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Processo n.º 180‑A/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
   Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
 
 
                         1. Pelo Acórdão n.º 244/2008, de 22 de Abril de 2008, 
 foi indeferida a reclamação para a conferência, deduzida pelo recorrente A., 
 ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e 
 Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro 
 
 (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 28 de Janeiro de 2008, que 
 decidira, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, negar 
 provimento ao recurso, por julgar manifestamente infundada a questão da 
 inconstitucionalidade, face ao artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP), da norma do artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo Civil 
 
 (CPC), na redacção resultante da reforma de 1995/1996, que estabelece a regra da 
 inadmissibilidade de recurso de agravo na 2.ª instância, para o Supremo 
 Tribunal de Justiça (STJ), de acórdãos proferidos pela Relação que confirmem, 
 ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na 
 primeira instância.
 
                         Pelo Acórdão n.º 333/2008, de 19 de Junho de 2008, foi 
 indeferido requerimento, pelo recorrente intitulado de “pedido de aclaração” do 
 Acórdão n.º 244/2008, mas em que não era apontada ao Acórdão reclamado qualquer 
 obscuridade ou ambiguidade que o tornasse ininteligível e que impusesse o seu 
 esclarecimento, pelo que tal pedido de aclaração era manifestamente descabido. 
 No entanto, como o recorrente invocara, no mencionado requerimento, o disposto 
 no artigo 669.º, n.º 2, alínea a), parte final, do CPC, e se podia entender que 
 o que ele pretendia não era a aclaração do Acórdão n.º 244/2008 (apesar de ser 
 esse o pedido expressamente formulado), mas antes a sua reforma, por, “por lapso 
 manifesto” do tribunal, ter “ocorrido erro (…) na qualificação jurídica dos 
 factos”, foi analisada essa perspectiva e concluído que a pretensão de reforma 
 não merecia acolhimento, por ser patente não poder ser assacado ao Tribunal 
 Constitucional erro, por manifesto lapso, na qualificação jurídica dos factos, 
 reportado à existência, ou não, de “prova de afecção mental que deixou o 
 confitente sem conhecimento e consciência da citação, que as instâncias não 
 consideraram”, pois o juízo sobre a insuficiência da prova da incapacidade do 
 recorrente, expressamente assumido pelas instâncias, constituía um dado de 
 facto, da exclusiva competência dessas instâncias, que não cumpria ao Tribunal 
 Constitucional questionar.
 
                         Notificado desse Acórdão n.º 333/2008, veio o recorrente 
 
 “arguir nulidade de omissão de pronúncia”, aduzindo:
 
  
 
             “1. Está em jogo uma manifestamente infundada questão de 
 inconstitucionalidade face ao artigo 20.º, n.º 1, da CRP, da norma do artigo 
 
 754.º, n.º 2, do CPC.
 
             2. A manifesta improcedência foi radicada no argumento de o Tribunal 
 Constitucional ter vindo a decidir reiteradamente que não era contrário ao 
 princípio recursivo que a lei comum estabelecesse um freio à impugnação das 
 decisões judiciais, com vista a ser concretizado o princípio da celeridade 
 jurisdicional.
 
             3. Contudo, o reclamante tem vindo a pôr um problema que 
 sistematicamente acaba por ser ignorado na decisão: (i) o artigo 20.º, n.º 1, 
 da CRP tem como corolários os princípios do contraditório e da isenção judicial; 
 
 (ii) estes princípios constituem‑se eles próprios num limite da intensificação 
 do freio recursivo; (iii) neste caso, o limite é excedido, porque se trata 
 justamente de um excesso que anula, em boa verdade, o contraditório e o papel 
 judicante isento.
 
             4. Com efeito, o problema central da não decisão da causa diz 
 respeito a uma confissão ficta tirada da abstenção de defesa por parte do réu, 
 que porém arguiu a nulidade da citação.
 
             5. Arguiu a nulidade da citação, por inabilidade psíquica do 
 citando, ao mesmo tempo que juntou aos autos reiterados e sucessivos documentos 
 médicos comprovativos da doença que o impossibilitava de entender e querer na 
 circunstância.
 
             6. Por isso mesmo, a pergunta – se as instâncias ignorarem a base 
 mesma do exercício da defesa contraditória que é uma citação fiável e que, por 
 conseguinte, vai ser condição de um julgamento isento, poderá, ainda assim, a 
 lei comum elidir o recurso para os tribunais de última instância?
 
             7. Como se disse acima, a esta pergunta não tem sido dada resposta, 
 nem foi dada no acórdão arguido: não é resposta dizer que o Tribunal 
 Constitucional se tem pronunciado reiteradamente pela constitucionalidade do 
 sistema – nunca lhe foi posta a questão nova e de qualidade nova de poder ser 
 assim também quando se suscita um problema de ofensa da base do contraditório e 
 da isenção do tribunal.
 
             8. E o reclamante insiste na diferença de qualidade da problemática, 
 chamando à colação o debate teórico e doutrinal acerca da perenidade do caso 
 julgado.
 
             9. Nas legislações estrangeiras, sobretudo em França, começou a lei 
 por admitir que a sentença transitada pudesse ser reformada em caso de 
 condenação do Estado Francês no TEDH, precisamente por grave infracção daqueles 
 dois sistemas.
 
             10. Nesta direcção, aliás, foi também acolhido na legislação 
 processual penal portuguesa, o novo artigo 449.º, n.º 1, alínea g), do CPP: 
 contudo, continua ignorado no processo civil.
 
             11. Assim, impõe‑se uma válvula de escape, reconhecidamente 
 existente na jurisdição penal e aceite na doutrina europeia através da qual 
 seja permitido rever e revogar decisões que tiveram por base a infidelidade aos 
 pressupostos de um debate judiciário justo.
 
             12. Se a legislação ou a doutrina encontraram uma nova solução é 
 porque responderam a um novo problema: não pode dizer‑se, pois, que a 
 problemática da ofensa do contraditório e da isenção base das decisões 
 judiciais seja um tema recursivo como qualquer outro.
 
             13. Aqui chegados, sublinhemos que o Tribunal Constitucional nunca 
 encarou o problema do freio recursivo sob este ponto de vista.
 
             14. Logo, quando lhe foi posto a questão da inconstitucionalidade do 
 artigo 754.º, n.º 2, do CPC por infracção do artigo 20.º, n.º 1, da CRP, ao 
 responder que já tinha repetidamente decidido em sentido contrário, o Tribunal 
 Constitucional não deu resposta ao pedido do recorrente: nulidade por omissão de 
 pronúncia.
 
             15. É esta nulidade que o reclamante pretende ver suprida, não 
 deixando mais uma vez de clamar por justiça, num caso de verdadeira violência 
 para com o demandado, que não teve conhecimento, nem podia tê‑lo tido da citação 
 e, por isso e só por isso, não se defendeu, numa causa onde necessariamente 
 teria vencimento.
 
             16. É certo que não está em causa este fundo, mas o debate 
 processual acerca de o problema ter de ser decidido definitivamente por um 
 tribunal de última instância, para ser cumprido o programa de acesso 
 constitucional à justiça, enquanto a legislação comum cível não consagrar o 
 recurso de revisão por motivo de o Estado português ter sido condenado no TEDH, 
 por em acção de ofensa ao contraditório e à isenção judiciais: continua de pé e 
 exige‑se, como acima se defendeu, uma resposta directa do Tribunal 
 Constitucional.
 
             17. Não há, deste modo, qualquer impertinência do reclamante.
 
             Por tudo, e por esta última circunstância em particular, pede e 
 espera deferimento, devendo ser suprida a nulidade no sentido da declaração da 
 inconstitucionalidade da norma crítica quando, nestes casos de arguição de 
 nulidades ou ausência de citação, proíba também o recurso cível até ao Supremo 
 Tribunal de Justiça, na vigilância da lei e do ordenamento que o perfil de 
 instância de revista lhe confere.”
 
  
 
                         Pelo Acórdão n.º 372/2008, de 9 de Junho de 2008, 
 considerando‑se verificados os requisitos que permitiam o uso da faculdade 
 prevista nos artigos 84.º, n.º 8, da LTC e 720.º do CPC, determinou‑se a 
 imediata remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, após extracção de 
 traslado e contagem do processo, processando‑se no traslado o incidente 
 suscitado, uma vez pagas as custas da responsabilidade do recorrente.
 
                         Elaborada a conta de custas, que, notificada ao 
 recorrente, não suscitou qualquer reclamação, e apurado que o recorrente 
 continua a beneficiar de apoio judiciário, cumpre decidir a aduzida arguição de 
 nulidade por omissão de pronúncia.
 
  
 
                         2. O recorrente utiliza o incidente de arguição de 
 nulidade de decisão, por omissão de pronúncia, para reiterar, mais uma vez, 
 posições que já foram anteriormente consideradas como irrelevantes para a 
 decisão do recurso em causa.
 
                         Este Tribunal, nas decisões proferidas nestes autos, 
 conheceu das questões que, em cada fase, lhe competia apreciar: na decisão 
 sumária, negou provimento ao recurso, por julgar manifestamente infundada a 
 questão da inconstitucionalidade suscitada; no Acórdão n.º 244/2008, apreciou a 
 reclamação deduzida pelo recorrente contra a decisão sumária, julgando‑a 
 improcedente; e no Acórdão n.º 333/2008, perante um “pedido de aclaração” do 
 anterior Acórdão em que nenhuma obscuridade ou ambiguidade lhe era assacara, 
 não se limitou a rejeitar tal pedido, manifestamente descabido, antes, admitindo 
 que o recorrente pretendesse a reforma da anterior decisão, apreciou‑a nessa 
 perspectiva, concluindo pela improcedência dessa pretensão por o juízo sobre a 
 insuficiência da prova da incapacidade do recorrente, em que ele baseara a 
 arguição de nulidade da citação, constituir um dado de facto, da exclusiva 
 competência das instâncias, que não cumpria ao Tribunal Constitucional 
 questionar.
 
                         Constata‑se, assim, que em todas as suas anteriores 
 decisões proferidas nestes autos, o Tribunal Constitucional pronunciou‑se sobre 
 as questões que lhe competia apreciar, não lhe cabendo, como é óbvio, analisar 
 uma pretensa questão de inconstitucionalidade que tem por pressuposto necessário 
 
 – a nulidade da citação por incapacidade psíquica do recorrente – uma realidade 
 que as instâncias competentes não deram por verificada.
 
  
 
                         3. Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a 
 presente arguição de nulidade.
 
                         Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 
 
 15 (quinze) unidades de conta.
 Lisboa, 23 de Setembro de 2008.
 Mário José de Araújo Torres 
 João Cura Mariano
 Rui Manuel Moura Ramos