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Processo n.º 1112/06
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
 
  
 
  
 
  
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 
  
 I. Relatório
 
 1.A., S.A. intentou em 11 de Maio de 2006 acção especial ao abrigo do 
 Decreto-Lei n.º 268/98, de 1 de Setembro, contra B. e C., ambos residentes na 
 Marinha Grande, pedindo a sua condenação no pagamento de € 2.442,92, invocando 
 incumprimento por parte destes do contrato de mútuo celebrado entre eles e 
 aquela instituição bancária. Onze dias depois, em 22 de Maio de 2006, a 
 demandante veio apresentar “em complemento ao já referido na petição inicial”, 
 uma peça em que disse:
 
 «A., S.A., nos autos à margem referenciados, e em complemento do já referido na 
 petição inicial vem ainda deixar expresso que a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, 
 na parte e na medida em que altera a redacção do artigo 110.º, n.º 1, alínea a), 
 do Código de Processo Civil, é inconstitucional, e consequentemente, a referida 
 alínea a) do n.º 1 do dito artigo 110.º, com a mencionada redacção, é 
 inconstitucional – logo inaplicável pelos Tribunais “ex vi” o disposto no artigo 
 
 204.º da Constituição da República Portuguesa – na interpretação que permita a 
 aplicação do disposto no referido artigo 110.º, n.º 1, alínea a), a contratos 
 celebrados anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham 
 optado, nos termos do artigo 100.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo 
 Civil, por um foro convencional no que respeita à competência dos Tribunais em 
 razão do território, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade 
 e da proporcionalidade, e da não retroactividade consignado nos artigos 18.º, 
 n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa e, também ainda, por 
 violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança corolários ambos do 
 Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da 
 República Portuguesa, donde o Tribunal de Lisboa ser o competente para conhecer 
 da presente acção».
 Esta peça processual foi objecto do seguinte despacho, proferido em 6 de Julho 
 de 2006:
 
 «O requerimento apresentado é manifestamente anómalo e estranho ao andamento 
 normal do processo. 
 Na verdade inexiste previsto no Código de Processo Civil a figura do 
 
 “requerimento complementar”, sendo certo que o aduzido no sobredito requerimento 
 não faz sentido no estado actual do processo, constituindo uma antecipação da 
 decisão a proferir e normas a aplicar, contendo matéria de eventual recurso para 
 o Tribunal Constitucional, órgão competente para apreciar a questão suscitada. 
 Pelo exposto, determina-se o desentranhamento do requerimento de fls. 18 e sua 
 devolução ao apresentante.»
 Apresentou então a demandante requerimento em que dizia:
 
 «A., SA, nos autos de acção com processo especial que, por este Juízo, intentou 
 contra B. e marido tendo sido notificado do despacho de V.Exa. de fls. 23, que 
 ordenou o desentranhamento do requerimento de fls. 18, despacho que, nos termos 
 da lei, não admite recurso, vem consignar nos autos – para efeitos de oportuno 
 recurso para o Tribunal Constitucional, atento o decidido pelo mesmo no acórdão 
 
 191/9[1], de 8 de Maio de 1991, publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, volume 19.º, págs. 283 – que a questão da inconstitucionalidade 
 referida no dito requerimento foi levantada “durante o processo” em momento em 
 que o Tribunal se podia pronunciar validamente sobre a mesma.»
 Por sentença do 8.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, 
 datada de 20 de Julho de 2006, foi julgada verificada a excepção de 
 incompetência territorial e, consequentemente, declarado aquele tribunal 
 incompetente para a acção e competente o Tribunal Judicial da Marinha Grande. 
 Pode ler-se naquela decisão:
 
 «A., SA, intentou a presente acção especial ao abrigo do DL n.º 268/98, de 1.9, 
 contra B. e C., ambos residentes na Marinha Grande, pedindo que sejam 
 solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia global de € 2.442,92, invocando 
 contrato de mútuo não cumprido por aqueles. 
 A presente acção foi intentada em 11.5.2006. 
 Os réus são pessoas singulares. 
 
 *
 
 É de considerar que: 
 Em 1.5.2006 entrou em vigor a Lei n.º 14/2006, de 26.4, a qual procedeu à 
 alteração dos artigos 74.º e 110.º do C.P.C., nos seguintes termos: 
 
 - Art.º 74.º, n.º 1: “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a 
 indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução 
 do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicilio do réu, 
 podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser 
 cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio 
 do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na 
 mesma área metropolitana”; 
 
 - Art.º 110.º, n.º 1, al. a): “Nas causas a que se referem o artigo 73.º, a 
 primeira parte do n.º 1 e o n.º 2 do art.º 74.º”.
 E, segundo o art.º 6.º da Lei n.º 14/2006, publicada no D.R., I-A, n.º 81, de 
 
 26.4.2006, pág. 2909, esta aplica-se às acções e aos requerimentos de injunção 
 instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor. 
 Ora, considerando a causa de pedir da presente acção: cumprimento de contrato, e 
 atendendo ao local da residência dos réus: Marinha Grande, a interposição da 
 presente acção no Tribunal “a quo” surge injustificada, porquanto de acordo com 
 a lei processual civil em vigor à data da apresentação da acção este Tribunal já 
 não era competente, em razão do território, para conhecer e decidir o pleito em 
 causa. 
 Não obstante, veio o autor argumentar que o Tribunal competente por as partes o 
 terem elegido, tendo essa escolha sido “feita nos termos e ao abrigo do disposto 
 no art.º 100.º, n.º 1, com referência ao disposto também no art.º 110.º, ambos 
 do Código de Processo Civil, nas redacções dos ditos preceitos anteriores às que 
 lhe foram dadas pela Lei n.º 14/2006, de 26.4, pelo que a escolha é válida e 
 legal atento o disposto nos artigos 5.º e 12.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil”. 
 De acordo com o art.º 12.º do Código Civil no domínio da aplicação no tempo das 
 leis processuais a lei só dispõe para o futuro, não tendo pois eficácia 
 retroactiva. Assim sendo, e porque a Lei n.º 14/2006 não contém nenhuma 
 disposição transitória, impõe-se concluir que a mesma se aplica imediatamente às 
 acções que sejam instauradas posteriormente à sua entrada em vigor. 
 Deste modo, tendo a presente acção sido instaurada em 11.5.2006 e não tendo a 
 Lei n.º 14/2006 feito qualquer distinção entre os casos em que tenha existido 
 determinação de competência convencional ou não, no âmbito da lei processual 
 anteriormente vigente, impõe-se concluir que carece de fundamento o alegado pelo 
 autor. 
 Efectivamente, da análise da Lei n.º 14/2006, por consideração dos seus 
 elementos literal e teleológico, bem como da sua “occasio legis”, resulta que 
 deixaram de ter validade as convenções anteriores nas quais se tenham afastado 
 as regras da competência territorial, nos casos a que se refere o n.º 1 do 
 artigo 74.º do CPC, ou seja, por força da referida disposição e por a mesma se 
 aplicar imediatamente às acções futuras, não obriga ao acatamento de um acordo 
 que tinha mais vasto campo de aplicação à data em que foi firmado – cfr. neste 
 sentido o Acórdão da Relação de Évora de 28.1.1993, CJ, tomo 1, pág. 267. 
 Em consequência, face às regras de fixação da competência territorial que 
 constam do Código de Processo Civil na redacção aprovada pela Lei n.º 14/2006, 
 de 26.4, aplicável a este processo, não podia o autor intentar a presente acção 
 neste Tribunal, mas devendo tê-lo feito no Tribunal Judicial da Marinha Grande. 
 Pelo supra exposto, decide-se julgar verificada a excepção de incompetência 
 territorial, declarando o presente Tribunal incompetente para a presente acção e 
 competente o Tribunal Judicial da Marinha Grande – art.ºs 74.º, n.º 1, 108.º, 
 
 110.º, n.º 1, al. a), e 11.º, n.º 3, todos do C.P.C.»
 
 2.A demandante A., S.A. interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional 
 ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, 
 Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal 
 Constitucional), dizendo:
 
 «A., SA, nos autos de acção com processo especial, que, por este Juízo, intentou 
 contra B. e marido C., tendo sido notificado da decisão de fls., porque a mesma 
 se recusou afinal a conhecer da inconstitucionalidade oportunamente suscitada 
 nos autos, e porque com ela se não conforma, da mesma interpõe recurso para o 
 Tribunal Constitucional, o que faz nos termos seguintes: 
 a) O recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pela 
 Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro; 
 b) Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 110.º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela 
 Lei n.º 14/2006, de 6 de Abril, na parte e na medida em que permite a 
 interpretação do dito preceito no sentido de o considerar aplicável a contratos 
 celebrados anteriormente à publicação da referida Lei n.º 14/2006; 
 c) Efectivamente tal norma, aplicada no sentido referido, viola os princípios da 
 adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e também da não 
 retroactividade, consignados no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da 
 Republica Portuguesa e, também, por violação dos princípios da segurança 
 jurídica e da confiança, corolários ambos do Estado de Direito Democrático 
 consignado no artigo 2.º da Constituição da Republica Portuguesa: 
 d) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos no requerimento 
 neles apresentado a fls., aos 22 de Maio de 2006 e de novo consignada a fls. aos 
 
 13 de Julho de 2006. 
 O recurso deve ser admitido para subir imediatamente, nos autos, com efeito 
 suspensivo. 
 Assim, porque está em tempo, requer a V.Exa. que, com a apresentação deste, se 
 digne admitir o recurso, seguindo-se os demais termos.»
 O recurso de constitucionalidade não foi admitido no Tribunal de Pequena 
 Instância Cível de Lisboa, por despacho de 3 de Outubro de 2006, com o seguinte 
 teor:
 
 «O sentido e alcance do despacho proferido a fls. 27 foi o de considerar que o 
 A. suscitou a questão da inconstitucionalidade através de requerimento 
 
 “manifestamente anómalo e estranho ao andamento normal do processo”. 
 Do conteúdo da referida decisão e da conjugação do disposto nos artigos 70.º, 
 n.º 1, al. b), parte final, 72.º, n.º 2, e 75.º-A, n.º 2, da Lei do TC, tem de 
 se concluir que o A. não suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo 
 
 “processualmente adequado” (art.º 72.º, n.º 2), pois não o fez na “peça 
 processual” que ao caso caberia, ou seja, na petição inicial (art.º 75.º-A, n.º 
 
 2). 
 Pelo exposto, tendo presente que o referido despacho produziu efeitos de caso 
 julgado e ao abrigo do preceituado no art.º 76.º, n.º 2, da Lei do TC, não se 
 admite o recurso interposto a fls. 33.»
 
 3.Vem agora a recorrente reclamar deste despacho para o Tribunal Constitucional, 
 ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, nos 
 seguintes termos:
 I. BREVE HISTÓRIA DOS AUTOS E O OBJECTO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO 
 Vê-se da certidão que no final se requer para instruir a presente reclamação que 
 a acção onde foi proferido o despacho reclamado foi intentada pelo ora 
 reclamante contra os referidos B. e marido C., junto dos Tribunais de Pequena 
 Instância Cível de Lisboa, tendo sido distribuída ao respectivo 8.º Juízo.
 Vê-se da petição da referida acção – conforme aliás consta também do cabeçalho 
 da presente reclamação – que os RR. residem ambos na Comarca de Marinha Grande. 
 Mais se vê da petição da dita acção que invocando a cláusula de eleição de foro 
 convencional constante expressamente do contrato junto aos autos em fotocópia 
 com a petição inicial, a acção foi intentada no Tribunal Judicial da Comarca de 
 Lisboa, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1, com 
 referência ao disposto também no artigo 110.º, ambos do Código Civil, nas 
 redacções dos ditos preceitos anteriores às que lhe foram dadas pela Lei n.º 
 
 14/2006, de 26 de Abril, tendo logo sido afirmado na petição inicial que a 
 referida escolha era válida e legal, atento o disposto nos artigos 5.º e 12.º, 
 n.ºs 1 e 2, do Código Civil. 
 Mais se vê dos autos que a petição da referida acção deu entrada na Secretaria 
 Geral dos Juízos de Pequena Instância Cível de Lisboa aos 11 de Maio de 2006, e 
 que logo aos 22 de Maio de 2006, a fls. 18, foi apresentado nos autos 
 requerimento do teor seguinte: 
 
 “A., SA, nos autos à margem referenciados, e em complemento do já referido na 
 petição inicial vem ainda deixar expresso que a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, 
 na parte e na medida em que alterou a redacção do artigo 110.º, n.º 1, alínea 
 a), do Código de Processo Civil, é inconstitucional, e, consequentemente a 
 referida alínea a) do n.º 1 do dito artigo 110.º, com a mencionada redacção, é 
 inconstitucional – logo inaplicável pelos Tribunais “ex vi o disposto no artigo 
 
 204.º da Constituição da Republica – na interpretação que permita a aplicação do 
 disposto no referido artigo 110.º, n.º 1, alínea a), a contratos celebrados 
 anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos 
 termos do artigo 100.º, n.ºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, por um 
 foro convencional no que respeita à competência dos Tribunais em razão do 
 território, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da 
 proporcionalidade, e da não retroactividade consignado nos artigos 18.º, n.ºs 2 
 e 3, da Constituição da Republica Portuguesa e, também ainda, por violação dos 
 princípios da segurança jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de 
 Direito Democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da Republica 
 Portuguesa, donde o Tribunal de Lisboa ser o competente para conhecer da 
 presente acção”.
 Vê-se igualmente dos autos, mais concreta e precisamente da certidão que no 
 final se requer para instruir a presente reclamação, que muito posteriormente, 
 ao 6 de Julho de 2006, é proferido nos autos o despacho de fls. 23, em que mau 
 grado tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade, arguível 
 consequentemente nos termos da lei a todo o tempo, face ao normativo ínsito no 
 artigo 204.º da Constituição da Republica Portuguesa, foi mandado desentranhar o 
 referido requerimento de fls. 18 – vidé documento junto – tendo de imediato o 
 ora reclamante apresentado nos autos, a fls., aos 13 de Julho de 2006, o 
 requerimento do teor seguinte: 
 
 “A., SA, nos autos de acção com processo especial que, por este Juízo, intentou 
 contra B. e marido, tendo sido notificado do despacho de V.Exa. de fls. 23, que 
 ordenou o desentranhamento do requerimento de fls. 18, despacho que, nos termos 
 da lei, não admite recurso, vem consignar nos autos para efeitos de oportuno 
 recurso para o Tribunal Constitucional, atento o decidido pelo mesmo no Acórdão 
 
 191/9[1], de 8 de Maio de 1991, publicado em Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, volume 19.º, pág. 283, que a questão da inconstitucionalidade 
 referida no dito requerimento foi levantada “durante o processo”, em momento em 
 que o Tribunal se podia pronunciar validamente sobre a mesma”. (sublinhado 
 nosso). 
 Mau grado o referido requerimento apresentado nos autos a fls., aos 13 de Julho 
 de 2006, vem neles a ser proferida posteriormente, em 20 de Julho de 2006, a 
 decisão de fls., de que foi interposto recurso pelo requerimento de fls. 33. 
 Como igualmente se vê da certidão que no final se requer para instruir o 
 presente recurso, o Snr. Juiz reclamado, no despacho objecto da presente 
 reclamação, entende e conclui que “tendo presente que o referido despacho produz 
 efeitos de caso julgado e ao abrigo do preceituado no artigo 76.º, n.º 2, da Lei 
 do TC não se admite o recurso interposto a fls. 33”. 
 O despacho reclamado é, assim, o despacho proferido nos autos que não admitiu o 
 recurso interposto de fls. 33. 
 Delimitado que está o objecto da reclamação, cumpre agora a reclamante procurar 
 evidenciar e explicitar 
 II. A RAZÃO QUE O RECLAMANTE ENTENDE LHE ASSISTE 
 
 É expresso o artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa ao estabelecer 
 que: 
 
 “Do feitos submetidos a julgamento não podem os Tribunais aplicar normas que 
 infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. 
 Vê-se da certidão que no final se requer para instruir a presente reclamação que 
 antes de proferido o despacho de que foi interposto recurso foi neles 
 apresentado o requerimento de fls. 18, já antes transcrito nesta reclamação. 
 
 (vidé aliás documento junto). 
 Mau grado se entender que o recurso não era admissível face ao disposto no 
 artigo 76.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, certo é que o 
 requerimento apresentado nos autos a fls. 33, interpondo o recurso que não foi 
 recebido, é do teor seguinte: 
 
 “A., SA, nos autos de acção com processo especial, que, por este Juízo, intentou 
 contra B. e marido C., tendo sido notificado da decisão de fls. porque a mesma 
 se recusou afinal a conhecer da inconstitucionalidade oportunamente suscitada 
 nos autos, e porque com ela se não conforma, da mesma interpõe recurso para o 
 Tribunal Constitucional, o que faz nos termos seguintes: 
 a) O recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pela 
 Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro; 
 b) Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 do 
 artigo 110.º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela 
 Lei n.º 14/2006, de 6 de Abril, na parte e na medida em que permite a 
 interpretação do dito preceito no sentido de o considerar aplicável a contratos 
 celebrados anteriormente à publicação da referida Lei n.º 14/2006; 
 c) Efectivamente tal norma, aplicada no sentido referido, viola os princípios da 
 adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e também da não 
 retroactividade, consignados no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da 
 Republica Portuguesa e, também, por violação dos princípios da segurança 
 jurídica e da confiança, corolários ambos do Estado de Direito Democrático 
 consignado no artigo 2.º da Constituição da Republica Portuguesa; 
 d) A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos no requerimento 
 neles apresentado a fls., aos 2 de Maio de 2006; 
 O recurso deve ser admitido para subir imediatamente, nos autos, com efeito 
 suspensivo. 
 Assim, porque está em tempo, requer a V.Exa. que, com a apresentação deste, se 
 digne admitir o recurso. seguindo-se os demais termos.”
 
 É então proferido nos autos o despacho reclamado que, pelos motivos e razões 
 neles expressos, não admitiu o recurso que interposto foi a fls. 33. 
 
 É expresso o artigo 70.º da Lei n.º 28/82, ao estabelecer na alínea b) do seu 
 n.º 1, que: “cabe recurso para o Tribunal, em Secção, da decisões dos Tribunais 
 que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo”. 
 Na esteira aliás do decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 191/9[1], 
 de 8 de Maio de 1991, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 
 
 19.º, pág. 283, considera-se que a questão da inconstitucionalidade foi 
 suscitada “durante o processo” desde que o seja em momento que o Tribunal se 
 podia pronunciar validamente sobre a mesma. 
 Este é sem duvida o caso dos autos, como ressalta da certidão que no final se 
 requer para instruir a presente reclamação, face ao requerimento apresentado a 
 fls. 18, aos 22 de Maio de 2006. (vide documento junto). 
 Ora o artigo 75.º-A da dita Lei n.º 28/82 preceitua, nos seus n.ºs 1 e 2, que: 
 
 “1. O recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de 
 requerimento, no qual se indica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo do 
 qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade 
 se pretende que o Tribunal aprecie. 
 
 2. Sendo o recurso interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 
 
 70.º, do requerimento deve constar ainda a indicação da norma ou principio 
 constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em 
 que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade. 
 Ora, do requerimento de interposição de recurso vê-se que efectivamente foi dado 
 inteiro cumprimento ao que se dispõe nos citados n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da 
 Lei n.º 28/82. 
 Logo o recurso interposto a fls. 33 é admissível, atento os preceitos legais 
 antes citados, maxime o citado artigo 204.º da Constituição da República 
 Portuguesa, e o disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e no artigo 75.º-A, 
 n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 28/82. 
 Daí a razão que o reclamante entende lhe assiste. 
 Logo, tendo em atenção e consideração o que dos autos consta, e os preceitos 
 legais referidos, deve a presente RECLAMAÇÃO ser julgada procedente e prova e, 
 consequentemente, ordenar-se a substituição do despacho reclamado por outro que 
 admita o recurso interposto a fls. 33 nos precisos termos em que o foi, ou seja, 
 para subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.»
 Já no Tribunal Constitucional, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da 
 manifesta falta de fundamento da reclamação, dizendo:
 
 “No caso dos autos – e como dá nota, a fls. 25, a decisão recorrida – a presente 
 acção foi intentada em 11/5/2006, portanto em momento ulterior à vigência da Lei 
 n.º 14/2006, de 26/4 – sendo certo que, face ao articulado de tal diploma legal, 
 era configurável a colocação do problema de competência do tribunal que a 
 decisão impugnada dirimiu: e nesta perspectiva (ao contrário do que sucederá em 
 casos em que uma alteração legislativa se verifica inopinadamente na pendência 
 da acção em que poderá ponderar-se efectivamente a possibilidade de a parte 
 interessada poder ou dever apresentar um articulado “atípico”, suscitando as 
 questões de constitucionalidade que tiver por pertinentes, face ao inovatório 
 regime legal (cfr. v. g., Acórdãos n.ºs 94/88 e 294/99), poderá efectivamente 
 entender-se, como fez a decisão recorrida, que o momento processual adequado 
 para suscitar tempestivamente a questão de constitucionalidade era o da 
 apresentação da petição inicial.
 Note-se, por outro lado, que a questão de constitucionalidade suscitada pela 
 entidade reclamante já foi dirimida pelo Acórdão n.º 691/2006, sendo certo que – 
 face à não apresentação de argumentos inovatórios pelo recorrente – poderá 
 considerar-se, por razões de evidente economia processual, o recurso como 
 manifestamente improcedente.”
 Cumpre apreciar e decidir.
 II. Fundamentos
 
 4. O recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor era o referido no 
 artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional – de decisões 
 que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o 
 processo. Ora, como é sabido, são requisitos específicos para se poder tomar 
 conhecimento desse tipo de recurso, para além do esgotamento dos recursos 
 ordinários, que a norma impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pela 
 decisão recorrida e que tenha sido suscitada, durante o processo, a questão da 
 sua inconstitucionalidade.
 Este último requisito deve ser entendido num sentido funcional, e não formal, 
 sendo a suscitação da questão de constitucionalidade efectuada antes de esgotado 
 o poder jurisdicional do tribunal recorrido, por forma a permitir a este 
 pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade, em decisão a reapreciar, 
 nesta parte, pelo Tribunal Constitucional, em recurso de constitucionalidade.
 Por outro lado, a suscitação da questão de constitucionalidade há-de ocorrer, em 
 princípio, à luz da tramitação normal do processo em causa e das oportunidades 
 de intervenção nela consentida aos sujeitos processuais, podendo questionar-se 
 em que situações tal suscitação pode ser feita em requerimento ad hoc.
 Segundo o Ministério Público, tendo sido a presente acção intentada em 11 de 
 Maio de 2006, num momento em que a demandante já podia e devia conhecer a 
 vigência da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, sobre ela impendia o ónus de logo 
 tratar o problema, já então configurável, da competência do Tribunal, em que o 
 tribunal recorrido se baseou, e, se o entendia, de suscitar a 
 inconstitucionalidade da correspondente norma. Tal orientação, além da 
 inexistência de qualquer excepção à exigência de suscitação, como a que se 
 verifica quando a alteração legislativa se dá inopinadamente, já na pendência da 
 acção, poderá abonar-se na permissão do contraditório também quanto à questão de 
 constitucionalidade, inserindo a sua suscitação na normal tramitação da acção.
 Noutra perspectiva, poderá, porém, dizer-se que, pelo menos quando o tribunal 
 recorrido se pronunciou sobre a questão de constitucionalidade, ou foi 
 claramente confrontado com ela antes de esgotado o seu poder jurisdicional (e 
 até antes da citação dos demandados para contestar), se deveria considerar ainda 
 preenchido o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade previsto nos 
 artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal 
 Constitucional, mesmo que esta ocorra num requerimento ad hoc, complementar à 
 petição inicial e fora da tramitação normal do processo – v., admitindo que não 
 se deve adoptar um entendimento tão estrito da exigência de suscitação que 
 proscreva a relevância de qualquer requerimento ad hoc com esse fim (antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido), a hipótese do Acórdão n.º 
 
 102/95, in Diário da República, II série, de 17 de Junho de 1995; e também, 
 sobre o problema, por exemplo, o Acórdão n.º 536/97, in 
 
 www.tribunalconstitucional.pt). Aliás, os recursos de constitucionalidade que 
 foram interpostos pela ora reclamante, para apreciação de questão de 
 constitucionalidade idêntica à suscitada nos presentes autos, e igualmente em 
 requerimento apresentado “em complemento” à petição inicial, foram apreciados 
 pelo Tribunal Constitucional, que, portanto, considerou estarem verificados 
 neles os requisitos para se poder tomar conhecimento do recurso interposto ao 
 abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (v. 
 os Acórdãos n.ºs 691/2006 e 41/2007, disponíveis em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, em que era recorrente a ora reclamante).
 Neste sentido, questão idêntica à levantada na presente reclamação (e com a 
 mesma reclamante) foi recentemente apreciada no Acórdão n.º 17/2007, que deferiu 
 a reclamação apresentada dizendo:
 
 «2. É certo que o despacho proferido em 6 de Julho de 2006 pelo Juiz do 8.º 
 Juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa determinou o 
 desentranhamento dos autos do requerimento apresentado em 22 de Maio anterior. 
 Todavia, atento o valor da acção, porque esse mesmo despacho não seria 
 impugnável em termos ordinários, não se vislumbra que a ora reclamante pudesse 
 reagir contra a determinação ínsita nesse mesmo despacho.
 Também é certo, por outro lado, que aquando da apresentação da petição – 11 de 
 Maio de 2006 – já estava em vigor, embora há muitos poucos dias, a Lei n.º 
 
 14/2006, na qual se prescreveu que a mesma se aplicava apenas às acções e aos 
 requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em 
 vigor, pelo que, na data daquela apresentação, era possível, na petição, 
 impostar-se a questão de inconstitucionalidade que veio a ser suscitada no 
 requerimento de 22 de Maio de 2006.
 Seja como for, e não cabendo efectuar-se agora um juízo sobre a propriedade do 
 despacho de 6 de Julho de 2006, o que é certo é que a suscitação da aludida 
 questão ocorreu num momento processual precedente à prolação do despacho de 17 
 de Julho de 2006 – justamente aquele que se intenta impugnar perante o Tribunal 
 Constitucional – ao que se adita que, com o requerimento apresentado pela ora 
 reclamante em 13 do mesmo mês (e não consta dos autos que, relativamente a este, 
 tivesse incidido decisão de desentranhamento), igualmente se verifica um 
 reiterar da questão de inconstitucionalidade.
 Não se pode, neste contexto, sustentar que, na situação sub specie, não houve o 
 levantamento da questão de desarmonia constitucional antecedentemente ao 
 proferimento do despacho de que se quer recorrer para este órgão de fiscalização 
 concentrada da constitucionalidade.
 Por outro lado, igualmente não se poderá sustentar que, aquando da referida 
 suscitação, a questão de constitucionalidade se apresentasse como manifestamente 
 infundada.
 Na verdade, o Acórdão deste Tribunal n.º 691/2006 foi prolatado algum tempo 
 depois (a data nele aposta é a de 19 de Dezembro de 2006) da mencionada 
 suscitação e, de todo o modo, justamente porque a questão aí foi analisada pela 
 formação colectiva deste órgão de administração de justiça, isso significa que, 
 ao menos do ponto de vista do Relator desse aresto, ela não se patenteava como 
 manifestamente infundada, já que o processo não sofreu decisão nos termos do n.º 
 
 1 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82.
 Em face do que se deixa exposto, defere-se a reclamação.»
 Com estes mesmos fundamentos, que se reiteram no presente caso, a presente 
 reclamação deve ser deferida.
 III. Decisão
 Pelos fundamentos expostos, decide-se deferir a presente reclamação contra o 
 despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pela 
 reclamante.
 
  
 
                                                                             
 Lisboa, 2 de Fevereiro de 2007
 Paulo Mota Pinto
 Mário José de Araújo Torres
 Rui Manuel Moura Ramos