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Processo n.º 626/03 
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
 
  
 
  
 
  
 ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
 
  
 
  
 
  
 
 1.            O arguido A. foi condenado, no Tribunal de Santo Tirso, como autor 
 de crimes de furto, na pena única de dois anos e seis meses de prisão, suspensa 
 por dois anos. Depois disso, no Tribunal de Paços de Ferreira o mesmo arguido 
 foi condenado na pena única de três anos e cinco meses de prisão, como autor de 
 crimes de furto cometidos em data anterior à referida condenação imposta pelo 
 Tribunal de Santo Tirso.
 
  
 Em face desta situação, o Ministério Público junto do Tribunal de Santo Tirso 
 promoveu que se procedesse ao cúmulo jurídico de todas as penas aplicadas ao 
 arguido; porém, aquele Tribunal indeferiu tal promoção. Dessa decisão interpôs o 
 Ministério Público recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
 
  
 No Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público manifestou 
 opinião inversa à do recorrente, pelo que defendeu a confirmação da decisão 
 recorrida. Na alegação que apresentou concluiu, no que ora releva: 
 
  
 
 “Interpretação diversa, no sentido propugnado pelo Magistrado recorrente, por 
 cometer ao Tribunal que for o competente para a realização do cúmulo jurídico a 
 imposição do cumprimento da pena de dois anos e seis meses de prisão fixada na 
 sentença, implicando, por isso “revogação” automática da pena de substituição 
 que se encontra em execução, afronta os art. 56º, 77º e 78º, todos do CP, 470º, 
 n.º 1 e 495º nºs 2 e 3, ambos do CPP, nega a intangibilidade do caso julgado, 
 com tutela no art. 282º nº3, da CRP, desrespeita o princípio do juiz natural, 
 não salvaguarda o princípio do contraditório, não assegura todas as garantias de 
 defesa e viola o art. 32º, n.º 1, 5 e 9 da CRP.”
 
  
 Foi então proferido acórdão em que se decidiu, em síntese:
 
  
 
 “(…)     
 Procede o recurso, no que nele se defendeu e foi peticionado sem prejuízo, 
 contudo, do procedimento prévio que se deixou consignado e do qual poderá 
 derivar a posterior inutilidade do que se impetrou. 
 Desta sorte e pelos expostos fundamentos:
 Concede-se provimento (na tese sustentada) ao recurso do Ministério Público, o 
 que conduz a que deva proferir-se decisão que realize cúmulo jurídico entre a 
 pena (suspensa) aplicada neste autos e os que formataram o sancionamento 
 unitário estabelecido no processo n.º 495/98 do 2º Juízo da Comarca de Paços de 
 Ferreira, sem prejuízo, porém, de se apreciar, previamente à realização de tal 
 cúmulo, se se verifica condicionalismo conducente à eventual extinção da pena de 
 substituição decretada nestes mesmos presentes autos, pois que, a decidir-se 
 essa extinção, tornar-se-á inútil a feitura daquele referido cúmulo.”
 
  
 
 2.            É do assim decidido que o representante do Ministério Público no 
 Supremo Tribunal de Justiça interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao 
 abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro 
 
 (LTC), dizendo:
 
  
 O Ministério Público, ao abrigo do disposto nos arts. 72°, n.º 1, al. a), 75º e 
 
 75°-A, da Lei nº 28/82, de 15/11, na redacção introduzida pela Lei n.º 13-A/98, 
 de 26/02, 
 vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo, do 
 douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Julho de 2003, que, 
 invocando o disposto nos arts. 77º e 78°, ambos do C.P., decidiu ser de proceder 
 ao cúmulo jurídico entre as penas de prisão impostas no Proc. nº 112/98, do 
 Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, e a pena de prisão que, nos 
 presentes autos, fora substituída pela pena não privativa de liberdade prevista 
 no art. 50° do mesmo diploma legal. 
 Entende-se, salvo o muito respeito devido, que o douto acórdão recorrido nega a 
 intangibilidade do caso julgado, com tutela no art. 282°, n.º 3 da C.R.P., ao 
 impor a realização do referido cúmulo jurídico invocando o disposto nas normas 
 dos arts. 77° e 78° do C.P. e a necessidade de uma apreciação global dos factos 
 e da personalidade do arguido, revogando assim a pena não privativa de liberdade 
 prevista no art. 50º do C.P., apesar de os crimes por que o recorrente fora 
 condenado no aludido proc. n° 112/98 terem sido cometidos antes da condenação 
 daquele na referida pena não privativa de liberdade. 
 O douto acórdão recorrido constitui decisão definitiva e não interlocutória, 
 pois que, se a pena não privativa de liberdade não for considerada extinta, o 
 Tribunal a quo tem, em obediência ao imposto no douto acórdão ora recorrido, de 
 proceder à realização do aludido cúmulo jurídico. 
 Pretende-se, pois, ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigo77º e 78° 
 ambos do C.P., bem como do art. 56° do mesmo diploma legal, aplicando 
 implicitamente, quando interpretados no sentido dado pelo douto acórdão do 
 Supremo Tribunal de Justiça. 
 
  
 
 3.            O recorrente foi ouvido sobre a possibilidade de não conhecimento 
 do recurso, designadamente por causa superveniente determinativa da inutilidade 
 da decisão. 
 
  
 Cumpre agora decidir.
 
  
 O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, como o presente, 
 tem carácter normativo, isto é, destina-se a sindicar normas jurídicas (numa 
 dada interpretação normativa) aplicadas na decisão recorrida como sua ratio 
 decidendi, apesar de o recorrente as haver acusado de inconstitucionais. 
 Impõe-se, portanto, que a questão de inconstitucionalidade, de natureza 
 normativa, haja sido suscitada de modo processualmente adequado perante o 
 tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a 
 dela conhecer (artigo 72º n. 2 da LTC).
 No presente caso – ao contrário do que sustenta o representante do Ministério 
 Público junto deste Tribunal – o recorrente não explicitou durante o processo, 
 designadamente nas alegações escritas apresentadas no Supremo Tribunal de 
 Justiça, qual a concreta interpretação normativa que violaria a Constituição, 
 como se alcança da leitura das mesmas.
 Na verdade, este Tribunal tem entendido que não constitui modo adequado de 
 suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa a simples alegação de 
 que 'interpretação diversa' de um determinado sentido normativo afronta a 
 Constituição.
 Assim, não tendo o recorrente identificado, de modo claro e preciso, a 
 interpretação normativa arguida de inconstitucional, não pode considerar-se 
 suscitada de modo processualmente adequado qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa. 
 
  
 Aqui chegados, torna-se desnecessário apreciar a questão de saber se se tornou 
 supervenientemente  inútil conhecer do presente recurso, face ao acórdão 
 proferido pelo Tribunal de Paços de Ferreira, transitado em julgado, em que foi 
 efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido A. em 
 quatro processos ali identificados e em que estão incluídas as penas cujo cúmulo 
 jurídico se peticionou nos presentes autos.
 
  
 
 4.            Em face do exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do 
 presente recurso.
 
  
 Lisboa, 14 de Novembro de 2006
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Artur Maurício