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Processo n.º 917/05
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Mário Torres
 
  
 
  
 
            Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
 
  
 
  
 
                                     1. Relatório
 
                                     1.1. A., SA, e B., SA, interpuseram recurso 
 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º 
 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, 
 aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela 
 Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Supremo 
 Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2005, que, além do mais, julgou 
 improcedente recurso de revista por elas interposto do acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, de 7 de Outubro de 2004, na parte em que concedera parcial 
 provimento à apelação do autor C. e declarara nulo o contrato, datado de 29 de 
 Dezembro de 1989, de aquisição pela A., SA, à D., SGPS, de um lote de 4500 
 acções da B., SA.
 
                                     De acordo com o respectivo requerimento de 
 interposição, as recorrentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a 
 inconstitucionalidade – por violação do direito de defesa e do direito a um 
 processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), bem como dos princípios da segurança e certeza 
 jurídica, plasmados no artigo 2.º da CRP – da norma do artigo 343.º, n.º 1, do 
 Código Civil, na interpretação que lhe teria sido dada no acórdão recorrido, 
 
 “isto é, com o sentido de que, numa acção de simples apreciação em que o autor 
 pede a declaração de nulidade de um contrato de aquisição de acções e dos actos 
 que um dos réus praticou invocando a qualidade de accionista do outro réu, seria 
 aos réus que competiria provar não só a existência de tal contrato, mas também 
 que este não padeceu de nenhum vício, e, concretamente, dos que lhe são 
 imputados pelo autor”, questão de inconstitucionalidade esta que teria sido 
 suscitada pelas recorrentes “na sua alegação de recurso de revista e foi objecto 
 da conclusão 8.ª dessa mesma alegação”.
 
  
 
                                     1.2. O presente recurso emerge de acção 
 declarativa de simples apreciação,  intentada por C. contra as ora recorrentes, 
 pedindo: a) se declare nulo o contrato com data de 29 de Dezembro de 1989, 
 assinado por E. em nome da A., tendo por objecto a aquisição de 4500 acções da 
 B., SA; b) caso assim se não entenda, se declare ineficaz para a sociedade A. a 
 aquisição de bens feita ao accionista fundador, D. SGPS; c) por efeito da 
 declaração de nulidade ou ineficácia, sejam nulos todos os actos que os 
 administradores da A. praticaram tendo como pressuposto a qualidade de 
 accionista da B.; d) sejam declaradas nulas e havidas como inexistentes as 
 assembleias gerais da B., SA, cujo quorum constitutivo foi inquinado pela 
 presença da A., enquanto detentora de mais de 90% do respectivo capital social 
 ou de igual percentagem de votos.
 
                                     Como fundamento da sua pretensão, o autor 
 alegou, em síntese, o seguinte: 1) No capital social da A., sociedade anónima, 
 tem o autor 403 acções ao portador de valor nominal de 1000$00 cada; 2) A A., 
 invocando‑se detentora de mais de 90% do capital social da B., nela colocou 
 recursos financeiros que, em 31 de Dezembro de 1991, ultrapassavam 2 000 000 
 contos, o que põe em risco a integridade patrimonial da A.; 3) Tudo assentou 
 numa pretensa aquisição de um lote de 4500 acções da B., à D. SGPS, 
 correspondente a 90% do respectivo capital social; 4) A B. foi constituída pela 
 D. com um capital social de 5 000 000$00, visando o lançamento de um jornal 
 diário; 4) Além da D., são accionistas fundadores da B., E. e F.; 5) Os 
 accionistas da A. dão‑se conta, em 1990, de que a sociedade se havia convertido 
 na fonte financiadora da B., para aí transferindo os seus recursos, sem nunca 
 haverem deliberado qualquer autorização para o efeito; 6) As acções da B. 
 encontram‑se sujeitas a registo nos termos do artigo 13.º do Decreto‑Lei n.º 
 
 85‑C/75, de 26 de Fevereiro, e as próprias acções da A.teriam de passar a ser 
 nominativas – artigo 7.º, n.º 10, do Decreto‑Lei n.º 85‑C/75; 7) Em 7 de Março 
 de 1990, não constava na Direcção‑Geral da Comunicação Social que a A.fosse 
 accionista da B.; 8) A administração da A., interpelada em assembleia geral, 
 sempre ocultou aos seus accionistas o modo como se constituíra accionista da 
 B.; 9) O contrato de aquisição das 4500 acções da B. é firmado apenas com uma 
 assinatura, quando, por força dos estatutos, a sociedade só se obriga com duas 
 assinaturas; 10) Tal contrato não foi precedido de deliberação válida do 
 Conselho de Administração da A.; 11) Em 1989, a A. adquiriu à D. 29 500 contos 
 de acções e obrigações, sem prévia autorização da assembleia geral de 
 accionistas; 12) Tais aquisições não foram feitas em bolsas; 13) A A. tinha 
 aumentado o seu capital de 200 000 para 300 000 contos; 14) O contravalor dos 
 bens adquiridos à D. só em 1989 ultrapassou os 2% do capital social que a lei 
 prevê como limite; 15) A aquisição das 4500 acções da B. tendia ao domínio 
 total, nos termos do artigo 490.º do CSC, e sujeito ao direito potestativo de 
 cada um dos accionistas livres de exigir que a sociedade dominante lhe fizesse 
 uma oferta de aquisição, nos termos do n.º 5 daquele artigo; 16) O contrato de 
 aquisição das 4500 acções não é vinculativo para a A., porque firmado apenas 
 pelo Eng. E.; 17) Quando, em 12 de Abril de 1990, a B. requer o segundo registo 
 de acções, o Eng. E. deixara de ser accionista da B., que teria alienado a sua 
 posição a favor de D., como forma de atingir o lote das 4500 acções; 18) Essa 
 transmissão estava sujeita a deliberação do Conselho de Administração da A., em 
 que ele não podia votar, e ao parecer do Conselho Fiscal, o que não foi feito.
 
  
 
                                     1.3. Tendo a acção sido julgada improcedente 
 e os réus sido absolvidos do pedido, o autor deduziu recurso de apelação para o 
 Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 7 de Outubro de 2004, lhe 
 concedeu parcial provimento, declarando nulo o contrato de aquisição de acções 
 celebrado entre a A. e a D., por falta de observância das formalidades ad 
 substantiam para a transmissão das acções, e reconhecendo que, caso não fosse 
 nulo, o contrato seria ineficaz, nos termos do artigo 29.º, n.º 5, do CSC, por 
 ser estranho ao objecto da 1.ª ré. Foram, no entanto, desatendidas, entre 
 outras, as pretensões do autor apelante no sentido: (i) da nulidade do pacto 
 social da B. na parte em que prevê que o capital social podia ser constituído 
 por acções nominativas ou ao portador; (ii) da inexistência jurídica dos 
 títulos; (iii) da nulidade do contrato de transmissão de acções por nele ter 
 participado o administrador de uma das sociedades, em violação do disposto no 
 artigo 397.º, n.º 2, do CSC; (iv) da falta de intervenção do número de 
 administradores exigido; (v) da nulidade dos contratos de suprimento; e (vi) da 
 nulidade das assembleias gerais em que a A. participou na qualidade de 
 accionista da B..
 
                                     Para alcançar esta decisão, desenvolveu o 
 Tribunal da Relação de Lisboa a seguinte argumentação:
 
  
 
                   “c) Natureza da acção.
 
                   Intentou o autor a acção como de «simples apreciação 
 negativa». Até à prolação da sentença, não tomou o Tribunal posição expressa 
 quanto à invocada natureza. Em sede de sentença, começou o tribunal por 
 qualificar a acção como de «simples apreciação positiva».
 
                   Dispõe o artigo 4.º, n.º 2, do CPC que as acções declarativas 
 podem ser de simples apreciação. As de simples apreciação têm por fim obter 
 unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um 
 facto. Temos pois acções de simples apreciação «positiva» e «negativa». Como 
 refere Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 21), «A 
 questão (da admissibilidade da acções de simples apreciação) está resolvida. 
 Pode propor‑se uma acção de simples apreciação quer sob a forma positiva (acção 
 destinada a fazer declarar a existência de um direito ou de um facto) quer sob a 
 forma negativa (acção proposta para se obter a declaração da inexistência de um 
 direito ou de um facto). (...) O que caracteriza a acção de simples apreciação 
 e a distingue da acção de condenação é a ausência de lesão ou violação do 
 direito. A acção de condenação pressupõe um facto ilícito, isto é, que o direito 
 já foi violado; a acção de simples apreciação é anterior à violação do direito 
 ou tudo se passa como se o fosse. (...) Na acção de simples apreciação não se 
 exige do réu prestação alguma, porque não se lhe imputa a falta de cumprimento 
 de qualquer obrigação. O autor tem simplesmente em vista pôr termo a uma 
 incerteza que o prejudica: incerteza sobre a existência de um direito ou de um 
 facto».
 
                   Do que fica dito resulta que se relativamente às acções de 
 simples apreciação (positiva ou negativa) o que se pretende é pôr termo a uma 
 situação de incerteza, susceptível de o prejudicar («O que dá origem à acção é o 
 facto de o réu se arrogar determinada pretensão» – Alberto dos Reis, Código de 
 Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 289), será em função do pedido que se 
 aferirá se a acção de simples apreciação é «positiva» ou negativa». Isso mesmo 
 refere Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 
 
 115, edição de 1981), quando diz: «O que interessa, porém, para a sua 
 classificação como negativa ou positiva, é o teor do pedido, a providência que o 
 autor requer – e não a que o tribunal venha a decretar. O titular de um direito 
 lançará mão de uma acção de declaração positiva quando, estando na posse dele, 
 se levantem dúvidas acerca da existência ou conteúdo preciso do seu direito».
 
                   No caso presente, o autor demanda as rés, impugnando a 
 qualidade de accionista no capital social da B. da 1.ª ré. O pedido formulado 
 consiste na declaração de nulidade do contrato de aquisição de acções, bem como 
 dos actos que esta praticou, invocando aquela qualidade (de accionista da B.). O 
 que o autor pretende consiste, no essencial, na negação da qualidade de 
 accionista no capital da B., que a 1.ª ré se arroga. Está‑se, pois, perante 
 acção de «simples apreciação negativa».
 
                   O apelante suscita a questão, atento o regime do «ónus da 
 prova», consagrado na lei. Dispõe o artigo 343.º do CC que nas acções de 
 simples apreciação negativa compete ao réu a prova dos factos constitutivos do 
 direito que se arroga. No entender do apelante, o ónus da prova recairá sobre as 
 rés, pelo que o non liquet reverterá em desfavor das rés. «(O ónus da prova) 
 traduz‑se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto 
 visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o 
 facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na 
 necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não 
 contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte)» 
 
 (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 197).
 
                   A questão do ónus da prova, apesar do preceito citado, exige 
 uma cuidada interpretação, não sendo correcto atender‑se unicamente à posição 
 das partes na acção (autor e réu).
 
                   Em termos gerais, o ónus da prova recai sobre quem invoca um 
 direito – artigo 342.º do CC. «Quem invoca ou ostenta um direito tem de provar 
 os respectivos factos constitutivos e apenas eles. Provados estes, cumpre à 
 outra parte provar os factos impeditivos ou extintivos do direito que se lhe 
 contraponham. Quer isto dizer que o ónus da prova aparece sempre como inerente 
 
 à própria norma jurídica a aplicar» (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil 
 Declaratório, vol. III, pág. 353). Refere ainda o mestre citado (obra citada, 
 pág. 351): «Se ao autor fosse imposto a prova de todos os factos 
 fundamentadores exigidos pela norma criadora do Direito – factos constitutivos 
 
 – e a mais deles a da inexistência de qualquer facto que invalidasse ou tornasse 
 ineficaz o direito, ou o modificasse ou extinguisse – factos impeditivos, 
 modificativos ou extintivos –, isto é, se se lhe impusesse a prova do que o seu 
 direito não só nascera, como subsistia, não poderia o autor conseguir na maioria 
 dos casos a efectivação da sua pretensão, impossibilitando‑se assim a realização 
 do direito objectivo».
 
                   É este princípio geral que está subjacente também à previsão 
 do artigo 343.º do CC, e não, como refere alguma doutrina, a maior ou menor 
 dificuldade da prova do facto negativo. Com efeito, quem invoca um direito 
 perante o tribunal é por via de regra o autor. Ora, no caso da acção de simples 
 apreciação negativa, quem se arroga um direito é o réu. Do autor citado 
 extrai‑se o seguinte (pág. 354): «A razão persiste a mesma: ser então o réu que 
 invoca o direito e a esse título lhe competir, conforme a regra, a prova dos 
 respectivos factos constitutivos e não a razão de ser demasiado oneroso e 
 difícil para o autor ter de fazer a prova negativa de todos os possíveis factos 
 constitutivos do direito a que o réu se arroga». Ao réu incumbirá, pois, a prova 
 dos factos constitutivos do direito que se arroga, enquanto que ao autor se 
 impõe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. 
 
 «A posição que tomamos sobre o problema é a de Rosenberg, e que é agora a 
 consignada na lei (...). Assim, enquanto para Rosenberg (...) são impeditivas 
 
 (logo constitutivas de excepção) as normas que determinam a invalidade do 
 negócio, e é à parte da relação jurídica material que quiser aproveitar‑se 
 delas que compete a prova dos respectivos factos, seja réu ou autor na acção 
 
 (...)» (obra citada, págs. 355/357).
 
                   Revertendo ao caso concreto, temos que o direito invocado pela 
 
 1.ª ré e que justifica a pretensão do autor é a «qualidade de accionista» no 
 capital social da 2.ª ré, por via de um contrato de aquisição de acções, entre 
 estas celebrado. Sobre as rés recai pois a prova dos factos constitutivos do 
 seu direito, (existência do referido contrato e qualidade daí resultante), 
 enquanto que sobre o autor recai o ónus de alegação e prova dos factos 
 impeditivos, modificativos ou extintivos (vícios do referido contrato), como já 
 se referiu, e não, como pretende o apelante, remeter-se à situação de nada ter 
 que provar, lançando esse ónus sobre as rés.
 
  
 
                   d) O contrato.
 
                   Do factualismo assente resulta que a A. terá firmado, com a D. 
 SGPS, com data de 29 de Dezembro de 1989, um contrato de aquisição de 4500 
 acções da B. de que aquela sociedade seria detentora» (3). É  por via deste 
 contrato que a A. passa a actuar como accionista da B., sendo que, no entender 
 do apelante, o mesmo enferma de nulidade.
 
                   I – Natureza das acções objecto do referido contrato 
 
 (nominativas ou ao portador).
 
                   A fl. 40 encontra‑se cópia do referido contrato, e do mesmo 
 consta, entre outras coisas, o seguinte: «A 1.ª contraente é possuidora de 4500 
 acções com o valor nominal de mil escudos, representativas do capital social da 
 sociedade denominada B., SA ... com o capital social de 5 000 000$00»; «Pelo 
 presente contrato vende as referidas acções, livres de quaisquer ónus ou 
 encargos, à 2.ª contraente».
 
                   Não se refere no contrato qual o tipo de acções em causa. 
 Sustenta o apelante que as acções terão obrigatoriamente que ser «nominativas», 
 por força do disposto no n.º 10 do artigo 7.º do Decreto‑Lei n.º 85-C/75, de 26 
 de Fevereiro (Lei de Imprensa – em vigor à altura).
 
                   O preceito referido (artigo 7.º, n.º 10, do Decreto‑Lei n.º 
 
 85‑C/75) dispunha que «No caso de a publicação periódica pertencer a uma 
 sociedade anónima, todas as acções terão de ser nominativas, o mesmo se 
 observando quanto às sociedades anónimas que sejam sócias daquela que é 
 proprietária da publicação».
 
                   Quer a B., quer a A. constituíram‑se sob a forma de 
 sociedades comerciais anónimas, conforme resulta dos seus estatutos (fls. 33, 
 
 96 e 137). A escritura de constituição data, respectivamente, de 31 de Outubro 
 de 1989 e 16 de Julho de 1986. No pacto social inicial da B., consta como 
 objecto «a actividade de redacção, composição e edição de publicações 
 periódicas, exploração de estações e estúdios de rádio e televisão, 
 compreendendo a preparação e comercialização e difusão para o público de 
 programas áudio‑visuais e a prestação de serviços de televisão em circuito 
 fechado e retransmissão de rádio e televisão» (35). Consta ainda dos seus 
 estatutos que «as acções serão nominativas ou ao portador, reciprocamente 
 convertíveis» (41). Por alteração dos estatutos da B., datada de 2 de Novembro 
 de 1990, o artigo 6.º passou a ter a seguinte redacção: «Todas as acções serão 
 obrigatoriamente nominativas» (69).
 
                   O preceito citado (artigo 7.º, n.º 10, do Decreto‑Lei n.º 
 
 85‑C/75) materializa o princípio de exigência de «transparência», no domínio 
 das publicações periódicas, por forma a poder saber‑se em qualquer momento quem 
 são os seus proprietários. Pressuposto é que se seja de facto «proprietário de 
 publicação periódica».
 
                   Ora a B., quando se constituiu, não era proprietária de 
 nenhuma «publicação periódica», sendo aliás o seu objecto mais amplo. A 
 publicação do jornal B. só veio a ocorrer em Março de 1990 (facto relativamente 
 ao qual há acordo das partes). Só a partir dessa altura é que, por imposição 
 legal, as suas acções deveriam ser «nominativas», o que poderia ocorrer, por 
 alteração dos seus «estatutos», ou conversão, nos casos em que isso (como era o 
 caso) é permitido pelos estatutos (artigo 300.º do CSC). A «Lei de Imprensa» não 
 comina com a nulidade a convenção estatutária, de sociedade anónima, que 
 estabeleça outro regime para as suas acções, sujeitando tal actuação ao 
 pagamento de multa (artigo 33.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 85‑C/75).
 
                   De qualquer forma, aquando da outorga do contrato em causa (29 
 de Novembro de 1989), não sendo a B. titular de qualquer publicação periódica, 
 não se lhe impunha que o seu capital social fosse constituído por acções 
 nominativas.
 
                   Não merece, pois, nesta parte qualquer reparo a sentença sob 
 recurso, não enfermando o pacto social (então vigente), na parte em que prevê 
 que o capital social possa ser constituído por acções nominativas ou ao 
 portador, de qualquer nulidade.
 
                   II – Inexistência jurídica dos títulos (acções).
 
                   Pretende o apelante que, atento o «ónus de prova» e a matéria 
 não provada, se considere que, à data do contrato em causa, os títulos não 
 existiam ainda, o que, no seu entender, sanciona com a nulidade o mesmo 
 contrato.
 
                   Para o efeito, argumenta que tendo os apelados alegado (35 da 
 contestação) que «a D., em 29 de Dezembro de 1989, procedeu à entrega à 1.ª ré 
 dos títulos ao portador, representativos de 4500 acções da B.», facto que foi 
 levado ao questionário e que mereceu a resposta de «não provado», ter‑se‑á que 
 concluir que os referidos títulos não existiam, nos termos do artigo 346.º do 
 CC.
 
                   Como já se referiu supra, aquando da apreciação da «natureza 
 da acção», o non liquet traduz‑se, para a parte a quem cabe o ónus da prova, em 
 ter‑se como líquido o facto contrário (Manuel de Andrade, Noções Elementares de 
 Processo Civil, pág., 179).
 
                   Formulou o tribunal os seguintes quesitos: (15) «Ora a D., em 
 Dezembro de 1989, procedeu à entrega à 1.ª ré dos títulos, ao portador, 
 representativos de 4500 acções da B.»; (17) «A partir de Dezembro de 1989, a 
 
 1.ª ré deteve sempre fisicamente, até hoje, as referidas 4500, na sequência da 
 entrega efectuada pela vendedora D.». A estes quesitos respondeu o Tribunal 
 
 «não provado». Deverá pois ter‑se como líquido o facto contrário, ou seja: «A 
 D., em Dezembro de 1989, não procedeu à entrega à 1.ª ré dos títulos, ao 
 portador, representativos de 4500 acções da B.»; «A partir de Dezembro de 1989, 
 a 1.ª ré não deteve sempre fisicamente, até hoje, as referidas 4500 acções».
 
                   De tais factos não pode concluir‑se que os títulos «não 
 existissem», como pretende o apelante.
 
                   Nesta parte, pretende o apelante servir‑se de documento que 
 juntou (fls. 1268 e 1269) em 6 de Maio de 2002, em momento posterior à junção 
 das alegações de direito e muito posterior ao encerramento da discussão da 
 causa. As partes alegaram de facto em 26 de Fevereiro de 2002 (fl. 1160). O 
 tribunal respondeu à matéria de facto em 10 de Abril de 2002 (fl. 1184 e 
 seguintes).
 
                   Nas suas alegações de recurso, vêm as apeladas (fl. 1341) 
 alegar que: o referido documento não se mostra admitido nos autos; foi pedido o 
 seu desentranhamento; na sentença nada se disse quanto a esse requerimento; a 
 sua junção não é admissível, face ao disposto no artigo 523.º do CPC; ocorre 
 nulidade por omissão de pronúncia.
 
                   Nos termos do artigo 523.º do CPC, os documentos destinados a 
 fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o 
 articulado em que se alegam os factos correspondentes. Se não forem 
 apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados 
 até ao encerramento da discussão em 1.ª instância. Depois do encerramento da 
 discussão (artigo 524.º do CPC) só são admitidos, no caso de recurso, os 
 documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Os 
 documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja 
 apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, 
 podem ser oferecidos em qualquer estado do processo.
 
                   «O encerramento da discussão em 1.ª instância tem lugar quando 
 terminam os debates sobre a matéria de facto (artigo 652.º, n.º 3, alínea e), 
 do CPC), constituindo um importante momento preclusivo, após o qual deixa de 
 ser, em princípio, possível a prática de qualquer acto de alegação ou prova dos 
 factos da causa...» (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 
 II, pág. 424).
 
                   No caso presente, não ocorre nenhum dos fundamentos referidos 
 no artigo 524.º do CPC, pelo que a junção do documento em causa, que nem se 
 mostra admitido nos autos, não pode ser aproveitado para prova dos factos 
 alegados pelo apelante.
 
                   A não existência (por não terem sido emitidos) e a não entrega 
 dos títulos é susceptível de gerar a nulidade do contrato?
 
                   Como refere Jorge Manuel Coutinho de Abreu (Curso de Direito 
 Comercial, vol. II, edição de 2002, pág. 365), «olhando somente para o artigo 
 
 304.º, n.º 6, do CSC – os títulos provisórios ou definitivos (de acções) não 
 podem ser emitidos ou negociados antes da inscrição definitiva do contrato de 
 sociedade (...) no registo comercial – dir‑se‑á que não. Todavia, o artigo 
 
 304.º, n.º 6, refere‑se somente à negociação de acções tituladas (provisória ou 
 definitivamente) – e sabemos já que as acções‑participações sociais (e partes 
 do capital) existem antes e independentemente das acções‑títulos (e das acções 
 escriturais). Por outro lado, resposta afirmativa à pergunta inicial não pode 
 deixar de ser vista no artigo 37.º, n.º 2, do CSC: no período compreendido entre 
 a celebração da escritura e o registo definitivo do contrato de sociedade, ‘seja 
 qual for o tipo de sociedade visado pelos contraentes, a transmissão por acto 
 entre vivos das participações sociais’ requer ‘sempre o consentimento unânime 
 dos sócios’. É igualmente possível a transmissão de acções (ainda não 
 escriturais ou tituladas) antes de o acto constituinte da sociedade estar 
 formalizado em escritura pública (e antes do registo), exigindo‑se também nestes 
 casos o consentimento de todos os sócios (artigo 36.º, n.º 2, do CSC, remetendo 
 para o artigo 995.º, n.º 1, do CC; artigo 37.º, n.º 2, do CSC) será aplicável 
 analogicamente quando a transmissão se faça entre sócios». Refere ainda o mestre 
 citado (pág. 368): «Antes da emissão e entrega das acções tituladas (provisória 
 ou definitivamente) ou da emissão e registo individualizado das acções 
 escriturais, há‑de ser possível transmitir acções (não tituladas nem 
 escrituradas). Como se processa a transmissão entre vivos? (...) Perante a 
 lacuna da lei, deve socorrer‑se preferencialmente à disciplina prevista no CSC 
 para a cessão de quotas e de acções (na medida em que existe analogia – artigo 
 
 2.º). Assim, se o estatuto social limitar a transmissão das acções, 
 subordinando‑a ao consentimento da sociedade ou a outros requisitos, ela não 
 produzirá efeitos para com a sociedade enquanto se não verificarem esses 
 requisitos (artigos 328.º, n.º 2, e 228.º, n.º 2) – mas será livre se o 
 estatuto não fixar tais limitações (artigo 328.º, n.º 1); havendo ou não 
 limitações, a comunicação à sociedade, por escrito, da transmissão ou o 
 reconhecimento social (expresso ou tácito) da mesma são também requisitos de 
 eficácia da transmissão das acções para com a sociedade (artigo 228.º, n.º 3); a 
 cessão de acções deve constar de escritura pública (artigo 228.º, n.º 1)».
 
                   Como se viu, não pode concluir‑se no caso presente pela 
 inexistência dos títulos, mas também esse facto não seria impeditivo da 
 transmissão das acções, por acto entre vivos, nas circunstâncias e com as 
 formalidades aí referidas, o que não aconteceu. Com efeito, não lançaram mão os 
 outorgantes da figura de cessão da sua posição social, nem se mostra observada 
 para o efeito a forma.
 
                   Concluiu‑se na sentença que se ficou sem saber se as acções 
 eram «ao portador» ou «nominativas». Já se viu que não era no caso presente 
 obrigatório (por imposição legal) que as acções fossem «nominativas».
 
                   Em termos gerais, as acções tituladas ao portador 
 transmitem‑se, por acto entre vivos, com a entrega do título (artigos 327.º do 
 CSC e 101.º do CVM). As acções «nominativas» (artigos 326.º do CSC e 102.º do 
 CVM) transmitem‑se por declaração de transmissão, escrita no título, e pelo 
 pertence lavrado no mesmo e averbamento no livro de acções. E se a entrega ou a 
 declaração de transmissão não ocorrer? Voltamos a citar Jorge Manuel Coutinho 
 de Abreu (obra citada, pág. 371): «A doutrina portuguesa que tem curado da 
 transmissão das acções tituladas (ao portador, sobretudo) contesta aquele 
 resultado. A propriedade dos títulos transmitir‑se‑ia (entre vivos) por mero 
 acordo de vontade, por contrato consensual entre cedente e cessionário (artigo 
 
 408.º, n.º 1, do CC); a entrega (das acções ao portador), assim como as 
 formalidades previstas para as acções nominativas, seriam tão‑só requisitos de 
 legitimação do adquirente para o exercício dos direitos sociais».
 
                   Este entendimento era seguido sobretudo no domínio do Código 
 Comercial anterior, com o apoio do artigo 168.º, n.º 1. Foi o entendimento 
 seguido pelo STJ no acórdão de 16 de Junho de 1972 (BMJ, n.º 218, pág. 278), com 
 anotação favorável de Vaz Serra (Boletim, trabalhos preparatórios sobre acções), 
 segundo o qual «a propriedade das acções transmite‑se para o autor por mero 
 efeito do contrato». Hoje, face ao Código das Sociedades Comerciais e do regime 
 do Decreto‑Lei n.º 408/82, aquele entendimento não encontra apoio, o que aliás é 
 referido pelo autor citado, quando diz: «Não penso que seja assim. As 
 acções‑títulos (bem como as acções escriturais) estão sujeitas a regras próprias 
 de circulação. E a lei marca ou acentua exactamente as especialidades dessa 
 circulação. Omite (porque pressuposta) a necessidade do acordo entre as partes 
 
 (circulação entre vivos) e explicita a necessidade da entrega ou da declaração 
 de transferência escrita no título (acções tituladas) ou do registo em conta 
 
 (acções escriturais). Estas formalidades são essenciais para que a transmissão 
 das acções se efective. O mero acordo entre transmitente e transmissário produz 
 efeitos entre as partes – mas não produz, por si só, a transmissão das acções».
 
                   A propósito, refere João Salvado (Das Acções das Sociedades 
 Anónimas, AAFDL, 1988): «A transmissão das acções, seja qual for a modalidade 
 que revista, envolve a transferência da participação societária que elas 
 representam, com todos os direitos e obrigações inerentes às acções 
 transmitidas. É dessa transmissão que tratam os artigos 326.º e 327.º da CSC. 
 Não há no artigo 326.º qualquer separação entre a titularidade e a legitimação 
 necessária para o exercício dos direitos adquiridos, seja perante terceiros, 
 seja perante a sociedade. As formalidades do artigo 326.º são, pois, 
 constitutivas, essenciais para que se dê a transmissão da participação social ou 
 das acções. E, assim, o mero negócio de transferência sem ser acompanhado de 
 tais formalidades nem tem eficácia legitimadora nem eficácia translativa da 
 titularidade (propriedade). As acções‑títulos e a participação social 
 continuarão a pertencer ao alienante. Isso mesmo resulta do artigo 327.º, ao 
 separar‑se, aí sim, a titularidade da legitimação. (...) Optou‑se pela natureza 
 real do contrato quanto à constituição». De Brito Correia extrai‑se, quanto a 
 esta questão, o seguinte (Direito Comercial, 2.º vol.): «a transmissão de 
 valores fora da bolsa só é válida quando se utilizar o modelo aprovado além da 
 declaração do transmitente no título e do pertence, quanto às acções 
 nominativas, e da entrega real do título, quanto às acções ao portador. Isto 
 mostra que a transmissão de um negócio jurídico causal (compra e venda, doação, 
 etc.) para cuja validade se exige como requisito de forma ad substantiam a 
 apresentação da declaração para registo. De qualquer modo, um negócio de 
 transmissão de acções fora da bolsa sem a declaração para registo (ou depósito) 
 não é válido (artigo 26.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 408/82), mesmo que sejam 
 entregues os títulos com ou sem pertence».
 
                   No caso presente, alegam as rés que as acções eram ao portador 
 
 (pois que referem que as 4500 acções ao portador lhe foram entregues). Das 
 respostas dadas à matéria de facto, não se fixou se as acções eram ao portador 
 ou nominativas. A natureza das acções, como elemento do direito que as rés se 
 arrogam (tem a ver com o contrato celebrado), deveria ser demonstrada pelas rés. 
 O non liquet não pode, pois, favorecer as rés, sendo de concluir que não foram 
 no caso presente observadas as formalidades ad substantiam para a transmissão 
 das acções em causa, quer sejam estas nominativas ou ao portador, sendo pois tal 
 contrato «nulo». A apelação merece, pois, nesta parte, provimento.
 
  
 
                   III – Violação do disposto no artigo 397.º, n.º 2, do CSC.
 
                   Dispõe o artigo 397.º, n.º 2, do CSC que são nulos os 
 contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, directamente 
 ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por 
 deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, 
 e com parecer favorável do conselho fiscal.
 
                   No caso presente, o contrato teve como contraentes «D1., SA» e 
 
 «A1.  SA». No mesmo outorgaram respectivamente G. e E..
 
                   Do factualismo assente, com relevo nesta parte, temos o 
 seguinte:
 
                   a) A «D. SGPS» era sociedade dominante da «A1. SA», em cujo 
 capital detinha mais de 50% (4);
 
                   b) A «D. SPGS» era accionista fundador da «A.» (19);
 
                   c) À data do contrato (29 de Dezembro de 1989), integravam o 
 Conselho de Administração, E. e outros (21 e 22);
 
                   d) O E. era presidente do Conselho Geral da «B.» e membro do 
 Conselho de Administração da «D.» (23);
 
                   e) Sobre o referido contrato não se pronunciou o Conselho 
 Fiscal da «A.» (24); 
 
                   f) Em 29 de Dezembro de 1989, integravam o Conselho de 
 Administração da «A.», E., que substituiu H. por cooptação, deliberada em 27 de 
 Setembro de 1989, I., em representação da firma «D2., SA», e Nuno Castelo 
 Vitorino... (22).
 
                   Como se refere na sentença sob recurso, partes no contrato são 
 A. e D., sendo irrelevante que um dos administradores (I.) tenha sido indicado 
 por esta, sendo certo que este nem outorgou no referido contrato.
 
                   Como referem as apeladas, à data encontrava‑se em vigor o 
 artigo 390.º do CSC (este preceito veio a ser alterado pelo Decreto‑Lei n.º 
 
 343/89, de 6 de Novembro de 1998, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999), 
 que no seu n.º 3 dispunha que os administradores devem ser pessoas singulares 
 com capacidade jurídica. No n.º 4 dispunha‑se que se uma pessoa colectiva for 
 designada administrador, deve nomear uma pessoa singular para exercer o cargo 
 em nome próprio; a pessoa colectiva responde solidariamente com a pessoa 
 designada pelos actos desta.
 
                   Do que fica referido resulta que não se verifica a situação 
 mencionada no preceito citado, pois que, por um lado, o administrador nomeado 
 pela pessoa colectiva exerce o cargo em nome próprio. Por outro lado, nem teve 
 o referido administrador intervenção no contrato em causa. Acresce ainda que 
 não bastaria que o administrador nomeado tivesse intervenção, sendo ainda 
 necessário que actuasse em nome da mandante. «O contrato é celebrado entre a 
 sociedade e os seus administradores mas por pessoa interposta quando alguém 
 actua em nome próprio mas por conta do administrador com a obrigação de 
 transmitir a este a coisa ou direito cedido» (Alexandre Soveral Martins, Os 
 Poderes de Representação dos Administradores de Sociedades Anónimas, Studia 
 Iuridica, n.º 34, pág. 268).
 
                   Não merece, pois, provimento, nesta parte o recurso, 
 mostrando‑se prejudicada a questão de se saber se o contrato em causa poderia 
 ter sido celebrado ao abrigo do n.º 5 do referido preceito (artigo 397.º do 
 CSC).
 
                   IV – Violação do disposto no artigo 29.º do CSC. 
 
                   Dispunha o artigo 29.º do CSC (depois alterado pelo 
 Decreto‑Lei n.º 343/98, de 6 de Novembro), que a aquisição de bens por uma 
 sociedade anónima ou em comandita por acções deve ser previamente aprovada por 
 deliberação da assembleia geral desde que se verifiquem cumulativamente os 
 seguintes requisitos: a) Se efectuada, directamente ou por interposta pessoa, a 
 um fundador da sociedade ou a pessoa que desta se torne sócio no período 
 referido na alínea c); b) O contravalor dos bens adquiridos à mesma pessoa 
 durante o período referido na alínea c) exceda 2% ou 10% do capital social, 
 consoante este foi igual ou superior a 10 000 contos...; c) O contrato de que 
 provém a aquisição seja concluído antes da celebração do contrato de sociedade, 
 simultaneamente com este ou nos dois anos seguintes à escritura do contrato de 
 sociedade ou de aumento de capital. O n.º 2 estipula que o disposto se não 
 aplica a aquisições feitas em bolsa ... ou compreendidas no objecto da 
 sociedade. No n.º 4 dispõe‑se que os contratos devem ser reduzidos a escrito, 
 sob pena de nulidade. O n.º 5 comina com a ineficácia as aquisições de bens 
 previstas no n.º 1 quando os respectivos contratos não forem aprovados pela 
 assembleia geral.
 
                   Nesta parte, com relevo, temos o seguinte factualismo:
 
                   a) A «D.» era accionista fundadora da «A.» (19);
 
                   b) A «A.», no exercício de 1989, outorgou com a «D.», 
 contratos correspondentes aos escritos de fls. 343 e 344, datados de 5 de 
 Dezembro de 1989 e 29 de Dezembro de 1989, fazendo‑o aquela na qualidade de 
 compradora, esta na qualidade de vendedora, e mediante os quais declararam 
 comprar e vender, respectivamente, 18 770 acções das 20 000 de que a vendedora 
 era titular no capital social da «J.», pelo preço de 25 000 000$00, e 4500 
 acções de que a vendedora se afirmou possuidora no capital da «B.», pelo preço 
 de 4 500 000$00, tendo a «A.» outorgado nesses contratos sem prévia autorização 
 da sua assembleia geral de accionistas (25);
 
                   c) O pagamento do preço de 25 000 000$00 devido pelas acções 
 
 «J.», por vontade de ambas as partes, manifestada logo aquando da realização do 
 contrato, só seria feita quando a «A.» lograsse encontrar quem lhe oferecesse 
 por tais acções, pelo menos, idêntico montante, comprometendo‑se a «D.» a 
 desenvolver os esforços necessários nesse sentido (30);
 
                   d) As 18 770 acções vieram a ser alienadas em 30 de Junho de 
 
 1990, à sociedade «L.», tendo então a ré «A.» pago à «D.» o preço daquelas 
 acções (31);
 
                   e) Em 16 de Julho de 1986, foi outorgada a escritura de 
 constituição da sociedade «A.», sendo o capital social de 20 000 000$00 (doc. de 
 fl. 137);
 
                   f) Por escritura de 31 de Dezembro de 1987, foi o capital 
 social da «A.» aumentado para 200 000 000$00 (61 e 62);
 
                   g) Em 27 de Dezembro de 1988, realizou‑se escritura de aumento 
 de capital da «A.», sendo o mesmo aumentado para 300 000 000$00, por 
 incorporação de reservas (57, 58 e 59).
 
                   O preceito citado insere‑se entre as medidas que visam 
 proteger o interesse dos sócios e de terceiros, quanto à realização integral do 
 capital social. O referido preceito não tem razão de ser quando o aumento de 
 capital se verifica por incorporação de reservas. Com efeito, neste caso, «além 
 de não terem que dispor de qualquer quantia, os sócios conservam inalteradas as 
 suas posições relativas, uma vez que – nos termos do artigo 92.º do CSC – o 
 aumento da participação social de cada um será proporcional à parte de que já 
 era titular» (Do Capital Social – Boletim da Faculdade de Direito n.º 33 – 
 Paulo de Tarso Domingues, pág. 67). Refere ainda o mesmo autor (obra citada, 
 pág. 87 e seguintes): «O fim pretendido com o regime jurídico das entradas em 
 espécie – no sentido de evitar a sobreavaliação dos bens in natura que 
 constituem a entrada de um sócio – seria facilmente defraudado com a 
 admissibilidade das chamadas ‘quase‑entradas’. Na verdade, se se permitisse à 
 sociedade, logo após a constituição, adquirir – com o dinheiro das entradas e 
 pelo preço que entendesse – um bem a um sócio, isso equivaleria, para todos os 
 efeitos, à realização de uma entrada em espécie por parte deste, deitando por 
 terra todo o esforço legislativo feito quanto a este tipo de entradas no momento 
 da constituição. Deste modo, para evitar que um sócio, pretendendo fugir ao 
 regime imperativo e particularmente rigoroso das entradas em espécie, 
 realizasse, no momento da constituição, uma entrada em dinheiro e, de seguida, 
 vendesse à sociedade – pelo preço que então poderia discricionariamente 
 estabelecer – o bem com que efectivamente pretendia entrar para a sociedade, a 
 lei no artigo 29.º do CSC veio expressamente proibir a aquisição de bens a 
 accionistas quando estejam reunidos certos requisitos».
 
                   Do que fica referido resulta que, para efeitos da situação 
 prevista no artigo 29.º do CSC, não têm relevância os aumentos de capital, por 
 incorporação de reservas, uma vez que não se verifica o mencionado perigo de se 
 defraudar a lei, através das chamadas «quase‑entradas». Não releva, pois, o 
 aumento de capital ocorrido em 1988, por incorporação de reservas, para efeitos 
 de contagem do prazo mencionado (artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do CSC).
 
                   Temos, pois, no caso presente que o momento a partir do qual 
 se inicia o prazo referido na alínea c) do artigo 29.º do CSC é de 31 de 
 Dezembro de 1987, sendo, para efeitos de cálculo da percentagem, de atender ao 
 efectivo capital social, ou seja, 300 000 000$00.
 
                   Os contratos mencionados em 25 (aquisição de acções no valor 
 global de 29 500 000$00, ocorrida no exercício de 1989) integram, pois, a 
 situação prevista no artigo 29.º do CSC, não se vendo como o regime possa ser 
 diferente, consoante a forma ou data de pagamento acordados, nem se vendo 
 motivo para alterar a qualificação que os outorgantes deram aos contratos 
 
 (compra e venda). É que a razão de ser da proibição supra referida mantém‑se, 
 não a condicionando a lei à verificação ou não de prejuízo para a sociedade. Não 
 
 é essa a razão de ser do preceituado.
 
                   Alegam as apeladas que não tem aplicação o referido preceito, 
 por a referida aquisição estar compreendida no objecto da sociedade.
 
                   Nos termos do disposto no artigo 9.º do CSC, do contrato de 
 qualquer sociedade deve constar, entre outras coisas, «o objecto da sociedade». 
 Como objecto da sociedade, artigo 11.º do CSC, devem ser indicadas, no contrato, 
 as actividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer. No n.º 4 
 refere‑se que a aquisição pela sociedade de participações em sociedades de 
 responsabilidade limitada ... cujo objecto seja igual àquele que a sociedade 
 está exercendo, não depende de autorização no contrato de sociedade. O contrato 
 pode autorizar (n.º 5) a aquisição pela sociedade de participações como sócio de 
 responsabilidade ilimitada ou de participações em sociedades com objecto 
 diferente do acima referido, em sociedades reguladas por leis especiais e em 
 agrupamentos complementares de empresa.
 
                   A propósito, refere António Menezes Cordeiro (Manual de 
 Direito das Sociedades, I – Das Sociedades em Geral, edição de 2004, pág. 417): 
 
 «O objecto da sociedade – ou objecto mediato, para quem queira chamar ‘objecto’ 
 ao conteúdo – é constituído pelas actividades a desenvolver pelo ente colectivo. 
 O artigo 11.º tem diversas regras a tanto respeitantes». «Como objecto devem ser 
 indicadas as actividades que os sócios se proponham para a sociedade – artigo 
 
 11.º, n.º 2. A lei permite que o contrato indique uma série de actividades não 
 efectivas; segundo o n.º 3, compete depois aos sócios, de entre as actividades 
 elencadas no objecto social, escolher aquela ou aquelas que a sociedade 
 efectivamente exercerá, bem como deliberar sobre a suspensão ou cessação de uma 
 actividade que venha sendo exercida – n.º 3. A prática vai, assim, no sentido de 
 alongar o objecto da sociedade com toda uma série de hipóteses de actuação.»
 
                   No caso presente, fez‑se constar do pacto social (artigo 3.º) 
 que «o objecto social é a comercialização de equipamento informático (hardware) 
 e a prestação de serviços de consultadoria informática, comercialização e 
 desenvolvimento de programas (software)». No artigo 4.º fez‑se constar que «a 
 sociedade pode, sob qualquer forma legal, associar-se com outras pessoas 
 jurídicas para, nomeadamente, formar sociedades, agrupamentos complementares de 
 empresas, consórcios e associações em participação, bem como adquirir e alienar 
 participações no capital de outras empresas».
 
                   A propósito da interpretação do «contrato social», refere 
 Menezes Cordeiro (obra citada, pág. 408): «As regras de interpretação negocial 
 vertidas no artigo 236.º do CC pressupõem, fundamentalmente, um diálogo 
 negocial a dois. Locuções como ‘declaratário real’, ‘comportamento do 
 declarante’, ‘vontade real’ ... compreendem‑se num mundo bidimensional: seriam 
 impraticáveis em contratos plurilaterais, em que, provavelmente, cada 
 
 ‘declarante’ pensou em algo diverso. Além disso, regras como a do equilíbrio 
 das prestações têm a ver com contratos comutativos. Logo à partida, todas estas 
 regras surgem impraticáveis em contratos de organização, como sucede com o de 
 sociedade. A isto acrescem factores ... e designadamente o de a sociedade, ao 
 criar um novo sujeito de direitos, ser de modo efectivo um contrato oponível 
 erga omnes. (...) Tanto basta para que se possa proclamar: a interpretação dos 
 pactos sociais é fundamentalmente objectiva, devendo seguir o prescrito para a 
 interpretação da lei – artigo 9.º do CC, com as inevitáveis adaptações.»
 
                   Ora da aplicação dos mencionados princípios – interpretação 
 objectiva – para qualquer pessoa, nomeadamente para os terceiros que 
 eventualmente contratam com a sociedade, resulta dos seus estatutos que o 
 objecto da mesma são as actividades mencionadas no artigo 3.º antecedidas da 
 expressão: «O objecto social é». No artigo 4.º fez‑se constar alguns actos como 
 permitidos em face do pacto social e que podem envolver alterações da própria 
 sociedade (associar‑se com outras, formar sociedades e agrupamentos, etc.). 
 Sendo já permitidos no pacto, ficariam apenas sujeitos a deliberação dos sócios, 
 dispensando‑se a necessidade de eventual alteração do pacto social.
 
                   Do que fica dito resulta já que não pode no caso presente 
 aceitar‑se que, além das actividades constantes do artigo 3.º do pacto social, a 
 sociedade em causa tenha também por objecto as constantes do artigo 4.º, entre 
 as quais se inclui «adquirir ou alienar participações no capital de outras 
 empresas».
 
                   A aquisição das referidas acções (mencionada em 25) não se 
 integra, pois, no objecto da sociedade, pelo que merece também nesta parte 
 provimento o recurso e, caso não se tivesse já decidido pela nulidade, sempre o 
 contrato seria ineficaz, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do CSC.
 
  
 
                                     Na parte restante, o acórdão do Tribunal da 
 Relação de Lisboa, como já se referiu, desatendeu as pretensões do autor 
 apelante no sentido de ser declarada a nulidade do contrato de transmissão de 
 acções por nele ter participado o administrador de uma das sociedades, em 
 violação do disposto no artigo 397.º, n.º 2, do CSC, e por falta de intervenção 
 do número de administradores exigido, e ainda as pretensões, expostas como 
 consequências da declarada nulidade do contrato de transmissão, da nulidade dos 
 contratos de suprimento e da nulidade das assembleias gerais em que a A. 
 participou na qualidade de accionista da B..
 
  
 
                                     1.4. Contra este acórdão interpuseram, quer 
 o autor apelante C., quer as rés apeladas A., SA, e B., SA, recursos de revista 
 para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as alegações das rés com a 
 formulação das seguintes conclusões:
 
  
 
                   “1.ª – No modesto entender das recorrentes, não se verifica 
 nenhum dos dois vícios apontados no douto acórdão recorrido ao contrato de 
 compra e venda de acções da B. celebrado entre a D. e a A., pelo que não existem 
 quaisquer razões para esse contrato ser julgado inválido ou ineficaz.
 
                   2.ª – Segundo o douto acórdão recorrido, esses dois vícios 
 residiriam no seguinte:
 
                   – Pelo jogo das regras legais sobre a distribuição do ónus da 
 prova deve concluir‑se que, no caso em apreço, não foram observadas as 
 formalidades ad substantiam para a transmissão das acções objecto do mencionado 
 contrato, quer estas sejam nominativas quer sejam ao portador, pelo que o 
 contrato será nulo;
 
                   – A aquisição das acções da B. não se integra no objecto 
 social da A., pelo que o contrato de compra e venda das acções, ainda que não 
 fosse nulo, seria ineficaz, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 5, do 
 CSC, por estarem preenchidos os requisitos cumulativos do n.º 1 do mencionado 
 preceito.
 
                   3.ª – Para a decisão da Relação de declarar o contrato nulo 
 assumiu‑se como fulcral o juízo feito sobre a distribuição do encargo probatório 
 no que respeita à observância de determinadas formalidades de que dependeria a 
 transmissão das acções e, desde logo, no que se refere à natureza das acções, 
 como nominativas ou ao portador. Tal juízo mostra‑se, porém, equivocado e 
 incorre mesmo em contradição com as considerações tecidas anteriormente no douto 
 acórdão recorrido.
 
                   4.ª – Se se entender a presente acção como de simples 
 apreciação, afigura‑se dever qualificá‑la como de simples apreciação positiva, 
 tal como o fez a 1.ª Instância. Porém, ainda que a acção seja de simples 
 apreciação negativa, como entendeu a Relação, isso não significa que o autor 
 estivesse dispensado da prova dos factos que dariam corpo aos vícios apontados 
 aos negócios cuja invalidade pretende ver declarada, e que recaísse sobre as rés 
 o ónus de afastar todas as eventuais causas de invalidade dos actos impugnados 
 pelo autor. Pelo contrário, e conforme é num primeiro momento reconhecido no 
 douto acórdão recorrido, era ao autor que pertencia, na presente acção, o ónus 
 da alegação e prova dos concretos vícios imputados aos actos e contratos 
 impugnados.
 
                   5.ª – O suposto não cumprimento de formalidades para a 
 transmissão das acções é algo que diz respeito à existência de vícios do 
 contrato (ou seja, a factos impeditivos do direito invocado pelas rés) e, por 
 conseguinte, a respectiva prova pertenceria ao autor. E o mesmo se diga 
 relativamente à natureza nominativa ou ao portador das acções, enquanto factor 
 que determinaria quais as formalidades a que a transmissão estaria submetida.
 
                   6.ª – Por conseguinte, não era às rés, para se poderem valer 
 da aquisição das acções pela A., que competiria demonstrar que tais formalidades 
 foram respeitadas, ou que as acções tinham esta ou aquela natureza (do mesmo 
 modo que sobre elas não recaía o ónus de provar que a transmissão das acções não 
 padeceu de qualquer outro vício).
 
                   7.ª – Consequentemente, o non liquet quanto ao facto de as 
 acções serem nominativas ou ao portador não pode voltar‑se contra as rés mas 
 antes contra o autor. Se não se apurou se as acções eram nominativas ou ao 
 portador quando o contrato foi celebrado, e se não se demonstrou se foram ou não 
 cumpridas as formalidades de transmissão das acções previstas consoante 
 estejamos perante uma ou outra modalidade de acções, a conclusão não é que o 
 contrato é nulo mas, pelo contrário, que também o suposto vício do contrato que 
 estaria na inobservância dessas formalidades se deve ter como não demonstrado.
 
                   8.ª – A solução dada a esta questão no douto acórdão recorrido 
 significa, afinal, que seria às rés que competiria provar que a aquisição das 
 acções pela A. não padeceu de qualquer vício, o que se traduz na aplicação das 
 regras dos artigos 342.º e 343.º do Código Civil com um sentido 
 inconstitucional, por violação do direito de defesa e do direito a um processo 
 equitativo consagrados no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, bem como dos 
 princípios da segurança e certeza jurídicas plasmados no artigo 2.º da CRP.
 
                   9.ª – Ainda que se pudesse entender que a circunstância de não 
 se ter demonstrado se as acções eram nominativas ou ao portador legitima a 
 conclusão de que não foram observadas as formalidades à época exigidas para a 
 transmissão das acções – no que não se concede –, nem por isso seria nulo o 
 contrato de compra e venda das acções celebrado entre a D. e a A..
 
                   10.ª – O facto de o negócio ter por objecto acções, sejam elas 
 nominativas ou ao portador, não obsta a que a propriedade das mesmas se 
 transmita solo consensu, isto é, por efeito do acordo de vontades entre o 
 transmitente e o adquirente. Por conseguinte, a validade do contrato celebrado 
 entre a D. e a A. prescinde por completo da observância das aludidas 
 formalidades, as quais se assumem, tão‑somente, como um requisito de 
 legitimação do adquirente para o exercício dos direitos fundados nas acções 
 adquiridas.
 
                   11.ª – Ainda que se entenda que é a própria transmissão da 
 propriedade das acções, e não apenas a legitimação do adquirente, que não 
 prescinde da observância de tais formalidades, daí não decorre que o facto de 
 elas supostamente não terem sido desde logo observadas, com a celebração do 
 contrato, importa a nulidade desse mesmo contrato. Pelo contrário, o que se 
 verificaria seria, então, uma cisão nos efeitos do negócio, que se manteria 
 válido, produzindo de imediato efeitos obrigacionais, vinculando as partes, e 
 ficando a produção do efeito real dependente da observância das mencionadas 
 formalidades.
 
                   12.ª – No douto acórdão recorrido afirma‑se também que o 
 contrato de aquisição das acções da B., ainda que não fosse nulo, seria ineficaz 
 nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 5, do CSC, por estarem preenchidos os 
 requisitos cumulativos do n.º 1 do mencionado preceito, uma vez que tal 
 aquisição não se integraria no objecto social da A.. Salvo o devido respeito, 
 afigura‑se existirem dois equívocos, quanto a este ponto, na douta decisão 
 recorrida, o primeiro quanto à não inclusão da aquisição das acções no objecto 
 da A. e o segundo quanto ao facto de se julgar preenchida a hipótese da alínea 
 b) do n.º 1 do artigo 29.º do CSC.
 
                   13.ª – Os contratos de compra e venda de acções celebrados 
 entre a D. e a A. durante o período relevante estavam compreendidos no objecto 
 social da A.. Na verdade, a aquisição de participações, em qualquer empresa, foi 
 um dos escopos para os quais a A. se constituiu e estava expressamente 
 contemplada no artigo 4.º dos seus estatutos. O seu objecto social compreendia a 
 aquisição de participações, pelo que a compra da participação na B: traduziu uma 
 actuação ou realização de tal objecto, pelo que fica, por essa via, desde logo 
 afastada a aplicação do artigo 29.º do CSC.
 
                   14.ª – Contrariamente ao entendido no douto acórdão recorrido, 
 o contrato celebrado entre a A. e a D., relativo às acções J., não conta, em 
 medida alguma, para efeitos do preenchimento do plafond de 2% previsto no artigo 
 
 29.º, n.º 1, alínea b), do CSC, pelo que no período relevante aqui em jogo – ou 
 seja, entre 31 de Dezembro de 1987 e 31 de Dezembro de 1989 –, não ocorreu, em 
 bom rigor, qualquer aquisição de acções pela A. à D. que, para aqueles efeitos, 
 se devesse somar à das acções da B..
 
                   15.ª – A operação relativa às acções da J., pelos seus 
 próprios termos (patentes nos factos julgados provados sob os n.ºs 30 e 31), 
 nunca poderia implicar uma diminuição patrimonial para a A., sendo por isso 
 estranha à ratio do artigo 29.º do CSC.
 
                   16.ª – Aliás, a qualificação jurídica que melhor quadra ao 
 negócio relativo às acções J. é, não a de compra e venda, mas a de mandato para 
 venda, pelo que a dita operação não consubstanciará sequer uma aquisição e 
 ficará, também por isso, de fora do alcance do artigo 29.º do CSC.
 
                   17.ª – Ainda que estivéssemos perante uma compra e venda de 
 acções, nem por isso daí decorreria a ineficácia do contrato relativo às acções 
 da B.. Isto porque, a ser assim, a própria operação relativa às acções J., num 
 montante de 25 000 000$00, excederia, por si mesma, o sobredito limite de 2% do 
 capital social da A., sendo, portanto, ineficaz para com esta última e já não 
 contando para efeitos da não ultrapassagem do limite dos 2% por parte de 
 aquisições feitas ulteriormente pela A. à sua accionista.
 
                   18.ª – Daí que, quando a A. comprou à D. as acções da B. pelo 
 preço de 4 500 000$00, o contravalor dos bens adquiridos à D. não excedesse 2% 
 do capital social e tal compra não preenchesse os requisitos que cumulativamente 
 são exigidos para a intervenção do artigo 29.º do CSC.
 
                   19.ª – A «compra» das 18 770 acções J. nunca contará, pois, em 
 medida alguma, para efeitos do preenchimento do plafond de 2% – por não ser de 
 todo uma aquisição, por não ser uma aquisição que lese ou ponha em perigo as 
 finalidades visadas pela lei, ou por ser ineficaz para com a A..
 
                   20.ª – Mesmo que, quando foi celebrado o contrato de compra e 
 venda das acções da B., tivesse havido violação do disposto no artigo 29.º, n.º 
 
 1, do CSC, o contrato teria entretanto adquirido plena eficácia também 
 relativamente à A., por isso que, como ficou demonstrado nos autos e foi 
 reconhecido a págs. 42 a 44 do douto acórdão recorrido, o Conselho de 
 Administração da A. praticou, já no ano de 1990 (após o decurso do prazo de 
 dois anos consagrado pela alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do CSC), vários 
 actos dos quais emergiu inequivocamente a ratificação da aquisição das acções da 
 B..
 
                   21.ª – Ora, afigura‑se manifesto que, uma vez recuperada pelo 
 Conselho de Administração a plenitude dos seus poderes, ele, da mesma forma que 
 poderia então, sem a anuência da Assembleia Geral, adquirir as acções em causa, 
 também poderá limitar‑se a ratificar uma aquisição feita anteriormente, sanando 
 dessa forma a ineficácia de que esta porventura padecesse.
 
                   22.ª – O douto acórdão recorrido, ao julgar nulo o contrato, 
 fez errada aplicação das regras legais sobre a distribuição do ónus da prova, 
 concretamente das normas dos artigos 342.º e 343.º do CC, que aplicou, aliás, 
 com um sentido desconforme com o disposto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, e 
 fez também errada aplicação das normas dos artigos 326.º e 327.º do CSC (e 101.º 
 e 102.º do CVM), relativas às formalidades da transmissão de acções. Ao julgar 
 que o contrato, ainda que não fosse nulo, seria ineficaz, o douto acórdão 
 recorrido fez errada aplicação da norma do artigo 29.º do CSC.
 
                   Termos em que deverá julgar‑se procedente o presente recurso 
 e, consequentemente, revogar‑se o douto Acórdão recorrido na parte em que 
 concedeu parcial provimento ao recurso de apelação, revogou, também 
 parcialmente, a sentença recorrida e declarou nulo o contrato de aquisição de 
 acções celebrado entre a D. e a A..”
 
  
 
                                     1.5. Por acórdão do Supremo Tribunal de 
 Justiça, de 6 de Outubro de 2005, foi negado provimento aos recursos de revista, 
 com a seguinte fundamentação, no que respeita ao recurso das rés, único que 
 releva para o presente recurso de constitucionalidade:
 
  
 
                   “Já vimos que a Relação declarou nulo o contrato de aquisição 
 de acções celebrado entre a A. e a D..
 
                   Declaração essa que as rés não aceitam.
 
                   Fulcral para a decisão da questão daí adveniente, é a 
 qualificação da presente acção: se de apreciação positiva ou negativa.
 
                   Segundo o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea a), do Código 
 de Processo Civil, as acções de simples apreciação têm por fim obter unicamente 
 a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto.
 
                   E fundamental para se determinar se a acção é de apreciação 
 positiva ou negativa é o teor do pedido, é a providência que o autor requer (cf. 
 Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil, 2.ª edição, 1961, pág. 69).
 
                   Tal como a Relação, também entendemos que «no caso presente, o 
 autor demanda as rés, impugnando a qualidade de accionista no capital social da 
 B. da 1.ª ré. O pedido formulado consiste na declaração de nulidade do contrato 
 de aquisição de acções, bem como dos autos que esta praticou, invocando aquela 
 qualidade (de accionista da B.). O que o autor pretende consiste, no essencial, 
 na negação da qualidade de accionista no capital da B. que a 1.ª ré se arroga.»
 
                   Consequentemente, estamos perante uma acção declarativa de 
 simples apreciação negativa.
 
                   Neste tipo de acção, em conformidade com o disposto no n.º 1 
 do artigo 343.º do Código Civil, incide sobre o réu o ónus da prova dos factos 
 constitutivos do direito que se arroga.
 
                   Assim, pretendendo o autor a negação da qualidade da A. de 
 accionista da B., qualidade adveniente da aquisição de 4500 acções desta última 
 ré, por força do contrato que terá firmado com a D. em 29 de Dezembro de 1989, é 
 sobre as rés que recai o ónus da prova da existência do referido contrato e da 
 qualidade daí resultante.
 
                   A incidência, in casu, daquele ónus sobre as rés não viola o 
 estatuído no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, porque é o resultado da aplicação 
 das regras sobre o ónus da prova estabelecidas na nossa lei substantiva (citado 
 artigo 343.º).
 X
 
                   Segue‑se a apreciação sobre a validade ou nulidade do contrato 
 de aquisição das acções em causa.
 
                   No que concerne à transmissão, fora da bolsa, de acções 
 nominativas, estabelece o n.º 1 do artigo 326.º do CSC que elas se transmitem 
 entre vivos por declaração do transmitente escrita no título e pelo pertence 
 lavrado no mesmo e averbamento no livro de acções da sociedade por esta 
 efectuados.
 
                   No que toca à transmissão, entre vivos, de acções ao portador 
 prescreve o n.º 1 do artigo 327.º daquele diploma que ela se efectua pela 
 entrega dos títulos, dependendo da posse dos mesmos o exercício de direitos de 
 sócio.
 
                   As formalidades supra descritas são ad substantiam, 
 constitutivas, essenciais para que se dê a transmissão da participação social 
 ou das acções (vide Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 6 de Fevereiro de 1997 e 
 
 6 de Outubro de 1998, respectivamente, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 
 
 464, pág. 551, e n.º 480, pág. 490, e Coutinho de Abreu, em Curso de Direito 
 Comercial, vol. II, Das Sociedades, pág. 372).
 
                   Ora, na situação em apreço, não lograram as rés provar que 
 qualquer daquelas formalidades tenham sido observadas no mencionado contrato de 
 transmissão de acções.
 
                   Portanto, é irrelevante apurar a natureza das aludidas acções 
 porque, quer fossem nominativas, quer fossem ao portador, a sua transmissão não 
 se operou, já que, como acima se disse, não se mostram cumpridas as 
 formalidades exigidas por lei para a transmissão das acções ao portador.
 
                   Logo, o referido contrato é nulo (artigo 294.º do Código 
 Civil), deste modo se confirmando a decisão da Relação que assim o declarou.
 
                   Declarado, pelas razões acima expostas, o contrato [nulo], 
 improcede o recurso das rés, ficando prejudicado o conhecimento de tudo o mais 
 que nele [era] versado, designadamente o conhecimento da eficácia do mesmo 
 contrato.”
 
                   
 
                                     1.6. É contra esta parte do acórdão do STJ 
 que, como inicialmente se referiu, as rés interpuseram recurso para o Tribunal 
 Constitucional, terminando as respectivas alegações com a formulação das 
 seguintes conclusões:
 
  
 
                   “1.ª – O presente recurso tem por objecto a norma do artigo 
 
 343.°, n.º 1, do Código Civil, com o sentido com que foi aplicada no acórdão 
 recorrido quanto ao alcance do aí previsto relativamente ao encargo probatório 
 do réu numa acção de simples apreciação negativa, sentido [esse que] foi o de 
 que, numa acção de simples apreciação em que o autor pede a declaração de 
 nulidade de um contrato de aquisição de acções e dos actos que um dos réus 
 praticou invocando a qualidade de accionista do outro réu, seria aos réus que 
 competiria provar não só a existência de tal contrato mas também que este não 
 padeceu de qualquer vício, e, concretamente, dos vícios que lhe são imputados 
 pelo autor.
 
                   2.ª – A aplicação da norma do artigo 343.º, n.º 1, do Código 
 Civil assume‑se como decisiva na douta decisão recorrida. Foi por se considerar 
 que daquele preceito decorre que é sobre as rés que recai o ónus de provar que a 
 compra e venda das acções não padece de um concreto vício – o não cumprimento 
 de determinadas formalidades consideradas essenciais para que se dê a 
 transmissão da participação social – que se concluiu que, não tendo as rés feito 
 prova da observância de tais formalidades, o contrato deve ser considerado 
 inválido.
 
                   3.ª – A interpretação da norma do artigo 343.º, n.º 1, do 
 Código Civil acolhida na douta decisão recorrida viola o direito de defesa e o 
 direito a um processo equitativo consagrados no artigo 20.°, n.ºs 1 e 4, da CRP, 
 bem como os princípios da segurança e certeza jurídicas plasmados no artigo 2.° 
 da CRP.
 
                   4.ª – Os direitos constitucionais à defesa e a um processo 
 equitativo e justo supõem que a todos deve ser assegurado, num sentido formal e 
 também num sentido material, o direito efectivo a uma jurisdição, o que só se 
 consegue se ao longo de todo o processo forem observadas um conjunto de regras 
 que assegurem que o processo se desenrola em termos equitativos e justos, e que 
 as partes tenham posições simétricas, paritárias, perante o tribunal, devendo 
 dispor, no essencial, de iguais meios para apresentar e fazer valer as suas 
 posições em juízo.
 
 5.ª – Ora, a distribuição do ónus da prova operada no artigo 343.°, n.º 1, do 
 Código Civil, tal como ele foi aplicado na douta decisão recorrida, incorre em 
 desrespeito por estes princípios constitucionais ao libertar o autor, que invoca 
 a nulidade de um contrato, do encargo de provar as concretas razões pelas quais 
 esse contrato sofre dos vícios por ele invocados, fazendo antes recair sobre as 
 rés, para afastarem a declaração de nulidade do negócio, o ónus de provarem os 
 factos demonstrativos de que o contrato não padece dos defeitos alegados pelo 
 autor (ou de quaisquer outros que o possam invalidar). Isto porque se está, 
 assim, a conferir às partes um estatuto processual gritantemente desigual, em 
 claro prejuízo da posição do réu, que vê os seus direitos de defesa 
 substancialmente coarctados.
 
 6.ª – A certeza e a segurança jurídicas são também postas em crise em face de 
 uma interpretação da norma do artigo 343.°, n.º 1, do Código Civil como a 
 seguida no douto acórdão recorrido. O comércio jurídico, e em particular o 
 tráfico mercantil, ver‑se‑iam gravemente afectados se aquele que adquire uma 
 posição jurídica por virtude de um negócio jurídico estivesse, a todo o tempo, 
 sujeito, se alguém pusesse em causa esse seu direito ou o facto do qual decorreu 
 a sua aquisição, a ter de demonstrar que tal facto não padeceu de quaisquer 
 imagináveis vícios, sob pena de, não o fazendo, se ver privado desse mesmo 
 direito!
 
 7.ª – A norma do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil pode, sem qualquer 
 dificuldade, interpretar‑se com um sentido que não viola as mencionadas regras e 
 preceitos constitucionais, para tanto bastando que se interprete o mencionado 
 comando com o sentido de que, em acções de simples apreciação negativa, o ónus 
 da prova dos factos constitutivos do direito invocado pelo réu pertence a este 
 
 último, mas que, pelo contrário, já pertence ao autor o encargo de demonstrar a 
 existência dos vícios que imputa a tais factos constitutivos e que podem 
 determinar a invalidade dos mesmos.
 
 8.ª – O sentido proposto é o que coloca a norma do artigo 343.º, n.º 1, do 
 Código Civil em sintonia com as normas legais pertinentes no que respeita à 
 distribuição do ónus da alegação nas acções de simples apreciação negativa, bem 
 como com o modo como a doutrina tem entendido a distribuição do ónus da prova 
 nestas acções, fazendo recair sobre o réu o encargo de alegar e provar os factos 
 constitutivos do direito que se arroga, mas é sobre o autor que recai o ónus da 
 alegação e prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
 
 9.ª – A interpretação propugnada é, também, a que vai ao encontro da ratio da 
 regra especial sobre o ónus da prova nas acções de simples apreciação negativa, 
 que tem a ver com o facto de ser por via de regra mais fácil a quem alardeia a 
 existência de um direito ou de um facto demonstrar a sua existência 
 
 (identificando a respectiva causa específica) do que à contraparte provar a sua 
 inexistência (afastando todas as causas possíveis da sua produção). Na verdade, 
 porque ao réu será praticamente impossível a prova de que o facto constitutivo 
 do direito que se arroga não sofre de nenhum vício que o invalide, é sobre o 
 autor que deve recair o ónus da prova de tal vício (isto é, dos factos 
 impeditivos ou extintivos do direito do réu).
 
 10.ª – De acordo com a interpretação aqui sustentada, que é aquela que encontra 
 acolhimento nas normas e princípios constitucionais acima referidos, fica claro 
 que pertencia ao autor, na presente acção, o ónus da alegação e prova dos 
 concretos vícios imputados aos actos e contratos impugnados, e que não competia 
 
 às rés a demonstração da inexistência de quaisquer vícios relativamente a tais 
 actos. Consequentemente, o facto de não se ter demonstrado se foram ou não 
 cumpridas as formalidades de transmissão das acções previstas consoante 
 estejamos perante acções nominativas ou ao portador não leva a que o contrato 
 seja nulo mas, pelo contrário, conduz a que se deva concluir que também o 
 suposto vício do contrato que estaria na inobservância dessas formalidades se 
 deva ter como não verificado.
 Termos em que deverá julgar‑se procedente o presente recurso e, 
 consequentemente, declarar-se inconstitucional a norma do artigo 343.º, n.º 1, 
 do Código Civil, com o sentido com que foi aplicada no douto acórdão recorrido, 
 determinando‑se que este seja substituído por outro no qual se aplique a 
 referida norma com o sentido de esta não implicar que, numa acção de simples 
 apreciação negativa, pertença ao réu o ónus de provar a inexistência dos vícios 
 que o autor imputa ao facto constitutivo do direito invocado pelo réu.”
 
  
 
                                     1.7. Nas contra‑alegações apresentadas, o 
 autor, ora recorrido, sustenta a inadmissibilidade do presente recurso a 
 diversos títulos:
 
                                     a) nas alegações as recorrentes já não 
 sustentam nem pedem que a norma do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil seja 
 julgada inconstitucional, mas tão‑só que a mesma seja interpretada em certo 
 sentido para estar “em sintonia com as normas legais pertinentes”, e já não em 
 sintonia com os princípios constitucionais invocados;
 
                                     b) o acórdão recorrido não se fundamenta na 
 interpretação que as recorrentes reputam de inconstitucional;
 
                                     c) o acórdão recorrido fundamenta‑se também 
 na norma do artigo 29.º, n.º 5, do CSC, pelo que a eventual emissão de juízo de 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil seria 
 inútil, pois o sentido decisório daquele acórdão permaneceria o mesmo, com base 
 naquele primeiro fundamento;
 
                                     d) a inutilidade do conhecimento do recurso 
 de constitucionalidade deriva ainda do facto de o autor ter provado a 
 inexistência jurídica dos títulos representativos das acções em causa, prova 
 essa que, apesar de ter sido erradamente considerada extemporânea, sempre 
 poderá, a todo o tempo, fundar nova declaração de nulidade do contrato;
 
                                     e) o que as recorrentes, em rigor, impugnam 
 são as decisões da Relação e do STJ por estas terem aplicado o direito ordinário 
 em sentido que lhes desfavorável, pretendendo que se crie uma norma (“compete 
 
 àquele que nega a existência de um direito fazer a prova dessa inexistência”), 
 que seria, essa sim, contrária às normas e princípios consagrados nos artigos 
 
 1.º, 2.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.
 
  
 
                                     1.8. As recorrentes responderam às questões 
 prévias suscitadas na contra‑alegação do recorrido, propugnando a sua 
 improcedência.
 
                                     Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
 
  
 
                                     2. Fundamentação
 
                                     Começando, como cumpre, pela apreciação das 
 questões suscitadas pelo recorrido susceptíveis de conduzir ao não conhecimento 
 do recurso, há que desatender a primeira, pois, na verdade, ao defenderem, na 
 sua alegação, uma determinada interpretação normativa como sendo conforme à 
 Constituição, em contraponto a outra interpretação, que dela difere 
 substancialmente, que, segundo as recorrentes, teria sido acolhida na decisão 
 recorrida e que violaria a Constituição, não se constata qualquer “abandono”, 
 por parte das recorrentes, da questão de constitucionalidade que pretendiam ver 
 apreciada.
 
                                     Igualmente improcede a alegada inutilidade 
 de conhecimento do recurso por, mesmo que obtivesse provimento e o contrato não 
 fosse considerado nulo por força da aplicação feita da regra do artigo 343.º, 
 n.º 1, do Código Civil, sempre seria ineficaz por desrespeito do artigo 29.º, 
 n.º 5, do CSC. É que o acórdão do STJ, ora recorrido, após considerar nulo o 
 contrato por falta de cumprimento de formalidades ad substantiam, considerou 
 prejudicado o conhecimento, designadamente, da eficácia do contrato, por 
 extravasar o objecto de uma das sociedades contratantes. Isto é: diversamente do 
 acórdão da Relação, que chegou a emitir pronúncia expressa no sentido da 
 ineficácia com base em violação do artigo 29.º, n.º 5, do CSC, o acórdão do STJ 
 funda‑se exclusivamente na nulidade do contrato, havendo, assim, interesse no 
 conhecimento do recurso (se o mesmo vier a ser considerado admissível).
 
                                     Também são irrelevantes as considerações 
 tecidas pelo recorrido quanto à prova, que teria feito e que poderia repetir em 
 futura acção de nulidade do contrato, da inexistência dos títulos, pois esta 
 pretensa inexistência foi julgada não provada pelas instâncias e a seu respeito 
 não vem suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade.
 
                                     Porém, analisada a fundamentação do acórdão 
 recorrido e os termos em que se mostram formulados, quer o requerimento de 
 interposição de recurso, quer as alegações das recorrentes, há que reconhecer 
 que não se pode conhecer do objecto do presente recurso, desde logo por, em 
 rigor, vir questionada, não a constitucionalidade de um critério normativo, mas 
 antes a da operação judicial de subsunção a esse critério, e, depois, por, mesmo 
 que se concedesse em vislumbrar na alegação das recorrentes a imputação de 
 inconstitucionalidade de um critério normativo, não haver coincidência entre o 
 critério questionado e o critério aplicado, como ratio decidendi, pela decisão 
 ora impugnada.
 
                                     Na verdade, o acórdão da Relação claramente 
 enunciou – e o acórdão ora recorrido não se afastou dessa orientação – o 
 critério de que, nas acções de simples apreciação negativa, “ao réu incumb[e] 
 
 (…) a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, enquanto que ao 
 autor se impõe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse 
 direito”. As recorrentes não questionam a correcção (e a constitucionalidade) 
 deste critério, mas entendem que o mesmo terá sido mal (e 
 inconstitucionalmente) aplicado no caso concreto. Mas, sendo assim, o que, em 
 rigor, se questiona é a constitucionalidade da própria decisão judicial de 
 subsunção do caso concreto àquele critério, o que, como é sabido, não constitui 
 objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.
 
                                     Por outro lado, a situação de non liquet 
 respeitava, como claramente se refere no acórdão da Relação, à natureza das 
 acções (se nominativas, se ao portador), e, apesar de resolvida em desfavor das 
 rés, ora recorrentes, foi‑o com a expressa referência de que, quer fossem 
 nominativas, quer ao portador, era de concluir não terem sido respeitadas as 
 formalidades ad substantiam que, para umas e/ou para outras, eram legalmente 
 exigíveis. Foi a falta de cumprimento destas formalidades, dada como provada, e 
 não a dúvida sobre a natureza das acções que determinou a decisão de nulidade do 
 contrato.
 
                                     O mesmo entendimento foi seguido no acórdão 
 do STJ, ora recorrido, que claramente enunciou, após reiterar a adesão ao 
 referido critério normativo, que, no caso, tinha de ser julgada em desfavor das 
 rés a falta de prova do cumprimento das formalidades ad substantiam (para as 
 acções nominativas: a declaração do transmitente escrita no título, o pertence 
 lavrado no mesmo e o averbamento no livro de acções da sociedade; para as acções 
 ao portador: a entrega dos títulos), dado que estas formalidades eram 
 constitutivas do direito das rés. Esta qualificação das referidas formalidades 
 como elemento constitutivo do direito das rés – qualificação que o Tribunal 
 Constitucional tem de acolher como um dado da questão – implica que o acórdão 
 recorrido não acolheu o critério normativo que se admitiu ter sido questionado, 
 do ponto de vista da sua conformidade constitucional, pelas recorrentes: o de 
 que se estaria a impor aos réus nas acções de simples apreciação negativa o ónus 
 
 (excessivo e desproporcionalidade) da inexistência de factos impeditivos, 
 modificativos ou extintivos do direito arrogado.
 
                                     Assim, quer porque a imputação da 
 inconstitucionalidade visa directamente a decisão judicial impugnada, em si 
 mesma considerada, quer porque, a admitir‑se questionarem as recorrentes 
 determinado critério normativo, este não ter sido aplicado, como ratio 
 decidendi, pelo acórdão recorrido, impõe‑se a conclusão da impossibilidade de 
 conhecimento do objecto do presente recurso.
 
  
 
                                     3. Decisão
 
                                     Em face do exposto, acordam em não conhecer 
 do presente recurso.
 
                                     Custas pelas recorrentes, fixando‑se a taxa 
 de justiça em 12 (doze) unidades de conta, por cada uma.
 Lisboa, 16 de Maio de 2007.
 Mário José de Araújo Torres
 Benjamim Silva Rodrigues
 João Cura Mariano
 Rui Pereira
 Rui Manuel Moura Ramos