análoga ao direitos, liberdades e garantias, consagrado no artigo 
 
 268.° n.° l da C.R.P, que constitui um dos direitos/interesses protegido com a 
 incriminação constante do artigo 11.° do DL 256-A/77. Ao julgar que a ora 
 Recorrente não goza de legitimidade para se constituir assistente nos presentes 
 autos, violou o acórdão recorrido, o artigo 268.° n.° l da C.R.P.
 
 4.° A legitimidade para a constituição de Assistente não se confunde com a 
 natureza pública, privada ou semi-pública do crime de desobediência, sendo 
 aferida de acordo com a titularidade ou não, por parte do assistente, do 
 interesse que a norma incriminadora quis especialmente proteger, conforme 
 resulta do disposto no artigo 68.° n.° l a) do C.P.P. Ao entender que a 
 Recorrente não tinha legitimidade para se constituir assistente no caso em 
 apreço, violou o acórdão recorrido, o referido artigo 68.° n.° l a) do C.P.P., 
 bem como o artigo 32.° n.º 7 da Constituição da República Portuguesa.
 
 5.° A Constituição de Assistente constitui um direito fundamental dos cidadãos, 
 sendo o modo de aceder ao Direito e aos Tribunais, de modo a conseguir uma 
 tutela judicial efectiva e uma decisão justa e em tempo útil, nos casos, como o 
 dos autos, em que está em causa, o direito fundamental  de  informação 
 procedimental,  direito  de  aceder à Justiça,  que  se  encontra consagrado nos 
 artigos 32.° n.° 7 e 20.° l e 5 da Constituição da República Portuguesa. Ao 
 negar a constituição de assistente à Recorrente, com a consequente possibilidade 
 da mesma requerer a abertura de instrução, violou o acórdão recorrido, os 
 artigos 20.° l e 5 e 32.° 7 da Constituição da República Portuguesa.
 
 6.° O Direito de constituição de Assistente pode ser exercido, mesmo em crimes 
 de natureza pública, desde que a norma incriminadora tutele ou proteja o 
 interesse do Assistente, corno é o caso da Recorrente. Ao entender o contrário e 
 ao interpretar restritivamente o conceito de ofendido e de legitimidade para a 
 constituição de assistente, fazendo-o coincidir com o conceito de crime 
 particular ou semi público, negando a legitimidade para a constituição de 
 assistente aos crimes públicos, sem qualquer apreciação casuística do caso em 
 apreço, sem ponderar a titularidade, por parte das Recorrentes, de um interesse 
 que a norma incriminadora quis proteger, o acórdão em causa violou os artigos 
 
 32.° 7, 20.° l e 5 e 268.° l e 4 da C.R.P.
 
 7.° A interpretação do artigo 68.° do C.P.P., nos moldes em que foi feita pelo 
 acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de l0/05, representa a inexistência de 
 tutela judicial efectiva ao direito fundamental das Recorrentes à informação, 
 consagrado no artigo 268.° da CRP e, por conseguinte, a violação, quer do 
 preceito legal sobredito, quer do artigo 20.° da Constituição da República 
 Portuguesa.
 Pelo que, 
 Nestes  termos   e   nos   mais   de   Direito,   dando-se provimento   ao   
 recurso   ora   interposto,   deverá   ser revogado o acórdão ora recorrido, 
 julgando-se o artigo 68.°  do  CPP  como  inconstitucional  na  interpretação, 
 segundo   a   qual,   em   caso   de   crime   público   de desobediência    a   
 
  uma    sentença condenatória proferida no âmbito de um processo administrativo 
 especial para acesso a documentos administrativos, não têm as Assistentes, ora 
 Recorrentes, administradas, cujo direito fundamental à informação procedimental 
 foi negado, legitimidade para se constituírem como assistentes, no âmbito do 
 processo  por  crime  de  desobediência  à  mesma sentença, ao abrigo do 
 disposto nos artigos 84.° n.°  2 da L.P.T.A., 11.° n.° 3 do DL 256-A/77 de 17/06 
 
 348.°   do   C.P.,   mantendo-se,   por   isso,   a   decisão instrutória   de  
 primeira  instância,  que  pronunciou  o Arguido, pela prática do Crime de 
 Desobediência. 
 Com o que se fará JUSTIÇA!
 
  
 
                  O Ministério Público, por seu turno, concluiu as suas alegações 
 do seguinte modo:
 
 “1 – A norma do artigo 68.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não é 
 inconstitucional, quando interpretada no sentido de não conferir legitimidade 
 para se constituir como assistente em processo penal, por crime de desobediência 
 do artigo 348.º do Código Penal, por remissão do n.º 3 do artigo 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, ao interessado na execução proferida 
 em contenciosos administrativo para acesso a documentos administrativos, face ao 
 incumprimento por parte do funcionário seu destinatário.
 
 2 – Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
 
  
 
                  O recorrido apresentou também as suas alegações, nas quais se 
 incluem estas conclusões:
 
 “(…)
 
 5. No crime de desobediência previsto e punido no artigo 348.º do Código Penal o 
 interesse protegido é o interesse do Estado em que as autoridades e os seus 
 agentes sejam obedecidos nos seus mandatos legítimos, configurando-se o bem 
 jurídico com a autonomia funcional do Estado;
 
  (…)
 
 10. No seguimento do n.º 3 do artigo 205.º da CRP, o n.º 3 do artigo 11.º do 
 Decreto-Lei n.º 256-A/77 (entretanto revogado) prevê a pena de desobediência à 
 inexecução das sentenças proferidas em contencioso administrativo e transitadas 
 em julgado;
 
 11. A responsabilidade penal que decorre da inexecução das decisões dos 
 Tribunais Administrativos deve considerar-se, salvo melhor opinião, como 
 garantia do interesse público na realização da justiça e no respeito da 
 legalidade. A protecção dos interesses individuais é indirecta, reflexa. Não 
 significa que a conduta incriminada não possa reflexamente prejudicar terceiros. 
 Mas os terceiros, aqui, são lesados, não ofendidos. Por tal razão não se podem 
 constituir assistentes;
 
  (…).”
 
  
 
                  5. A fls. 192 foi proferido este despacho:
 
  
 
 «A fls. 134, B. e outras vêm recorrer para o Tribunal Constitucional do acórdão 
 do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2005, de fls. 95, ao abrigo 
 do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de 
 Novembro.
 Pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade, 'por 
 violação dos artigos 20º, n.º 5, 32º, n.º 7, e 268º da Constituição da República 
 Portuguesa', do 'artigo 68º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando 
 interpretado no sentido de que, quando se trata de um crime público, como o de 
 desobediência a uma sentença condenatória proferida no âmbito de um processo 
 administrativo especial para acesso a documentos administrativos, não têm as 
 assistentes, ora recorrentes, administradas, cujo direito fundamental à 
 informação procedimental foi negado, legitimidade para se constituírem como 
 assistentes, no âmbito do processo por crime de desobediência à mesma sentença, 
 ao abrigo do disposto nos artigos 84º, n.º 2, da L.P.T.A., 11º, n.º 3, do 
 Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Julho, e 348º do Código Penal.'
 Sustentam, para o efeito, que 'alegaram a inconstitucionalidade do referido 
 preceito legal, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, no 
 articulado de resposta a motivações de recurso apresentadas pelo então Arguido, 
 ora Recorrido [fls. 26], bem como nas motivações do recurso interposto pelas 
 Recorrentes, do referido acórdão, o qual, porém, acabou por não ser admitido.”
 Este último recurso que referem foi o recurso que interpuseram para o Supremo 
 Tribunal de Justiça, mas que não foi admitido pelo despacho de fls. 129.
 Da leitura da resposta à motivação do recurso interposto para o Tribunal da 
 Relação de Lisboa pelo arguido, A., de fls. 26, e ainda, aliás, da resposta (de 
 fls. 81) ao parecer apresentado pelo Ministério Público a fls. 66, não parece 
 resultar que tenha sido suscitada oportunamente a inconstitucionalidade de 
 qualquer norma contida no n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal.
 Ora é condição de admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto na alínea b) 
 do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, que a 
 inconstitucionalidade que se pretende seja apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional tenha sido suscitada 'durante o processo' (referida alínea b)), o 
 que significa que há-de ter sido colocada perante o tribunal  recorrido 'em 
 termos de este estar obrigado a dela conhecer' (n.º 2 do artigo 72º da mesma 
 Lei).
 Daqui resulta que não poderia ser considerada uma eventual alegação de 
 inconstitucionalidade constante da motivação apresentada no recurso interposto 
 para o Supremo Tribunal de Justiça.
 Acresce ainda que o  recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade 
 normativa se destina a que o Tribunal Constitucional aprecie uma alegada 
 inconstitucionalidade de normas e não de decisões. Nunca seria possível, pois, 
 apreciar a inconstitucionalidade da interpretação de um preceito legal no 
 sentido de não terem 'as Assistentes, ora Recorrentes, administradas, cujo 
 direito à informação procedimental foi negado, legitimidade para se constituírem 
 como assistentes, no âmbito do processo por crime de desobediência à mesma 
 sentença (…)'.
 
 É, pois, plausível que o Tribunal Constitucional não venha a conhecer do 
 presente recurso.
 Assim, nos termos do disposto nos artigos 704º, n.º 1 do Código de Processo 
 Civil e 69º da Lei nº 28/82, convidam-se as partes a pronunciarem-se, querendo, 
 sobre a eventualidade de não se conhecer do objecto do presente recurso, por 
 falta de pressupostos de admissibilidade.»
 
  
 Apenas responderam as recorrentes, pronunciando-se no sentido de que deve ser 
 conhecido o objecto do recurso «por duas ordens de razões:
 
 (…) 2.° Em primeiro lugar, porque as ora Recorrentes foram notificadas para 
 apresentar as suas alegações, nos termos do disposto no artigo 78.°A n.° 5 do 
 CPC.
 
 3.º De acordo com o n.° 5 do supra referido preceito legal, “Quando não deva 
 aplicar-se o disposto no n.° 1 e, bem assim, quando a conferência ou o pleno da 
 secção decidam que deve conhecer-se do objecto do recurso ou ordenem o 
 respectivo procedimento, o relator manda notificar o recorrente para apresentar 
 alegações.” 
 
 4.º Ora, a notificação das ora Recorrentes para alegar, pressupôs efectivamente, 
 uma prévia e anterior decisão no que se refere à admissibilidade legal do 
 recurso interposto pelas ora Recorrentes.
 
 5.° Uma ulterior decisão que não admita o recurso interposto, constituirá uma 
 ofensa de caso julgado que deverá prevalecer, por se ter formado em primeiro 
 lugar.
 
 6.° Por outro lado, as ora Recorrentes alegaram, na resposta ao recurso 
 interposto pelo Arguido, a questão da constitucionalidade.
 
 7.º Na verdade, na resposta dada pelas ora Recorrentes, às motivações de recurso 
 apresentadas pelo Arguido, aquelas começam por alegar o seguinte: “O artigo 268° 
 da Constituição da República Portuguesa que consagra no numero 1 o direito 
 fundamental à informação dos directamente interessados num procedimento 
 administrativo e no número 2 o princípio do arquivo aberto, onde encontramos uma 
 dimensão institucional e organizatória que está intimamente ligada aos 
 princípios da transparência e da publicidade.”
 
 8.° Mais alegaram as Recorrentes que: “É este um meio para exercitar e garantir 
 o direito de acesso dos cidadãos à informação, que pode ser utilizado para 
 efectivar o direito dos particulares de receber da Administração, quando assim o 
 requeiram, consulta de documentos ou passagem de certidões, em que sejam 
 directamente interessados.”
 
 9.° Alegaram ainda, a propósito da legitimidade para a constituição de 
 assistentes das ora Recorrentes, que: “A lei incriminadora é neste caso o artigo 
 
 11° do Decreto-Lei n.° 256-A/77, por remissão do artigo 84°, n.° 2 da LPTA. 
 Crime que vem tipificado no artigo 348° do Código penal.
 O bem jurídico aqui tutelado pela norma incriminadora é um bem jurídico 
 complexo, pois não é somente um interesse de ordem pública que a norma tutela, 
 mas especialmente e imediatamente a garantia de efectivação do direito 
 fundamental à informação dos administrados. (sublinhado 
 nosso). E ainda a realização da Justiça e cumprimento das ordens dos Tribunais e 
 a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais.”
 
 10.° Tendo sido invocado, por várias vezes, o direito fundamental dos cidadãos 
 enquanto administrados, terem o direito de acesso a documentos e informações 
 administrativos, direito consagrado no artigo 268.° da Constituição da República 
 Portuguesa, bem como a tutela jurisdicional efectiva dos direitos fundamentais 
 dos cidadãos / administrados, tem que se entender que foi colocada 
 oportunamente, a questão da (in)constitucionalidade da norma em apreço.
 
 11.º Assim, cabendo recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, “das 
 decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja 
 sido suscitada durante o processo;”, terá que ser julgado admissível o recurso 
 interposto.»
 
  
 
 5. O Tribunal Constitucional não pode conhecer do presente recurso, por não 
 estarem preenchidos os necessários pressupostos.
 O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto 
 ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 
 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie a 
 conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que 
 foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido 
 suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) citada), e 
 não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da 
 lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de 
 exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da 
 República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 
 
 1995 e 16 de Maio de 1996). 
 
 É, ainda, necessário que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de 
 ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os acórdãos nºs 
 
 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, 
 respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de 
 
 1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo” 
 
 (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de 
 ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que 
 proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” 
 
 (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
 Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só 
 pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade ”durante o 
 processo” nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto 
 processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em 
 momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com 
 os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, 
 de 28 de Maio de 1994). 
 
  
 
 6. Ora verifica-se, no presente recurso, que as recorrentes não cumpriram o ónus 
 de suscitar oportunamente a inconstitucionalidade de nenhuma norma contida no 
 n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal.
 Em primeiro lugar, porque sempre seria irrelevante, para este efeito, suscitar 
 eventualmente a referida inconstitucionalidade nas alegações apresentadas no 
 recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, como se viu, 
 não foi admitido. Basta recorrer ao citado n.º 2 do artigo 72º  da Lei nº 28/82 
 para verificar que, tratando-se de um recurso interposto do acórdão do Tribunal 
 da Relação de Lisboa, a inconstitucionalidade haveria de ter sido colocada 
 perante este Tribunal 'em termos de este estar obrigado a dela conhecer'.
 Em segundo lugar, porque não foi suscitada qualquer inconstitucionalidade 
 normativa referida ao n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal 'no 
 articulado de resposta às motivações de recurso apresentado pelo então Arguido, 
 ora Recorrido'.
 Note-se, aliás, que essa inconstitucionalidade poderia ter sido suscitada na 
 resposta ao parecer apresentado pelo Ministério Público no Tribunal da Relação 
 de Lisboa, e que figura a fls. 81.
 
  
 
 7. Para além disso, resulta claramente das alegações apresentadas no Tribunal 
 Constitucional que a inconstitucionalidade é atribuída ao acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa e não a qualquer interpretação que nele tenha sido adoptada 
 para o n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal, o que mais uma vez 
 impede este Tribunal  de conhecer do recurso. Conclusão que, aliás, é reforçado 
 pela resposta ao despacho de fls. 192, acima transcrita. 
 Nunca poderia resultar do presente recurso nenhum juízo de censura sobre a 
 decisão de negar às recorrentes o direito a constituírem-se assistentes, porque 
 o Tribunal Constitucional não teria competência para o proferir; nunca poderia, 
 assim, ser atendido o pedido com que as recorrentes terminam as suas alegações, 
 e que revela que não tomaram em conta o regime constitucional e legalmente 
 definido para o recurso de constitucionalidade, que foi configurado como um 
 recurso destinado à apreciação de questões de inconstitucionalidade de normas e 
 não de decisões que, alegadamente, ofendam direitos fundamentais dos 
 recorrentes.
 
  
 
 8. Finalmente, cabe observar que não obsta à conclusão de que o Tribunal 
 Constitucional não pode conhecer do recurso a circunstância de as partes terem 
 sido notificadas para alegar. 
 O despacho que determina a notificação para o efeito não faz caso julgado quanto 
 
 à admissibilidade do recurso. Assim resulta, por exemplo, do disposto nos 
 artigos 79º-B da Lei nº 28/82, conjugado com o artigo 704º do Código de Processo 
 Civil. Solução diferente, aliás, impediria o recorrido de colocar obstáculos ao 
 conhecimento do recurso, o que não seria aceitável.
 Do disposto no n.º 5 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, contrariamente ao que é 
 afirmado pelas recorrentes, não decorre nada quanto aos efeitos do referido 
 despacho.
 
  
 
 9. Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
 Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs. por cada 
 recorrente. 
 
  
 
                  
 
  
 Lisboa, 12 de Julho de 2006
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Vítor Gomes
 Artur Maurício