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Processo nº 747/2005
 
 3ª Secção.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra 
 
 (Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza)
 
  
 
                                                                        
 
                    1. Na acção declarativa com processo comum emergente de 
 contrato individual de trabalho a que foi dado o valor de € 3.740,993, acção 
 essa que A. propôs no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa contra B., 
 S.A., foi, a dada altura, junto aos autos requerimento formulado pelos autor e 
 ré e por via do qual intentavam pôr termo ao litígio mediante transacção, 
 estipulando-se, no que agora interessa “custas em dívida a juízo serão 
 suportadas em partes iguais pelo Autor e pela Ré”.
 
  
 
                    Em 9 de Fevereiro de 2005 foi, pela Juíza daquele Juízo, 
 proferida decisão que homologou a transacção efectuada e determinou a condenação 
 das “partes a cumpri-la nos seus precisos termos”.
 
  
 
                    Remetidos os autos à conta e elaborada esta, da mesma 
 reclamou o autor, sendo, por despacho de 14 de Junho de 2005, determinada a sua 
 reforma.
 
  
 
                    Nesse despacho, foi dito, no que ora releva, disse: –
 
  
 
 “(…)
 
    Analisando e decidindo.
 
    Diz o artº 13° nº 2 do CCJ vigente que ‘a taxa de justiça do processo 
 corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada 
 parte.’
 
    Ora para se compreender este preceito legal e o espírito subjacente ao novo 
 CCJ é preciso recorrer ao Exórdio do DL nº 324/2003 de 27-12 o qual diz, entre 
 outras, o seguinte:
 
    Nº 3, 2° parágrafo:
 
    ‘é adoptada uma tabela mais perceptível e abrangente, caracterizada pela 
 redução do número de escalões relevantes para efeitos de determinação da taxa de 
 justiça do processo. Paralelamente, com a adopção de uma tabela única – por 
 contra posição às duas tabelas (a da taxa de justiça final e a dos pagamentos 
 prévios) actualmente existentes –, restabelece-se a coincidência entre os 
 montantes da taxa de justiça inicial e subsequente pagas durante o processo e a 
 taxa de justiça global devida a final.’
 
    Nº 3, 4° parágrafo:
 
    ‘De igual forma, põe-se termo à multiplicidade de reduções de taxa de Justiça 
 existente, consagrando-se, como regra geral, um único grau de redução da taxa de 
 justiça (redução a metade) a operar mediante dispensa do pagamento da taxa de 
 Justiça subsequente (...)’
 
    Nº 4, 1º, 2° e 3° parágrafos:
 
    ‘Por força das modificações operadas, e tendo presente os objectivos visados, 
 a tabela da taxa de Justiça do processo sofre uma profunda revisão. Introduz-se 
 um novo conceito – o de taxa de justiça de parte – a partir do qual se obtém o 
 valor da taxa de justiça do processo, correspondendo este último ao somatório 
 das taxas de Justiça inicial e subsequente de cada uma das partes. (...)
 
    No entanto, e porque o conceito de parte é distinto do de sujeito processual, 
 consagra-se a regra de que, em caso de pluralidade activa ou passiva, o 
 respectivo conjunto de sujeitos processuais é considerado, para efeitos de 
 cálculo da taxa de justiça, como um[a] única parte. Por essa mesma razão, e de 
 forma a evitar pagamentos em excesso e as consequentes devoluções, consagra-se a 
 regra da dispensa do pagamento de taxa de justiça subsequente, designadamente 
 nos casos em que a taxa de justiça inicial paga pelos sujeitos processuais se 
 revele suficiente para assegurar o pagamento da totalidade da respectiva taxa de 
 justiça de parte.
 
    No entanto, sempre que, quer neste, quer noutros casos, exista dispensa do 
 pagamento prévio de taxa de justiça, caberá à parte vencida suportar, a final e 
 na medida do seu decaimento, a totalidade da taxa de justiça do processo, ou 
 seja, a sua taxa de justiça de parte e a taxa de justiça da parte contra quem 
 litigou.’[1]
 
    É com base neste último parágrafo acabado de citar que o respectivo programa 
 informática fora, ao que nos é dado compreender, elaborado.
 
    O sistema informático ‘pega’ no valor depositado nos autos, e ignorando se o 
 mesmo fora depositado por uma ou ambas as partes, assume esse valor e divide-o, 
 no caso de uma transacção, ao meio, imputando metade a cada parte.
 
    O que significa que, tendo o A. pago a totalidade da taxa de justiça da sua 
 responsabilidade, o sistema assume que tenha pago apenas metade, imputando-lhe o 
 pagamento da outra metade, que foi o que claramente ocorreu nos presentes autos.
 
    Neste sentido, e em termos técnicos, a conta não foi incorrectamente 
 elaborada pelo Exmº Sr. Escrivão da secção que se limitou a cumprir 
 escrupulosamente a elaboração da conta, tendo introduzido correctamente todos os 
 dados os quais foram processados pelo respectivo programa informático.
 
    É o sistema informático que assume o pagamento da taxa de justiça pelo A. 
 como sendo a taxa de justiça do processo e o divide, imputando automaticamente 
 metade na esfera da Ré que, em boa verdade, nada pagou.
 
    Mas, em última análise, o sistema informático não pode ser directamente 
 responsabilizado uma vez que ele fora criado para seguir a lei.
 
    Assim, em nosso modesto entendimento, o problema reside com a lei.
 
    Afigur[a]-se-nos óbvio e de elementar bom senso que a norma em apreço, e em 
 especial, o parágrafo 3° do nº 4 do exórdio do DL nº 324/2003, é manifestamente 
 injusto e mesmo, em nosso modesto entendimento e salvo o devido respeito, 
 imoral.
 
    Com a preocupação de simplificar ao máximo o processamento das custas de modo 
 a, como se diz no próprio exórdio, tomar mais acessível ‘a matéria de custas 
 judiciais (que) está actualmente regulada de forma complexa, sendo reconhecida a 
 sua difícil acessibilidade à generalidade dos cidadãos, bem como grande maioria 
 dos operadores judiciais, com evidentes prejuízos para todos os 
 interessados’[2], o legislador acabou por criar, ao arrepio dos mais elementares 
 princípios de justiça, boa fé e bom senso, um sistema profundamente injusto, 
 apto a criar desigualdades no tratamento das partes processuais.
 
    É certo que o artº 8° do Código Civil diz que ‘o dever de obediência à lei 
 não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do 
 preceito legislativo’[3]
 
    No entanto, apesar de, em nosso modesto entendimento, a supra citada norma 
 ser de questionável conformidade com a Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP), a qual ainda é a lei máxima do País e, portanto, prevalece sobre as 
 restantes (artºs 204° e 277° do CRP) ela não traduz a plenitude da ciência 
 jurídica ou seja, do Direito.
 
    E, assim, conforme refere Menezes Cordeiro[4] ‘o controlo, com referência a 
 critérios superiores, das normas legisladas, imperfeitas porque humanas, é tão 
 velho como o Direito. (…) A lei não se confunde com o Direito. Uma dogmática 
 jurídica, radicada na cultura que a suporte e na segurança das convicções 
 científicas dos juristas que a sirvam, coloca, entre a fonte e a solução do caso 
 concreto, um percurso que nenhuma lei pode dispensar e que o legislador não pode 
 corromper. Reside aqui, o «Direito natural» dos finais do nosso século: suprindo 
 a inactividade legislativa, harmonizando as soluções desavindas ou disfuncionais 
 dentro do espaço jurídico, complementando as mensagens apenas esboçadas pelo 
 legislador e limando, no concreto, as saídas injustas, inconvenientes ou 
 paradoxais, a Ciência do Direito afirma-se (…) o motor fundamental de qualquer 
 evolução jurídica.’
 
    Ora, aplicando a ciência de direito em toda a sua plenitude, e considerando 
 os princípios consagrados na mais alta lei na Nação, constata-se, em nosso 
 modesto entendimento, que os princípios orientadores do novo CCJ, nos quais 
 assentam o sistema informático, que produziu as contas de fls.77 a 79, são, para 
 além de injustos e imorais, manifestamente inconstitucionais, porquanto violam 
 um dos mais básicos e essenciais princípios do nosso direito: o princípio da 
 igualdade, plasmado no artº 13° da CRP.
 
    Se o A. já pagou ‘à cabeça’ a taxa de justiça que é de sua responsabilidade 
 porque motivo é responsabilizado por uma dívida da outra parte que nada pagou, 
 acabando, desta forma por ser tratado de forma igual perante uma situação 
 desigual.
 
    Ou se preferirem, o A, é tratado de forma desigual em relação à Ré quando não 
 há motivos objectivos ou sequer legais que permitam essa distinção.
 
    Porque motivo deve a Ré pagar menos do que o A. se as custas são suportadas 
 em partes iguais?
 
    Aonde está a igualdade das custas conforme acordado e homologado por 
 sentença?
 
    Repare-se que o sistema de cálculo da taxa de justiça da responsabilidade das 
 partes processuais do novo CCJ, ao fim e ao cabo, permite a violação da sentença 
 homologatória pois não respeita o que ficou decidido: custas em partes iguais.
 
    Pelo que se nos afigure que o sistema em si mesmo é duplamente ilegal, 
 porquanto acaba por violar outras normas jurídicas, para além das 
 constitucionais.
 
    E ao transferir o ónus de recuperar as custas de parte – entenda-se a taxa de 
 justiça que era da responsabilidade do outro e que o A. pagou – precisamente 
 para a parte processual que as pagou, com o intuito de ‘simplificar’ a conta não 
 
 é, em nosso modesto entendimento, uma solução adequada aos princípios 
 constitucionais pelos mesmos motivos: onera uma das partes de forma desigual.
 
    Aliás, conforme manda o artº 9° do Código Civil a interpretação de qualquer 
 norma tem de fazer-se com respeito pela letra da mesma, mas principalmente 
 através de elementos históricos, teleológicos e sistemáticos.
 
    Em termos históricos não se encontra qualquer fundamento para o tratamento 
 desigual das partes nas custas.
 
    Havendo acordo quanto à responsabilidade das mesmas, a conta era pura e 
 simplesmente dividida ao meio imputando-se a cada parte a sua respectiva 
 responsabilidade, abatendo-se o que já pudesse ter sido depositado nos autos.
 
    Aliás, no referido exórdio, é assumido pelo legislador que o conceito 
 subjacente ao CCJ, e principalmente à taxa de justiça, é completamente novo, 
 resultando o novo CCJ de ‘uma profunda, mas ponderada (?), revisão’[5]
 
    Pelo que, historicamente, não temos qualquer base para a solução ora 
 propugnada pelo legislador.
 
    Em termos teleológicos, também, se regista uma total ausência de elementos 
 aptos a justificar a orientação do actual CCJ.
 
    Os elementos teleológicos traduzem a ratio da norma ou do sistema legal onde 
 uma série de normas se inserem.
 
    Ora, em nosso modesto entendimento, e salvo o devido respeito, não há uma 
 qualquer razão lógica, um fundamento científico, social, económico, cultural ou 
 outro que possa explicar a dupla imputação de taxa de justiça, num fundo uma 
 dupla tributação, em desfavor de uma das partes enquanto se beneficia a outra.
 
    Qual o motivo que possa levar a que se impute ao A., que tenha pago a sua 
 taxa de justiça por completo, o pagamento da taxa de justiça da outra parte, que 
 nada pagou, fundamentando essa acção com uma aparente, e artificial, falta de 
 pagamento da taxa de justiça do processo, da total responsabilidade da Ré?
 
    Se o sistema pode assumir um valor a favor da Ré porque não o assume a favor 
 do A.?
 
    Não há um único argumento lógico e são que nos leve a concluir que, só 
 através do pagamento por uma das partes da taxa de justiça, que é da sua 
 responsabilidade, e da taxa de justiça da parte contrária, é que se consegue 
 assegurar um sistema eficaz e célere das custas.
 
    Antes, pelo contrário: se uma das partes já liquidou a totalidade das custas 
 da sua responsabilidade apenas há que exigir o pagamento à outra parte, a qual, 
 se não pagar voluntariamente, implicará uma única execução; o que, em termos de 
 esforços processuais, tempo e dinheiro é mais vantajoso do que duas execuções 
 por custas.
 
    Por fim, também através de uma interpretação sistemática não se vislumbra a 
 justeza e correição da norma em referência.
 
    Vejamos.
 
    Estamos no âmbito do direito laboral onde a esmagadora maioria de acções 
 declarativas de condenação são propostas pelo trabalhador.
 
    No direito laboral substantivo existe o princípio basilar e orientador do 
 tratamento mais favorável do trabalhador, o qual, inclusive, pode socorrer-se do 
 patrocínio gratuito e qualificado do Ministério Público.
 
    Como, então, se justifica onerar precisamente a parte mais fraca, esse 
 trabalhador, no momento das custas, deixando entrar pela janela o que o 
 legislador laboral não quis que entrasse pela porta?
 
    Pois, sendo a esmagadora maioria das acções propostas por trabalhadores, e 
 sendo que a taxa de justiça é por estes logo paga, havendo um acordo na 
 audiência de partes ou antes da junção aos autos da respectiva contestação, como 
 tanta vezes acontece, o processo vai à conta com apenas uma única taxa de 
 justiça depositada nos autos: precisamente a taxa de justiça do trabalhador.
 
    Pegar nessa taxa de justiça e ficcionar um pagamento de metade pela Ré é não 
 só defraudar o trabalhador, e todo e qualquer cidadão no mesmo lugar, como é 
 violar um dos princípios mais basilares do direito laboral substancial.
 
    Sendo, inclusive, altamente nocivo para a promoção de acordos pois, uma vez 
 que os trabalhadores começarem a compreender como o novo sistema de custas 
 funciona, não vão, de certeza, fazer um acordo, ou, pelo menos, não o farão 
 enquanto o processo não estiver mais adiantado e já com uma taxa de justiça paga 
 pela Ré.
 
    Tudo isto levando a um maior esforço por parte do Tribunal que vê, assim, 
 menos processos a terminarem com acordos e, menos processos a terminarem com 
 acordos logo no início do processamento[6].
 
    O que até gera uma situação paradoxal pois, por um lado, premeia-se o acordo 
 com a redução da taxa de justiça mas, por outro lado, onera-se injustamente uma 
 das partes que acaba por pagar a taxa de justiça na totalidade.
 
    Em flagrante violação do princípio da igualdade.
 
    Assim, constatando-se a existência de norma inconstitucional, e no caso em 
 apreço, materialmente inconstitucional, deve o juiz recusar a aplicação da 
 respectiva norma (artºs 277° e 280° CRP).
 
    No entanto, embora de momento, e enquanto o programa informático não for 
 alterado, não é possível reformar a conta nem recompilá-la.
 
    Todavia, recusa-se a aplicação dos princípios constantes do DL nº 324/2004 
 por manifestamente inconstitucionais e, assim, dando razão ao A. e deferindo à 
 douta reclamação, determina-se a inexigibilidade da parte das custas que não são 
 da responsabilidade do mesmo.
 
                    Assim tendo o A. pago já a totalidade da taxa de justiça da 
 sua responsabilidade, no valor de € 44,50, e considerando que pagou, até a mais, 
 deve considerar-se incluída em tal verba o valor referente à sua quota-parte de 
 procuradoria, no valor de € 8,90, pelo que nada mais lhe é exigido.
 
 (…)”
 
  
 
  
 
                    Do despacho de que parte se encontra extractada recorreu para 
 o Tribunal Constitucional a Representante do Ministério Público junta daquele 
 Tribunal do Trabalho, o que fez mediante requerimento em que escreveu: –
 
  
 
                    “A Magistrada do Ministério Público junto deste Juízo e 
 secção, vem nos autos em epígrafe, interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional do douto despacho que incidiu sobre a reclamação da conta de 
 
 07/04/2005 proferido no processo supra referenciado, o que faz por dever de 
 of[í]cio e por ter legitimidade – artº 280º, nº 1 alínea a), nº 3 e 6 da 
 Constituição da República portuguesa e artº 70º, nº 1 alínea a), 71º, e 72º, nº 
 
 1 alínea a) e nº 3, ambos da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
 
                    O recurso é tempestivo e admissível e à tramitação do mesmo 
 são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de processo Civil.
 
                    A douta decisão proferida recusou a aplicação do artº 13º nº 
 
 2 do C.Custas Judiciais atento o disposto no Exórdio do Dec, Lei nº 324/2003 de 
 
 27/12, mais precisamente o nº 3 e 4 parágrafos, com o fundamento da sua 
 inconstitucionalidade.               Pretende-se que o tribunal constitucional 
 aprecia a constitucionalidade de tal norma.”
 
  
 
                    Por despacho de 5 de Julho de 2005 da aludida Juíza, foi o 
 recurso admitido, vindo os autos a ser remetidos ao Tribunal Constitucional.
 
  
 
                    Em 13 de Fevereiro de 2006, neste órgão de administração de 
 justiça, a após ter sido determinada a feitura de alegações, a primitiva 
 Conselheira Relatora exarou o seguinte despacho: –
 
  
 
                    “Sendo plausível a aplicação, ao caso dos autos, do regime 
 constante do n.º 1 do artigo 66º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, e 
 tendo em conta as eventuais repercussões quanto ao conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade pendente neste Tribunal, remeta os autos à primeira 
 instância, a título devolutiva, para os devidos efeitos”
 
                    
 
                    No 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, foi o processo 
 
 «continuado com vista» ao Ministério Público, que exarou promoção no sentido de 
 ser “aplicável ao caso em apreço o disposto no nº 1 do art. 66 da Lei 60-A/2005 
 
 (Orçamento do Estado) razão porque o reclamante da conta está dispensado do 
 pagamento das custas, subsistindo no entanto salvo o devido respeito por melhor 
 opinião, a questão suscitada de eventual inconstitucionalidade de uma norma cuja 
 aplicação foi recusada nestes autos”.
 
  
 
                    A Juíza daquele Juízo, por despacho de 13 de Março de 2006, 
 determinou a remessa do processo ao Tribunal Constitucional “a fim de tomar 
 conhecimento do recurso em apreço ou determinar o que houver por conveniente”.
 
  
 
                    Para assim decidir, exarou em tal despacho: –
 
  
 
                                 “Salvo o muito devido respeito, em nosso muito 
 modesto entendimento, [o] recurso em apreço deve ser objecto de análise e 
 decisão uma vez que a eventual aplicação do artº 66° nº 1 da Lei 60-A/2005 de 
 
 30-12 não implica, em nosso ver, a inutilidade superveniente da lide.
 
                                 Isto porque, e por um lado, nunca esteve em 
 causa a exigência de pagamento de mais custas face ao nosso despacho alvo de 
 recurso. 
 
                                 Nem a Digna Magistrada do Mº Pº discordou dessa 
 decisão na sua essência, tendo apenas e tão só recorrido por tal lhe ser 
 legalmente imposto, isto é, por o recurso em causa ser obrigatório para o 
 Ministério Público.
 
                                 Ou seja, quer se aplique o disposto no artº 66° 
 nº 1 da referida lei, quer se vá pelo decidido no nosso despacho, ao A. já nada 
 mais é exigível a nível de custas. 
 
                                 Sendo certo que nos termos do disposto no 
 referido artº 66° nº 1 nem sequer haveria lugar à elaboração da conta. 
 
                                 Ora, no caso em apreço essa conta foi, de facto, 
 elaborada, e daí ter surgido a dúvida a nível de custas judiciais que despoletou 
 toda a questão ora sob análise. 
 
                                 Pelo que, por este motivo, não se vislumbra como 
 a aplicação do referido artº 66º pode afastar a utilidade da presente lide pois 
 continua de pé o problema no tocante à elaboração da conta. 
 
                                 Isto por um lado. 
 
                                 Por outro lado – e permitam-nos a seguinte 
 comparação – o facto de existir uma amnistia não significa que deixa de haver 
 crime. Ou seja, o facto de ter surgido um instrumento legislativo que visa 
 descongestionar os tribunais promovendo a desistência, confissão ou acordo nos 
 processos[7], não significa que questões relativas à inconstitucionalidade de 
 determinada norma ou corpo de normas, quando declarado pela 1ª instância, não 
 devam ser analisadas porquanto a declaração de inconstitucionalidade mantém-se e 
 quem tem legitimidade para dela decidir em termos definitivos e vinculativos é o 
 Tribunal Constitucional e não a 1ª instância que se limita a emitir um juízo sem 
 contudo fazer desse juízo jurisprudência obrigatória. 
 
                                 Em terceiro lugar, o nosso despacho ainda não 
 transitou em julgado e não pode transitar sem que o Tribunal Constitucional se 
 pronuncie de uma forma ou de outra, rejeitando o nosso juízo de 
 inconstitucionalidade ou acolhendo-o. 
 
                                 Até porque, nos termos do disposto no artº 666° 
 nº 1 CPC, aplicável por força do nº 3 do mesmo preceito legal ao nosso despacho, 
 o nosso poder jurisdicional esgotou-se com a elaboração do mesmo necessitando, 
 por isso, de transitar o que só depende do Tribunal Constitucional. 
 
                                 Por fim, afigur[a]-se-nos muito modestamente, 
 que não estamos perante um direito disponível, em que se possa, por aplicação de 
 uma mera norma de gestão, evitar que se decida de mérito num recurso cuja 
 interposição foi obrigatória. 
 
                                 É que a Digna Magistrada do Mº Pº não pode 
 desistir do recurso e por esse mesmo motivo não pode o mesmo cair na inutilidade 
 sob pena de se subverter as regras que o tomaram obrigatório. 
 
                    Até porque não se revoga, com a aplicação do artº 66°, nem o 
 juízo, nem a decisão de inconstitucionalidade por nós emitida, sendo que só ao 
 Tribunal Constitucional cabe decidir.
 
 (…)” 
 
                    
 
  
 
                    2. A entidade recorrente rematou a alegação por si formulada 
 com as seguintes «conclusões»: –
 
  
 
 “1º – Constitui interpretação normativa desproporcionada – e, consequentemente, 
 violadora do princípio do processo equitativo – do conceito de taxa de justiça 
 do processo, prevista no artigo 13°, nº 2, do Código das Custas Judiciais, a que 
 se traduz em colocar a cargo da parte – que já liquidou inteiramente a taxa de 
 justiça por ela devida – a garantia do pagamento de uma parcela da taxa de 
 justiça que, em termos definitivos, é devida pela parte contrária, com o 
 consequente ónus de reclamar a respectiva restituição a título de custas de 
 parte, suportando o risco da possível insolvabilidade do devedor das custas.
 
 2º – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade 
 formulado pela decisão recorrida.”
 
    
 O recorrido não produziu alegação.
 
  
 
  
 
                    Em 12 de Julho de 2006, a primitiva Conselheira Relatora, 
 considerando a plausibilidade de se não tomar conhecimento do objecto do 
 recurso, determinou a audição das «partes» para se pronunciarem sobre tal 
 eventualidade.
 
  
 
                    A entidade recorrente, na sequência, veio dizer: –
 
  
 
 “1 - Como se deu conta na alegação apresentada, é discutível que a solução 
 acolhida na decisão recorrida pode considerar-se consagrada, numa interpretação 
 correcta e adequada, na norma desaplicada e que constitui objecto do recurso.
 
 2 - O que é facto, porém, é que a decisão recorrida precipitou efectivamente na 
 dita norma, constante do nº 2 do artigo 13° do CCJ, os reflexos e consequências 
 que extraiu dos ‘princípios orientadores’” do novo CCJ, constantes do ‘exórdio 
 do Decreto-Lei nº 324/03’ (cfr., o afirmado a fls. 68).
 
 3 - Ora, tendo em conta que, conforme jurisprudência uniforme e reiterada, não 
 compete a este Tribunal Constitucional sindicar a interpretação que os tribunais 
 judiciais fazem do direito infraconstitucional (salvo na medida em que isso se 
 revele absolutamente indispensável à dirimição da questão de 
 inconstitucionalidade normativa suscitada) não parece possível – salvo melhor 
 opinião – concluir que (bem ou mal) a ‘ratio decidendi’ do despacho recorrido 
 assentou numa dada interpretação do nº 2 do artigo 13º do CCJ.
 
 4 - Pelo que se afigura estarem preenchidos os pressupostos de admissibilidade 
 do recurso interposto pelo Ministério Público.
 
  
 
                    Cumpre decidir. 
 
  
 
  
 
                    3. Não se comentará aqui o teor do despacho proferido em 13 
 de Março de 2006 pela Juíza do Tribunal a quo, à excepção de se vincar que o 
 despacho do relator a determinar a remessa dos autos a título devolutivo àquele 
 Tribunal nunca poderia ter por desiderato saber qual a posição da indicada Juíza 
 sobre a utilidade ou não utilidade do recurso, já que essa questão é exclusiva 
 da competência do Tribunal Constitucional e, por isso, ultrapassa os poderes 
 cognitivos do Tribunal recorrido.
 
  
 
                    Isto significa, pois, que, a entender-se que, com base do que 
 ficou escrito nota de rodapé 1 daquele despacho, a Juíza do 1º Juízo do Tribunal 
 do Trabalho de Lisboa não aplicaria ao caso dos autos o que se contem no nº 1 do 
 artº 66º da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, então o recurso em apreço não 
 seria, por essa circunstância, inútil e, tão só com fundamento nesse 
 entendimento (e não com esteio nas demais considerações carreadas ao despacho de 
 
 13 e Março de 2006), se adopta a perspectiva de que a impugnação em causa se não 
 apresenta, em face disso, como inútil, o que não implica, contudo, que do 
 objecto dela se venha a tomar conhecimento.
 
  
 
                    3.1. Como se alcança do relatório acima efectuado, o despacho 
 agora sob impugnação operou a «recusa» de “aplicação dos princípios constantes 
 do DL nº 324/2004 por manifestamente inconstitucionais”. E, por muito que se 
 leia e releia tal despacho, o único ponto em que, no mesmo, se refere um 
 preceito legal é justamente aquele em que se escreveu: “Diz o artº 13º nº 2 do 
 CCJ vigente que ‘a taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das 
 taxas de justiça inicial e subsequente de cada parte’.
 
  
 
                    Por outro lado, no dito despacho não se surpreende uma 
 qualquer outra asserção da qual decorra, directa e especificamente, a recusa de 
 aplicação daquele preceito. 
 
  
 
                    É que, mesmo quando nele se diz que “em nosso modesto 
 entendimento, o problema reside com a lei” e que “Afigur[a]-se-nos óbvio e de 
 elementar bom sendo que a norma em apreço, e em especial, o parágrafo 3º do nº 4 
 do exórdio do DL nº 324/2003, é manifestamente injusto e mesmo, em nosso modesto 
 entender e salvo o devido respeito, imoral”, daí não resulta que se esteja a 
 fazer uma referência específica ao artº 13º, nº 2, do Código das Custas 
 Judiciais, já que, segundo a decisão em crise, seria com fundamento no parágrafo 
 do preâmbulo do diploma que aprovou aquele corpo de leis (e em que é referido 
 que “No entanto, sempre que, quer neste, quer noutros casos, exista dispensa do 
 pagamento prévio de taxa de justiça, caberá à parte vencida suportar, a final e 
 na medida do seu decaimento, a totalidade da taxa de justiça do processo, ou 
 seja, a sua taxa de justiça de parte e a taxa de justiça da parte contra quem 
 litigou”) que foi criado o programa informático com base no qual a conta dos 
 autos fora elaborada, programa esse que «assume que» quem tenha pago a 
 totalidade da taxa de justiça da sua responsabilidade e verificando-se, a final, 
 ter sido paga metade da taxa do processo, é imputada a quem já efectuou o 
 pagamento da taxa de justiça inicial a responsabilidade pelo pagamento da metade 
 em falta.
 
  
 
                    Aliás, e como se disse acima, a recusa, com base num juízo de 
 inconstitucionalidade por si formulado, da Juíza a quo, incidiu somente sobre os 
 princípios constantes do Decreto-Lei nº 324/2004.
 
  
 
                    É por demais sabido que o objecto dos recursos visando a 
 fiscalização concreta da constitucionalidade normativa é constituído por normas 
 precipitadas no ordenamento jurídico infra-constitucional.
 
  
 
                    Não obstante o que é dito nos relatórios preambulares dos 
 diplomas legislativos, e ainda que, no entendimento de uma dada decisão 
 judicial, o desiderato que aí se colhe se poste como contrário à Lei 
 Fundamental, para que se possa abrir o recurso de constitucionalidade, haverá 
 nela de ser realizado um juízo que repouse ou tenha directo reflexo num 
 determinado preceito desse diploma, preceito esse que, em abstracto, seria 
 convocável para reger o decidido.
 
  
 
                    Ora, não foi isso que sucedeu na situação em espécie.
 
  
 
                    Aduz a entidade impugnante que a decisão em causa “precipitou 
 na dita norma, constante do nº 2 do artigo 13º do CCJ, os reflexos e 
 consequências que extraiu dos ‘princípios orientadores’ do novo CCJ, constantes 
 do ‘exórdio do Decreto-Lei nº 324/03’ – o que, na óptica de tal entidade, se 
 retiraria do que é escrito naquele despacho a fls. 133 (crê-se que, por lapso se 
 refere “fls.68”) –, motivo pelo qual a razão do decidido repousou numa dada 
 interpretação daquele preceito.
 
  
 
                    Supondo-se que o Ex.mo Representante do Ministério Público se 
 quer reportar à asserção ínsita nesse despacho que refere “Ora para se 
 compreender este preceito legal e o espírito subjacente ao novo CCJ é preciso 
 recorrer ao Exórdio do DL nº 324/2003 de 27-12 o qual diz, entre outras, o 
 seguinte:”, e sendo certo que este Tribunal tem seguido uma jurisprudência 
 uniforme e reiterada segundo a qual não compete a ele sindicar a interpretação 
 que os tribunais das várias ordens fazem do direito ordinário, o que é facto é 
 que, como se referiu já, não se lobriga naquele despacho o mínimo «rasto» de 
 intento desaplicativo do preceito em questão, não defluindo, por outra banda, 
 que seria dele mesmo que se extrairia um sentido interpretativo conducente a uma 
 solução normativa de onde resultasse que, tendo ocorrido uma transacção 
 devidamente homologada, em que ficou acordado que as custas seriam suportadas a 
 meias, e, não tendo uma «parte» procedido ao pagamento da taxa de justiça 
 inicial (ou das taxas de justiça inicial e subsequentes), recai sobre outra 
 
 «parte», que já procedeu ao pagamento daquela taxa (ou daquelas taxas) o encargo 
 de pagar o restante quantitativo de taxa de justiça do processo que ainda se 
 encontre por saldar. 
 
  
 
                    Neste contexto, e por não se verificar o pressuposto o 
 recurso ancorado a alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, não se toma 
 conhecimento do objecto do vertente recurso.
 
  
 
                    Sem custas por não serem elas devidas.
 Lisboa, 31 de Outubro de 2006
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, nos termos da declaração junta)
 Vítor Gomes (Vencido, nos termos da declaração da Ex.ma Cons. Maria dos Prazeres 
 Beleza, para que remeto)
 Artur Maurício
 
  
 Declaração de voto
 
  
 
  
 
 1. Votei vencida quanto à decisão de não conhecimento do objecto do recurso 
 porque considero que o despacho recorrido, devidamente interpretado, reconduz ao 
 n.º 2 do artigo 13º do Código das Custas Judiciais, na redacção que lhe foi dada 
 pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, a inconstitucionalidade que o leva a rejeitar o 
 regime que entende resultar 'dos princípios constantes do DL n.º 324/2003', e 
 cuja aplicação recusa por serem os mesmos 'manifestamente inconstitucionais'.
 
 É certo que o Ministério Público, quer nas alegações apresentadas no presente 
 recurso, quer na resposta ao despacho de 12 de Julho de 2006, reconheceu que é 
 
 'discutível' que se possa considerar consagrada no n.º 2 do referido artigo 13º 
 a norma cuja aplicação o despacho recorrido recusou. 
 
 É, todavia, igualmente certo que o Tribunal Constitucional não se pode 
 substituir, nem ao tribunal  que proferiu o despacho recorrido, para julgar a 
 reclamação do ponto de vista do direito ordinário, nem ao recorrente, para 
 definir o objecto do recurso que interpôs.
 Assim, considero que o Tribunal  deveria ter conhecido o objecto do presente 
 recurso, tal como o recorrente o configurou, nos termos constantes do acórdão.
 Naturalmente que se não poderia considerar, a não ser para efeitos de 
 interpretação do regime vigente, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003; e que 
 as considerações expendidas no despacho recorrido a propósito do sistema 
 informático nada têm a ver com o recurso de constitucionalidade.
 Julgando o recurso, o Tribunal Constitucional, em meu entender,  deveria ter 
 concluído no sentido de que a norma recusada é inconstitucional, por violação do 
 princípio da proporcionalidade, enquanto princípio decorrente do Estado de 
 Direito (artigo 2º da Constituição) e, portanto, imposto, em geral, como limite 
 
 à liberdade de conformação do legislador ordinário, como se procurará 
 demonstrar.
 
  
 
 2. Explica-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003 que uma das inovações 
 trazidas com a aprovação do novo Código das Custas Judiciais se traduziu em 
 eliminar 'a restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao 
 pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais, 
 da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da acção' (ponto 5.), 
 transferindo para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através 
 do mecanismo de custas de parte. 
 Este mecanismo, desenhado pelos artigos 31º, n.º 1, 32º, n.ºs 1 e 2, 33º, n.º 1 
 e 33º-A do Código das Custas Judiciais, e que começa por se traduzir numa 
 garantia de que a taxa é efectivamente paga, pode levar a que o vencedor, não 
 obstante ter ganho a lide, suporte o respectivo custo, por não conseguir o 
 respectivo pagamento pelo vencido, nem voluntariamente, nem em via de execução.
 Diz-se no mesmo preâmbulo que com esta inovação no regime da taxa de justiça se 
 pretende, 'sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da 
 justiça para o vencedor', que o 'custo efectivo' do processo 'não opere à custa 
 da comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa (em sentido amplo) à 
 acção', bem como 'introduzir um factor de racionalização e moralização no 
 recurso aos tribunais, desincentivando-o por parte de quem já saiba de antemão 
 que não irá obter quaisquer benefícios reais com o processo'.
 Não vem agora ao caso uma apreciação global deste regime, que aliás se afasta do 
 
 'princípio da correspondência entre a responsabilidade pelo pagamento das custas 
 e o resultado da actividade processual dos sujeitos intervenientes no processo', 
 desenvolvido no acórdão n.º 303/2001 (Diário da República, II série, de 14 de 
 Novembro de 2001).
 A verdade é que, seja como for, o mesmo regime só vale – só tem sentido, aliás, 
 e com esta afirmação não vai implícito qualquer juízo de conformidade ou 
 desconformidade constitucional das normas que o compõem – quando há reembolsos a 
 fazer, pois que a garantia de pagamento das custas em dívida consegue-se, nesta 
 lógica, retendo o que foi pago a mais pela parte vencedora e impondo-lhe o ónus 
 de, pelo mecanismo das custas de parte, o reaver da parte contrária.
 De nenhum preceito do Código das Custas Judiciais resulta que, tendo uma das 
 partes pago a totalidade da quantia que, a título definitivo, lhe incumbiria 
 pagar, e não tendo a parte contrária pago ainda nada, se deva cobrar a quantia 
 que a esta última cabe determinando o pagamento de metade por cada uma. 
 Tal solução seria, aliás, desde logo, contraditória com as razões que levaram à 
 definição do novo regime. 
 Em primeiro lugar, porque, não havendo qualquer quantia paga a mais e, portanto, 
 a reter, não alcançaria o objectivo da garantia. 
 Em segundo lugar, porque, contrariando a simplificação proclamada igualmente no 
 preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, conduziria a uma maior complexidade de 
 regime: em vez de notificar uma parte para pagar a taxa que (exclusivamente) lhe 
 competia, notificavam-se as duas, cada uma para pagar metade; se a que já pagou 
 viesse efectivamente adiantar a parte que cabia à outra, haveria depois que 
 desencadear o mecanismo conducente ao reembolso das custas de parte; se não 
 viesse, e para além de se tornar necessário julgar uma eventual reclamação da 
 parte – como sucedeu no caso presente –, ainda se abriria a eventualidade de uma 
 execução por falta de pagamento… para depois o executado ir reaver da outra 
 parte o que foi obrigado a desembolsar (?).
 
  
 
 3. Como se sabe, o significado e as exigências decorrentes do princípio da 
 proporcionalidade, enquanto princípio decorrente do Estado de Direito (artigo 2º 
 da Constituição) e, assim, imposto, em geral, como limite à liberdade de 
 conformação do legislador ordinário, foi já objecto de inúmeras considerações 
 pelo Tribunal Constitucional. 
 Recorrendo, a título de exemplo, ao acórdão n.º 187/2001 (Diário da República, 
 II série, de 26 de Junho de 2001), cabe recordar que
 
  «o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se 
 analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins 
 prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade 
 das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”. Como se 
 escreveu no (...) Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina:
 
 'o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio 
 da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem 
 revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de 
 outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da 
 exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os 
 fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos 
 para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou 
 proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, 
 desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).'»
 
  
 Ora a norma em causa não é compatível com nenhuma destas exigências, como 
 resulta do que se disse atrás: não é adequada a alcançar os objectivos de 
 garantia e de celeridade do novo regime, não é necessária para o mesmo efeito e 
 traduz-se na imposição ao autor que já pagou a totalidade da taxa de justiça 
 que, definitivamente, lhe competia, de um ónus de desembolsar parte do que cabe 
 ao réu e de, posteriormente, ter de lançar mão das vias previstas para obter o 
 reembolso.
 Seria, portanto, inconstitucional, por infracção do princípio da 
 proporcionalidade.
 
  
 
 4. Chegando a esta conclusão, e porque a norma analisada, bem vistas as coisas, 
 não decorre do n.º 2 do artigo 13º do Código das Custas Judiciais, entendo que o 
 Tribunal  deveria ter recorrido ao mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 80º da 
 Lei nº 28/82. É que não resulta manifestamente do n.º 2 deste artigo 13º, 
 interpretado, quer literalmente, quer no contexto de todo o artigo, primeiro, e 
 de todo o Código, depois, que, quando for aplicado a uma acção que terminou por 
 transacção, homologada antes de o réu ter procedido ao pagamento da taxa de 
 justiça inicial, nos termos do disposto nos artigos 22º, 23º e 24º, n.º 1, b), 
 ambas as partes devam ser notificadas, cada uma, para pagar metade da taxa de 
 justiça devida pelo réu.
 Do n.º 2 do artigo 13º apenas decorre que para se obter o valor da taxa de 
 justiça do processo se somam as taxas de justiça inicial e subsequente de cada 
 parte.
 Conjugado com o n.º seguinte, resulta ainda que 'parte', neste sentido, é o 
 autor, ou o réu, ou, em caso de pluralidade activa ou passiva, 'cada conjunto', 
 globalmente considerado. Assim, e para evitar pagamentos de taxa de justiça que 
 depois tenham de ser reembolsados, o n.º 2 do artigo 25º do Código prevê que, em 
 caso de pluralidade activa ou passiva, se o montante pago pela 'parte' se 
 revelar suficiente para cobrir o valor correspondente à taxa de justiça 
 subsequente, é dispensado o pagamento deste última. 
 Resulta ainda do disposto no n.º 1 do artigo 25º que são iguais os valores das 
 taxas de justiça inicial e subsequente; e da alínea b) do n.º 1 do artigo 14º 
 que, caso a acção termine'antes de oferecida a oposição', a taxa (do processo) 
 será reduzida a metade, razão pela qual não é devida a taxa de justiça 
 subsequente. 
 Assim sendo, em caso de transacção homologada antes de ser oferecida a 
 contestação e paga a taxa de justiça inicial do réu, mas, naturalmente, depois 
 de ter sido paga a taxa de justiça inicial do autor, falta para completar a taxa 
 de justiça do processo um valor igual ao que o autor já pagou; e, tendo sido 
 convencionado que as custas são suportadas em partes iguais, esse valor em falta 
 
 é da total e definitiva responsabilidade do réu, porque é a taxa de justiça (de 
 parte) que lhe incumbe suportar.
 Nestes termos, fixaria para o n.º 2 do artigo 13º do Código das Custas 
 Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, quando 
 aplicado em caso de transacção homologada antes de o réu ter procedido ao 
 pagamento da taxa de justiça inicial, a seguinte interpretação: 
 
  
 Em caso de transacção homologada judicialmente antes de o réu ter pago a sua 
 taxa de justiça inicial, segundo a qual as custas em dívida são suportadas em 
 partes iguais, tendo o autor suportado integralmente a taxa de justiça que lhe 
 compete, por ter pago a sua taxa de justiça inicial, deverá o réu ser notificado 
 para pagar o remanescente da taxa de justiça do processo. 
 
  
 
 5. Concederia, pois, provimento ao recurso, determinando que o despacho 
 recorrido fosse reformulado de acordo com a interpretação fixada para o n.º 2 do 
 artigo 13º do Código das Custas Judiciais, na redacção resultante do artigo 1º 
 do Decreto-Lei n.º 324/2003 de 27 de Dezembro.
 
  
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 [1] Negrito nosso
 
 [2] Nº 3, 1º parágrafo.
 
 [3] Temos sérias dúvidas acerca da constitucionalidade desta norma uma vez que 
 ela permite, em abstracto, a aplicação de normas que podem lesar direitos 
 fundamentais constitucionalmente garantidos, como permite, caso viesse a existir 
 de novo em Portugal um ditador ou grupo dominante, a sujeição dos cidadãos a uma 
 qualquer lei tirânica criada por aqueles. A mesma norma também está em directa 
 contradição com a norma que permite a acção directa, a legítima defesa e ainda a 
 norma prevista no artº 2º d[a] CRP, entre muitas outras.
 
 [4] In Estudos de Direito Civil, I, 1987, p. 236 e ss.
 
 [5] Nº 2, 1º parágrafo.
 
 [6] Pergunta-se, então, aonde fica a tão badalada celeridade processual?
 
 1 E sendo esse o motivo subjacente ao artº 66º o mesmo então nem sequer tem 
 aplicação ao caso dos autos pois o acordo judicial foi realizado em momento em 
 que esse incentivo não existia.