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Processo nº 636/06
 
 1ª Secção
 Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
 
 
 
  
 Acordam  na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
  
 
  
 I. Relatório 
 Sob invocação do regime resultante das disposições conjugadas dos arts. 41º, 
 n.º2, da Lei n.º100/97, de 13/09, e 56° e 74°, estes do D.L. n.º143/99, de 
 
 30/04, na redacção introduzida pelo D.L. n.º382 – A/99, de 23/09, a Companhia de 
 Seguros A., S.A., na qualidade de responsável pelo pagamento da pensão anual e 
 vitalícia fixada ao sinistrado B., requereu, no Tribunal do Trabalho de 
 Bragança, a respectiva remição, alegando, para o efeito, que, a partir de 
 
 01.01.2003, a mesma se havia tornado obrigatoriamente remível por ser inferior a 
 seis vezes a remuneração mínima nacional garantida à data da sua fixação.
 
  
 Notificado para, no prazo de dez dias, declarar nos autos se se opunha à 
 remissão da respectiva pensão, com a expressa advertência de que um eventual 
 silêncio seria havido como oposição, o sinistrado beneficiário nada disse. 
 
  
 Por despacho judicial datado de 24.04.2006, a pretendida remição da pensão foi 
 indeferida.
 
  
 Para fundamentar tal decisão, aí se escreveu o seguinte:
 
 2. Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° n.º 1 als. a) e 
 b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de acidentes 
 ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no artigos 41° 
 n.º 2, al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as pensões anuais 
 devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não 
 sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à 
 data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados, independentemente do valor 
 da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%. 
 Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004 (n.º convencional 
 JSTJ000, in http.//www.dgsi.pt), no sentido de que a data da fixação da pensão 
 não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a fixou, mas antes a 
 data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não colide, salvo melhor 
 entendimento, com a uniformização de jurisprudência fixada pelo STJ no seu 
 Acórdão n.º 4/2005, publicado no DR 1-A de 2/5/2005. 
 Ora, o sinistrado está afectado de incapacidade permanente parcial para o 
 trabalho de 45,19%, sendo a pensão em causa devida desde 29/09/1988. Por sua 
 vez, o seu valor era de 116.040$00 (€ 578,81), ou seja, era inferior a seis 
 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada estabelecida pelo D.L. 
 
 411/87 de 30/12, que era de 27.200$00 (€ 135,67). 
 Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à remição 
 obrigatória da pensão. 
 
 3. Contudo, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão nº 34/2006 publicado 
 no D.R. I — A de 8/2, no qual reproduz a fundamentação do Acórdão n.º 56/2005 
 publicado no Diário da República, II Série, n.º 44 de 3/5/2005, doutamente 
 relatado pelo Exm° Conselheiro Paulo Mota Pinto, veio declarar a 
 inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do artigo 
 
 74° do Dec. Lei n.º 143/99 de 30/4, na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 382-A/99 
 de 22/9, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões 
 vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do 
 trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%. 
 
 3.1 Transcreve-se, por isso, parte da fundamentação do supracitado Ac. n.º 
 
 56/2005: 
 
 « (…).
 
 5-No Acórdão n.º 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 54, págs. 313-321) escreveu-se, a propósito, então, do artigo 56° do 
 Decreto-Lei n.º 143/99, que a ‘filosofia subjacente” à remição obrigatória de 
 pensões prevista no seu n.º 1, segundo dois diferentes critérios — o do montante 
 diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de incapacidade laboral, 
 nos termos da alínea b) — e à remição facultativa de pensões, prevista no seu 
 n.º 2, era a de permitir que a compensação correspondente à pensão fixada ao 
 trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, não 
 impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter-se em 
 capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a 
 permitida pela mera percepção de uma renda anual. Se a via que o legislador 
 encontrou é válida perante uma incapacidade diminuta, a que corresponda montante 
 de pensão reduzido, já não o será em casos de maior gravidade, de modo a 
 colocar, porventura, em causa, dada a álea inerente, a aplicação do capital. Daí 
 o não se aceitar que, nos casos de incapacidade de trabalho fixada em maior 
 percentagem, com natural repercussão no montante da pensão, se estabeleça uma 
 limitação ao poder de o trabalhador pedir ou não a remição, reflectida na 
 obrigatoriedade de a esta se proceder.” Tal interpretação da teleologia das 
 normas é corroborada pela salvaguarda, no n.º 2 do artigo 33° da Lei n.º 100/97, 
 de 13 de Setembro, de um limite máximo á remição parcial em situações de 
 
 “incapacidade igual ou superior a 30%” (“desde que a pensão sobrante seja igual 
 ou superior a 50% do valor da remuneração mínima mensal garantida mais 
 elevada”), e pela inexistência de previsão de “um capital de remição”, no artigo 
 
 170 da Lei n.º 100/97, para situações em que a incapacidade fosse superior a 
 
 30%. (...). Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão 
 recorrida contra a conformidade constitucional da norma do artigo 740 do 
 Decreto-Lei n.º 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2°, do Decreto-Lei n.º 
 
 382-A/99, e na interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o 
 Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, 
 justamente, o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade 
 elevada, “só a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado 
 contra o destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição 
 obrigatória, em casos como o sub judice”. 
 Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da ponderação reiterada 
 pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 302/99 (publicado em Acórdãos do 
 Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode ler: 
 
 “o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela 
 perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que 
 foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor. 
 E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o 
 que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não 
 implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador 
 
 (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição 
 por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total 
 capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão 
 que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é 
 de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar 
 do tempo - possa ser ‘transformada’ em capital, a fim de ser aplicada em 
 finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção 
 de uma ‘renda’ anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência 
 digna a quem quer que seja. 
 Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade 
 responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da 
 própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o 
 montante da pensão for reduzido. 
 Outrotanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou 
 doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente 
 diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de 
 auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas 
 situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, 
 servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em 
 consequência da reduzida capacidade de trabalho. Se o montante dessas pensões se 
 perspectivar como algo que actua (ou actuaria desejavelmente) como um mínimo de 
 asseguramento de subsistência, então compreende-se que o legislador pretenda, 
 como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, “colocar o 
 trabalhador a coberto dos riscos de aplicação do capital de remição”. 
 Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento em que essa 
 intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em virtude de ser 
 aleatória, comporta riscos. E daí se aceitar que, nos casos em que a 
 incapacidade de trabalho se situa em maior percentagem (com o consequente maior 
 montante da pensão), o legislador, para ressalva do próprio trabalhador que 
 dessa incapacidade padece, não autorize a remição das respectivas pensões, desta 
 sorte estabelecendo uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a 
 remição.” 
 Neste acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a 
 conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas pensões 
 
 “a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis”, e julgou-as 
 inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 13°, n.º 
 
 1, 59°, n.º 1, alínea f), e 63°, n.º 3, da Constituição. 
 No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está em causa a 
 limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo 
 da pensão, não seria mais compensador a efectivação da remição {que redundava — 
 disse-se —, “verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente 
 infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social 
 proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa reparação, 
 quando vitimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional [artigo 59°, 
 n.°1, alínea f), do diploma básico]”}, mas antes a limitação a continuar a 
 receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para todas as 
 pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais 
 permanentes que excedam 30%. 
 Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda numa limitação 
 do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar a receber a 
 pensão e recusar a remição — numa imposição do risco do capital a receber —, a 
 qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tornaria precário e 
 limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de 
 acidente de trabalho ou doença profissional. 
 Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a remição total 
 obrigatória — isto é, independentemente da vontade do beneficiário — de uma 
 pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 
 
 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional consagrado no artigo 59°, n.°1, alínea 1), da 
 Constituição. 
 
 3.2 O juízo de inconstitucionalidade e os ensinamentos resultantes da 
 jurisprudência constitucional citada, embora se refiram ao artigo 74° do D.L. 
 
 143/99 de 30/4, valem igualmente para o art. 56°, n.º1, al.a) quando 
 interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes iguais ou superiores a 30%, na medida em que, ao impor uma 
 limitação ao direito do sinistrado poder optar, ou pela remição, ou, antes, pelo 
 recebimento da sua pensão sob a forma de renda anual, tal interpretação põe em 
 causa o principio constitucional do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional estabelecido no art. 59º, n.º1, alínea f), da 
 Constituição. 
 
 4. Pelo exposto, considerando que o sinistrado nestes autos, pelo seu silêncio, 
 se opôs à remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, 
 por violação do art. 59° n.°1 al. f) da Constituição, a norma resultante do art. 
 
 56° n.º 1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada no sentido de impor 
 a remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de 
 pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou 
 por morte, e, consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória da 
 pensão fixada nestes autos ao sinistrado B.. 
 
 
 
 
 
 
 
                  Nos termos previstos nos arts.70º, n.º1, al.a), 72º, n.º1, 
 al.a) e n.º3, ambos da LTC, desta decisão foi interposto pela Magistrada do 
 Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho de Bragança o presente recurso 
 obrigatório, tendo por objecto a recusa de aplicação, por inconstitucionalidade 
 material fundada na violação do art.59º, n.º1, al.f), da CRP, «[…] da norma 
 resultante do art.56º, n.º1, al.a), do DL 143/99, de 30/04, “quando interpretada 
 no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da 
 vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30% ou por morte …”».
 
  
 
                  Já neste Tribunal, apenas o Digno Recorrente produziu 
 alegações, o que fez nos termos que seguidamente se transcrevem:
 
  
 
 «1. Apreciação da questão de inconstitucionalidade suscitada
 O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público da 
 decisão, proferida pelo Tribunal de Trabalho de Bragança, nos autos de processo 
 resultante de acidente de trabalho em que é sinistrado B., que recusou aplicar, 
 com fundamento em inconstitucionalidade material, a norma constante do art.56º, 
 n.º1, al.a), do Decreto-Lei n.º143/99, de 30 de Abril, quando interpretada no 
 sentido de impor a remissão obrigatória total, independentemente da vontade do 
 trabalhador/sinistrado, de pensões atribuídas por incapacidades parciais 
 permanentes superiores a 30% ou por morte.
 Constitui jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal a que se 
 consubstancia no juízo de inconstitucionalidade da norma que integra o objecto 
 do presente recurso (cfr., nomeadamente, os acórdãos n.º58/06, 118/06, 292/06, 
 
 323/06, 322/06, considerando estes dois últimos que tal norma viola ainda o 
 princípio da confiança, quando aplicada – como sucede no caso dos autos – a 
 acidentes ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor.
 Cabe naturalmente aplicar à situação dos autos tal corrente jurisprudencial, o 
 que conduz a um julgamento de inconstitucionalidade, pelo menos com base na 
 violação da alínea f) do n.º1 do art.59º da Constituição da República 
 Portuguesa. 
 
 2. Conclusão.
 Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
 
 1-       É inconstitucional, por violação do art.59º, n.º1, al.f) da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma constante da alínea a) do art.56º 
 do Decreto-Lei n.º143/99, de 30 de Abril, quando interpretada no sentido de 
 impor, independentemente da vontade do trabalhador sinistrado, a remição total 
 de pensões atribuídas por incapacidade parcial permanente superior a 30% ou por 
 morte.
 
 2-       Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da decisão recorrida». 
 
  
 
  
 II. Fundamentação.
 O presente recurso, tendo sido interposto ao abrigo da alínea a) do n.º1 do 
 art.70º da LTC, incide sobre a decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho de 
 Bragança que recusou a aplicação, por inconstitucionalidade material decorrente 
 da violação do art. 59°, n.°1, al.f), da Constituição, da norma resultante do 
 art. 56°, n.º 1, al.a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada no sentido de 
 impor a remição obrigatória total – isto é, independentemente da vontade do 
 titular – de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30% ou por morte.
 
  
 Por efeito de tal recusa, o mesmo Tribunal indeferiu a remição da pensão anual e 
 vitalícia fixada ao sinistrado B., afectado de incapacidade permanente parcial 
 para o trabalho de 45,19% na sequência de acidente ocorrido aos 17.04.1986, 
 remição essa aí requerida pela Companhia de Seguros A., S.A. na qualidade de 
 responsável pelo respectivo pagamento.
 
  
 
                  Sobre a questão da legitimidade constitucional da dimensão 
 normativa extraída do art. 56°, n.º 1, al.a), do D.L. 143/99, de 30/04, recusada 
 aplicar no âmbito dos presentes autos foi já este Tribunal por mais do que uma 
 vez chamado a pronunciar-se, tendo-o feito em termos invariavelmente 
 confirmatórios do juízo de inconstitucionalidade contido na decisão aqui 
 recorrida.
 
  
 
                  Assim sucedeu através do Acórdão n.º58/2006 (disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), em cuja fundamentação se escreveu o 
 seguinte:
 
 «Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face 
 
 à situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de 
 trabalho ocorrido em 18 de Junho de 1975 – que se considerasse aplicável o 
 disposto no artigo 74.º, e não directamente o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, 
 alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
 No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi expressamente recusada, 
 com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela decisão recorrida, pelo que é 
 a questão da sua conformidade constitucional que constitui objecto do presente 
 recurso, embora circunscrita à dimensão susceptível de aplicação ao caso 
 concreto, isto é, enquanto determina a remição obrigatória de pensões anuais 
 devidas a sinistrados de acidentes de trabalho que não sejam superiores a seis 
 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da 
 pensão, em casos em que do acidente resultou incapacidade parcial permanente do 
 sinistrado superior a 30%. Ficam, assim, excluídas as dimensões normativas 
 reportadas a situações em que o beneficiário da pensão não seja o sinistrado 
 e/ou aos casos em que ocorreu a morte do sinistrado.
 Relativamente à dimensão que constitui objecto do presente recurso, há apenas 
 que reconhecer que são para aqui inteiramente transponíveis as considerações que 
 levaram à emissão de juízos de inconstitucionalidade, por violação do artigo 
 
 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, da norma do 
 artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a 
 remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas 
 incapacidades excedam 30%, constantes do Acórdão n.º 56/2005 (cuja fundamentação 
 foi transcrita na sentença recorrida, em passagem reproduzida no precedente 
 relatório) e das Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, e que culminaram 
 com a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade dessa 
 norma constante do Acórdão n.º 34/2006.
 Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a 
 compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a 
 infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor, 
 compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não 
 afecta significativamente a continuação do desempenho da sua actividade 
 laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi 
 fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada com o passar 
 do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em 
 finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera 
 percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer 
 subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa estiverem 
 acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a capacidade 
 laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário 
 condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de 
 complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da 
 reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no 
 momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta 
 riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição 
 significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos 
 arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo‑lhe a 
 assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna 
 precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando 
 vítimas de acidente de trabalho.
 Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da vontade do 
 beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial 
 permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa 
 reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea 
 f), da Constituição.
 
 […]».
 
  
 
                 A jurisprudência constante do Acórdão parcialmente acabado de 
 transcrever veio a ser subsequentemente reiterada nos Acórdãos n.º118/06 e 
 
 204/06, através dos quais uma vez mais decidiu este Tribunal «julgar 
 inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), 
 do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas 
 incapacidades excedam 30%» (ambos igualmente disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos).
 
                 
 Para além do juízo formulado através do já citado Acórdão n.º58/2006 – para cuja 
 fundamentação aqui se remete –, o caso em presença, por se reportar a pensão 
 anual e vitalícia devida por acidente ocorrido antes da entrada em vigor do 
 Decreto Lei n.º143/99, de 30 de Abril, permite ainda a convocação do discurso 
 argumentativo inserto nos Acórdãos n.º322/2006 e 323/2006 a propósito da 
 legitimação constitucional da norma aqui recusada aplicar no confronto com o 
 princípio da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito consagrado no 
 art.2º da Lei Fundamental. 
 
  
 
                  No primeiro dos referidos arrestos, pode ler-se o seguinte:
 
 «Para além disso, também está agora em causa a aplicação do disposto na alínea 
 a) do n.º 1 do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 143/99 a acidentes ocorridos à data 
 da sua entrada em vigor (cfr. Artigo 41º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, que faz 
 reportar a produção de efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a 
 regulamentar, e que foi o Decreto-Lei n.º 143/99) […].
 A aplicação a acidentes anteriores – no caso, em 1960 – suscita, na verdade, a 
 dúvida da compatibilização da norma em apreciação com as exigências do princípio 
 da confiança, inerente ao princípio do Estado de Direito, pois se trata da 
 aplicação de um regime “que prevê consequências jurídicas para situações que se 
 constituíram antes da sua entrada em vigor mas que se mantêm nessa data” 
 
 (acórdão n.º 232/91, Diário da República, II série, de 17 de Setembro de 1991. 
 Ver, ainda, acórdãos n.ºs 287/90, Diário da República, II série, de 20 de 
 Fevereiro de 1991 e 467/2003, Diário da República, II série, de 19 de Novembro 
 de 2003, e jurisprudência neles citada).
 Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, isto não significa, 
 naturalmente, que exista qualquer “direito à não frustração de expectativas 
 jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou 
 relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não 
 está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo ou 
 das pensões, por exemplo (…). Cabe saber se se justifica ou não na hipótese da 
 parte dos sujeitos de direito ou dos agentes um ‘investimento na confiança’ na 
 manutenção do regime legal (…)” (citado acórdão n.º 287/90).
 Significa, antes, que não será consentânea com tal princípio a aplicação de uma 
 lei nova a efeitos decorrentes de factos anteriores se “a confiança do cidadão 
 na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for 
 violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso, 
 com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer 
 sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão. E isso porque, 
 tendo tal confiança, nesse caso, maior ‘peso’ ou ‘relevo’ constitucional do que 
 o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o 
 conflito se resolva daquela maneira” (mesmo acórdão n.º 232/91); dito por outras 
 palavras, será inconstitucional se “atingir de forma inadmissível, intolerável, 
 arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as 
 pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” (acórdão n.º 486/97, Diário 
 da República, II série, de 17 de Outubro de 1997).
 Ora, no caso presente, impor ao beneficiário de uma pensão actualizável 
 correspondente a um acidente ocorrido em 1960 a sua substituição por um capital 
 de remição, obrigando-o a providenciar pela respectiva aplicação em termos de 
 garantir, em idêntica medida, a sua subsistência, afecta de forma inaceitável a 
 expectativa que legitimamente fundou na manutenção de um regime legal que lhe 
 permitiu organizar a vida contando com o pagamento periódico e vitalício daquela 
 quantia. 
 
 É certo que a obrigatoriedade de remição traz óbvias vantagens para a 
 seguradora, obrigada a pagar repetidamente e durante um longo período de tempo 
 inúmeras pensões de reduzido montante; e que, por essa via, o novo regime se 
 explica facilmente por critérios de racionalidade económica. Não se vê, todavia, 
 que tais vantagens sejam aptas a prevalecer sobre o risco que dela poderá 
 resultar para a subsistência do beneficiário, que confiou, nos termos expostos, 
 na manutenção da pensão.
 Deve assim concluir-se pela inconstitucionalidade da norma que constitui o 
 objecto do presente recurso, por violação conjugada do disposto na alínea f) do 
 n.º 1 do artigo 59º da Constituição e do princípio da confiança, inerente ao 
 princípio Estado de Direito (artigo 2º da Constituição)».
 
  
 
  
 
                  Apesar da pertinência que, por se tratar também aqui de pensão 
 atribuída por sinistro ocorrido em momento anterior à entrada em vigor do 
 Decreto Lei n.º143/99, de 30 de Abril, não deixa de assumir o juízo de 
 desconformidade constitucional formulado sob convocação do princípio da 
 confiança, o certo é que a confirmação do julgamento de inconstitucionalidade 
 incidente sobre a precisa dimensão normativa recusada aplicar pela decisão 
 recorrida se basta, em todo o caso, com a reiteração do pronunciamento expresso 
 através do Acórdão n.º58/2006, já que, independentemente da relação de 
 precedência a estabelecer entre aqueles dois eventos, em causa desde logo está o 
 indeferimento da remição de uma pensão anual e vitalícia atribuída por 
 incapacidade parcial permanente do trabalhador/sinistrado superior a 30% quando 
 este a tal se opôs.
 
  
 
  
 
                  III. Decisão
 
                  Em face do exposto, acordam em:
 a)        Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea 
 f), da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56.º, n.º 1, 
 alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de 
 impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por 
 incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que 
 estas incapacidades excedam 30%; 
 b)        Negar consequentemente provimento ao recurso, confirmando a decisão 
 recorrida na parte impugnada.
 
  
 Sem custas.
 Lisboa, 14 de Novembro de 2006
 Rui Manuel Moura Ramos
 Maria João Antunes
 Maria Helena Brito
 Carlos Pamplona de Oliveira – voto o acórdão com a declaração de que perfilho o entendimento de que a norma ofende o princípio da confiança.
 Artur Maurício (com a declaração de que entendo igualmente violado o princípio da confiança nos termos dos Acs 322/06 e 323/06)